O Crescimento Dos Cabelos

10
O COMPRIMENTO E A COR DOS CABELOS SÃO A IMAGEM DA SATISFAÇÃO INTRÍNSECA DE UMA CULTURA. Derneval Araújo Biomédico – Tricólogo Salvador – 2007 A maquiagem negra circunscrita à reprodução de um estilo afro "autêntico ou estilizado" remete para a importância do rosto na valorização de traços e do tipo físico, tornando o cabelo um elemento fundamental na constituição do que seja a beleza negra. Afinal, como afirmava o Jornal de Brasília, "os cabelos emolduram o rosto". Os discursos sobre a importância do cabelo na composição da estética negra são temas de imagens aproximativas, contrastivas e de conteúdo político. A aproximação é a suposta harmonia estética do rosto das sociedades ocidentais, em que os cabelos considerados bonitos são lisos e compridos. Em razão dessa colonização cultural, os negros usavam ferro quente (que os baianos apropriadamente denominam chapinha), pastas, alisantes e outras alquimias, construindo-se um ideal negro associado ao uso desse instrumental. Uma imagem de contraste revela um discurso político, a partir dos anos 1970, relacionado aos reflexos do "black is beautiful", movimento cultural e comportamental norte-americano dos anos 1960. Foi nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, os dois centros irradiadores da influência norte-americana, que apareceu o corte black-power - cabelo redondo e cheio, in natura. Por conseguinte, com a crescente valorização da busca da "consciência racial", procurou-se uma "naturalização" dos cortes, trançados e penteados afro, com repúdio do alisamento - "além de decadente [o alisamento], é prejudicial porque impede o crescimento do cabelo" (Orilê, cabeleireira paulista). A imagem do cabelo natural passou a ser reverenciada como aquela que se contrapõe ao cabelo liso e que estaria em consonância com uma nova mentalidade do "ser negro". Como observa (Cunha 1991), "a naturalidade, por sua vez, não significa a ausência total de interferência. Mas ela é de outra natureza. Nela, a produção estética visa auxiliar e fortalecer os cabelos; o sentido é anterior à naturalidade, 1

description

Este texto faz relato sobre cabelos

Transcript of O Crescimento Dos Cabelos

Page 1: O Crescimento Dos Cabelos

O COMPRIMENTO E A COR DOS CABELOS SÃO A IMAGEM DA SATISFAÇÃO INTRÍNSECA DE UMA CULTURA.

Derneval AraújoBiomédico – TricólogoSalvador – 2007

A maquiagem negra circunscrita à reprodução de um estilo afro "autêntico ou estilizado" remete para a importância do rosto na valorização de traços e do tipo físico, tornando o cabelo um elemento fundamental na constituição do que seja a beleza negra. Afinal, como afirmava o Jornal de Brasília, "os cabelos emolduram o rosto".

Os discursos sobre a importância do cabelo na composição da estética negra são temas de imagens aproximativas, contrastivas e de conteúdo político. A aproximação é a suposta harmonia estética do rosto das sociedades ocidentais, em que os cabelos considerados bonitos são lisos e compridos. Em razão dessa colonização cultural, os negros usavam ferro quente (que os baianos apropriadamente denominam chapinha), pastas, alisantes e outras alquimias, construindo-se um ideal negro associado ao uso desse instrumental. Uma imagem de contraste revela um discurso político, a partir dos anos 1970, relacionado aos reflexos do "black is beautiful", movimento cultural e comportamental norte-americano dos anos 1960. Foi nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, os dois centros irradiadores da influência norte-americana, que apareceu o corte black-power - cabelo redondo e cheio, in natura. Por conseguinte, com a crescente valorização da busca da "consciência racial", procurou-se uma "naturalização" dos cortes, trançados e penteados afro, com repúdio do alisamento - "além de decadente [o alisamento], é prejudicial porque impede o crescimento do cabelo" (Orilê, cabeleireira paulista).

A imagem do cabelo natural passou a ser reverenciada como aquela que se contrapõe ao cabelo liso e que estaria em consonância com uma nova mentalidade do "ser negro". Como observa (Cunha 1991), "a naturalidade, por sua vez, não significa a ausência total de interferência. Mas ela é de outra natureza. Nela, a produção estética visa auxiliar e fortalecer os cabelos; o sentido é anterior à naturalidade, pois não vem como interferência externa, ao contrário, a precede". Angela Figueiredo (1994), em um trabalho de pesquisa com negros soteropolitanos (natural de Salvador), mostra que o discurso da naturalidade do cabelo está associado ao da aparência. Entretanto, argumenta que a "naturalidade" dos cabelos está vinculada ao "uso de interferências externas", como por exemplo nos dread locks (cabelo berlotado ou enrolado típico dos rastafari), nos quais se usa a "baba do chuchu" ou cera de abelha, entre outros mecanismo artificiais, ou no uso do implante, dito "mais natural" que o implante com canecalom.

