o conhecimento liberta e responsabiliza - Móbile - Escola ... · O Jardineiro Fiel, co-produção...
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R. Diogo Jácome 848Moema 04512 001 São Paulo SP
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Ano 7 • Nº 7 • Novembro/Dezembro • 2009
o c o n h e c i m e n t o l i b e r t a e r e s p o n s a b i l i z a
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ão
A economia do conhecimento para o qual
se encaminha o mundo contemporâneo exige sólida
formação acadêmica, ou seja, amplitude humanística
associada ao rigor do conhecimento científico.
Mais ainda: a capacidade de se inserir no
mundo supõe competências eticamente orientadas,
consistência e versatilidade para enfrentar os desafios
do mundo profissional e, sobretudo, para superar as
dificuldades da vida em sociedade. Desde sempre a
Móbile tem feito dessas preocupações o eixo de sua
proposta educativa.
Aliás, a 7ª edição da Revista da Móbile
é uma amostra vívida da percepção de que o saber
intelectual não se resume à cultura livresca. Ele
passa, isso sim, por uma formação diversificada que
vai do canto ao teatro, da literatura às artes plásticas,
da música ao cinema, da história aos estudos do
meio, da poesia à aprendizagem das línguas, das
competições esportivas à comunicação eletrônica, do
senso de interdependência entre os indivíduos ao fazer
coletivo.
Não é por acaso, assim, que o editor da
Revista da Móbile, Wilton Ormundo, entrevistou
neste ano o premiado cineasta brasileiro Fernando
Meirelles. Os leitores verão que o encadeamento das
perguntas e das respostas revela o homem por trás da
cena, as inquietações do penoso trabalho de criação,
a sensibilidade aguçada do artista e, principalmente, a
maturidade artesanal do profissional que constrói seu
caminho com muito estudo, um bocado de reflexão e
um autêntico comprometimento cidadão.
Nesse mesmo sentido, imperdível é o
texto “Educar para a autonomia”, da professora
Maria da Glória Martini – uma educadora
cuja contribuição foi decisiva na constituição
do Ensino Médio da Móbile –, pois esclarece
a essência do projeto pedagógico em curso
e, mais do que isso, exemplifica, com alguns
depoimentos entusiasmados de alunos, o quanto o
conhecimento aplicado às atividades do cotidiano
pode ser extraordinariamente gratificante.
Na esteira, há o texto do coordenador
pedagógico do Ensino Fundamental, Antônio
Corte, sobre a Matemática como ferramenta de
apreensão do real, o que desmistifica a miopia do
preconceito que ainda vigora entre muitos.
Especialíssimo é o projeto de
iniciação científica realizado no Ensino Médio,
tão belamente retratado pelos professores Walter
Spinelli e Teresa Chaves. Centrado na curiosidade
pelo mundo, proporciona aos alunos desafios que
estimulam, a um só tempo, sua criatividade e sua
capacidade de relacionar saberes.
De forma simétrica, vale a pena ler
o texto preciso da professora Cibele Troyano.
Mostra que o ensino das artes não se resume
à fruição da obra em seu contexto histórico –
reduzindo-o a mero instrumento a serviço de
outras disciplinas –, mas se plenifica no próprio
fazer artístico quando os alunos se aventuram
numa prazerosa aprendizagem.
Finalmente, como deixar de mencionar
os testemunhos de três ex-alunos nossos, hoje
universitários, na seção “Futuros Profissionais”.
São perguntas perturbadoras e respostas
que encantam com seu corte transversal num
momento-chave da vida deles. E, mais do que
tudo, são exemplos de jovens inteligentes e
articulados que valorizam o conhecimento e
percebem o quão útil ele é.
Disso tudo sobra uma valiosa lição:
professores comprometidos com a aprendizagem
– razão de ser de toda escola – convertem-se em
fonte de inspiração para seus alunos e deixam
neles marcas indeléveis. Não é esse o figurino
antigo do mestre que se confundia com uma
espécie de sacerdócio? A Móbile acredita nisso
sem pieguice.
Desejo-lhes excelente leitura.
Maria Helena Bresser é doutora em Psicologia
e diretora geral da Móbile.
í n d i c e
8Entrevista
Fernando Meirelles: o cineasta brasileiro mais prestigiado internacionalmente.
51
18
Produções em Foco
Expressões & ImpressõesBlog Arte na Móbile.
IX Mostra de Artes da Móbile.Alunos do 1º ano do Ensino Médio encenam peças teatrais.
Psiquice encerra projeto de sete anos.Coral canta Villa-Lobos.
Matemática: ciência viva no cotidiano das pessoas.Desenhos animados modernistas.
Caixa de memórias fantásticas dos alunos do Infantil 3.
127Futuros Profissionais
Thiago Santos Martins, Laura Vieira de Camargo e Ana Carolina Miti Sameshima apresentam suas reflexões.
121
101
Reflexões
Especial
Algumas palavras sobre Arte e Educação.
Projeto de Iniciação Científica no Colégio Móbile.
140Resenhas
Cristóvão Tezza. Escrever é uma atividade sem volta.
Projeto de poesia do 9º ano.Educar para a autonomia.
O ensino da língua inglesa em contextos comunicativos – uma perspectiva educacional.
Projeto gráfico e editoraçãoFernando AlexandrinoMaialu Burger Ferlauto
FotografiasArquivo MóbileClóvis FerreiraValéria de Melo Pereira
Fotolitos e impressãoDuograf
REVISTA DA MÓBILE
EditorWilton de Souza Ormundo
TextosCleuza Vilas Boas BourgogneWilton de Souza Ormundo
RevisãoRicardo Paulo Novais
MÓBILE
Direção GeralMaria Helena Bresser
Direção Pedagógica
Educação InfantilHelena Samara
Ensino FundamentalCleuza Vilas Boas Bourgogne
Ensino MédioBlaidi Sant'Anna
ColaboradoresEDUCADORESAline Prates SanchesAna Christina Calderelli NebóAntônio de Freitas da CorteBel CamargoBia De Luca Carlos Eduardo GodoyCarolina Maia Lacombe, Cibele TroyanoCláudia Amorim Denise MendesElaine MiguelEliana Mesquiatti TayanoEliane AbbudJeane YamadaLilian Fraga Lúcia Vinci de MoraesMaria Cecília M. SuguiyamaMaria da Glória MartiniMaria de Remédios Ferreira CardosoMaria Isabel L. F. Fernandes Patrícia BacchiPaulo Rodrigues Roberto CanerRogério Viana GusmãoTeresa ChavesValéria de Melo PereiraWalter Spinelli Wanessa Kelli e Silva
ALUNOSAlexandre Fonseca Amanda PrevidelliAna Carolina Miti SameshimaAna Clara CardosoAna Teresa T. MagalhãesAndré De Dominicis,Aram MinasArthur AilyBruno MagalhãesCamila P. RebizziDaniel GuerraDanielle GallettaDanilo Basile Denise HamadaEduardo Assi Enrico BetoniEthel E. RudnitzkiFabiana S. SallumFernando HaddadFernando SalhaniFilipe Robbe de S. Campos Flávia PouilliesGabriel BeiginGabriela Farias CarvalhoGabriela Papotto LouroGaia M. MassucciGiordana AbdallaGiulia Bertino Gustavo Elias Khouri Hugo MachadoIngrid Chaves Izadora P. MarianoJacqueline VastoJéssica Cavalcante SchusselJorge Luiz Moreira SilvaJosé Eduardo SabaJosé Victor NaitoJúlia SchererKarina Araújo Laura GregorinLaura PetersLaura Vieira de Camargo Letícia CoelhoLuís LimongiLuiza do A. L. IofetiMaria BoppMaria Clara Bicudo ToaldoMariana Fulan de SouzaMariana Santos
Marina Andrade Leonardi Maurício TroncosoMurilo ReisNicolle ReuterNina T. BorghiPedro Porto Pedro Prandini Renata Sader de Siqueira Ricardo CascinoRodrigo del Picchia YamashitaSofia Homem de MeloThiago Santos Martins Thomas Portela Victor JeronymoVictor SchusselVinícius TanoVitor Ferrari
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e n t r e v i s t a
O site da produtora de cinema O2, uma das maiores do país, informa apenas que Fernando
Meirelles é “um arquiteto que passou a dirigir programas independentes para TV nos anos
1980, comerciais nos anos 1990 e finalmente longa-metragens no século XXI”. Esse texto
reflete exatamente o espírito modesto e despretensioso do cineasta que nasceu em 1955 na
cidade de São Paulo.
Em 1980, Meirelles e alguns parceiros fundaram a produtora Olhar Eletrônico, responsável
por vários programas independentes para a TV, como o Castelo Rá-tim-bum (TV Cultura).
Em 1991, agora com o nome de O2 Filmes, a produtora passou a realizar grandes filmes
publicitários, longa-metragens e séries para a televisão.
Hoje, Fernando Meirelles é o cineasta brasileiro mais prestigiado internacionalmente e tem
em seu currículo cinco filmes: O Menino Maluquinho 2 – A Aventura (1998), Domésticas
(2000), Cidade de Deus (2002), O Jardineiro Fiel (2004) e Ensaio sobre a Cegueira (2008).
Cidade de Deus deu ao cineasta reconhecimento da crítica dentro e fora do Brasil e foi indicado
a diversos prêmios importantes (4 indicações ao Oscar 2004, 1 indicação ao BAFTA, ao
Independent Spirit Awards e ao Globo de Ouro e Vencedor do British Independent Film
Awards de Melhor Filme Estrangeiro). O Jardineiro Fiel, co-produção entre Alemanha e
Reino Unido, reuniu em seu elenco atores como Ralph Fiennes e Rachel Weisz (ganhadora
de um Oscar e de um Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante pelo papel) e recebeu
indicações importantes ao Oscar e ao Globo de Ouro. O último filme de Meirelles, Ensaio
sobre a Cegueira, é uma adaptação da obra homônima do Nobel de Literatura, o escritor
português José Saramago.
Declaradamente influenciado por livros como Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa,
músicos como Cartola e Noel Rosa e cineastas como Bressane, Sganzerla, Bertolucci e
Scorsese, Fernando Meirelles dialoga em sua obra cinematográfica com muitas outras artes.
O cineasta concedeu uma entrevista exclusiva à Revista da Móbile.
10
Revista da Móbile – Qual a sua formação
acadêmica?
Fernando Meirelles – Sou formado em
Arquitetura e Urbanismo pela FAU/USP.
RM – O senhor não tem formação em Cinema.
De que maneira acha que a Arquitetura
influenciou a forma como filma?
FM – O currículo da FAU era muito aberto nos
anos 1970, quando estudei. Estudávamos História
da Arte, um pouco de Ciências Sociais, Filosofia,
Estética e Fotografia. Não tenho dúvida de que
o curso de Arquitetura me influenciou e me
ajudou na carreira de diretor de cinema. Hoje,
me parece, o ensino na FAU é mais técnico, mais
voltado para um projeto. Além disso, acho que o
arquiteto e o diretor de cinema são profissionais
que guardam algumas semelhanças. Em ambas
as profissões, há uma visão que deve ser, ao
mesmo tempo, artística e técnica do objeto a
ser produzido. Também há em comum o fato de
termos de administrar uma grande diversidade
de profissionais de áreas muito distintas:
paisagistas, instaladores hidráulicos, mixadores
de som, profissionais de marketing, especialistas
em estratégia de lançamento dos filmes...
RM – Recentemente, foi publicada uma
fotografia do senhor em um anúncio do
movimento Todos pela Educação. Qual o seu
envolvimento pessoal em temas como esse?
FM – Para mim, educação e meio ambiente (refiro-
me à criação de modelos de desenvolvimento
sustentáveis) são as principais questões quando se
pensa no aprimoramento de um país). Infelizmente,
acho que os oito anos de governo Lula foram
extremamente decepcionantes nessas duas áreas.
Em relação à educação especificamente, nada
de muito significativo aconteceu. Foram, a meu
ver, oito anos perdidos. Há ainda o agravante de
não termos investido seriamente em modelos de
aprimoramento educacional. Sinto que educação
é uma das áreas mais atrasadas e desconectadas
da realidade. Muitas vezes, ensina-se o que é
desnecessário, pregam-se doutrinas que já eram
velhas há um século e cultuam-se déspotas e
guerreiros como se fossem heróis. A educação
oficial projeta e reforça uma visão de sociedade
que definitivamente já está superada. 11
RM – Clarice Lispector afirmava
categoricamente que a literatura dela não
mudava nada e que as coisas continuariam
a ser iguais com ou sem seus livros. Cidade
de Deus, O jardineiro fiel e Ensaio sobre a
cegueira são filmes perturbadores. De que
maneira o senhor acha que eles interferem
na vida de seus espectadores? Isso faz
parte de suas preocupações como artista?
O senhor pensa em formação de público
quando dirige um filme?
FM – Sinto que a arte tem, sim, a capacidade de
transformar indivíduos. Não consigo ver a literatura
ou o cinema como meros entretenimentos ou
passatempos. Claro que um filme não provoca
uma revolução como queriam meus colegas do
Cinema Novo, mas, sem dúvida, um filme pode nos
ajudar a repensar o mundo e a nós mesmos. Um
pensamento reformulado pode ser transformador.
RM – Cada forma de arte traz um tipo de
recorte interpretativo e um tipo de reflexão
acerca das inquietações da vida. A literatura,
por exemplo, faz isso utilizando a palavra e
seus arranjos e rearranjos estéticos. Cidade
de Deus, O jardineiro fiel e Ensaio sobre a
cegueira são obras literárias e, naturalmente,
privilegiam a narração em detrimento da
ação (de que fazem uso o cinema e o teatro).
De que maneira seu cinema “relê” essas
obras? E de que forma essas adaptações
cinematográficas contribuem para mostrar ao
público algo que a literatura não conseguiria
dar conta, dada a “limitação” da palavra?
FM – Cada meio de expressão tem seus trunfos.
Ao ler um livro, o leitor é forçado a imaginar como
são os personagens, as paisagens, o clima do que
está sendo contado. É estimulante. O leitor, de
certa forma, é um criador também. No cinema,
as imagens vêm prontas, porém, ao agregar-se
a interpretação à música, às cores, ao colocar-
se tudo isso num determinado ritmo, é possível
criar uma experiência estética que a literatura
12
não consegue com seus recursos. Contemplar uma atriz sentindo a tristeza ao ver um filho indo embora
é diferente de ler uma descrição dessa mesma situação. A emoção vai por outros caminhos. Nem
melhores, nem piores. Diferentes apenas. Nas adaptações que filmei, procurei sempre ser fiel à ideia dos
livros-fonte, mas sempre me senti muito livre em relação a possíveis alterações na trama deles.
RM – Nos meses que antecederam a produção
do filme Ensaio sobre a cegueira e durante as
filmagens desse longa-metragem, o senhor
se utilizou de um meio de comunicação
bastante caro aos jovens, o blog. Em que
essa comunicação mais “imediata” com
seu público interferiu em seu processo de
criação? O senhor está familiarizado com
os meios de comunicação eletrônicos como
Orkut e Twitter, por exemplo?
FM – Escrever um blog enquanto rodava o filme
Ensaio sobre a cegueira me ajudou a organizar as
ideias e a pensar no que eu estava fazendo. Serviu
como mais uma oportunidade para refletir de
forma organizada sobre meu filme. Não costumo
ler blogs, twitters e nem faço parte do Orkurt, do
Facebook e de nenhuma dessas ferramentas de
comunicação eletrônica. Cada vez mais acredito
que acelerar a vida não me ajuda em nada.
Ao contrário, meu esforço é sempre freá-la e
aproveitar ao máximo o que está na minha frente.
Reservo um momento para saber o que se passa
no mundo, de manhã ao ler o jornal, por isso
não vejo sentido em ficar sendo invadido por
twitters. Não tenho celular pela mesma razão.
E-mail tenho porque considero essa forma de
comunicação menos intrusiva.
RM – No blog criado para Ensaio sobre a
cegueira, o senhor se refere aos cortes
determinados pelo estúdio Miramax de
maneira bastante tranquila e chega até
mesmo a elogiar a expertise dessa empresa.
De que maneira um grande estúdio interfere
em seus filmes? Qual o limite dessa
interferência?
FM – Um filme não é um livro. Se uma empresa
investe 24 milhões de dólares num projeto meu,
o mínimo que tenho de fazer é ouvi-la. Um filme
não pertence a um diretor, ele pertence a uma
equipe e tem um financiador. Todos podem e
devem participar. Nunca me senti invadido por
um estúdio. Tenho, nos contratos que assino,
cláusulas que me garantem o corte final dos
filmes que faço, mas procuro estar sempre aberto
a visões diferentes da minha. Isso me enriquece.
