O cordel e a mudança da capital de sergipe

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O Cordel e a mudança da Capital de Sergipe Jorge Marcos de Oliveira 1 Outro dia, pediram-me para falar sobre a mudança da capital de Sergipe! Fique a pensar o que ou de que falaria eu para homenagear a cidade que mim acolher em 1978, e vi crescer e transformar-se. Visitando a Cordelteca “João Firmino”, recentemente falecido , deparei-me com três cordéis falando, do seu jeito, dessa cidade. São eles: “História de Aracaju” 2 de Pedro Amaro do Nascimento; “Aracaju no Passado” de Leopoldo Moreira Andrade e “Aracaju em verso e trovas” do Grupo de Convivência da secretária Municipal de Assistência Social e Cidadania. Local da nova capital No cordel de Pedro Amaro do Nascimento 3 ele fala do local para onde foi transferida a capital: Nossa linda Aracaju/situada ao litoral/Na Colina Santo Antonio/Onde havia um Arraial/De homens trabalhadores/Destes bravos pescadores/Surgiu nossa Capital!”. Na estrofe seguinte fala do significado da palavra Aracaju: “Aracaju é a mistura/De Arara e caju”. 4 Vale ressalta que o quadro geral do local onde hoje está Aracaju, era bem diferente deste nossa linda Aracaju: “O local da cidade era uma região insalubre e sua ocupação foi uma luta contra o pântano, o riacho, pequenos lagos, mangues e lagoas, com águas estagnadas, causadoras das famosas febres do Aracaju” e que teria vitimado o próprio presidente Inácio Barbosa. Para a cidade crescer e torna-se grande, grandes mudanças foram operadas em sua fisionomia. Aterram os manguês e lagoas, destruíram dunas”. As consequências desse crescimento descontrolado têm provocado danos ao meio ambiente que somente agora começa a ser sentido. Diz o cordel popular: 1 Técnico em Assuntos Historiográfico. Servido Público Municipal desde 1988. Professor das Redes Pública e Privada de Ensino. Contatos e críticas: [email protected] ou [email protected] 2 Cordel publicado em 2006. 3 Pedro Amaro do Nascimento, natural de Paudalho (PE), nasceu em 28 de junho de 1937. Profissionalmente é Técnico em Refrigeração Industrial. Instrutor do SENAI do Curso de Refrigeração e Ex-Instrutor do SENAC-SE, no curso de relações humanas. Dirigente sindical em prevenção de acidente (Fudacentro - Se). Autor e mais de 40 livros de Cordel; possuidor de 50 títulos diplomas e certificados de cursos profissionalizantes, segurança do trabalho e poesia. Certificado de primeiro colocado no Primeiro Concurso de Literatura de Cordel de Aracaju realizado pela FUNCAJU. Participante como membro da comissão julgadora do II Festival Aracajuano de Violeiros Nordestinos, realizado pela Universidade Federal de Sergipe, SESC e FUNCAJU. Dados retirados no folheto “Suplício de um drogado” de 2003. 4 NASCIMENTO, Pedro Amado. História de Aracaju. Aracaju, 2006, p. 1

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O Cordel e a mudança da Capital de Sergipe

Jorge Marcos de Oliveira1

Outro dia, pediram-me para falar sobre a mudança da capital de Sergipe!

Fique a pensar o que ou de que falaria eu para homenagear a cidade que mim acolher

em 1978, e vi crescer e transformar-se.

Visitando a Cordelteca “João Firmino”, recentemente falecido, deparei-me

com três cordéis falando, do seu jeito, dessa cidade. São eles: “História de Aracaju”2 de

Pedro Amaro do Nascimento; “Aracaju no Passado” de Leopoldo Moreira Andrade e

“Aracaju em verso e trovas” do Grupo de Convivência da secretária Municipal de

Assistência Social e Cidadania.

Local da nova capital

No cordel de Pedro Amaro do Nascimento3 ele fala do local para onde foi

transferida a capital:

“Nossa linda Aracaju/situada ao litoral/Na Colina Santo Antonio/Onde havia um

Arraial/De homens trabalhadores/Destes bravos pescadores/Surgiu nossa

Capital!”. Na estrofe seguinte fala do significado da palavra Aracaju: “Aracaju é a

mistura/De Arara e caju”.4

Vale ressalta que o quadro geral do local onde hoje está Aracaju, era bem

diferente deste nossa linda Aracaju: “O local da cidade era uma região insalubre e sua ocupação

foi uma luta contra o pântano, o riacho, pequenos lagos, mangues e lagoas, com águas estagnadas,

causadoras das famosas febres do Aracaju” e que teria vitimado o próprio presidente Inácio

Barbosa.

