o Cristianismo e a Época Das Descobertas Dos Europeus (1)

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O CRISTIANISMO E A ÉPOCA DAS DESCOBERTAS DOS EUROPEUS A pergunta que aqui nos fazemos é esta: qual a relação do cristianismo com os povos e culturas que foram novidade para a Europa a partir dos séculos XV-XVI ? Esta pergunta tem sentido, porque o cristianismo era um fenómeno europeu, isto é, era o resultado, mais ou menos feliz, do casamento do evangelho de Jesus com a cultura do Império romano, a cultura europeia. Ora, quando esse cristianismo – de europeus – descobre outros povos e culturas, algumas delas milenares e extremamente ricas e complexas, que atitude tomou? Dum modo geral, podemos dizer que a expansão do cristianismo acompanhou a expansão político-comercial europeia. Por isso, tratou-se de um encontro muito ambíguo com os povos e culturas africanos, asiáticos ou americanos. A todos esses povos e culturas era necessário baptizar (porque eram pagãos…) e civilizar (porque considerados ignorantes…). Esse movimento originou, portanto, muito desrespeito para com as religiões e culturas desses povos. É difícil, assim, olhar para o passado e dizer, romântica e ingenuamente, que apenas houve um maravilhoso encontro de culturas e uma genuína e desinteressada expansão da fé cristã. A Europa, em nome dos seus interesses estratégicos e comerciais, não hesitou em destruir povos, civilizações e culturas. Não hesitou, tão pouco, em fazer da escravatura e da exploração das riquezas dos novos continentes o seu principal motivo de expansão. E a Igreja (configuração histórica do cristianismo – até então só europeu) esteve ligada a esse comércio e esclavagismo. Recordemos, a este respeito, dois documentos da época: na bula ‘Dum Diversas’, de 1452, o papa Nicolau V concede aos portugueses, concretamente ao rei D.Afonso V, «plena e

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O CRISTIANISMO E A ÉPOCA DAS DESCOBERTAS DOS EUROPEUS

A pergunta que aqui nos fazemos é esta: qual a relação do cristianismo com os povos e culturas que foram novidade para a Europa a partir dos séculos XV-XVI ?

Esta pergunta tem sentido, porque o cristianismo era um fenómeno europeu, isto é, era o resultado, mais ou menos feliz, do casamento do evangelho de Jesus com a cultura do Império romano, a cultura europeia. Ora, quando esse cristianismo – de europeus – descobre outros povos e culturas, algumas delas milenares e extremamente ricas e complexas, que atitude tomou?

Dum modo geral, podemos dizer que a expansão do cristianismo acompanhou a expansão político-comercial europeia. Por isso, tratou-se de um encontro muito ambíguo com os povos e culturas africanos, asiáticos ou americanos. A todos esses povos e culturas era necessário baptizar (porque eram pagãos…) e civilizar (porque considerados ignorantes…).

Esse movimento originou, portanto, muito desrespeito para com as religiões e culturas desses povos. É difícil, assim, olhar para o passado e dizer, romântica e ingenuamente, que apenas houve um maravilhoso encontro de culturas e uma genuína e desinteressada expansão da fé cristã.

A Europa, em nome dos seus interesses estratégicos e comerciais, não hesitou em destruir povos, civilizações e culturas. Não hesitou, tão pouco, em fazer da escravatura e da exploração das riquezas dos novos continentes o seu principal motivo de expansão. E a Igreja (configuração histórica do cristianismo – até então só europeu) esteve ligada a esse comércio e esclavagismo. Recordemos, a este respeito, dois documentos da época: na bula ‘Dum Diversas’, de 1452, o papa Nicolau V concede aos portugueses, concretamente ao rei D.Afonso V, «plena e livre faculdade para invadir, conquistar, expulsar, derrotar ou subjugar os sarracenos, pagãos ou outros inimigos da cristandade e o direito de conduzi-los à servidão perpétua, de confiscar os seus bens e ocupar as suas terras»; o III Concílio Provincial Mexicano, de 1585, por sua vez, decreta «meios rigorosos» contra os índios nativos «que voltam sem temor a seus erros e ritos antigos».

Houve, contudo, excepções. Nos 3 continentes dos novos mundos houve, felizmente, exemplos de uma forma verdadeiramente respeitadora das culturas autóctones por parte das missões cristãs.

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Na América, poderíamos e deveríamos lembrar Bartolomeu de las Casas e todos os que propuseram um encontro amigável com os povos e culturas índias, sem conquista prévia dos seus territórios. De lembrar, também, os jesuítas com as suas famosas ‘reduções’.

Na África, para além da generosidade de muitos missionários, individualmente tomados, temos a destacar o caso de Libermann, cerca do ano 1800, que escreveu aos seus companheiros: «despojai-vos da Europa, fazei-vos negros com os negros».

Na Ásia, temos os sobretudo os casos dos jesuítas na China e na Índia (respectivamente com Ricci e Nobili), que estudam a fundo o confucionismo e o sânscrito, apreciam verdadeiramente as milenares culturas e religiões locais e aproveitam até muitos dos seus elementos para enriquecimento do cristianismo (europeu). Veja a este respeito o texto maravihloso da Propaganda Fide, em 1659, a respeito das missões na China: «Não ponham nenhum zelo nem avancem nenhum argumento para convencer esses povos a mudar os seus ritos, os seus costumes, os seus hábitos, que não sejam evidentemente contrários à religião e à moral. O que é mais absurdo que transportar a França, a Espanha, a Itália ou outro país da Europa para entre os chineses? Não lhes introduzam nada disso, mas apenas a fé, que não menospreza ou destrói os ritos e costumes de nenhum povo (…) Não ponham então nunca os costumes da Europa em paralelo com os desses povos; pelo contrário, adaptai-vos aos deles com diligência»

Servem-nos estes exemplos para equacionar, hoje e sempre, a relação cristianismo-cultura. Mas do mesmo modo nos servem para nos lembrar que constituíram excepções à regra da violência e incompreensão do cristianismo face a esses povos e culturas que os europeus descobriram.