Existem gênios que criaram obras irretocáveis e, por isso, não permitiram qualquer intromissão. Como não sou um deles, sou apenas humano, tenho de estar aberto.
14
RM – Os folhetins do século XIX eram
publicados semanalmente nos jornais e
o público interferia nos destinos que os
personagens teriam. De que maneira um test
screening determina o resultado final de
um filme seu? Que tipo de público o senhor
gosta de ouvir antes da edição final de um
filme?
FM – Esses test screenings, em geral, selecionam
um público que seria o potencial do filme. Gente
que viu filmes que vão na mesma linha do
que está sendo testado. Gosto dessa etapa do
processo, pois é quando confiro se as minhas
intenções estão chegando ao espectador comum.
Quando, numa dessas sessões, alguém reclama
de algo que, para mim, não é relevante, não
levo em consideração. Ao participar de um test
screening, é preciso saber exatamente o que se
quer com essa estratégia. Esse é o segredo.
RM – Especialmente em Ensaio sobre a
cegueira, o senhor faz referências a quadros
de Brueguel, Bosch, Rembrandt, Malevitch,
Bacon e Lucien Freud. De que maneira outras
artes (artes plásticas, literatura, teatro, dança)
dialogam com sua obra cinematográfica?
Quais são as suas referências como artista e
qual a importância delas em seu trabalho?
FM – Já foi muito dito que o cinema é a arte que
une todas as outras: música, literatura, fotografia,
artes plásticas, interpretação. Como cada uma
dessas linguagens é importante para a composição
de um filme, procuro sempre frequentar galerias,
ler bastante, assistir a peças de teatro. Mesmo
assim, sinto que a literatura é o principal motor
que me estimula e que me traz ideias novas. Acho
que é praticamente impossível ser um diretor de
cinema sem ler muito.
RM – Quando se digita seu nome num site
de buscas como o Google, aparecem nele
mais de 643.000 páginas a seu respeito e
os veículos especializados consideram o
senhor hoje o cineasta de maior expressão
internacional do cinema brasileiro. Esse
status profissional deve garantir ao senhor
excelentes possibilidades de trabalho,
mas também trazer inconvenientes, como
um processo movido há algum tempo pelo
senhor contra um tabloide sensacionalista
inglês. Qual o peso disso para sua vida e
para sua produção?
FM – Recebo sempre convites para dirigir filmes,
recebo livros, roteiros etc. Profissionalmente, isso
é muito interessante. Também gosto de saber
que posso realizar um projeto e que sempre
haverá a possibilidade de financiá-lo sem grande
sofrimento, graças a um certo trânsito que já
possuo com gente da indústria internacional.
A parte ruim desse reconhecimento é que as
pessoas já esperam alguma coisa de você. Essa
expectativa é muito estressante. Quando estou
envolvido num projeto, alguém sempre me diz:
“Sei que vai ficar ótimo.” Isso é um peso enorme.
É um elogio que cai como uma facada. Por mais
que eu tente não correr atrás das expectativas
alheias, acabo sofrendo com isso.
RM – Em termos práticos, há muita diferença
entre trabalhar com atores brasileiros e com
atores conhecidos internacionalmente como
Rachel Weisz, Ralph Fiennes e Julianne
Moore?
FM – Não há nenhuma. Bons atores brasileiros
são tão bons como bons atores estrangeiros. Tive
sorte de nunca ter trabalhado com gente que tem
“chiliques” de estrelismo, nem por aqui, nem em
outros países. Ouço falar disso, mas nunca vi
acontecer de perto. Ainda bem! Em geral, atores
são seres inseguros, carentes, muito sensíveis e,
sabendo deixá-los confortáveis, fazem o trabalho
para você.
RM – A minissérie televisiva Som e fúria,
produzida recentemente pela O2 Filmes para
a TV Globo, é uma adaptação da narrativa
canadense Slings and Arrows e trata do
universo do teatro. O senhor dirigiria uma
peça de teatro?
FM – Gostaria de dirigir uma peça alguma hora
dessas, mas sempre tive medo de teatro. Teatro,
quando é chato, é muito chato.
16
RM – Nessa minissérie, dirigida parte pelo
senhor, um grupo almeja montar Shakespeare.
O senhor acha possível Shakespeare ter
apelo com o grande público que a televisão
atinge?
FM – Shakespeare na TV foi um passo ousado
da Rede Globo. A minha produtora, a O2, só
sugeriu, mas foram eles que bancaram a ideia.
Nossa audiência não foi das melhores. Não foi
nenhum desastre, mas deu para ver que o tema
assustou muita gente por mais que tivéssemos
tentado fazer a coisa bem palatável. A tal da
Fazenda (reality show produzido e exibido pela
Rede Record em 2009) “roubou” um pouco
de nossos espectadores e o banho da Mulher-
melancia parece ter interessado mais do que a
dúvida de Hamlet se deveria ou não matar o tio
para vingar a morte do pai. Os dramas inventados
pelo autor inglês são os dramas que todos nós
vivemos no dia a dia: ciúme, inveja, paixões,
ambição desmesurada. As peças e as personagens
shakespeareanas são profundamente humanas e
deveriam ser acessíveis a qualquer um que pense
um pouco sobre a própria vida. O problema é que
a melancia da Mulher-melancia também estava
bastante acessível!
RM – Sua trajetória é prova concreta de que
trabalho, muito estudo, leitura, disciplina e
dedicação resultam em excelência. De que
maneira o senhor orienta seus filhos em
relação à formação profissional, cultural,
acadêmica e cidadã deles?
FM – Procuro não influenciá-los e, muito menos,
pressioná-los em relação à profissão que deverão
seguir. Seja lá o que queiram fazer, minha postura
é sempre de apoio a seus projetos. Só isso.
Tenho uma preocupação em que se tornem
cidadãos éticos que saibam respeitar e viver numa
sociedade. Para isso, melhor do que ficar ditando
regras e “bancar o chato”, procuro “andar reto”
na vida para dar o exemplo a eles.
e x p r e s s õ e s i m p r e s s õ e s
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No início deste ano, nós da equipe de Artes do Ensino Médio lançamos como proposta, a uma
das turmas de alunos de 1º ano, a elaboração de um espetáculo de conclusão de curso que trata da
complexa temática do preconceito. A ideia é que o espetáculo discuta o tema por meio das diversas
linguagens e modalidades artísticas: pintura, fotografia, cinema, música, teatro. Para embasar
a pesquisa, que foi realizada ao longo de março de 2009, os alunos se debruçaram sobre o livro
12 faces do preconceito, organizado por Jaime Pinsky, e participaram de diversas discussões em sala
sobre o assunto.
Numa das avaliações que fizemos, uma questão colocou em xeque a compreensão que a turma tem
da importância da montagem de que estão participando. Tratava-se de uma pergunta completamente
aberta, sem resposta certa ou errada, que tinha como único intuito medir o envolvimento dos alunos
no projeto. Entretanto, as respostas nos surpreenderam bastante. Resolvemos, então, “dividi-las”
com os outros alunos e professores da escola. Não almejávamos apenas mostrar o trabalho realizado,
mas complementá-lo com as opiniões, críticas e experiências dos colegas dos alunos e de quem
pudesse contribuir. Percebemos que teríamos de trabalhar com um instrumento ágil e interativo que
pudesse agilizar nossa comunicação.
Embora não conhecêssemos muito bem a estrutura de funcionamento dos blogs (mas já convivendo
com blogueiros fanáticos em casa!), logo percebemos que nossas necessidades de agilidade e
interatividade poderiam ser plenamente satisfeitas por essa ferramenta, que nada mais é do que um
espaço virtual público livre para exposição de ideias, assim como um diário eletrônico organizado por
data, da mais antiga para a mais atual.
blogarte namóbileProfessora de Artes inaugura plataforma eletrônica de comunicação entre alunos do Ensino Médio.
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Cada uma das publicações, ou posts, pode ser comentada por qualquer internauta, o que torna o
blog extremamente interativo. E, como a sua utilização é muito simples, não exigindo do blogueiro
experiência com programação, essa plataforma de comunicação pode ser extremamente ágil.
Assim, criamos o blog Arte na Móbile e o inauguramos com posts de textos sobre aquela pergunta
feita na avaliação dos alunos. Ficamos mais do que empolgados com o resultado. Passamos a
publicar com frequência textos no blog e convidamos a equipe de teatro da Móbile para reforçar
nosso time: Cibele Troyano, Guilherme Yazbek e Rogério Viana. O espaço tornou-se um canal direto
com os nossos alunos, e temos apresentado reflexões sobre temas das artes, feito convite para
espetáculos, postado fotografias do grupo em atividades no curso, proposto enquetes etc.
O blog Arte na Móbile é ainda muito jovem, mas esperamos que esse espaço seja mais uma
possibilidade para aprender, ensinar, refletir, criticar, autocriticar, dialogar e compartilhar ideias.
Bia De Luca é regente do Coral da Móbile, professora de Músicado Ensino Fundamental e do Médio e idealizadora do blog Arte na Móbile.
Para conhecer o blog, acesse www.artenamobile.blogspot.com e dialogue conosco.
blogarte namóbileProfessora de Artes inaugura plataforma eletrônica de comunicação entre alunos do Ensino Médio.
Os textos a seguir foram postados pelos professores e pelos alunos no blog Arte na Móbile:
QUINTA-FE IRA, 10 DE SETEMBRO DE 2009
Com a boca no trombone!
Foco no centro do palco onde se vê uma menina com uma margarida nas mãos.
O texto de abertura de “Deixa eu Dizer” deixa claro que a temática do espetáculo musical
dos primeiros anos é a controvertida questão do preconceito.
"E você não tem direito de calar a minha boca
Afinal me dói no peito, uma dor que não é pouca
Tenha dó!"
O trecho da letra de "Deixa eu Dizer" de Ivan Lins – música de abertura da peça (ouça a
música) – é uma exigência por um espaço para expressar a indignação diante das atitudes
discriminatórias, tão presentes em nossa sociedade.
O blog, é claro, não é um espaço de "bocas caladas"; ao contrário, aqui você pode pôr a
boca no trombone.
E então, o que mais te deixa indignado quando o assunto é o preconceito?Poste seu desabafo! Expresse sua opinião embasando-a em referências literárias, jornalís-
ticas, estatísticas, científicas etc. E mande as referências, combinado?
POSTADO POR BIA DE LUCA ÀS 23:01
MARCADORES: BIA, DEIXA EU DIZER, DISCUSSÃO
COMENTÁRIOS
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COMENTÁRIOS:
Letícia Coelho, 1º C disse...
O que mais me deixa indignada em relação ao preconceito são os apelidos
pejorativos nas escolas ou até mesmo em locais de trabalho. "Ô, gordinho!
Quatro olhos! Magrela! Tampinha!” Se você não ouviu alguém te chamar de
algum apelido pejorativo, já deve ter presenciado um ou uma colega ser alvo
de “tirações” desse tipo. Pode ter ocorrido de você já ter se dirigido assim
a alguém. Porém, saiba que essa agressão verbal entre pares tem nome?
Chama-se bullying. Trata-se da ação de intimidar o outro, seja verbal
ou fisicamente.
O bullying acaba sendo comum em escolas porque é nesse ambiente que se
dá a experiência com os outros, segundo a professora universitária Luciene
Regina Paulino Tognetta. Ela é pedagoga e faz doutorado em Psicologia
Escolar. “Antigamente o fenômeno era mais escondido, havia mais o limite
da autoridade do professor”, compara. (Trecho retirado de: http://www2.
uol.com.br/tododia/ano2004/dezembro/121204/triboz.htm)
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quarta-Feira, 5 De agosto De 2009
entreVista com cinDerela
OLÁ! Enfim, Cinderela respondeu às nossas questões! Teremos um espaço conjunto para refletir sobre elas assim que as aulas tenham início. Até lá, peço a vocês que leiam o texto e postem seu comentário (dúvidas, reflexões, observações, novas perguntas etc.) até o dia 20/08. Os comentários de vocês serão muito importantes para o desenvolvimento do nosso projeto.Abraços e boa leitura! Cibele
Qual a origem de sua história?Minha história é bem antiga. A primeira versão escrita foi registrada na China no século IX. Há registros de outras versões na Caxemira, na India e também no Vietnã. Mas sabe-se que o conto é anterior a isso. Nasceu, provavelmente, no antigo Egito. As versões que mais conhecemos são as que foram escritas por Charles Perrault, na França já no século XVII (1687), e a dos irmãos Grimm, escrita em 1812.
Elas são diferentes?São, sim. Cada uma das versões da história recebe influências das circunstâncias em que foram escritas ou contadas. Na versão de Perrault, por exemplo, aparece a figura da fada-madrinha. Já na dos irmãos Grimm não há fada alguma...
Qual o significado da história?Há inúmeras interpretações de minha história. Tantas quantas são as versões que ela recebeu ao longo dos séculos (mais de 300!). Atualmente, são as explicações de fundo psicanalítico as que mais têm sido utilizadas pelos estudiosos e pesquisadores. Dentre elas, salienta-se a formulada por Bruno Bettelheim, um psicanalista austríaco, que se notabilizou pelo seu livro: Psicanálise dos Contos de Fadas. Segundo ele, minha história é, basicamente, uma história na qual são vivenciados os sofrimentos e esperanças que constituem a essência da rivalidade fraterna. O conto relata as experiências internas de uma criança que se sente marginalizada pelos irmãos ou irmãs.
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Qual é o significado do nome Maria Borralheira?Para me aquecer, eu gostava de ficar junto ao fogão, que era de lenha. Borralho são as cinzas quentes que ficam no fogão depois que o fogo se apaga. Daí o nome. Seu significado também está relacionado com a ideia muito antiga de que “viver entre as cinzas” simboliza o rebaixamento de um irmão pelo outro. Em algumas interpretações da Bíblia citam-se Abel como irmão-das-cinzas de Caim e Esaú como irmão-das-cinzas de Jacó. O irmão-das-cinzas torna-se um nada, submetido à autoridade do irmão malfeitor.
Qual o motivo da passagem de Maria Borralheira para Cinderela?A palavra Cinderela deriva de cinzas. Assim como Cinecienta e Cendrillon. Borralheira e Cinderela são, portanto, sinônimos.
Qual a sua idade?Sou uma jovem. Sempre serei!
Você é virgem?Não. Minha história trata justamente do meu processo de amadurecimento em direção à conquista de minha identidade, autonomia e plena realização amorosa.
Como você se sente em relação à madrasta?Bastante rejeitada. Ela só se importava com as filhas dela... Sentia medo também, pois eu não tinha meios de me opor a ela.
Por que você escolheu uma vaca de presente?Na verdade, eu escolhi um animal de estimação. Queria ter um amigo, alguém para cuidar, uma companhia. De certa forma, isso compensaria a ausência do meu pai. Ganhei uma vaquinha e fiquei muito feliz com isso.
Por que tentar fazer substituições na vida para ser feliz?A ideia de felicidade vai mudando de foco de acordo com as transformações por que passamos. A vida é dinâmica, nossos conceitos vão se modificando conforme nossa visão de mundo se amplia. Isso também acontece com aquilo que entendemos por felicidade. Em cada fase de nossa vida, ser feliz corresponde a um tipo de realização. Certamente, o que o faz feliz agora não é a mesma coisa que o fazia feliz há algum tempo nem será o que o fará feliz daqui a algum tempo.
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O que significa o sapato? Como já mencionei, minha história tem origem oriental. No Oriente, os pés pequenos das mulheres eram sinal de incomparável beleza e distinção. O mesmo era atribuído aos sapatos feitos com material precioso. Desde o século III registra-se, no Egito, a existência de chinelos feitos artisticamente de pedras preciosas. Em 301 d.C., o imperador romano Diocleciano estabeleceu preço máximo para diversos tipos de calçados, incluindo chinelos de couro babilônico, pintados de púrpura e escarlate. Na China, até pouco tempo atrás, era costume enfaixar os pés das mulheres para impedir que eles crescessem. Um pezinho bonito passou a se tornar um símbolo da sexualidade feminina. Um sapatinho dourado no qual o pezinho cabe confortavelmente é um símbolo semelhante ao de se colocar uma aliança no dedo quando se firma um compromisso amoroso. (Em tempos remotos, na Alemanha, era costume o noivo dar um sapato à noiva no dia do noivado.) Há algumas poucas versões de minha história nas quais o objeto que permite ao príncipe me reconhecer é uma aliança e não um sapatinho...
