O Corpo Deserotizado

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O corpo deserotizado: Uma análise do trabalho maquinal em Marcuse Resumo: O presente artigo busca analisar o uso que o sociólogo alemão Herbert Marcuse empresta de conceitos freudianos para construir sua critica acerca do trabalho automatizado e alienado nas sociedades desenvolvidas em sua obra “A ideologia da Sociedade Industrial”, mais especificamente através da noção ampliada de Eros como instinto de vida. A partir disso, serão discutidas as formas que a divisão do trabalho assume em uma era de acelerados avanços tecnológicos, ancorada primordialmente em uma racionalidade técnica excessiva e massacrante, características que tornam o trabalho humano vazio de significado e desprovido de prazer criativo. Permeando o tema, o estudo investigará também as ideias elaboradas por Marcuse de “dessublimação repressiva” e “alienação artística”, bem como mostrará as alternativas históricas de superação da ordem estabelecida propostas pelo sociólogo.

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O corpo deserotizado: Uma anlise do trabalho maquinal em Marcuse

Resumo:

O presente artigo busca analisar o uso que o socilogo alemo Herbert Marcuse empresta de conceitos freudianos para construir sua critica acerca do trabalho automatizado e alienado nas sociedades desenvolvidas em sua obra A ideologia da Sociedade Industrial, mais especificamente atravs da noo ampliada de Eros como instinto de vida. A partir disso, sero discutidas as formas que a diviso do trabalho assume em uma era de acelerados avanos tecnolgicos, ancorada primordialmente em uma racionalidade tcnica excessiva e massacrante, caractersticas que tornam o trabalho humano vazio de significado e desprovido de prazer criativo. Permeando o tema, o estudo investigar tambm as ideias elaboradas por Marcuse de dessublimao repressiva e alienao artstica, bem como mostrar as alternativas histricas de superao da ordem estabelecida propostas pelo socilogo.

1. O conceito de Ideologia em Marcuse

A ideologia da sociedade industrial (segundo Marcuse) tem como principal caracterstica e funo seu afastamento da realidade material. Para compreender tal pensamento e seguir adiante na anlise da obra, faz-se necessrio primeiramente uma breve elucidao do que consiste a ideologia no pensamento de Marcuse. Partindo da concepo marxiana do termo, na medida em que as condies de existncia cotidiana so produzidas historicamente, Marcuse pensa a ideologia como forma de propagandear um ideal de realidade que negado a cada acontecimento no mundo concreto. O ideal emancipatrio de liberdade e igualdade proposto pelo capitalismo se desviou de sua meta para justamente promover a sua negao completa em cada relao mercadolgica entre os seres humanos. Porm, a promessa se mantm. A ideologia da sociedade industrial desenvolvida e tecnificada, na concepo de Marcuse, produz um poderoso instrumento de dominao que oferece a falsa concepo de liberdade e igualdade: a racionalidade tecnolgica, a iluso socialmente necessria de que existe plena satisfao das necessidades vitais de todos os homens atravs de inovaes cientificas que a todo momento so lanadas no mercado consumidor. A grande contradio entre ideologia e realidade encontra-se no fato de que tais necessidades sempre supridas pelo capital no so reais, so ilusrias, criadas a todo instante pela intensa campanha publicitria, complementada pela Industria Cultural. Portanto, a ideologia obtm sua utilidade na legitimao da ordem estabelecida. E no se trata apenas de uma ideologia burguesa, posto que no governo socialista sovitico a ideologia vigora tambm no sentido de se afastar da realidade social, defendendo um Estado que dominado pelo povo, quando na verdade dirigido por instancias burocrticas estatais que na prxis bloqueia todo acesso do povo s decises polticas. A ideologia , ento, uma forma de justificao da lgica de poder estabelecida, sempre com o intuito de produzir alienao, de instaurar um falso estatuto de satisfao das necessidades prometidas, como afirma Marcuse:

A ideologia est no prprio processo de produo capitalista, o aparato produtivo e as mercadorias e servios que ele produz vendem ou impem o sistema social como um todo. Os meios de transporte e comunicao em massa, as mercadorias, casa, alimento e roupa, a produo irresistvel da indstria de diverses trazem consigo atitudes e hbitos prescritos, certas reaes intelectuais e emocionais que prendem os consumidores mais ou menos agradavelmente aos produtores e, atravs destes, ao todo. (Marcuse, 1964)

Assim, chega-se a concluso de que por meio da ideologia dominante, que incute a existncia de uma satisfao plena, igualdade e liberdade de direitos, que os trabalhadores explorados no se do conta de sua condio, se integrando ao modo de produo capitalista sem notar o seu carter classista, ou seja, defensor de uma classe em detrimento de outra.