Para a cidade crescer e torna-se grande, grandes mudanças foram operadas

em sua fisionomia. “Aterram os manguês e lagoas, destruíram dunas”. As

consequências desse crescimento descontrolado têm provocado danos ao meio ambiente

que somente agora começa a ser sentido. Diz o cordel popular:

1 Técnico em Assuntos Historiográfico. Servido Público Municipal desde 1988. Professor das Redes

Pública e Privada de Ensino. Contatos e críticas: [email protected] ou

[email protected] 2 Cordel publicado em 2006. 3 Pedro Amaro do Nascimento, natural de Paudalho (PE), nasceu em 28 de junho de 1937.

Profissionalmente é Técnico em Refrigeração Industrial. Instrutor do SENAI do Curso de Refrigeração

e Ex-Instrutor do SENAC-SE, no curso de relações humanas. Dirigente sindical em prevenção de

acidente (Fudacentro - Se). Autor e mais de 40 livros de Cordel; possuidor de 50 títulos – diplomas e

certificados de cursos profissionalizantes, segurança do trabalho e poesia. Certificado de primeiro

colocado no Primeiro Concurso de Literatura de Cordel de Aracaju realizado pela FUNCAJU.

Participante como membro da comissão julgadora do II Festival Aracajuano de Violeiros Nordestinos,

realizado pela Universidade Federal de Sergipe, SESC e FUNCAJU. Dados retirados no folheto

“Suplício de um drogado” de 2003. 4 NASCIMENTO, Pedro Amado. História de Aracaju. Aracaju, 2006, p. 1

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Nem tudo é flores/O manguê está sumindo/Os governantes

ajudando/E a população contribuindo/5

A mudança. Os motivos

Segundo Thiago Fragata,

“com a Mudança da Capital deu-se a falência da economia sancristovense uma vez

a maioria dos negócios dependia da elite burocrática. O êxodo para a Aracaju foi a

única alternativa para muitos. A insatisfação popular não se transformou em

revolta nem foi traduzida em mortes. A Câmara de Vereadores chegou a escrever

um protesto ao Imperador D. Pedro II, que visitou a cidade em janeiro de 1860, sem

efeito6.

Não negando essa tese, diz Luis Antonio Barreto: Mudar a capital, portanto, foi

uma opção técnica, com forte conotação política, apoiada pelo Império.7 Arremata o articulista

dizendo que:

“Aracaju nasceu, enfim, da coragem de um moço que teve a oportunidade de governar Sergipe e de morrer pela sua idéia e seu feito. E de tal forma a opção era

técnica, sob os auspícios da geografia e da economia, que jamais foi abandonada

pelos sucessores de Inácio Joaquim Barbosa”8.

Na quinta estrofe faz referencia ao presidente da Província na época da

transferência da capital, Inácio Joaquim Barbosa9 (1853-1855):

“Em toda região leste/Houve um plano pra mudar/Dr. Inácio Barbosa/Começou a

trabalhar/Promoveu as equipe/Pra Capital de Sergipe/Sair pra outro lugar”.10

Pergunta-se sempre qual a motivação maior que teria levado Inácio Babosa

a transferir a Capital de São Cristovão para Aracaju. Respondendo a esta indagação,

Pedro Amado, sexta estrofe, fala do principal ideal da mudança da capital sergipana:

“A tendência de mudar/Foi imediatamente/Em 17 de março/Foi sancionada,

urgente/Porque o grande ideal/Era deixar a Capital um Porto independente”.11

5 GRUPO de Convivência da Secretária Municipal de Assistência Social e Cidadania. Aracaju em versos

e trovas, p.9. 6 FRAGATA, Thiago. Mudança da Capital e a lição de João Bebe Água. Palestra concedida na primeira

edição do Ciclo de Palestras “Conhecendo nossa História” in

http://thiagofragata.blogspot.com.br/2009/03/mudanca-da-capital-e-licao-de-joao-bebe.html. Acessado

em 13.mar.2013. 7 BARRETO, Luis Antonio. Fragmentos da História (I).

http://www.infonet.com.br/luisantoniobarreto/ler.asp?id=32882&titulo=Luis_Antonio_Barreto/Acesado

em 13.mar.2013 8 Ibid. 9 Inácio Joaquim Barbosa, nascido no Rio de Janeiro em 1821, formado em Direito pela Faculdade de São

Paulo, foi Juiz Municipal, funcionário público, Secretário da Província do Ceará, suplente de Deputado

Federal. Governou Sergipe de 1853 a 1856) 10 NASCIMENTO, Pedro Amado. História de Aracaju. Aracaju, 2006, p. 2 11 Ibid, p. 2

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A falta de uma infraestrutura na região do Vale do Vaza Barris foi o mote da

transferência. Vejamos. Thiago Fragata afirma que, “alegando a dificuldade de escoamento da

cana-de-açúcar produzida na região do Vaza-Barris uma vez que o rio Paramopama era raso e não

permitia navegação de embarcações de grande porte; alegando também a dificuldade de transporte, pois

a distância entre o Porto das Pedreiras e a Mesa de Rendas era de 9 km, o que encarecia o produto,

Inácio passou a defender a Mudança da Capital”.12

Reação a mudança.