Você e o príncipe foram “felizes para sempre”?Nos contos de fadas, a expressão "E viveram felizes para sempre" significa que é realmente possível construir uma ligação verdadeira e satisfatória com outra pessoa. Os contos de fadas ensinam que, quando uma pessoa assim o fez, alcançou o máximo em segurança emocional. Isso dissipa o medo de quaisquer perdas ou separações. Mas o conto de fadas diz também que, se uma pessoa encontrou o verdadeiro amor adulto, ela não precisa desejar a vida eterna. Isso é sugerido por outro final muito comum: "E viveram por um longo tempo, felizes e satisfeitos." E é assim que eu tenho vivido com o príncipe até hoje!
Qual é o desejo que você realizaria agora?Que a minha história não fosse esquecida.
POSTADO POR CIBELE TROYANO ÀS 15:34 MARCADORES: CIBELE, CONTOS DE FADAS, DISCUSSÃO, TEATRO
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COMENTÁRIOS
Danielle Galletta, 1º C, disse... Cibele, adorei saber todas essas novas informações sobre o conto da Cinderela, pois sempre gostei desse conto, mas como só conhecia a versão de Walt Disney, não sabia de nem metade do que aprendi aqui. Você disse que iremos representar 4 contos em nossa peça. Também disse que um deles é Maria Borralheira, que tem mais de 300 versões. Eu gostaria de saber qual versão nós iremos apresentar e, de uma maneira geral, o que essa versão tem de diferente da de Walt Disney. Nessa entrevista também foi possível ver um lado novo da Cinderela, um lado sem o príncipe, deixando-a mais independente.25 DE AGOSTO DE 2009 14:58
Gaia M. Massucci, 1º D, disse... Achei muito interessante a entrevista. Uma das coisas que mais me intrigaram foi saber que a primeira versão da Cinderela foi criada na China, o que explica também o significado do sapato. As respostas foram bem pensadas e, ao analisá-las, pude ir mais fundo na história da Maria Borralheira.30 DE AGOSTO DE 2009 18:59
Bruno Magalhães, 1º C, disse...Achei a entrevista surpreendente, pois contém certo tom de ironia. A entrevista reflete muito sobre ideias que estão implícitas nos contos de fadas e que muitas vezes não são tão simples quanto parecem. 4 DE SETEMBRO DE 2009 00:33
Móbile realiza, em 2008, sua IX Mostra de Artes,O Tempo da Terra... Os olhos da Arte,com alunos do Ensino Fundamental
“O artista cria a partir de suas referências, de vivências; como fruto do trabalho humano, a obra de arte carrega em si histórias e passados – cada obra é filha dileta de uma imensidão de outras, anteriores a ela. Os homens que somos hoje são a herança do nosso passado.”
(Fragmento do catálogo da exposição escrito
pela professora de História do Ensino Médio,
Teresa Chaves.)
O TempO da Terra ... Os OlhOs da arTe
O TempO da Terra ... Os OlhOs da arTe
A ideia que orientou o trabalho que resultou na Mostra de
Artes de 2008 foi a de que o visitante, ao percorrer nossa
exposição, pudesse ser levado a relacionar quatro momentos
históricos da humanidade em que o homem se voltou para o
nosso planeta e a forma como os artistas, por meio da sua
arte, refletiram sobre esses momentos históricos.
Para isso, quatro marcos científicos foram selecionados:
o primeiro coincidiu com a constatação de que a Terra era
redonda; em seguida, a descoberta de que a Terra não era o
centro do universo; o terceiro momento histórico selecionado
consistiu na chegada do homem à Lua, momento marcado
pela famosa (e lírica) frase proferida pelo astronauta Yuri
Gagarin, “A Terra é azul!”; e o quarto focalizou um olhar
atual sobre a Terra, cujos contornos têm sido modificados
pela ação do homem sobre a natureza. Cada marco histórico
e científico correspondeu a um módulo da exposição.
A Mostra – A partir da definição do tema da Mostra, as
professoras Maria Cecília Suguiyama – da Educação Infantil –,
Bel Frias e Patrícia Bacchi – do Ensino Fundamental –
realizaram uma extensa pesquisa para selecionar artistas
O TempO da Terra ... Os OlhOs da arTe
Os OlhOs da arTe
cujas obras representassem cada um dos momentos
históricos selecionados e elaboraram o programa a ser
desenvolvido com os alunos ao longo do ano.
As aulas de Artes se transformaram, então, no espaço
para que nossos alunos-artistas tivessem oportunidade
de contextualizar cada trabalho realizado em um dos
módulos. As professoras tiveram a preocupação de que
os alunos compreendessem o significado da proposta
trazida em seu módulo para o todo da exposição
e do caminho histórico que estava sendo traçado
pela Mostra.
A Mostra "O tempo da Terra... Os olhos da Arte"
apresentou o resultado de um trabalho que visa ao
desenvolvimento de habilidades que permitam ao aluno
um domínio cada vez maior do fazer artístico, assim
como à ampliação do seu repertório cultural; por outro
lado, apresentou a linguagem estética como meio de
comunicação, expressão, apropriação e produção de
cultura e compreensão da realidade.
Para quem viu – Para o visitante que apreciou
a exposição, a Mostra foi muito mais do que a
apresentação dos trabalhos que os alunos fizeram
ao longo do ano. Proporcionou uma reflexão sobre as
trajetórias do homem e de sua Terra, um caminho para a
construção de uma nova história.
Eliana Mesquiatti Tayano é vice-diretora do
Ensino Fundamental I e foi curadora da Mostra
de Artes em 2008 em conjunto com as professoras
de Artes do Ensino Fundamental, Maria Isabel L. F.
Fernandes e Patrícia Bacchi.
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Almanaque do Amor
Almanaque (al manákh) é uma palavra que surgiu no deserto e se
referia, em seus primórdios, a um local onde os nômades paravam para
descansar, contar histórias, trocar experiências, conversar, rezar e cantar.
Etimologicamente, essa palavra significa “lugar onde o camelo se ajoelha”.
O termo reaparece, depois, na França, para designar as publicações que se
propunham a divulgar o saber científico.
Atualmente, a palavra almanaque pode ser definida como um folheto
ou livro que, com uma linguagem fragmentada e desregrada, traz
diversas indicações úteis, poemas, trechos de obras literárias, anedotas,
curiosidades, além do calendário anual.
Essa definição atual de almanaque serviu de mote para o espetáculo
do 1º ano do Ensino Médio, apresentado no segundo semestre de 2008:
ele é algo que permite trocar experiências, ouvir e contar histórias, essa
qualidade tão humana, que parece ter se perdido no mundo da tecnologia e
da informação.
O tema escolhido para esse nosso almanaque foi o amor. E foi sobre
esse assunto palpitante que focalizamos nossa pesquisa. O espetáculo
foi composto por quatro cenas extraídas de textos teatrais escritos pelo
dramaturgo paulista Vladimir Capella, intercaladas por provérbios, saberes
populares e algumas canções.
Canções, provérbios, amores, muitas estórias e histórias
no auditório da móbile
Os espetáculos teatrais Almanaque do amor e Musichronos fi nalizam curso de Artes do 1º ano do Ensino Médio.
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Os alunos que participaram da montagem criaram suas personagens,
brincaram de “ser o outro”, expressando-se individual e coletivamente para
contar uma boa história.
Paralelamente ao processo de montagem do espetáculo Almanaque
do amor, realizamos uma pesquisa a respeito de algumas transgressoras
histórias de amor que marcaram nossa cultura: Ísis e Osíris, Cupido e
Psiquê, Píramo e Tisbe, Adão e Eva, Tristão e Isolda, Dante e Beatriz, Paulo
e Virgínia, Werther e Lotte, Lampião e Maria Bonita, Diadorim e Riobaldo.
Recontamos essas histórias uns para os outros e discutimos os significados
deflagrados por elas em nossas vidas. Foi um processo de trabalho bastante
prazeroso que nos levou a muitas descobertas.
Leia a seguir algumas das histórias de amor pesquisadas e (re)contadas
pelos nossos alunos durante o processo de preparação da peça teatral
Almanaque do amor:
Diadorim e Riobaldo nas veredas do desejo
Desde pequeno, Riobaldo gostava de ouvir histórias das aventuras
dos jagunços. Foi assim que ele próprio se tornou um jagunço e, em meio a
essas aventuras, conheceu Diadorim, que era do bando de Medeiro Vaz.
Sua amizade com Diadorim só fazia crescer. De um modo
incompreensível, Riobaldo passou a sentir um atormentado amor pelo
Canções, provérbios, amores, muitas estórias e histórias
no auditório da móbile
Os espetáculos teatrais Almanaque do amor e Musichronos fi nalizam curso de Artes do 1º ano do Ensino Médio.
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companheiro de jagunçagem. Os dois passaram a viver uma inquieta paixão
– quando estavam a sós, riam, se olhavam muito e Diadorim revelava a
Riobaldo a poesia que os sertões escondem por detrás de sua aspereza: a
beleza da natureza, a música das águas.
Diadorim, na verdade, é Maria Marins, uma virgem travestida de
guerreiro. Riobaldo só percebe isso depois que, em uma luta contra o líder
do principal grupo rival de Medeiro Vaz, Diadorim morre: uma mulher que
nasceu para guerrear e nunca temer.
O livro Grande Sertão: Veredas, um clássico da literatura brasileira,
escrito por Guimarães Rosa, faz o leitor vivenciar uma história de amor e
é considerado uma das mais importantes obras da literatura do país, pois
possibilita a compreensão definitiva sobre a formação da vida, do homem,
do desejo, do amor brasileiro.
José Eduardo Saba e Daniel Guerra eram alunos do 1º ano em 2008
História de amor – Ísis e Osíris
Eram quatro irmãos deuses: Ísis, casada com Osíris, e Set, casado com
Néftis. Um dia, Osíris se apaixonou por Néftis e teve um filho com ela.
Quando Set descobriu, com muita raiva decidiu matar Osíris como vingança
e o cortou em vários pedaços. Isso gerou uma grande seca, que matou
muitos homens de fome. Néftis, para se redimir de Set, abandonou seu filho
e de Osíris no deserto.
Ísis, desesperada pela morte de seu grande amor, começou uma
peregrinação pelo Egito. Foi enterrando cada uma das 14 partes de seu
marido Osíris em cada canto egípcio e pedindo aos deuses que o trouxessem
de volta. De tanto chorar e pedir, os deuses decidiram atendê-la. Suas
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lágrimas viraram chuva e Osíris retornou. Já que ele representava a terra,
os grãos voltaram a germinar.
Isso ocorreu quando o homem passou a reconhecer seu papel
na reprodução da espécie, pois antes se achava que só a mulher era
responsável pela procriação e somente as deusas eram veneradas. Homens
e mulheres começaram a viver juntos, em pares, compartilhando tarefas e
dividindo poderes.
Gustavo Elias Khouri e Jorge Luiz Moreira Silva eram alunos do 1º ano em 2008
Píramo. Tisbe. Amor. Impossível.
Píramo. Amor. Primeira. Vista. Tisbe. Babilônia. Famílias. Rivais. União.
Não. Jovens. Vizinhos. Quartos. Separação. Parede. Fenda. Parede.
Troca. Palavras. Amor. Beijos. Casal. Combinado. Encontro. Famílias.
Adormecidas.
Dia. Marcado. Tisbe. Noite. Ida. Local. Combinado. Tempo. Espera.
Surgimento. Leoa. Boca. Úmida. Sangue. Tisbe. Susto. Fuga. Véu. Queda.
Tempo. Píramo. Chegada. Visão. Leoa. Boca. Úmida. Sangue. Véu. Tisbe.
Chão. Sentimento. Inconformação. Movimento. Lança. Píramo. Peito.
Píramo.
Volta. Tisbe. Lugar. Tempo. Tarde. Encontro. Píramo. Morte. Tempo.
Visão. Véu. Mãos. Píramo. Lança. Peito. Píramo. Compreensão. Tragédia.
Sentimento. Desespero. Retirada. Lança. Píramo. Peito. Píramo.
Movimento. Lança. Píramo. Peito. Tisbe. Desfecho. Tragédia. Amor.
Impossibilidade. Luto. Cidade. Pais. Píramo. Tisbe. Reconciliação. História.
Conhecimento. Toda. Babilônia.
Pedro Porto e Pedro Prandini eram alunos do 1º ano em 2008.
Peça?O espetáculo Psiquice, encenado
pelos alunos do 9º ano do Ensino
Fundamental no final de 2008, finaliza
sete anos de um projeto de teatro
(de sucesso) concebido pela
professora Mônika Kuszka.
Que história é essa!
Transformar em ação a História para
assim criar a própria história. Com Sonhos e
desilusões do século XIX – um mergulho no
século XX, a professora Mônika Kuszka estreou
na Móbile um projeto inovador que ampliava
e iluminava o ensino de História por meio da
linguagem teatral. E, como todas as boas ideias,
o projeto cresceu, tomou corpo, enraizou-se.
Ao longo de sete anos, o teatro da 8ª série (hoje
9º ano) do Ensino Fundamental transformou-se
em um evento aguardado por todos os alunos,
pais, professores e funcionários da escola.
Os espetáculos Multifacetado, Mimesis,
Psiquice e Contraponto contam uma história
quase mágica: a de colocar no mesmo palco
120 adolescentes. Quantas descobertas!
Quantos talentos revelados! Uma coisa é
certa: todos os envolvidos no projeto saíram
“Entreguei meu coração
Ao turbilhão
do mar
As lágrimas que derramei de mim pra mim
Em espetáculos me dei
Mirei no teu espelho e vi o espelho de ninguém
Mas na lábia pequena em que me descobri
Na boca de cena nasci
A grande lábia de viver o gozo de existir
E com você saber enfim que sim
Fingir, Fingir, Fingir e atingir
O Ser”
(“Cacilda”, de José Miguel Wisnik.
http://teatroficina.uol.com.br/plays/2)
dele transformados, e ficaram para sempre
impressos na alma de cada um esses momentos
de intensa emoção e aprendizado.
Aprendizado que foi muito além do conceitual
e do escolar. Saber que um projeto coletivo
pode dar certo é uma experiência de valor
inestimável. Um trabalho em grupo construído
de mão em mão com muito esforço, sorrisos,
broncas, reclamações, objetos perdidos,
frustrações, timidez, suor e dedicação, ao longo
de quase um ano de ensaios, obteve sempre
como resultado superação, beleza, lágrimas e
sorrisos únicos.
“Sonho que se sonha só é só um sonho
que se sonha só. Sonho que se sonha junto é
realidade.” A canção de Raul Seixas sintetiza
bem a grande lição desse trabalho. Talvez seja
este o segredo: passar pela vida acreditando
que juntos é possível fazer a diferença.
Em Psiquice, última peça encenada em
2008 sob a direção da Mônika e minha (o
projeto continua agora nas jovens mãos dos
professores Rogério Viana e Guilherme Yazbek
e da veterana Bia de Luca), há um poema que
diz que se faz caminho ao andar e que a vida
vem e muda todas as perguntas. O passado está
sempre presente e o futuro é mistério. Preparar
os alunos para a imprevisibilidade da vida
também fez parte do projeto, porém fazendo-os
acreditar que, mesmo nas horas mais difíceis,
“tudo é uma questão de manter a mente quieta,
a espinha ereta e o coração tranquilo".
Para terminar bem, é necessário fazer
a louvação do que deve ser louvado e
agradecer a todos que direta ou indiretamente
participaram desse teatro mimético “multifa-
cetadopsiquicecontraponto”, mas, principal-
mente, agradecer aos alunos que ao longo
dessa gratificante história devolveram a mim
e à Mônika um pouco (ou muito) dos sonhos
perdidos pelo caminho.
Valéria de Melo Pereira é professora
do 6º ano do Ensino Fundamental.
44
Por que cantar Villa-Lobos?
“Sim, sou brasileiro e bem brasileiro!
Na minha música deixo cantar os rios e os mares deste grande Brasil. Não
ponho breques nem freios, nem mordaça na exuberância tropical das nossas
florestas e dos nossos céus, que eu transporto instintivamente para tudo
que eu escrevo.
Por isso eu componho sem prender-me
aos formalismos, ou melhor, aos convencionalismos da nossa chamada
civilização. Muitas vezes, sem
querer me sento à mesa: escrevo deitado no chão e frequentemente
perco as páginas que já havia escrito...