Em última instância, falar de uma naturalidade do cabelo significa, retomando a pertinente observação de Figueiredo (1994), remetê-la a usos em um nível mais sociológico, ou, como observa Leach (1983) ao analisar o simbolismo do cabelo, ao uso mais público, já que se trata de um meio de comunicação. Ter um cabelo mais "natural", portanto, se torna relevante na reprodução de uma linguagem simbólica de diferença em relação ao cabelo liso ocidental, assim como serve para deixá-lo em condições "iguais", se pensamos na hierarquização de cabelos "bons" ou "ruins". Creio que a questão é saber de que modo as diferenças naturais entre os tipos de cabelo e suas especificidades são utilizadas para pensar as diferenças na sociedade brasileira, mesmo quando só se fala do cabelo negro. Deixar o cabelo crescer "naturalmente" implica reconhecer a origem africana: "o cabelo africano é seco" e o conseqüente tratamento específico, que o diferencia dos demais (SANTOS, 1999).

1

Page 2: O Crescimento Dos Cabelos

Então quanto à forma de hidratar e nutrir os cabelos diferencia-se nos procedimentos entre os negros e brancos? Pelo conhecimento científico da bioquímica, a proteína (queratina) que constitui o cabelo, é formada de dois tipos a alfa e a beta queratina, e os seus percentuais em cada fibra da estrutura do cabelo estão diretamente ligados às questões genéticas e/ou geográficas, resultando em uma variedade enorme de diferentes tipos e composições. Formando assim vários estilos tanto de cores, espessuras, resistências, grau de curvatura definindo liso ou crespo, quanto ao crescimento pouco ou normal, quanto à umidade hidratado ou seco, quanto à maciez áspero ou sedoso e etc.

Diante da diversidade de colonização na formação do povo, o Brasil tornou-se um país específico em diversificação nas variações estruturais dos cabelos, como observador de reações químicas adversas em cabelos posso dizer que tratar cabelo no Brasil, especialmente na Bahia, nordeste brasileiro de clima quente e seco com muita poeira e salitre das praias nas regiões costeiras, este é um estudo de caso que demora muito tempo de acompanhamento, que só o passo a passo para obter algum resultado satisfatório, sabemos que quanto maior for o percentual de queratina amorfa (beta queratina) mais frágil será a fibra do cabelo. É observado claramente este fato entre as duas queratinas alfa e beta.A queratina é composta por 18 aminoácidos, que estão distribuídas nos protofibrilos de forma alternada, conferindo diversas conformações à proteína, podendo ser mais enroladas ou lisas as fibras no cabelo, definindo assim se este é liso ou crespo.

Na α-queratina a estrutura helicoidal das ligações de hidrogênio são formadas entre a carbonila e grupos aminos secundários em volta adjacentes no espiral.

Figura 1 - Estruturas secundárias das proteínas: a hélice alfa.

Na β-queratina esticada, as ligações de hidrogênio ficam intermoleculares em vez de intramoleculares.

2

Page 3: O Crescimento Dos Cabelos

Figura 2 - Estrutura secundária de uma proteínado tipo -conformação.

A tensão mecânica causa ruptura das ligações de hidrogênio no alfa-hélice e essa possibilidade é auxiliada pela ação de substâncias químicas, também com a aplicação de calor na presença de H2O. A ruptura dessas ligações de hidrogênio é necessária para a distorção da molécula, para a transformação da forma alfa para beta.

Figura 3 - Estrutura íntegra de fibra protéica da alfa queratina do cabelo.

Com o uso de produtos para alisamentos a alfa queratina é alterada em algumas ligações para a beta queratina, tornando assim mais vulnerável à torção e fácil de romper suas ligações de hidrogênios e até mesmo as ligações peptídicas entre os aminoácidos do protofibrilo.