A principal reação a atitude mudancista da capital coube a João Bebe Água,

nome popular do comerciante João Nepomuceno Borges13

. Dizem alguns cronistas que

ele teria

“juntando voluntários para impedir o traslado dos cofres públicos, viu seu plano esvaziado, foi ridicularizado como patriota louco e maltrapilho pelos agentes da

manobra política”.14

Plano Urbano

Até então, as cidades existentes antes do século XVII adaptavam-se às

respectivas condições topográficas naturais, estabelecendo uma irregularidade no

panorama urbano. O engenheiro Pirro contrapôs essa irregularidade e Aracaju foi, no

Brasil, um dos primeiros exemplos de tal tendência geométrica15

.

Na página cinco e seis Pedro Amado faz menção ao autor do plano

urbanístico da nova capital e seu autor:

“Aracaju teve assim,/Grande plano promissor/Sebastião Basílio Pirro/Projetista e

construtor/Por ordem do Presidente/Seguiu da “Rua da Frente”/À Ponte do

Imperador”.16

“Esse grande construtor/Trabalhou bonito e fez/A cidade Esquadrejada/Toda em

forma de xadrez/Começou lá na Colina/Que hoje se denomina/Santo Antonio, o

português”.17

12 FRAGATA, Thiago. Mudança da Capital e a lição de João Bebe Água. Palestra concedida na primeira

edição do Ciclo de Palestras “Conhecendo nossa História” in

http://thiagofragata.blogspot.com.br/2009/03/mudanca-da-capital-e-licao-de-joao-bebe.html. Acessado

em 13.mar.2013 13 João Nepomuceno Borges nasceu em São Cristóvão, no ano de 1823. Era filho do capitão Francisco

Borges da Cruz e teve um irmão de nome Silvério da Costa Borges. Foi escrivão interino da Alfândega

e Mesa de Rendas, de Santo Amaro. Com a transferência da Mesa de Rendas para Laranjeiras, foi

nomeado amanuense interino, foi promovido ao cargo de “patrão-mor” da Mesa de Rendas da Barra da

Cidade, hoje Barra dos Coqueiros. Foi vereador em 1864, fiscal da Câmara de Vereadores de São Cristóvão, por volta de 1872. Estes dados servem para refutar completamente a péssima imagem

construída pelos adversários políticos desse sancristovense – loco e mendigo. 14 FRAGATA, Thiago. Mudança da Capital e a lição de João Bebe Água. Palestra concedida na primeira

edição do Ciclo de Palestras “Conhecendo nossa História” in

http://thiagofragata.blogspot.com.br/2009/03/mudanca-da-capital-e-licao-de-joao-bebe.html. Acessado

em 13.mar.2013 15 http://www.univesp.ensinosuperior.sp.gov.br/preunivesp/1780/aracaju---a-primeira-cidade-planejada-

do-brasil.html 16 NASCIMENTO, Pedro Amado. História de Aracaju. Aracaju, 2006, p. 5

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O cordelista, Leopoldo Moreira Andrade18

, traça um perfil saudosista da

Capital. Fala do plano urbano da cidade:

“Quem olhasse seu traçado/Logo ficava convicto/É um tabuleiro de xadrez/Tão

linda e tão bonita/Dizia-lhe contemplando/É um veleiro de flor flutuando/Nas águas

do rio Sergipe.”19

Os meios de transporte

Sobre o sistema de transporte diz Leopoldo:

“Os transportes eram os bondes/Para o povo transitar/Era um comboio de

dez/Duas pranchas auxiliar/Com mais oito jardineiras/Era uma frota de

primeira/Para o transito completar/Os bondes eram elétricos/Servia a

população/Cruzavam toda a cidade/Por toda sua extensão/Em cada bairro um fim

de linha/Se cumpria a disciplina/Duzentos reis por secção”.20

Relembra os tempos dos cinemas:

“Os inesquecíveis cinemas/Que era a nossa paixão/Guarani e cine Rex/Rio Branco

e São João/São Francisco e Vitória/Não tinha dia e nem hora/As melhores

diversões/A Santa Cruz e Bomfim/Bons filmes eu assistir/Como Duelo ao

amanhecer/Quando a neve tornar a cair/Tinha o Palace e Aracaju/Satisfazia eu e

tu/E o cine Tupy.”21

Festas e diversões em Aracaju antiga

Além dos cinemas, fala Leopoldo dos festejos natalinos, da “feirinha de

natal”, das retretas nas praças, dos desfiles dos grupos folclóricos, das festas juninas.