Confesso que não me deixo dominar pela meticulosidade. Quando estou
trabalhando, não me importo que as crianças entrem pela casa, liguem o
rádio, cantem ou dancem... Tenho uma grande fé nas crianças. Acho que
delas tudo se pode esperar. É preciso dar-lhes uma educação primária de
senso estético, com iniciação para uma futura vida artística. Temos mais
necessidade de professores de senso estético do que escolas ou cursos de
humanidade. A minha receita é o canto orfeônico. Mas o canto orfeônico
deveria, na verdade, chamar-se de educação social pela música...
Um povo que sabe cantar está a um passo da felicidade; é preciso
ensinar o mundo inteiro a cantar.”
Heitor Villa-Lobos
Villa-Lobos compondo com seu inseparável charuto.
Crianças do Coral da Móbile prestigiam a obra do compositor Heitor Villa-Lobos em apresentação
Há cinquenta anos, em 17 de novembro de 1959, morria Heitor
Villa-Lobos, considerado o maior compositor brasileiro de
música erudita de todos os tempos.
Sua importância reside, entre outros aspectos, no fato de ter
reformulado o conceito brasileiro de nacionalismo musical,
tornando-se seu maior expoente. Compôs mais de mil obras
para todo tipo de formação, desde instrumento solista até
grande orquestra.
Por meio da obra de Villa-Lobos, a música brasileira se fez
representar em outros países e se universalizou.
“A música é um fenômeno vivo da criação de um povo.”
Heitor Villa-Lobos
Villa-Lobos foi responsável pelo mais amplo trabalho em
educação musical de que se tem notícia em nosso país. Tuhu –
apelido que o artista recebeu na infância por imitar o barulho
do trem – acreditava nas crianças e para elas recolheu,
arranjou e reescreveu as melodias folclóricas que até hoje
ouvimos, compiladas por ele em um método chamado Guia
Prático de Canto Orfeônico, adotado por todas as escolas
públicas durante o governo de Getúlio Vargas. Nessa época,
chegou a reunir até 40.000 alunos-cantores em estádios de
46
futebol para interpretar canções cívicas e folclóricas sob sua
regência. Até hoje, apesar de o método estar em desuso, toda
criança brasileira, ainda que não saiba disso, tem contato
com as canções folclóricas recolhidas por Villa-Lobos em
suas viagens.
Estranhamente, a produção musical autoral de Villa-Lobos é
pouco conhecida de nossas crianças, por isso o Coral Infantil
da Móbile, composto por crianças de 7 a 10 anos, como parte
das homenagens prestadas ao artista em todo o mundo, se
dedicou a trabalhar com a arte desse compositor em seu
projeto de 2009.
O repertório do espetáculo incluiu três trechos extraídos
de um dos mais importantes ciclos do músico, o das nove
Bachianas Brasileiras, inspiradas na obra de Johann
Sebastian Bach: a mais popular de suas melodias, a “Ária”
(ou “Cantilena”) das Bachianas Brasileiras nº 5, composta
em 1938, com texto de Ruth Valadares Corrêa e dedicada
a Arminda Villa-Lobos, esposa do compositor; o último
movimento das Bachianas Brasileiras nº 2, a “Tocata”, mais
conhecida como “O Trenzinho do Caipira”, em versão com
poema de Ferreira Gullar (acrescentado à peça muitos
anos depois da composição dela); o terceiro movimento
das Bachianas Brasileiras nº 4, “Ária” (ou “Cantiga”), que
também recebeu, posteriormente, um texto, o “Caicó”, de
Teca Calazans.
Heitor Villa-Lobos participou da Semana de Arte Moderna
de 1922, em São Paulo, um dos mais importantes
eventos culturais brasileiros, realizado no centenário da
Independência, e foi influenciado pelo patrono desse
Villa-Lobos conduzindo as grandes manifestações orfeônicas
47
movimento, o escritor, folclorista e musicista Mário de
Andrade. O compositor buscou nas raízes da música
popular e folclórica brasileira a matéria-prima para as
suas mais de cem canções, cujos textos são de autoria de
vários poetas ligados ao movimento modernista, como os
poetas Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.
Entre 1925 e 1943, Villa-Lobos escreveu 14 serestas que
nos remetem à cidade do Rio de Janeiro, nos áureos
tempos das serenatas promovidas nas ruas. O Coral
Infantil interpretou duas das serestas, a nº 5, “Modinha”, e
a nº 6, “Na Paz do Outono”, com textos dos poetas Manuel
Bandeira e Ronald de Carvalho, respectivamente.
A peça “Floresta do Amazonas” foi escrita por encomenda
do estúdio de cinema norte-americano Metro Goldwin
Mayer para servir de trilha sonora para o filme Green
Mansions (no Brasil, A Flor que não Morreu), de Mel
Ferrer, estrelado por Audrey Hepburn e Anthony Perkins.
Três canções dessa obra integraram o repertório do Coral
da Móbile: “Melodia Sentimental”, “Veleiros” e “Cair da
Tarde”, todas com poemas de Dora Vasconcelos.
Além de uma “fantasia” sobre temas folclóricos,
especialmente compilada para o espetáculo, completam o
programa duas canções nacionalistas de autoria de Villa-
Lobos: “O Canto do Pajé”, com letra de Carlos Marinho de
Paula Barros – com base na música primitiva do aborígene
brasileiro –, e “Invocação em defesa da Pátria”, com letra
de Manuel Bandeira.
Cartaz da Semana de Arte Moderna Em 1955, dirigindo a Orquestra da Filadélfia no Carnegie Hall de Nova York.
“Considero minhas obras como cartas que escrevi à posteridade sem esperar resposta.”
Texto extraído da lápide de Heitor Villa-Lobos
A Semana de 22 sofreu uma série de críticas dos jornais
da década de 1920 e somente conseguiu firmar-se como
marco de um novo movimento alguns anos depois, por meio
da publicação de manifestos, livros de poemas, romances,
revistas em todo o Brasil. Nomes como Carlos Drummond de
Andrade, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Graciliano
Ramos, Vinicius de Moraes, entre outros, se consolidaram
com o tempo – o “melhor crítico literário que há” –, como
disse um dia o professor de literatura Alfredo Bosi; entretanto,
a arte de Villa-Lobos acabou esquecida e desvalorizada
pelos brasileiros, ainda que já se saiba da importância e
da qualidade dela. Trabalhar com parte do repertório de
Villa-Lobos na escola significa retribuir ao compositor
uma pequena parte do que ele fez em relação à educação
musical neste país, além, é claro, de oferecer às crianças da
Móbile o “fino biscoito” que ele fabricou, como afirmou seu
contemporâneo, o poeta Oswald de Andrade, outro célebre
quase desconhecido...
Bia De Luca é professora de Artes do Ensino Médio
e regente do Coral da Móbile há nove anos.
Em 1959, mostrando a partitura de “A Floresta do Amazonas” para Audrey Hepburn e Anthony Perkins.
49
Primeira página do manuscrito da partitura das Bachianas Brasileiras nº 5, composta em 1938.
p r o d u ç õ e s e m f o c o
52
Atualmente, buscamos a natureza da Matemática na história e na
sociedade e percebemos a sua importância como um instrumento que
nos ajuda a compreender, descrever e modificar a realidade. Essa visão
redefine o papel da Matemática na escola, uma vez que abandona a
concepção segundo a qual ela é um corpo de conhecimentos imutáveis
e verdadeiros e situa esse conjunto de saberes numa nova perspectiva
de análise, que é a de constituir-se numa ciência viva, presente tanto no
cotidiano das pessoas como nos centros de pesquisa.
Considerando esses pressupostos, na Móbile, temos como um dos objetivos gerais da
disciplina de Matemática contribuir para o exercício crítico da cidadania, por isso não só ensinamos
habilidades matemáticas básicas (contar e calcular, por exemplo), como também apresentamos aos
nossos alunos a matemática dos gráficos, das tabelas, dos percentuais, dos índices, das áreas,
dos volumes, ou seja, todo um conjunto de conhecimentos que faz desse saber um instrumento de
comunicação e expressão importante como a língua.
Leitura e interpretação de dados – Esse objetivo se concretiza quando assuntos relacionados
à estatística são tratados nas diferentes séries e se tornam ferramentas indispensáveis para
análise de questões sociais. A partir do 5º ano do Ensino Fundamental, são apresentadas situações
de aprendizagem que exigem a leitura e interpretação de informações estatísticas presentes em
reportagens veiculadas por jornais e revistas bastante presentes no cotidiano das crianças.
O trabalho realizado com o 5º ano, que consiste na leitura de uma reportagem (publicada em
março de 2009 pelo jornal Folha de S. Paulo) sobre o problema da dengue no Brasil, apresentada a
seguir, ilustra como se pode conferir significado à atividade matemática quando esta se relaciona
com situações prosaicas e com outras áreas do conhecimento.
O significado da atividade para os alunos está diretamente relacionado a uma sequência
de ações organizadas pelo professor, a qual estabelece objetivos claros e uma escolha de
procedimentos adequados. A utilização de uma reportagem na aula de Matemática possibilita que
Matemática: ciência viva no cotidiano das pessoas
Alunos do 5º ano
do Ensino Fundamental
aprendem Matemática
a partir da leitura
e interpretação
de dados presentes em
reportagens jornalísticas.
Matemática: ciência viva no cotidiano das pessoas
54
o professor garanta uma série de aprendizagens intimamente relacionadas com a compreensão
desse gênero textual.
Na proposta apresentada aqui, certamente a seleção de algumas atividades contribui de ma-
neira efetiva para a reflexão sobre aspectos que são relevantes para o entendimento do problema
da dengue no país. É necessário que, primeiramente, se analise o “contexto de produção” do texto
selecionado e que a leitura da reportagem leve em conta o levantamento de palavras desconheci-
das pelos alunos para a posterior discussão do significado delas dentro do contexto em que estão,
com ou sem o auxílio de um dicionário.
As questões abordadas também destacam a importância da observação pelos alunos do uso
de textos presentes na reportagem, que não são somente verbais, e de que maneira eles veicu-
lam informações importantes a respeito do assunto tratado. Para isso, são retirados trechos que
identificam determinados marcadores quantitativos fundamentais para a confirmação dos dados
estatísticos citados na reportagem.
A utilização de expressões do contexto matemático (“maioria”, “minoria”, “mais que a
metade”, “menos que a metade” etc.) permite o estabelecimento de relações numéricas presentes
na reportagem. A realização de exercícios com cálculos de porcentagem e de “transposição dos
dados” representados nos gráficos em tabelas é procedimento trabalhado com os alunos que estão
inteiramente relacionados com os conteúdos abordados no 5º ano.
No decorrer do trabalho, o professor explora o assunto de maneira ampla, agregando infor-
mações que julga oportunas, permitindo que os alunos levantem hipóteses sobre, por exemplo, o
porquê de a dengue ser um caso de saúde pública no Brasil.
Na Móbile, acreditamos que a identificação de elementos matemáticos (dados estatísticos,
gráficos, plantas, cálculos etc.), presentes em notícias, artigos de opinião, reportagens, publicidade
etc., interfere de maneira decisiva na interpretação e na avaliação da informação que o aluno retira
do seu entorno, contribuindo, dessa forma, para sua inserção social e cultural no mundo.
Antônio de Freitas da Corte é professor de Matemáticae vice-diretor do Ensino Fundamental II.
Desenhos
animados
modernistas
Coordenados pela professora de Artes,
alunos do 6º ano do Ensino Fundamental
criam desenhos animados a partir
de importantes telas modernistas brasileiras.
“Ah, eu gosto mesmo é do Bob Esponja!”;
“Meu pai adora Tom e Jerry”; “O desenho
animado O Rei Leão é muito triste!”. Tanto
quanto os contos de fadas (sobretudo há
algumas gerações), os desenhos animados
estão presentes no cotidiano de todos nós.
Por meio deles, compreendemos valores,
vivenciamos medos e identificamos muitas
necessidades das crianças. Os desenhos
animados encantam também pela sua
técnica e beleza.
Como dar movimento ao que é
bidimensional e estático? Foi com essa
pergunta que os alunos do 6º ano do Ensino
Fundamental iniciaram o Projeto Desenho
Animado, que já ocorre há alguns anos na
Móbile.
Animação e cooperação – Foram muitos
os objetivos que nortearam nosso projeto.
O primeiro consistiu na exploração da
linguagem de animação, tão próxima
dos alunos e tão fascinante para todos.
O segundo respondeu à necessidade
de inserir as crianças numa situação de
trabalho cooperativo, o que, sem dúvida,
era necessário, dada a extensão do
trabalho proposto. Por último, almejávamos
trabalhar com o desenvolvimento da
qualidade da expressão plástica dos
alunos.
Para ampliar o repertório deles em
relação à expressão plástica, trabalhamos
um dos conteúdos presentes no curso de
Artes, o Modernismo. Esse movimento
acabou por estruturar o projeto, e os
desenhos passaram a ser Desenhos
Animados Modernistas.
Nosso Modernismo – O primeiro tema
trabalhado com as turmas foi a Arte
Acadêmica. Em oposição a essa forma
de arte, introduzimos o Modernismo e
suas inovações. Nessa etapa, retomamos,
por meio da apreciação de imagens, as
características do movimento acadêmico
e inserimos imagens modernistas para
destacar as diferenças entre essas
abordagens e conhecer seus contextos.
O estudo enfatizou as vanguardas
europeias, as rupturas propostas por esses
movimentos radicais de início de século e a
discussão dos conceitos de “originalidade”
e de “perfeição” na arte. A “paisagem”
e o “retrato” foram os gêneros adotados
para estudo nas aulas, e os elementos
usados para análise e comparação das
obras apresentadas aos alunos foram as
cores, texturas, volumes, assimetrias e
deformações.
Algumas atividades propostas – Após a
realização dos exercícios de comparação
entre a arte acadêmica e a modernista,
realizamos uma atividade plástica.
Foi proposta aos alunos a confecção
de um desenho com “interferência” a
partir de um fragmento de uma obra
da pintora modernista paulistana Anita
Malfatti. Para “completar” seu quadro,
os alunos inseriram as características
do Modernismo em sua criação.
Posteriormente, apresentamos a eles as
imagens de Malfatti, de onde retiramos
alguns fragmentos. Depois dessa etapa,
fizemos uma “apreciação direcionada”
da obra para encontrar o fragmento
trabalhado e recuperar as características
estudadas em aula.
Além de Anita Malfatti, trabalhamos
também com algumas reproduções da
pintora Tarsila do Amaral. Os alunos
conheceram um pouco da história dessa
artista e sua importância para as artes
plásticas e para a cultura nacionais. Por
fim, escolhemos algumas obras de Tarsila
para fazer uma animação. As formas
Izadora P. Mariano, Nina T. Borghi, Ethel E. Rudnitzki, alunos do 6º B. Obra "A Cuca", 1924, de Tarsila do Amaral
simplificadas e coloridas presentes, por
exemplo, nas telas Abaporu, A Cuca,
A Feira, A Lua, O Ovo, entre outras,
proporcionaram uma infinidade de
soluções aos alunos no momento de
pensar no movimento das imagens.
Animações, taumatroscópio,
zootroscópio – Paralelamente ao estudo da
arte modernista brasileira, apresentamos
aos alunos a história da animação.
Utilizamos, para isso, objetos animados e
um Taumatroscópio – um dos mais antigos
e populares brinquedos de animação.
Consiste num disco preso a dois cordões
em lados opostos. Em cada uma das faces
do disco há uma imagem diferente. Quando
o disco é girado, as duas imagens se
fundem em uma única. Usamos também
um Zootroscópio – tambor giratório com
frestas em toda a sua circunferência. Em
seu interior, são montadas sequências de
imagens produzidas em tiras de papel. Ao
girar o tambor, vê-se através das aberturas
um desenho em movimento.
Decidimos, finalmente, que
trabalharíamos com flipbook, brinquedo
popular de animação.
Os alunos, agrupados em trios,
partiram para o projeto. Inicialmente,
escolheram uma imagem para animar.
Depois, prepararam um roteiro escrito
com 24 cenas, baseadas numa das obras
modernistas estudadas. Com o roteiro
pronto, os alunos começaram a desenhar
e pintar suas cenas e partiram para a
criação de um flipbook.
Os grupos se organizaram de várias
maneiras. Alguns dividiram previamente
as tarefas: um desenhava e os outros
pintavam. Em outros grupos, os alunos
produziam todas as etapas do trabalho, o
que forçou uma discussão entre eles sobre
qual seria o desenho anterior e o posterior
para dar o necessário efeito de movimento
à produção e contar a história.