As manutenções consideradas hidratantes para usar nos cabelos processados anteriormente com produtos e/ou métodos de alisamentos, são também fórmulas químicas que interferem na estrutura da queratina, pois suas composições têm componentes como cloretos de cetil trimetil amônio componente condicionante, que age relaxando as ligações da queratina para oferecer mais sedosidade ao cabelo. Tem também componentes como glicerinas, silicones, óleo mineral e propileglicol, usados nos hidratantes sem enxague, com a função de baixar o volume, mas como já são cabelos processados, estes precisam de muita oxigenação, através das trocas gasosas com o meio externo, condição ideal para seu equilíbrio estático das poucas ligações agora restante depois dos processos sofridos. O uso em excesso destes produtos contendo estes componentes resultam em cabelos fracos e sem crescimento, porém não por problemas de queratinização na papila dérmica. A maioria dos profissionais da estética capilar alisam a parte crescida de aproximadamente 2cm a cada 60 dias com um produto compatível com o aplicado anteriormente, no entanto esta cliente sonha com um cabelo comprido, sonho este que nunca acontece, pois cada dois centímetros que são alisados

3

Page 4: O Crescimento Dos Cabelos

a cada 60 dias, vão sendo destruídos diariamente nas pontas, simplesmente pelo contato com o pente ou com as mãos, é como se fosse uma fibra da teia de aranha que ao pegarmos com as mãos esta desaparece sem deixar nada, porém lembramos que este processo de transformação da alfa queratina em queratina solúvel é natural. Recordamos a bioquímica onde toda proteína tem o seu pH isoelétrico e por isso qualquer mudança do meio em que a proteína está inserida pode provocar mudança na sua conformação e também tornar-se mais solúvel e se desfazer sem deixar vestígios.

Um fato real pode ser verificado. Quando uma cliente faz um permanente afro com bigudins ou não e começa a usar diariamente os produtos para manter os cachos e definir melhor a ondulação dos cabelos, forçada pelos produtos com os componentes acima citados. Se ao contrário esta cliente deseja uma mudança momentânea e solicita o seu cabeleireiro para que este faça uma escova para alisar o seu cabelo processado e o profissional resolve colocar sobre os seus ombros uma folha de papel branco, durante a execução da escova, depois ao ser visto com uma lupa, ele irá observar que sobre o papel tem vários micro-pedaços da queratina dos cabelos desta cliente no papel.Então para fazer os cabelos étnicos processados crescerem serão necessárias algumas medidas como:

1- Nunca usar produtos ou métodos para transformação dos cabelos em mulheres grávidas ou amamentando e em pessoas debilitadas por alguma doença ou deficiência, que comprometa a saúde da cliente e/ou do profissional;

2- Antes de usar qualquer processo de transformação o cliente deve fazer aplicações de produtos e métodos que possam equilibrar o pHiso para cada tipo de cliente;

3- Tratar qualquer anormalidade que esta tenha no couro cabeludo, pois o produto ou processo não pode interferir na homeostasia da pele;

4- Ter feito hidratações com produtos adequados à necessidade de cada tipo de cabelo e processo que será usado posteriormente para transformação;

5- Efetuar todas as normas de segurança, tanto para o cliente como para o profissional, utilizando EPIs e EPC adequados ao meio e ao método executado no momento;

6- Antes de iniciar o processo ler todas as informações sobre os produtos e entender como executar com segurança o serviço;

7- A aplicação deve durar somente o tempo recomendado pelas agências normatizadoras, aceitas e descritas pelo fabricante dos produtos ou equipamentos;

8- A forma de aplicação varia conforme cada cliente, processo, produto e fabricante, então não devem infringir as regras estabelecidas nos rótulos e apostilas informativas;

9- Ao término da aplicação dos produtos ou processos a estabilidade das condições eudérmica da pele e cabelo, devem está sob a normalidade exercida pelo uso correto e efeito adequado dos produtos ou métodos;

10- Sempre que concluir qualquer processo de transformação nos cabelos de um cliente, deve ser indicado os produtos recomendados como adequados para manutenção pós processo, sendo que esta deverá tê-los em casa para o uso quando necessitar.