Assim ele retrata:

“Tinha as festas natalinas/Era uma maravilha/Na Praça Olimpio Campos/Reinava

muita alegria/Como era lindo ver as crianças/E a festa da infância/No Carrossel do

Tobias22

Sempre as bandas de músicas/Ia a festa abrilhantar/O povo ficava ouvindo/A

orquestra tocar/Aqueles dobrados lindos/E a multidão assistindo/As belas noites de

Natal23

Vinha os blocos folclóricos/Dar a sua contribuição/Catumbi, Guerreiro e

Reisado/Com tanta satisfação/Também se apresentava/E o povo apreciava/A

Chegança de Zé do Pão24

17 Ibid, p. 6. Seu plano inicial compreendia o espaço de 540 braças de cada lado, ou seja, 1.188 metros,

com quadras residenciais de 110 m2 e ruas com 70 palmos de largura, aproximadamente 18m. 18 Nasceu em Capela (SE) em 20 de abril de 1920. Filho de Manoel Moreira de Andrade e Maria

Juventina Andrade. Mora em Aracaju (bairro Siqueira Campos). Ex-carroceiro e aposentado

atualmente. É membro do Conselho Municipal da Terceira idade. Dados retirados do Cordel “Aracaju

no Passado”. Aracaju, Funcaju/SEMASC, sd. 19 ANDRADE, Leopoldo Moreira. Aracaju no Passado. Aracaju, Funcaju/SEMASC, sd, p. 3 20 Ibid, p. 4. 21 Ibid, p. 6 22 Ibid, p. 8 23 Ibid, p. 8 24 Ibid, p. 8

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“Como era animado/Aquelas noites de São João/Cada bairro sua lira/Com grande

animação/Samba de coco, Roda e Dança/Todo povo das festança/Alegrando a

multidão”25

“No São João tinha as quadrilhas/Cada um no seu bairro/Ensaiavam o mês

inteiro/Todas com entusiasmo/Na hora da decisão/Quem tinha maior votação/Era

de José Ricardo”.26

Desenvolvimento econômico

Sobre o desenvolvimento, crescimento da cidade pode ser visto na estrofe

onde ele fala da chegada das padarias e da primeira indústria de beneficiamento do leite:

“Seis horas, seis e meia se ouvia/Dois apitos muito longos/Eram as duas fábricas

têxteis/Aos operários avisando/Para eles terem cuidado/Para não chegar

atrasado/Que a hora esta chegando.”27

“Naquele tempo as padarias/As massas era de primeira/Fazia do bom ao

melhor/Não manipulavam asneiras/Central, Globo, Ceres/Minerva, Operária,

Aymore e Cecy/Não eram brincadeira”.28

Fênix, Sergipana, Gloria/E outras que depois chegou/Mas foi no tempo da

guerra/Que tudo se transformou/Fizeram transmudação/E o povo apelidou o

pão/Que diabo amassou”29

“Foi e primeiro de julho/Este dia foi marcado/Do ano quarenta e um/Fica o povo

admirado/Quando inaugurou a usina/Com higiene e disciplina/De leite

pasteurizado”30

Sobre o comércio, dos vendedores ambulantes, dos produtos

comercializados, da origem dos produtos, assim se manifesta Leopoldo:

“Os vendedores ambulantes/ pelas ruas a andar/Oferecendo os produtos/Para os

fregueses comprar/Beiju, macazado e saroio/Café, cuscuz e mungunzá”.31

“os vendedores de galinha e ovos/Que vinham de Itabaiana/As topiqueiras do

Sobrado/Todos os dias da semana/Atender a freguesia/Todas co muita alegria/Na área metropolitana”32

“Tinha os vendedores de leite/Que vinha do interior/Rua acima rua

abaixo/Procurando comprador/É grande a contenda/Pelo nome da fazenda/O povo

dava valor”33

25 Ibid, p. 11 26 Ibid, p. 12 27 Ibid, p. 7 28 Ibid, p. 7 29 Ibid, p. 7 30 Ibid, p. 13 31 Ibid, p. 13 32 Ibid, p. 13 33 Ibid, p. 13