Assim que cada grupo finalizou o seu
flipbook, os desenhos foram escaneados
e organizados em pastas pela equipe de
Informática da Móbile. Com o material
digitalizado, os alunos puderam dar
movimento aos seus desenhos, utilizando-
se do programa de computador Gif
Animator.
As obras de Tarsila do Amaral inspiraram
os alunos na elaboração de novos enredos.
Tivemos a surpresa, por exemplo, de ver a
tela O Ovo ser transformada na história de
um ovo guloso, ou de observar o grande
pé do Abaporu amassando um pequeno
pássaro.
Os alunos colocaram em movimento o
novo enredo, mas o desenho original foi
preservado e o cuidado com as cores,
as linhas e o acabamento do trabalho foi
grande.
O trabalho cooperativo foi imprescindível
para a realização dos 24 quadros. Cada
integrante do trio tinha uma função
relevante, e a elaboração do trabalho
necessitava da presença de todos os
componentes do grupo sempre. Por fim, a
elaboração do Gif exigia planejamento e
negociação constante entre os membros
do grupo. O trabalho resultou em
36 flipbooks e 36 desenhos animados,
que foram apresentados para os alunos
dos 6os e 7os anos.
Lúcia Vinci de Moraes era orientadora
do 6º ano em 2008 e Patrícia Bacchi
é professora de Artes do Ensino
Fundamental.
Luiza do A. L. Iofeti, Fabiana S. Sallum, Camila P. Rebizzi, alunos do 6º A. Obra "Cartão-Postal", 1929, de Tarsila do Amaral
60
Alunos do 6º ano do Ensino Fundamental realizam Estudo do Meio na cidadede Leme, no interior de São Paulo.
O Estudo do Meio do 6º ano nos impôs um desafio:
como reunir e valorizar as inúmeras observações,
dados coletados e aprendizagens conquistadas ao
longo de um estudo e transformar tudo isso em uma
produção consistente, pertinente à faixa etária de
crianças de 10 e 11 anos e que, de fato, expresse o
conhecimento adquirido em um projeto como esse?
Foi respondendo a essa indagação que a equipe do
Ensino Fundamental encontrou na produção de um
Guia de Viagem a possibilidade de articular as várias
pesquisas realizadas no Estudo do Meio realizado em
Leme, interior de São Paulo.
A escolha da produção de um guia orientou vários
aspectos do projeto. Primeiramente, definimos o
perfil do leitor da produção final, atuais alunos do
5º ano e futuros “passageiros” do Estudo do Meio.
Estabelecemos, também, que o guia reuniria dez
editorias correspondentes às pesquisas realizadas
em campo. Definidas as linhas mestras, passamos
para a segunda fase do trabalho: as atividades de
preparação. Elas seriam não só motivadoras como
também garantiriam a qualidade da coleta de dados.
OBSERVARFOTOGRAFARENTREVISTAR
CONHECERELEMENTOS
PARA APRODUÇÃO
DE UM GUIADE VIAGEM
61
Assim que iniciamos as discussões e
a apresentação do Estudo do Meio, as
expectativas dos alunos eram muitas: como
seria viajar com todos os colegas? Iriam
realizar pesquisas, mas teriam momentos de
lazer? Quais seriam as atividades de campo
propostas? Eram muitas as questões envolvidas
em uma primeira viagem como a que faríamos!
Era necessário construir gradativamente a ideia
de que o projeto agrega não só a convivência
e a integração do grupo, mas, principalmente,
momentos de trabalho, investigação,
observação e coleta de dados.
Apresentamos aos alunos o guia como
elemento que reuniria o resultado das
pesquisas e dos estudos realizados. Definimos
também que os dados do nosso estudo seriam
obtidos por meio de entrevistas. Trabalhamos
com os alunos não só a importância dos
registros e a adequação das questões
organizadas em sala de aula, como também
a atitude de respeito e escuta diante do
entrevistado.
As diversas disciplinas que participaram
do projeto apresentaram os profissionais
que seriam entrevistados durante o nosso
estudo, bem como os ambientes e contextos
de pesquisas. Mobilizamos indagações e
curiosidades. Assim, ao conhecer a pedreira
e entrar em contato com o paleontólogo,
procuramos suscitar nos alunos dúvidas e
inquietações a respeito do local visitado: há
quantos anos existe aquela formação? Por
que a pedreira abriga tantos fósseis? Ela
sempre teve aquela forma? Para conhecer
a plantação de cana-de-açúcar, realizamos,
antes da partida, uma degustação desse
produto e de seus derivados. Levantamos
algumas indagações: todos conheciam um
canavial? Como imaginavam que fosse? Já
haviam experimentado cana, garapa e melado?
A partir desse exercício, sensibilizamos
os alunos para que levantassem algumas
hipóteses a respeito da plantação e do
cultivo da cana-de-açúcar. Nosso trabalho
de campo seria justamente confrontar
essas hipóteses levantadas. E, dentro dessa
perspectiva mobilizadora, abordamos cada
um dos ambientes e profissionais que seriam
estudados e entrevistados. Nossa intenção com
todas essas atividades era abrir um espaço
de interesse que fosse preenchido por meio
62
das próprias questões a serem
formuladas. Simultaneamente,
estimularíamos a observação e
uma postura de investigação.
Além das entrevistas
(instrumento principal para a
coleta de dados), outro elemento que serviu
para enriquecer nosso Guia de Viagem foi a
fotografia. Partimos da constatação de que
o registro fotográfico é um recurso bastante
explorado nos dias atuais. Optamos por
percorrer alguns caminhos que pudessem
contextualizar esse recurso e reconhecer seu
potencial de comunicação, ampliando, dessa
forma, a sensibilidade e aguçando o olhar dos
alunos. Visitas a exposições de fotografias,
palestras e encontro com profissionais foram
recursos que escolhemos para mobilizar os
alunos para essa linguagem.
A essa altura, o grupo estava pronto para
partir. O primeiro trabalho realizado foi na
pedreira. Um grande paredão de rochas reunia
os alunos. Conhecer de perto um paleontólogo
e seu trabalho e depois procurar por fósseis
é, sem dúvida, uma atividade que fascina as
crianças. A ação de procurar por vestígios de
seres que habitaram um local há milhões de
anos e, ao mesmo tempo, de confirmar se, de
fato, o material encontrado corresponde a um
fóssil coloca os alunos numa posição bastante
semelhante a pesquisadores de verdade.
Dentro de outro contexto, as crianças
conheceram uma plantação de cana-de-açúcar
e lá tiveram a oportunidade de entrevistar uma
agrônoma e um trabalhador rural. Conhecer as
etapas que estão por detrás de um alimento
tão presente em nossas mesas, como é o caso
do açúcar, certamente enriquece a vida dos
próprios alunos.
Assim, demos sequência às várias entrevistas
e atividades que haviam sido planejadas no
trabalho. Conversas com o chefe de cozinha e
com um biólogo que é responsável por dar um
destino “ecologicamente
adequado” ao
lixo produzido no
acampamento mostraram-
se extremamente ricas.
63
Por fim, os alunos tiveram a oportunidade de
escutar, em meio a um céu estrelado e ao calor
de uma fogueira, histórias do folclore regional
contadas por um morador da região.
De volta a São Paulo, outra tarefa muito
importante nos aguardava. Os alunos haviam
aprendido bastante com a viagem e trazido
muitas informações. Agora, nessa nova etapa
do projeto, eles precisavam transformar todos
esses dados em um Guia de Viagem. Para
isso, tivemos de realizar com as crianças
uma investigação de outra natureza: estudar
as características e o estilo presente na
linguagem de um guia. Para isso, algumas
questões orientadoras da nossa pesquisa foram
lançadas: que recursos os guias de viagem,
em geral, utilizam para incentivar as pessoas a
conhecerem determinados locais? De que
forma eles orientam o leitor a conhecer
uma cidade, uma região ou mesmo um
ponto turístico?
Após um estudo a respeito desse
gênero textual, os alunos partiram para a
etapa final do projeto. Os pequenos grupos de
trabalho ficaram responsáveis por transformar
as informações, vivências, impressões e
sentimentos em títulos do guia. Precisavam
também utilizar outras linguagens, como os
desenhos e as fotografias, para acompanhar os
textos escritos e reforçar, dessa forma, o tom
persuasivo que o gênero exige. Além disso, a
nossa intenção era que os alunos pudessem
considerar a dimensão estética que as imagens
deveriam conferir à leitura.
Esses guias de viagem reúnem não só as
inúmeras aprendizagens conquistadas
pelos alunos, mas também as experiências
e vivências do grupo do 6º ano. Eles são,
certamente, mais que um colorido especial a
todo o conteúdo trabalhado!
Bel Camargo é orientadora do 6º ano do
Ensino Fundamental. Participaram do
projeto os professores Carlos Eduardo Godoy
(Ciências), Denise Mendes (História), Roberto
Caner (Geografia) e Valéria de Melo Pereira
(Português), todos do Ensino Fundamental.
Maria Clara Bicudo Toaldo, do Infantil 3
Minha caixade Alunos do Infantil 3 depositam suas memórias reais e literárias na Caixa de Lembranças do Sítio de Monteiro Lobato.
“Criei em mim várias personalidades. Crio personalidades
constantemente.
Cada sonho meu é imediatamente, logo ao aparecer son-
hado, encarnado
numa outra pessoa, que passa a sonhá-lo, e eu não.” (Fer-
nando Pessoa)
Ao observarmos crianças de três anos brincando no pátio da escola é muito comum ouvirmos frases
curiosas como: “Agora eu era a mãe, 'tá'?”; “Eu era a filha.” É comum também observarmos essas
mesmas crianças “representando fielmente” as personagens referidas nas falas de maneira atenta
e minuciosa. São gestos, falas, posturas das personagens que tomam conta de um corpo que
sequer está “preparado” para realizá-los, mas que já demonstra capacidade de reproduzi-los em
detalhes.
“Agora eu era” se transforma em palavras mágicas que evocam, independentemente do
lugar em que se esteja ou de quem as esteja falando, poderes inacreditáveis. Inacreditáveis porque
independem do real, daquilo que se vê, mas se realizam plenamente no campo da imaginação das
crianças de maneira tão forte que não se pode negar que esteja acontecendo.
É assim que a brincadeira do “faz de conta” acontece. Mais do que uma conduta lúdica
da criança que usa a representação dramática, o “faz de conta” é uma manifestação psicológica
de grande complexidade. Trata-se de uma atividade lúdica que desencadeia o uso da imaginação
criadora pela impossibilidade de satisfação imediata de desejos por parte da criança.
Essa atividade enriquece a identidade da criança, porque ela experimenta outra forma de
ser e de pensar, amplia suas concepções sobre o mundo e sobre as pessoas, porque também a faz
desempenhar vários papéis sociais quando representa diferentes “personagens”.
Quando brinca, a criança elabora hipóteses para a resolução de seus problemas e toma
atitudes não condizentes com a sua idade, pois busca alternativas para transformar a realidade.
Os seus sonhos e desejos, na brincadeira, podem ser realizados facilmente, quantas vezes se
desejar. Dessa forma, a criança cria e recria situações que a ajudam a satisfazer alguma
necessidade dela, às vezes, não revelada.
Diante desse cenário, encontramos no Infantil 3 um casamento perfeito entre a literatura,
arte ligada ao universo de recriação da vida, deflagrado pelas letras, e o mundo da fantasia propria-
Rodrigo del Picchia Yamashita, do Infantil 3
mente dito, que se faz por meio da imaginação das crianças de três anos de idade.
O mundo de Lobato – A obra de Monteiro Lobato certamente ilustra o casamento a que nos
referimos aqui. O trabalho desse escritor paulista lida exatamente com o ponto mágico em que a
fantasia toma conta do real.
Escolhemos, entre as maravilhosas obras do autor pré-modernista, duas em especial para
apresentá-lo aos alunos do Infantil 3: Reinações de Narizinho e Caçadas de Pedrinho.
Ainda que intuitivamente, Lobato era um conhecedor do universo infantil. Em sua literatura
para crianças, ele criou personagens com quem os pequenos (de qualquer época) se identificam
imediatamente. Quem nunca pensou em responder a certas pessoas da maneira espevitada e sem
censura como a boneca de pano Emília faz nos livros? Ou quem já não pensou em se casar com um
príncipe e se tornar rainha de um reino qualquer? E qual menino não gostaria de ter a valentia do
garoto Pedrinho e encarar uma bruxa como a Cuca?
As tramas e os personagens lobatianos são familiares às nossas crianças. No momento da
leitura é possível estabelecer entre leitor e personagem uma relação íntima e prazerosa.
Durante a leitura da obra Reinações de Narizinho, as crianças passam a habitar o Sítio do
Pica-Pau Amarelo juntamente com a personagem-título, com a boneca Emília, o menino Pedrinho,
o sabugo de milho Visconde e todos os outros habitantes desse lugar mágico. Já nas Caçadas de
Pedrinho, a escola se transforma na Mata dos Taquaruçus com todos os seus bichos e vegetação.
Caixa de lembranças – Depois de ler as aventuras propostas por Lobato, as crianças repe-
tem as falas principais dos personagens, reproduzem os trechos mais importantes das histórias,
comportam-se igual e tal a ficção e experimentam a sensação de ser outra pessoa.
Por seis deliciosos meses, o Sítio de Dona Benta se transfere para a Móbile e é tudo tão
bom que fica difícil deixar essa turma ir embora. Para guardar na memória toda a magia que essa
literatura proporciona a nossas crianças, criamos com elas uma Caixa de Lembranças do Sítio.
Nessa caixa, cada criança confecciona, utilizando-se de materiais bastante alternativos, Emília,
Visconde e Saci. Para criar o Saci, utilizamos uma massa de papel machê feita com material
reaproveitado da sala de Artes. Na confecção da boneca Emília, cada criança traz um pé de meia
e personaliza sua própria Emília com tinta de tecido, botões e lã. Para o Visconde, primeiramente
saboreamos uma deliciosa espiga de milho, depois secamos os sabugos e aproveitamos sucatas do
lanche para construir as cartolas, objetos tão marcantes desse personagem.
Ao finalizar o ano letivo, cada criança leva sua caixa para casa e dentro dela, mais do que
bonecos, elas carregam a lembrança de uma época mágica que ficará registrada para sempre.
Nosso Jardim e seus moradoresvistos bem de pertoCrianças do Infantil 5 constroem terrário coletivo, estudam a vida de animais que habitam jardins e produzem um livro sobre o assunto.
“Gostaria muito que os homens reconhecessem as árvores, os animais, as areias como sendo a nossa cultura. Que cada momento da vida fosse preenchido com o enriquecimento e o embelezamento da Natureza.” (Frans Krajcberg)
As crianças sabem que convivem com uma enorme quantidade de seres vivos e que
interagem com eles. Sabem também que existem animais muito diferentes uns dos
outros que vivem das mais diversas formas e em ambientes bastante distintos. Alguns se
alimentam de outros animais, e há aqueles que se alimentam de folhas. Uns são muito
grandes, outros nem tanto, mas certamente todos são importantes para o ecossistema
em que estão inseridos. Por tudo isso, pelo fascínio que os pequenos animais provocam
nas crianças e pela convicção de que a observação do meio, o relato, o registro e
a experimentação constituem-se em algumas das principais habilidades a serem
desenvolvidas na área de Ciências com as crianças, é que escolhemos Bichos de Jardim
como um dos temas de trabalho com as turmas do Infantil 5.
Antes de desenvolvermos esse tema com as crianças, alguns conteúdos são trabalhados:
diferenciação entre floresta e jardim, características específicas de cada um desses
ambientes, animais que lá vivem e, principalmente, a ação do homem sobre cada um deles.
Construção de terrários – Para conversar com nossos alunos sobre o ambiente floresta e
sobre a construção de terrários, convidamos o professor de Ciências Carlos Eduardo Godoy,
do Ensino Fundamental. No primeiro terrário, as crianças puderam colocar todos os animais
que encontraram; no segundo, depositaram apenas duas espécies – minhocas e caracóis.
Nos dois ambientes foram colocadas algumas plantas e água; em seguida,
foram fechados.
Nos dias que se seguiram, as crianças tiveram a oportunidade de observar os dois terrários
e perceber que, no primeiro, os animais ali colocados passaram a se alimentar uns dos
outros. Já no segundo, tanto os animais como as plantas se mantiveram saudáveis
e a terra, úmida. Dessa forma, os alunos puderam perceber como uma floresta se
“autorregula”, diferentemente de um jardim, que depende da ação do homem para manter-
se saudável.