4

Page 5: O Crescimento Dos Cabelos

Então para ter cabelos bonitos e saudáveis devemos procurar um profissional competente e honesto, pois a sua capacidade de ação poderá servir de apoio aos médicos, evitando assim mais danos aos clientes. Como também este ao suspeitar de alguma anormalidade através da queda brusca ou constante dos cabelos de seu cliente, deverá encaminhá-lo ao médico para que este tome as devidas medidas de prevenção ou cura.Cabelos crespos que desejam longos devem ser tratados como jóia preciosa, pois a quantidade de queratina amorfa, nestes pode deixá-los sensíveis e com um comprimento muito pouco para o desejado pelo cliente.A tecnologia busca intensamente na natureza a solução para vários problemas, com os cabelos não será diferente, pois empresas de cosméticos já oferecem algumas sugestões que começam a dar resultados satisfatórios. Então o cliente tem que ser curioso e exigente antes de solicitar os serviços de transformações para seus cabelos. Este texto direciona a prática/teórica da estética capilar, com conceitos reflexivos que fazem os profissionais da beleza traçarem caminhos mais definidos em busca do crescimento adequado a cada cabelo, seja estes de qualquer raça e cor.

REFERÊNCIAS

1. BACELAR, Jeferson (1989) Etnicidade: ser negro em Salvador. Salvador: Penba/Ianamá.

5

Page 6: O Crescimento Dos Cabelos

2. BERND, Zilá (1988) O que é negritude. São Paulo: Brasiliense.

3. CARNEIRO, Maria Luíza T. & KOSSOY, Boris (1994) O olhar europeu: o negro na iconografia brasileira do século XIX. São Paulo: Edusp.

4. CUNHA, Olívia M. dos Santos G. (1988) Estudo sobre um salão de cabeleireiro especializado em ‘cabelos crespos na zona sul do Rio de Janeiro. Trabalho apresentado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional. Mímeo.

5. __________. (1991) Corações rastafari: lazer, política e religião em Salvador. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro.

6. DEWITTE, P. "Le ‘noir dans limaginaire français". Lautre et nous ‘scènes et types. Achac / Syros.

7. FIGUEIREDO, Angela (1984) Beleza pura: símbolos e economia ao redor do cabelo negro. Monografia para conclusão do curso de Ciências Sociais. Universidade Federal da Bahia.

8. GUIMARÃES, Antonio S. (1995) "Raça, racismo e grupos de cor no Brasil", Estudos Afro-Asiáticos, n. 27, p. 45-63.

9. GODI, Antonio Jorge V. dos S. (1991) "De índio a negro ou o reverso", Cadernos CRH - Cantos e toques, p. 51-70.

10. LEACH, Edmund (1983) "Cabelo mágico". Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo.

11. LEHNINGER, David L. ; COX, Michael M. Princípios de bioquímica: tradução12. 3 ed São Paulo: Sarvier, 2002.

13. MORALES, Anamaria "Blocos negros em Salvador: reelaboração cultural e símbolos de baianidade", Cadernos CRH., p.72-92.

14. "Negra, naturalmente", Jornal de Brasília, 13 de maio de 1989.

15. "Na cabeça, a força negra", Folha de São Paulo, 30 de setembro de 1984.

16. PIETERSE, Jan N. (1992) White on black: images of Africa and black in western popular culture. New Haven / London: Yale University Press.

17. RISÉRIO, Antonio (1981) Carnaval ijexá. Salvador: Corrupio.

18. SANTOS, J.; O negro no espelho: imagens e discursos nos salões de beleza étnicos;

Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia, 1999.

6

Page 7: O Crescimento Dos Cabelos

19. SANSONE, Livio (1991) "A produção de uma cultura", Estudos Afro-asiáticos, n. 20, p. 121-34.

20. SCHWARCZ, Lilian (1990) "De festa também se vive: reflexões sobre o centenário da Abolição em São Paulo", Estudos Afro-asiáticos, n. 18, p. 13-26.

21. SILVA, Jônatas C. Da (1988) "História de lutas negras: memórias do surgimento do movimento negro na Bahia". Em: REIS, J. J. Escravidão & invenção da liberdade. São Paulo: Brasiliense, p.275-88.

22. SILVA, Rita de Cássia M. da. (1994) Cor, cosmético e estilo: os discursos de beleza negra contemporânea. Dissertação de Mestrado em Comunicação. Universidade Federal da Bahia.

23. VIEIRA, Hamilton (1989) "Tranças: a nova estética negra". Em: LUZ, Marco A. Identidade negra e educação. Salvador: Ianamá, p.81-7.

24. VINCKE, Edouard (1993) "Discours sur le noir: images dans les espaces urbains de Bruxelles: images de lAfrique et du Congo/Zaire dans les lettres belges de langue française et alentour", Actes du colloque international de Louvains-la-Neuve, 4-6 février 1993, p.89-99.

7