2. O Pensamento Unidimensional

Para Marcuse, a razo crtica foi impiedosamente substituda pela razo instrumental. Os princpios iluministas se corromperam, na tentativa de tornar o homem livre e igual, por meio da crescente riqueza social advinda do controle da natureza, acabamos por nos transformar em instrumentos subordinados racionalidade tecnolgica de um sistema totalitrio, o homem tornou-se um meio, no mais um fim. A unidimensionalidade do pensamento nasce precisamente do carter racional do modo de produo industrial, apoiando-se em Marx, Marcuse entender tambm que as relaes de produo e a diviso social do trabalho determinam todo o funcionamento da sociedade, consequentemente, pela atividade do trabalho ter se tornado um mero apertar de botes em uma mquina que tira do individuo a sua percepo de ter sido parte fundamental do processo de produo, reduzindo-o a simples parte isolada do resto, pelo aniquilamento de qualquer criatividade e prazer erotizado na relao homem-mquina, ... criam-se formas de vida (e de poder) que parecem reconciliar as foras que se opem ao sistema e rejeitar ou refutar todo protesto em nome das perspectivas histricas de liberdade de labuta e de dominao. As sociedades desenvolvidas alcanaram a sua maior realizao: conter a transformao social, qualquer mudana qualitativa nas relaes de produo e formas de existncia humana suprimida pela administrao total, o positivismo emprico da prtica cientifica apagou toda negatividade do pensamento, toda capacidade humana de raciocinar alm do que posto aos olhos (alis, s a uma esfera permitido transgredir: a arte, mas apenas como verdade potica) considerada inimiga do progresso tcnico e integrada ordem de maneira que se perca todo o seu contedo crtico e violador, a sua negao e recusa do poder totalitrio. Tal ideologia de desenfreado desenvolvimento de novas tecnologias termina por retirar do trabalho humano a sua essncia de agir sobre a natureza como meio de sobrevivncia para transform-lo em explorador e destruidor da mesma, e logo, de si prprio. Assim, o que antes era atividade vital para a subsistncia humana, corrompe-se em um meio de produzir e consumir falsas necessidades cotidianas, alienando o indivduo do real sentido de sua prtica diria. Decorre da que o trabalho perde sua comunicao e relao direta com a natureza, ser parte dela e sobreviver graas a ela, o que implicaria em um senso de responsabilidade para preserv-la, mas ao contrrio, o progresso racional e consciente que vendido pela ideologia dominante na verdade puramente irracional, explorador e autodestruidor.

3.0 O trabalho sem Eros

Para pensar a atividade do trabalho nas sociedades unidimensionais como repressora dos instintos erticos amplos e centralizadora da libido nos rgos genitais, Marcuse apoia-se nas concepes de Freud de Eros-instinto de vida e Tanatos instinto de morte. Eros compreende o instinto de conservao, a liberdade criadora do homem e o prazer erotizado advindo disso, como por exemplo, nas criaes artsticas. Tnatos representa as foras destrutivas do homem que tendem a caminhar para um estado anterior de evoluo, a matria inanimada que somos antes de nascer, a energia respectiva destes dois instintos fundamentais so a libido e a fora destrutiva ouagressividade. (Freud, )Desse modo, o carter maquinal do trabalho retira a fora criadora do homem de maneira que ele no se percebe como mentor de seus prprios meios de subsistncia, o gozo inventivo que antes se notava na prtica do operrio na era pr-tecnolgica foi reduzido, entre linha de montagem e artesanato, entre cidade pequena e cidade grande, entre po de fabricao comercial e po feita em casa, entre o barco a vela e o barco a motor de popa, todo um universo ertico que o individuo podia perceber como parte de seu corpo foi minimizado, e o resultado a limitao da libido para fins sexuais, completamente desprovida de sua qualidade imaginativa. Neste contexto de trabalho automatizado, a mecanizao acabou por poupar muito da energia libidinal, isto , energia dos instintos de vida, que no estgio pr-tecnolgico era empregada no trabalho.