Com a ideia clara de que o ambiente jardim é uma construção humana, focamos a pesquisa
em alguns animais que vivem nesse tipo de ambiente com o objetivo de reconhecer suas
principais características físicas, identificar e descrever alguns de seus hábitos, os perigos
que cada um pode oferecer e as relações que estabelecem entre si e com o meio.
Foram observadas pelas crianças, nos jardins da escola e na própria sala de aula, várias
espécies de animais. Depois, os alunos pesquisaram em livros e revistas especializadas
informações sobre os animais presentes nos jardins, de modo que puderam tirar dúvidas
e satisfazer curiosidades que tinham acerca desses seres vivos. Além disso, as crianças
coletaram dados nos Estudos do Meio realizados no Jardim Botânico de São Paulo
e no Borboletário, localizado no Jardim Botânico de Diadema, e puderam tirar várias
conclusões interessantes. A cada etapa do trabalho eram feitos registros coletivos sobre
as descobertas feitas e também alguns individuais por meio de desenhos.
A possibilidade de observar os animais, de compará-los e de estabelecer relações a partir
do que haviam visto e discutido foi fundamental para a ampliação do conhecimento das
crianças sobre os seres vivos.
Como forma de concluir o trabalho, todas as salas se uniram para produzir um livro
intitulado Você sabia?. Para isso, cada classe pesquisou dois animais (entre formigas,
joaninhas, grilos e abelhas), e todos os alunos pesquisaram as borboletas.
As diferentes possibilidades de organização desse livro e também os conteúdos que
o comporiam foram discutidos com cada um dos grupos, e as decisões foram sempre
coletivas. O livro Você sabia?, além de conter o registro do que se tornou mais significativo
para as crianças sobre conhecimento da natureza, também possibilitou que cada aluno
percebesse a importância do outro para a realização de algo comum, além da possibilidade
da troca de experiências e informações entre todas as crianças.
Por meio desse processo, nossos alunos puderam compreender, dialogar e participar de
um elemento importante de nosso mundo e estabelecer progressivamente a diferenciação
entre as explicações do “senso comum” e aquelas fornecidas pela ciência.
Ana Christina Calderelli Nebó, Carolina Maia Lacombe,
Maria Cecília M. Suguiyama, Wanessa Kelli e Silva são professoras do Infantil 5
e Maria de Remédios Ferreira Cardoso é vice-diretora da Educação Infantil.
A criação de poemas é uma atividade complexa demais? Fazer poemas não
se trata de uma atividade complexa demais? Seria, então, válido trabalhar
a produção de textos poéticos na escola? Pode-se exigir que cada aluno
tenha a “inspiração” necessária para elaborar poemas? Se, hoje em dia, nem
mesmo os adultos produzem ou leem poemas, até que ponto um adolescente
seria capaz de fazê-lo? O resultado não seriam textos pobres e imaturos,
se comparados à produção de poetas como Carlos Drummond de Andrade,
Manuel Bandeira, Fernando Pessoa?
Essas perguntas pouco ou nada contribuem para a reflexão sobre o assunto,
pois têm como pressupostos concepções estereotipadas de poesia e de
linguagem poética, que lamentavelmente ainda estão presentes no senso
comum.
O trabalho realizado a partir da leitura do romance Ana Terra, de Erico
Verissimo, pelos alunos do 9º ano da Móbile buscou romper com esses clichês
e levar os alunos a refletir sobre a poesia e sobre o fazer poético.
Ora, de que modo um texto em prosa como Ana Terra pode levar a reflexões
sobre a linguagem e a estrutura da poesia? Melhor do que já responder a essa
pergunta é conhecermos, do início, as etapas do nosso projeto.
Enquanto os alunos liam em casa o romance de Verissimo, parte das aulas
de Língua Portuguesa era destinada à discussão de poemas compilados em
uma coletânea, em cuja apresentação pode-se ler a seguinte ideia do poeta e
crítico literário Décio Pignatari:
Eu, lírico?Relato de uma experiência com a produção
de textos poéticos pelos alunos do 9º ano
75
“O signo verbal forma um sistema dominante de comunicação. (...) todo mundo
trabalha com o signo verbal (...). E aí é que está: o poeta não trabalha com o
signo, o poeta trabalha o signo verbal.”
Ao longo das discussões, análises, leituras e atividades propostas sobre
os poemas presentes na coletânea, os alunos puderam notar a diferença
fundamental apontada por Pignatari: muito além da inspiração, um poema é
feito com o suor do rosto do poeta, é resultado de muita reflexão e cuidado com
a escolha das palavras, a disposição das palavras, a combinação das palavras,
a sonoridade das palavras...
O passo seguinte a essas atividades de leitura seria o de criar os seus próprios
poemas. Mas sobre o que falar em um poema? Embora tenha ficado claro aos
alunos que mesmo uma “insignificante” estatuazinha de gesso pode ser assunto
para a poesia, o tema escolhido foi a vida da personagem Ana Terra. Mais
precisamente, a pergunta feita aos trios de alunos, a partir da qual seus poemas
seriam criados, foi: “Ao olhar-se no espelho da vida, o que Ana Terra vê?”
A sensibilização dos alunos com a trajetória tão peculiar da vida de Ana Terra,
com seus altos e baixos, suas dificuldades, sua força e persistência, dentre
outros elementos da personagem muito bem construída por Erico Verissimo,
certamente constituía-se um material poético riquíssimo para se trabalhar.
Leia alguns trechos dos poemas que surgiram após as discussões entre os
membros dos trios e os exercícios de reescrita orientados:
Rogério Viana Gusmão
é professor de
Língua Portuguesa
do 9º ano.
76
Sob a terra de Ana Terra
não há terra.
Somente corpos.
Corpos e almas.
Almas levadas pelo vento,
esquecidas pelo tempo.
(“Saudade da Terra”, de Fernando Salhani, Alexandre Fonseca e José Victor Naito)
No poema, o trabalho semântico com a palavra “terra”, que, homônima ao sobrenome de Ana,
surge como metáfora de “vida”, de “fertilidade”, opondo-se à morte simbolizada pelos corpos. Além
disso, há um jogo com a disposição das palavras no penúltimo verso do trecho apresentado: é como
se o vento não só levasse as almas, mas também espalhasse as palavras pela folha. Na última
estrofe do mesmo poema, há uma síntese melancólica do percurso da personagem:
A vida pune.
A vida erra.
A vida dura.
Dura a terra.
77
A concisão também é marca do poema “Opacidade”, dos alunos
Murilo Reis, Ricardo Cascino e Victor Schussel:
Ao sol quente,
Ana perdida no tempo
Enterrava-se no espelho d'água:
Sentimentos não refletem.
Além da relação de sentido entre o título e o último verso, percebe-se aqui uma sequência de
imagens como “sol quente”, “perdida no tempo” e “enterrava-se”, que juntas constroem com grande
expressividade o sofrimento da personagem de Verissimo.
O jogo sonoro também aparece como um recurso expressivo de destaque em vários poemas,
como na última estrofe de “Sopro”, poema criado pelas alunas Flávia Pouillies, Giordana Abdalla
e Mariana Santos:
Vento da dor
Vem toda dor.
78
Ou no poema “Tambor Inaudível”, escrito por Denise Hamada, Fernando Haddad, Jacqueline Vasto
e Laura Gregorin, cuja divisão de versos da segunda estrofe imita o ritmo dos batimentos cardíacos,
numa associação entre a forma e o conteúdo:
Sente então seu
Coração que
Mesmo com
Tanto sofrimen-
to tem ainda
Compaixão e...
E resiste a-
té o fim...
Esses exemplos mostram que um trabalho sistemático com os recursos expressivos próprios
da linguagem poética possibilita aos alunos a criação de um repertório mais diversificado de
possibilidades líricas do que simplesmente as rimas ou as metáforas desgastadas. E, sem dúvida,
esse fazer lírico contribui para a formação de leitores mais sensíveis e atentos às potencialidades da
linguagem literária, especialmente a da poesia.
Leia outros poemas criados pelos alunos:
79
Vida Seca
(Ana Clara Cardoso e Vinícius Tano)
Se ara a terra
Em que se enterra
E o que nela se esconde?
A felicidade
Vem o vento
Que faz passar o tempo
O vento que volta revolto
Vem voando vento do qual emana
Ana
Ana Terra
Terra
Sente mas não vive
Chora e não se descontrola
Implora grita tudo em vão
E infelizmente ainda bate o coração
A morte tenta
A vida aguenta
80
O reflexo de uma felicidade invisível
(Arthur Aily, Eduardo Assi e Luís Limongi)
No espelho da vida
Sobrevive uma felicidade
Que traz a liberdade arrastada pelo vento
O vento que arrepia...
O espelho que reflete
A felicidade oculta na terra.
Talvez a terra só sirva para enterrar
Enterrar a felicidade
Enterrar a vontade de viver...
E da terra sai a planta
Que já nasce morta
Seca, cinza e opaca
Sem nenhum brilho
Só tristeza.
81
Reflexo no Espelho
(Hugo Machado, Thomas Portela e Victor Jeronymo)
Em meio aos cacos de espelho
procuro uma lembrança perdida
uma casa no meio do nada
que há muito foi destruída.
Ao olhar nesse caco de espelho
vejo nova esperança nascida
um filho do meu ventre
e a família reunida.
Ao olhar novamente no espelho
vejo uma face distorcida
com uma expressão sofrida
em que, de pouco, há vida.
Educar paraa autonomia
83
No projeto pedagógico da Móbile, a aquisição
da autonomia intelectual é um dos eixos que
fundamentam o processo educativo. Propomo-nos a
formar alunos que, a partir da assimilação dos saberes
acumulados pelas diversas ciências, sejam capazes
de pensar, argumentar, criticar, concluir, projetar,
antecipar, solucionar. É nossa tarefa, portanto,
promover a construção de uma rede de significação
dos conhecimentos adquiridos na escola.
No Ensino Médio, a conquista de uma atitude
intelectual autônoma é tarefa que permeia as
intenções pedagógicas do corpo docente do Colégio
Móbile ao longo dos três anos de nosso trabalho
com os alunos. Uma atitude autônoma não pode ser
alcançada por meio da exclusão do professor como
principal agente do processo de aprendizagem,
sobretudo porque é dele a tarefa de mediar e facilitar
os processos de assimilação/apropriação dos saberes
escolares. A autonomia intelectual não deve ser
confundida com individualismo, uma vez que sua
conquista pressupõe a aquisição de capacidades para
formular julgamentos mais objetivos, criativos, críticos
e que sejam marcados pelo sentido da alteridade.
Ainda que a busca pela autonomia intelectual esteja
presente em nosso projeto pedagógico desde a
Educação Infantil, reconhecemos que a maior parte
dos elementos necessários para o desenvolvimento
do pensamento autônomo é instalada no período no
qual o adolescente desenvolve, mais amplamente, seu
raciocínio formal. Vista dessa maneira, a construção
da autonomia é uma trajetória em que se vai
avançando lentamente e cujo marco final, no Ensino
Médio, se dá pelo reconhecimento de um sujeito
capaz de, diante de novos problemas, propor novas
soluções, conceber proposições originais e reinventar
de maneira criativa uma situação.
Autonomia no ensino das Ciências da Natureza
e Matemática da Móbile – No Ensino Médio, em
nossa tarefa como balizadores da sistematização
do saber acadêmico de nossos alunos, almejamos
estabelecer condições para que os estudantes
construam suas próprias redes de conhecimento por
meio de processos mentais de agregação e recriação
desses saberes favorecidos pelos professores.
Sabemos como é essencial que o conhecimento
seja contextualizado por situações vivenciadas pelo
aluno. Os conteúdos específicos trabalhados pelos
professores em suas disciplinas são desenvolvidos
de maneira a fazer com que o próprio processo de
aprendizagem vá oferecendo o aparato intelectual
que será acionado quando uma situação-problema se
apresentar. A utilização do conhecimento escolar para
o exercício de um pensamento independente, capaz
Alunos do 3º ano do Ensino Médioconstroem casas a partir de conhecimentosfísicos adquiridos em aula.
84
85
de projetar, prospectar e criar, emancipa o aluno sob o
ponto de vista da capacidade dele de pensar.
A busca da autonomia intelectual se expressa
de maneira diversa nas séries que compõem o
Ensino Médio, pois os conhecimentos escolares
são organizados e escalonados respeitando-se a
evolução cognitiva dos alunos. Para o estudante do
1º ano, a construção do pensamento autônomo nas
disciplinas de Matemática, Física, Química e Biologia
se desenvolve a partir da percepção de que existe uma
linguagem própria da ciência. O aluno é estimulado
a construir progressivamente um registro vocabular
constitutivo de cada uma das áreas de conhecimento.
Incorpora mais intensamente a expressão matemática
como a linguagem capaz de formular e comprovar
conjecturas, realizar inferências e deduções e de
relacionar e organizar informações relativas à
resolução de problemas. Além disso, são favorecidas
as condições para que ele desenvolva em um nível
mais elevado sua capacidade de abstração, bem como
de análise e de comparação de ideias.
No 2º ano, outros aspectos que compõem o
pensamento autônomo são desenvolvidos.
As situações de aprendizagem em Ciências da
Natureza e Matemática procuram levar o aluno a
adquirir a capacidade de selecionar e interpretar
ideias e dados, detectar diferenças e semelhanças
em contextos propostos e ampliar explicações,
sistematizando-as e aplicando-as em situações de
contexto não-escolar.
Em Ciências, os alunos dessa série vivenciam uma
circunstância na qual se percebem sujeitos de seu
próprio conhecimento quando, em um parque de
diversões, têm de saber como coletar informações
a partir do referencial de análise conceitual
desenvolvido em sala de aula. Após aprenderem
praticamente todo o conteúdo de Mecânica,
consideramos que estão aptos a observar os
movimentos dos brinquedos e propor estratégias de
medidas de grandezas físicas, selecionando-as pela
relevância que terão na produção dos cálculos que
realizarão posteriormente. Os estudantes, ao serem
preparados para a investigação, são alertados para
o fato de que a qualidade dos dados coletados será
determinante para o êxito do trabalho a ser elaborado
a partir da visita ao parque.
86
Mais do que um trabalho relacionado aos conteúdos
aprendidos em Física, a atividade permite que o aluno
elabore modelos e verifique, por meio da análise
dos resultados obtidos, a validade desses modelos,
propiciando a articulação da teoria aprendida em
aula com a prática da observação e medida de
parâmetros, associando-as a um conhecimento mais
amplo. A atividade contribui, desse modo, para o
desenvolvimento dos elementos reconhecidamente
fundantes do pensamento autônomo.
Projeto de conclusão de curso (Era uma vez a
casa...) – Na série de conclusão do Ensino Médio,
é esperado que nosso aluno já tenha adquirido
condições para realizar e desenvolver um projeto de
trabalho de maneira autônoma. Julgamos que, ao final
de seu ciclo de escolaridade média, nosso estudante
se mostre capaz de potencializar explicações e
sistematizá-las, de executar com mais segurança
a conversão entre o saber da sociedade e o saber
escolar e vice-versa, estabelecer ligações entre os
saberes e consolidar os conhecimentos que adquiriu
na escola, multiplicando seus usos. O desenvolvi-
mento dessas capacidades conta com uma
contribuição importante do curso de Física do 3º ano.
Durante todo o primeiro semestre, os alunos, de
posse de uma caixa repleta de dispositivos elétricos
(“caixa de eletricidade”), aprendem a construir seu
conhecimento sobre esses elementos. A partir da
leitura e da elaboração de um conjunto de atividades
experimentais, eles são convidados para, sozinhos,
fora do espaço escolar, aprender, na prática, sobre
baterias, resistores, diodos, potenciômetros, leds,
LDRs, capacitores, fusíveis etc. Contam com um
plantão de dúvidas semanal e, ao final de cada
uma das dezesseis propostas de trabalho, devem
ser capazes de explicar e aplicar o saber adquirido,
montando individualmente circuitos elétricos que
façam uso dos elementos estudados.
Os alunos, ao receberem a caixa de eletricidade,
têm confrontadas suas condições de aprender sem
o professor, tendo, eles mesmos, de regular os seus
processos de aprendizagem. Ainda não projetam, no
sentido mais amplo da palavra, mas já se percebem
capazes de justificar com mais propriedade suas
escolhas ao longo da aquisição desse conhecimento,
atribuindo-lhe um significado próprio.
A ocasião do “aprender a aprender”, do criar, do
projetar, do reconstruir se revela por meio da proposta
de elaboração de uma maquete de edificação.
A compreensão de que o conhecimento é uma
construção permanente, a percepção de que muito
ainda há que se aprender, a importância de se lançar
curiosamente em busca de modos de superação
daquilo que não se sabe constituem alguns dos
objetivos do trabalho.
Nossa ideia é convidar os alunos para que coloquem
algo de sua habilidade a serviço da construção e
da elaboração de circuitos elétricos, aplicando,
dessa forma, seu conhecimento na prática. Como a
construção de uma casa de verdade seria inviável (!),
solicitamos que os alunos projetem e efetuem
instalações elétricas em uma maquete (que não
precisa restringir-se somente a um protótipo de
uma residência). O projeto pode contemplar desde
uma casa de bonecas até um hotel, uma fábrica, um
87
auditório etc. O mais importante é que, na opção
escolhida, o aluno consiga aplicar pelo menos parte
do que aprendeu nas aulas de Física.
O tempo de dois meses, estabelecido para a
confecção do projeto, nem sempre é suficiente
para a quantidade de ideias criativas relacionadas
aos equipamentos e circuitos instalados nas casas
propostas pelos grupos de alunos. Após muitas visitas
às lojas de material elétrico da Rua Santa Ifigênia,
várias idas a marcenarias e muita discussão sobre a
decoração e aparência das maquetes, os trabalhos
são apresentados “solenemente” para todos os alunos
do 3º ano em uma manhã na qual os professores
do Ensino Médio, orgulhosos do que ouvem –
sabedores de que extrair do próprio conhecimento,
com competência, seu potencial de transformação
é inerente do sujeito autônomo intelectualmente –,
provam o gosto do dever “quase cumprido”.
Apresentamos alguns fragmentos de relatórios
produzidos pelos alunos nos últimos anos.
89
Casinha Taj Mablaidi
(...) A “casinha” é um símbolo do terceiro ano. Um
trabalho que marca a nossa passagem. Por estarmos
saindo da Móbile, colégio que representa a maior
parte da nossa vida escolar, é responsável por muito
do que somos hoje; encaramos esse trabalho como
uma espécie de “chave de ouro” – com o perdão do
clichê. E por isso tivemos, desde o começo, medo de
decepcionar, mas também foi por isso que tivemos
horas de convivência divertida. Um trabalho que foi
difícil, mas compensador. Estamos orgulhosos. (...)
Amanda Previdelli, André De Dominicis,
Danilo Basile e Maurício Troncoso construíram
sua casa em 2006.
Hospital?
(...) No começo era hospital. Houve uma semana de
junho em que a cada cinco minutos um virava para
o outro e contava uma ideia nova. Campainha para
chamar a enfermeira, desfibrilador para sala de
cirurgias, som de ambulância, com efeito Doppler.
Elevador que sobe com ímã, berçário quentinho,
computador que mostra gráfico de batimentos. (...)
(...) Lembro-me de quando os primeiros LEDs azuis
acenderam. Ou da nossa expectativa, da ansiedade
para ver se a porta ia mesmo voltar sozinha. Aquele
barulhinho do motor, aquele barulhinho, ela chegando
perto, chegando, chegando e pumba! Voltou. Pulamos
e rimos tontos de felicidade. (...)
Filipe Robbe de Siqueira Campos e Marina Andrade
Leonardi construíram sua casa em 2007.
Parque de diversões inteligente
(...) E aqui está o resultado de dias de muito trabalho,
brigas e desentendimentos. Mas, mesmo assim,
pudemos perceber que tudo valeu muito a pena.
Achamos que nossa casa ficou muito eficiente em
termos eletrônicos, pois a maioria dos circuitos
é alimentada por uma fonte de corrente alternada,
além de ter uma rede elétrica impecável, e termos
conseguido associar o eletromagnetismo com
a elétrica, o que nos proporcionou um trabalho
mais rico. (...)
Mariana Fulan de Souza, Renata Sader de Siqueira e
Sofia Homem de Melo construíram sua casa em 2007.
Corpo Glorioso
(...) Enfim, nossa missão foi comprida naquele dia e
voltamos para casa. Depois de um longo caminho
de volta, chegamos e fomos testar a bombinha.
Colocamos em uma fonte de 12 V e ligamos. Mal
sabíamos o que iria ocorrer e, despreparadas, ligamos
a bombinha no meio da sala de jantar (nosso local de
trabalho). Para acabar o dia com classe, no momento
em que a bombinha funcionou, esguichou água para
tudo quanto foi lado, com grande intensidade e
molhando tudo o que estava em volta, inclusive os
outros circuitos em processo de solda. Mas, no final,
conseguimos cumprir com o nosso objetivo.
(...) Após um longo período de trabalho árduo,
finalmente a casa está pronta! Linda e funcionando.
Enfim, a ideia saiu do papel e se concretizou.
Temos de admitir que foram meses de angústias,
frustrações, medos e expectativas. Apesar de todos
90
os dedos, LEDs, capacitores, transistores queimados,
de todos os circuitos montados e desmontados
milhares de vezes, o trabalho progrediu dia a dia,
e cada vez fomos nos envolvendo mais e mais
no projeto.
Não é apenas um projeto escolar, e sim projeto
de vida. Nele aprendemos muito mais do que
simplesmente acender uma lâmpada ou fazer uma
esteira funcionar. Com ele, descobrimos do que somos
realmente capazes e superamos as expectativas que
tínhamos de nós mesmas.
Fomos a lugares a que nunca iríamos se não fosse
pelo projeto (por exemplo, a Santa Ifigênia), e com
isso ganhamos autonomia. Corremos atrás do que
precisávamos e do que queríamos sem a ajuda de
absolutamente ninguém, a não ser de nós mesmas.
Além de tudo isso, nos divertimos muito, e nos
aproximamos ainda mais. Portanto, apesar de
tamanho esforço e dedicação, valeu a pena passar por
todos os momentos (dos piores aos melhores) e ter
como resultado um Corpo Glorioso! (...)
Gabriela Farias Carvalho, Gabriela Papotto Louro
e Jéssica Cavalcante Schussel construíram sua
casa em 2008.
Pet Shop Júlio
(...) Algo que trabalho algum jamais tivesse requerido
de nós. Extrema atenção a detalhes, uma conciliação
entre pressa e perfeccionismo e plena autonomia (algo
que nunca havia sido tão valorizado). Junto com o
encontro com nossos limites físicos, foram dias tendo
novas ideias, noites revendo circuitos e madrugadas
consertando os erros. Os conceitos de eletricidade
nunca ficaram tão próximos, mas ao mesmo tempo tão
escondidos. O alívio de ver nossas luzes acenderem
juntas ou de ver um motor rodar com os nossos
comandos é algo pequeno, mas foi tão desejado por
nós nas últimas semanas. E, justamente por tudo ter
dado certo, podemos dizer que o trabalho valeu a
pena. (...)
Maria Bopp, Giulia Bertino e Karina Araújo
construíram sua casa em 2008.
Maria da Glória Martini é professora de Física
do 3º ano e coordenadora pedagógica
de Ciências da Natureza e Matemática
do Ensino Médio.
91
O Ensinoda língua inglesa em contextos comunicativos– uma perspectiva educacionalA aprendizagem de língua estrangeira possibilita a inserção dos aprendizes em um mundo social. Aprender uma língua estrangeira significa conhecer um novo código linguístico e entrar em contato com aspectos relacionados a diferentes culturas, ampliando, dessa forma, o universo cultural dos aprendizes.
92
"Learning to speak another's language
means taking one's place in the human
community. It means reaching out to
others across cultural and linguistic
boundaries. Language is far more
than a system to be explained.
It is our most important link to the
world around us. Language is culture in
motion. It is people interacting
with people.” Sandra Savignon (1983)
93
Quando falamos em ensino e aprendizagem de inglês como língua internacional, não
nos referimos a questões meramente fonológicas. Certamente, não estamos excluindo
as variações regionais ou as diferentes variações de pronúncia e ortografia que
caracterizam a língua inglesa falada nos Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Austrália,
Nova Zelândia, África do Sul, Jamaica. O ensino de inglês como língua internacional
refere-se à sua inserção em um contexto histórico-geográfico e cultural e visa à
comunicação ente povos.
Segundo o linguista inglês Brumfit (2001), o conceito de Inglês como Língua
Internacional vem sendo utilizado em todo o mundo desde o final da 2ª Guerra Mundial,
quando o ensino desse idioma se espalhou por todo o globo. De acordo com o autor,
a língua inglesa não pertence somente aos falantes da língua materna. Em suas
pesquisas sobre ensino e aprendizagem, o autor relata que a propriedade de uma língua
está nas mãos das pessoas que fazem uso dela, das pessoas que se comunicam por
meio dela. O fato de nos comunicarmos com povos de outras culturas faz com que ela
se torne internacional. A língua inglesa é falada por mais de setecentos milhões de
pessoas no mundo inteiro, em todos os continentes. Menos da metade desse número é
de falantes nativos. Portanto, os falantes nativos da língua inglesa estão em minoria, e
o seu uso comunicativo faz com que ela assuma um caráter internacional.
A linguista norte-americana Sandra McKay (2002) define inglês como língua
internacional como "uma língua usada por falantes nativos e bilíngues com o objetivo
de obter a comunicação". Sendo assim, ao nos referirmos ao ensino de inglês, estamos
inserindo o ensino de uma língua viva que objetiva a comunicação entre povos falantes
de língua inglesa como língua materna, segunda língua ou língua estrangeira.
94
Aprendizagem significativa – A aprendizagem de uma nova língua ultrapassa a mera memorização de regras
gramaticais e de vocabulário. Na concepção do psicólogo norte-americano David Ausubel (1982), para que essa
aprendizagem seja realmente eficaz e significativa, há a necessidade de a informação passada fazer, de fato,
sentido para o receptor, permitindo, dessa forma, uma real interação. Sendo assim, a aprendizagem da língua passa
a ser uma construção em parceria, envolvendo educadores e aprendizes.
Na Escola Móbile, os aprendizes são expostos a uma série de situações para que tenham a oportunidade de atribuir
um sentido particular às experiências, internalizando os conceitos, experimentando situações e utilizando a língua
para uma comunicação muito mais próxima da realidade de nossos alunos. Um exemplo disso é quando propomos
projetos em que a língua inglesa é usada como instrumento de comunicação entre povos. Os alunos sentem a
necessidade real do uso da língua, que é utilizada para que haja comunicação entre pessoas de diferentes culturas.
Dessa forma, nossos estudantes passam a usá-la de forma autêntica e “real”.
Projetos desenvolvidos no Ensino Fundamental I e II – A língua em constante uso permeia a prática do
ensino da Língua Inglesa na Escola Móbile. Os aprendizes, ao longo do Ensino Fundamental I e II, desenvolvem
as quatro habilidades linguísticas que são integradas compondo um currículo com ênfase no uso real da língua
inglesa: a compreensão oral (desenvolvida desde o início do processo de aprendizagem) integrada à produção oral;
e também conjugamos a compreensão escrita à produção de texto. Propomos, dessa forma, tarefas em que o aluno
é encorajado a entender, falar, ler e escrever a língua inglesa.
Dentro das propostas de trabalho com o ensino da língua inglesa, os projetos culturais têm um papel fundamental
na formação dos alunos. Por meio deles, o aluno não só amplia as possibilidades de uso e expansão dos conteúdos
aprendidos em sala de aula, integrando-os com as diferentes áreas do conhecimento, como também vivencia
uma oportunidade de desenvolver o pensamento crítico, a autonomia e a criatividade, apropriando-se da língua
estudada. Diante dessa construção coletiva do conhecimento, os alunos ampliam seu repertório cultural e
linguístico ao mesmo tempo que desenvolvem, entre outras habilidades, o autoconhecimento, as capacidades de
negociação e de síntese.
Alunos do 2º ano do Ensino Fundamental exploram os hábitos alimentares em um projeto cujo objetivo linguístico é praticar o inglês oral e o educacional é explorar e refletir acerca de hábitos alimentares saudáveis.
O 3º ano do Fundamental faz uso real e significativo da língua inglesa escrita e oral ao criar um livro virtual coletivo.
Os alunos do 4º ano criam home page e fazem uso da tecnologia como instrumento real de comunicação.
No 5º ano, os alunos criam blogs pedagógicos em que convidam o leitor a interagir com seus textos em um projeto real de uso de tecnologia como ferramenta de autoria.
O 6º ano entra em contato com parceiros virtuais da Finlândia. Compartilham com eles os costumes e finalizam um ano de trabalho colaborativo com uma videoconferência cujo objetivo é a comunicação em tempo real com alunos da cidade de Hartola, ao sul da Finlândia.
No 7º ano, os alunos estudam o gênero textual
sketch e criam seus textos, que são encenados
no auditório da escola.
No 8º ano, após o estudo sobre o gênero fotonovela, os aprendizes criam suas próprias produções partindo de fotos tiradas e editadas por eles (esse trabalho já foi publicado em detalhes na 6ª edição da Revista da Móbile).
Encerramos no 9º ano um ciclo de trabalho comunicativo ao propiciarmos aos nossos jovens aprendizes uma palestra com um jornalista inglês especialista em questões relacionadas ao meio ambiente.
Ao finalizar o Ensino Fundamental, nossos alunos
são capazes de fazer uso social da língua inglesa,
que já não é mais tão estrangeira. Utilizam esse
idioma com autonomia e, diante de situações
adversas de uso da língua, são capazes de buscar
conhecimento em diversas fontes para obter o
objetivo comunicativo. Além disso, conseguem
lançar mão das habilidades de compreender,
falar, ler e escrever em inglês e transferir os
conhecimentos adquiridos, aliados às suas
experiências pessoais, para diversos contextos reais
de uso da língua inglesa.
Cláudia Amorim é coordenadora de Inglês
do Ensino Fundamental; Elaine Miguel,
Eliane Abbud, Jeane Yamada, Lilian Fraga
e Paulo Rodrigues compõem a equipe de
Inglês do Fundamental.
Para ampliar seus conhecimentos
AUSUBEL, D. P. A aprendizagem significativa: a
teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes, 1982.
BROWN, H.D. Teaching by principles: an interactive
approach to language pedagogy. New York, Addison
Wesley, 2001.
BRUMFIT, C.J. English for international
communication. Oxford, Pergamon.1982.
BRUMFIT, C.J. Individual freedom in language
teaching: helping learners to develop a dialect of
their own. Oxford, Oxford University Press. 2001.
HARMER, J. The practice of English language
teaching. England, Pearson Education. 2007.
MCKAY, S. Teaching English as an international
language. Oxford, Oxford University Press. 2002.
MOREIRA M. A., MASINI, E.F.S. Aprendizagem
significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo,
Moraes, 1982.
SAVIGNON, S. Communicative competence: theory
and classroom practice. Reading, MA, Addison
Wesley, 1983.
e s p e c i a l
102
Criação, projetos e valores
Não somos nós, de modo algum, os pioneiros desta ideia,
mas dela compartilhamos: a principal característica da
inteligência humana é, além do pensamento, a invenção.
Se pedirmos para adolescentes ou adultos listarem nomes
de pessoas que eles consideram inteligentes, a maior parte
da lista será composta de personagens reconhecidos por
sua participação criativa na evolução científica: Galileu,
Newton, Pasteur, Da Vinci, Shakespeare, Darwin, Gauss.
A história guarda com destaque os registros científicos
que foram, ao seu tempo, frutos da criação humana.
Nessa medida, o ser inteligente é, principalmente, aquele
que cria, que inventa soluções próprias para problemas
simples ou complexos, que antecipa, de certa forma,
tendências culturais em sua comunidade.
Na canção “Saiba”, o compositor Arnaldo Antunes utiliza
os versos que a compõem para explicar aos pequenos
que, entre outras coisas, eles são tão especiais quanto
tantas “celebridades”:
Ao ouvir essa canção, a criança que não tem ainda bem
construída a noção de temporalidade poderá imaginar
que todas essas personalidades, que ela mal conhece,
viveram juntas, numa mesma época, e até mesmo em um
único lugar, estudando, quem sabe, todos em uma mesma
escola. Podemos embarcar nessa alegoria e imaginar
como seria uma sala de aula com esses alunos reunidos,
num único espaço, disputando entre si a primazia de
suas posições. Nossa! Seria um desafio e tanto para os
professores lidarem com tanta criatividade reunida. Mas,
além de cuidar da criatividade, dos egos e das frustrações,
caberia ao professor dessa turma especial a maior das
tarefas, a mais difícil delas: ajudar a construir e/ou
desconstruir o acervo individual de valores de cada um.
Afinal, se não podemos negar a reconhecida criatividade
desses “alunos”, podemos, certamente, distinguir a
categoria das contribuições de um ou de outro para a
humanidade. Criatividade e valores, para o bem ou para o
mal, parecem andar juntos.
Um sobrevivente dos campos de concentração nazista,
analisando a participação de cientistas na criação de
instrumentos de extermínio, descreveu o sofrimento
causado a milhões de pessoas pela tecnologia
desenvolvida especialmente para esse fim, e escreveu
Saiba: todo mundo foi nenémEinstein, Freud e Platão tambémHitler, Bush e Saddam HusseinQuem tem grana e quem não temSaiba: todo mundo teve infânciaMaomé já foi criançaArquimedes, Buda, Galileue também você e eu
Projeto de Iniciação Científica
103
um longo texto que termina mais ou menos assim:
“Ler, escrever e calcular só deveriam servir para
tornar nossa civilização mais humana.” Ressalvando o
exagero totalmente compreensível desse escritor, todos
concordamos que essa citação encerra a história de uma
parceria nada interessante entre valores (ou a ausência
deles) e criatividade.
Mas... alguém poderá questionar: de que valores estamos
falando? Considerando que trazer o detalhamento de
valores à lista de itens poderia não adicionar novidades
ao leitor que, certamente, compactuaria com 100%
deles, afirmamos apenas que detectamos a mobilização
de valores no sujeito que, em qualquer nível, articula
harmoniosamente seus projetos pessoais a projetos
coletivos. Estamos, assim, diante do princípio maior da
cidadania: a colocação de nossos interesses pessoais
a serviço dos interesses coletivos. Tal é a grandeza
desse desafio (e vencê-lo é tarefa maiúscula), que
começamos a persegui-lo, desde cedo, ainda crianças,
e que continuamos a fazê-lo durante o resto de nossas
vidas. Afinal, aquele que vive apenas para a realização
de seus interesses pessoais garante para si apenas uma
existência “idiota”. (Em tempo: idiotas eram os gregos
antigos não-políticos, isto é, não-cidadãos. O homem
privado – em oposição ao homem de Estado ou público).
Alunos do Ensino Médio da Móbile realizam trabalho pioneiro de Iniciação Científica, orientados por professores de Ciências da Natureza e História.
no Colégio Móbile
104
Um pouco sobre projetos
Falamos em projetos pessoais e julgamos elucidativo
também discorrer brevemente sobre o que entendemos
por “conceber e realizar um projeto”.
O termo “projeto” é derivado do latim projectus, que está
relacionado a algo que é lançado à frente. Quer dizer, sob
o ponto de vista apenas da etimologia, projetar significa
“lançar-se à frente”, para o novo, para o inesperado,
propor metas e persegui-las.
Além da etimologia, podemos entender que no ato
de “lançar-se à frente” está embutida a ideia de que
um projeto sempre faz referência ao futuro, isto é, não
se projeta o passado ou o presente. Ninguém projeta,
hoje, a construção do edifício do passado, a ciência da
Antiguidade, o pagamento do parto do filho de 6 anos, a
conquista da vaga de emprego na empresa que já faliu.
Isso não significa, todavia, que não se há de considerar o
conhecimento e as realizações anteriores à concepção de
um projeto, mas, sim, de que há de se assentar, sobre o já
feito, o foco do olhar que se dirige agora para o novo, para
o desconhecido. Em poucas palavras, projetar relaciona-
se ao ato de assumir a conservação para antever a
renovação.
Conceber um projeto, por mais estranho que ele possa
parecer, configura-se como atitude bem mais simples do
que sua realização. A concepção é livre; a realização,
nem tanto. O sujeito que projeta a instalação de uma
oficina de costura de gravatas em Ubatuba, por exemplo,
terá, certamente, muitas dificuldades em ver seu projeto
realizado, mas se estiver de fato disposto a investir tempo,
dinheiro e esforços, por que não? Em outro extremo, houve
quem imaginasse sistemas de informática gerenciadores
de informações e se dedicasse a viabilizar a ideia – o
Google é resultado de um desses projetos. Nesse caso, da
mesma maneira que ocorreu com o inusitado costureiro
de gravatas, precisou também haver investimento de
tempo, dinheiro e esforços. Quer dizer, a viabilização de
qualquer projeto sempre exigirá duas ações, conjugadas
(até na rima): criação e dedicação.
Assim, nos permitimos estabelecer mais uma associação,
desta vez entre projeto, criatividade e dedicação. Não há
projeto que vingue sem criatividade, e não há projeto que
se viabilize sem dedicação. O ser criativo e “folgado” não
passa de uma imagem por demais estereotipada que,
de forma alguma, se aplica a qualquer situação, menos
ainda ao ambiente escolar.
105
Autonomia, crise no Senadoe aquecimento global – Há ainda mais
um elemento a considerar, especialmente importante
quando tratamos de um projeto escolar. Tentando
antecipar a colocação que faremos, lançamos a seguinte
questão: além da criatividade e da dedicação, qual
é outra característica necessária a um pesquisador?
Antes de responder a essa pergunta, pensemos sobre
uma pesquisa fictícia. O número crescente de falcatruas
praticadas por muitos de nossos representantes no
Senado pode estar, de alguma forma, relacionada ao
aquecimento global? Esse é o tema que alguém resolve
pesquisar. Para tanto, será necessário que nosso
investigador hipotético decida por onde começar: pela
literatura científica? Pela leitura dos atos secretos?
Resolvido o início, como continuar? Entrevistar
congressistas é uma boa estratégia? Catalogar as datas
de emissão de atos secretos em conjunto aos registros
de imagens de degelos dos icebergs na Antártida
pode revelar alguma relação? Ironias à parte, durante
a realização de uma pesquisa, decisões se fazem
necessárias, e a tomada de decisões pessoais é reflexo
de autonomia.
Aquilo que se entende por autonomia depende do campo
a que esse conceito está relacionado. Na escola, por
exemplo, nos preocupamos em estimular a autonomia dos
alunos; a autonomia dos estados, por outro lado, discute-
se na esfera da ONU, do MERCOSUL, da OTAN etc.
A autonomia de um ser humano é condição básica para
ele conviver com os riscos, as incertezas e os conflitos
da comunidade em que habita. É praticamente consenso
que apenas um indivíduo autônomo consegue sucesso
em qualquer esfera de atuação, seja ela econômica,
psicológica, sociocultural e/ou política. O ser autônomo
reflete e resolve, com liberdade e responsabilidade,
“sobre o que fazer” e “sobre como fazer”. Esse é o
comportamento esperado de um pesquisador.
Retomando, o significado maior do ser inteligente está
associado à sua criatividade. A criatividade humana
pode ser orientada para muitas direções, e a nós, pais
e educadores, interessa sempre aquela em que o fruto
do criador é colocado a serviço da melhoria, em qualquer
instância, das condições de vida da comunidade. Para
tanto, é preciso que os valores individuais, do criador,
sejam coerentes com os de sua comunidade. Por fim, é
preciso que ele conceba seus projetos e que os realize com
autonomia e dedicação. Formamos, assim, a tríade que,
de certa forma, nos mantém e nos faz querer continuar
vivendo sempre mais: criatividade, valores e projetos.
Podemos voltar agora nosso olhar para a escola, para
nossa escola, para o Colégio Móbile.
106
A Móbilee o projeto de Iniciação Científica
Há duas palavras que aparecem relacionadas quando
pensamos no cotidiano escolar: curiosidade e
criatividade. São objetivos de qualquer escola que se
preze (e aí nos incluímos): despertar a curiosidade e
estimular a criatividade de seus estudantes. Muitos
são os momentos em que detectamos claramente
por aqui o planejamento e a execução de atividades
escolares que buscam esses objetivos, como podemos
constatar lendo alguns dos demais artigos desta revista:
projeto do teatro do 9º ano do Ensino Fundamental e do
1º ano do Médio, projeto das casas de Física do 3º ano
do Médio, blog dos alunos, mostra de Artes, desenhos
animados modernistas e estudo do meio do 6º ano, caixa
de memórias do Infantil 3, entre outros.
Curiosidade é uma habilidade intrinsecamente
relacionada ao ato de conceber um projeto. Uma bem
atual e apropriada propaganda televisiva proclama que
“não são as respostas que movem o mundo, mas, sim,
as perguntas”. De fato, são as dúvidas que lançam as
sementes de busca, e, afinal, o que são as dúvidas se
não o reflexo do exercício da curiosidade? Aquele que
não tem, ou não quer ter dúvidas, e que, portanto, não
estima a curiosidade, não tem projetos.
Praticamente todas as universidades de qualidade
oferecem a seus alunos a possibilidade de, nos primeiros
anos de graduação, participar de projetos de Iniciação
Científica. Nesses casos, os alunos, orientados por seus
professores, aceitam o desafio de pesquisar determinado
tema, de preferência, de seu interesse. Tais projetos
duram de um a dois anos e revelam aos participantes
os procedimentos necessários à construção de um
saber científico, similares ao que citamos anteriormente
(pesquisar, selecionar, registrar, experimentar, avaliar,
relatar etc.). O Colégio Móbile, numa atitude pioneira,
ofereceu a seus alunos de 2º ano de Ensino Médio, no
segundo semestre de 2008, a possibilidade de participar
de projeto semelhante, em duas frentes: na área de
Ciências da Natureza e Matemática e na área de
Ciências Humanas. A duração prevista para o projeto foi
de um ano, de maneira que o encerramento esperado, e
realizado, ocorreu neste ano de 2009, quando, então, os
participantes estão cursando o 3º ano.
De início, estabelecemos um processo de seleção dos
participantes do projeto, uma vez que a quantidade
de alunos inscritos superou, em muito, o número de
vagas oferecidas pela escola. Essa seleção envolveu
basicamente a análise do desempenho dos alunos
nas diversas disciplinas, a disponibilidade oferecida por
eles para o projeto e, principalmente, o tema escolhido
para pesquisar.
107
O projeto na área deCiências da Natureza e Matemática
Os alunos envolvidos com pesquisas na área de Ciências da
Natureza e Matemática tiveram por objetivo a criação de
um Objeto Virtual de Aprendizagem (OVA), baseado no tema
de sua pesquisa. Deixando ao largo, por enquanto, os temas
pesquisados, vale discorrer um pouco sobre o significado da
criação de um OVA.
Qualquer pessoa que acessar um site de buscas na Internet
e digitar “Objetos Virtuais de Aprendizagem” verificará que
a lista de indicações é enorme, pois já há algum tempo
educadores de todo o mundo se aproveitam da tecnologia para
elaborar procedimentos de aprendizagem de algum conceito.
Um OVA, em essência, é um módulo interativo, composto
de uma ou mais simulações que acontecem a partir da
interferência de um usuário que avalia e decide sobre
parâmetros importantes. Visto dessa forma, um OVA parece
se tratar de um fluxo de informações bem estruturadas. Mas
devemos avaliar também a importância de os OVA serem
elaborados com base em enredos, em histórias, recolhidas
do universo cultural dos alunos, algumas vezes criadas por
eles próprios. E nisto reside o aspecto mais importante
desse projeto: são os alunos que criam esse conjunto de
simulações a partir do conhecimento adquirido por eles em
suas pesquisas.
108
Os temas pesquisados na área de Ciências da Natureza e Matemática
Um dos OVA foi concebido e preparado pelo aluno
Gabriel Beigin e parte do contexto de uma visita
a um parque de diversões. O funcionamento de todos
os brinquedos de um parque exige, indistintamente, a
aplicação de conceitos físicos, seja no giro do carrossel,
seja no looping da montanha-russa. Ao longo de seis meses,
Gabriel escolheu os brinquedos que comporiam seu OVA,
estudou-os minuciosamente, escreveu sobre eles, refletiu
sobre como transmitir aos usuários futuros de seu OVA os
conhecimentos que adquiriu, encomendou a programação
(transformação do objeto em linguagem computacional) e,
por fim, pôde vê-los funcionando na tela do computador.
Sobre todo esse processo, Gabriel afirmou:
"O projeto surgiu para aprofundar meus conhecimentos
sobre a física envolvida nos brinquedos de parques de
diversões. Para viabilizá-lo, precisei estudar bastante a
conservação de energia e as leis de Newton. Isso fez com
que meu raciocínio se tornasse mais ágil na resolução de
problemas envolvendo esses conceitos.
Desde o início, precisei alterar minha forma de estudar e
trabalhar, uma vez que, para fazer esse projeto, realizei
pesquisas em livros, Internet, efetuei contas e exercícios
de Física a fim de que soubesse calcular melhor; enfim,
me informei mais sobre os conceitos de Física que estão
Imagens de telas do Gabriel
109
envolvidos nos brinquedos. Isso tudo fez com que minha
capacidade de pesquisa, de “correr atrás” de algo, fosse
completamente transformada, pois sempre fui um aluno
que pesquisava pouco, só ia atrás do que era imediato.
Tudo isso para acompanhar “certinho” o trabalho e fazer
todos os ajustes necessários para que ele se concretizar.
Outro aluno, o Enrico Betoni, se perguntou, ao
iniciar seu projeto: “Como funciona um submarino?”
Assim como os demais colegas de projeto, a busca pela
resposta exigiu que Enrico cumprisse todas as etapas
de pesquisa, inclusive a escrita do relatório final. Em
seguida, os conhecimentos adquiridos por Enrico foram
por ele mobilizados para a elaboração da “encomenda”
(texto contendo as etapas de funcionamento do OVA
entregue a um programador de computador) de seu objeto
virtual. Ao final, uma parte de sua satisfação consiste
em perceber que outros colegas que não participaram do
projeto podem, ao interagir com o OVA, aprender aquilo
que Enrico aprendeu em sua pesquisa. São de Enrico as
seguintes palavras:
"Após decidir o meu tema de estudo, que foi o movimento
de subida e descida dos submarinos, realizei muitas
pesquisas e conversei bastante com os meus professores
com a intenção de obter o maior conhecimento possível
da área, para que o OVA se aproximasse o máximo
possível, ou até mesmo chegasse à realidade. E foi isso
que ocorreu.
Imagens de telas do Enrico
110
Creio que esse trabalho colaborou muito com
minha formação acadêmica. Pude desenvolver meu
conhecimento acerca de assuntos envolvendo conceitos
físicos e matemáticos, além de construir junto com a
equipe um objeto virtual. Provavelmente, 'mais para
frente', a maioria dos alunos do Ensino Médio de nossa
escola desenvolverá projetos semelhantes a esse.
Gostaria de agradecer à Escola Móbile por ter me dado a
oportunidade de realizar um projeto de iniciação científica
tão gratificante."
Não há por que agradecer, Enrico. Seu projeto foi
orientado pela escola, teve ajuda de professores, mas, em
resumo, ele é seu. Não se pode ter projetos pelos outros.
A criatividade é sua e a dedicação também; ninguém
poderá tirar isso de você. De nossa parte, nos contentamos
em divulgar seu belo OVA para os demais alunos.
Dos brinquedos de um parque de diversões fomos ao
fundo dos mares, com um submarino. Agora, partiremos
para o ar: vamos voar!
Vitor Ferrari “queria porque queria” estudar o voo
dos aviões. De início, achamos o projeto ousado, mas,
de novo, projeto é de cada um, e lá foi Vitor enfrentar
o desafio que se impôs. A pesquisa de Vitor envolveu,
entre outras ações, entrevistas com ex-pilotos e com
engenheiros aeronáuticos e publicações especializadas
de aeroclubes. O resultado? Bem, o resultado foi um
OVA, como combinado inicialmente, que agradou a
todos (menos ao programador, que sofreu, pois precisou
aprender também sobre o voo dos aviões). Ao término,
observando seu trabalho, Vitor nos disse:
"É um projeto que demanda muita dedicação e empenho,
além, é claro, de ter um interesse, uma curiosidade acima
do normal de entender o que realmente acontece por trás
de um fenômeno natural ou de uma invenção humana,
em aspectos físicos, matemáticos ou químicos.
A iniciação científica permitiu, de uma forma mais
acadêmica, que eu conhecesse exatamente o que torna
possível o voo de um avião. No entanto, muito mais do
que o conhecimento adquirido, a maior conquista foi o
meu próprio amadurecimento. A responsabilidade é um
valor muito desenvolvido no decorrer do projeto. Outro
ponto positivo é a independência. Além de eu escolher o
meu próprio objeto de estudo, tive total liberdade de optar
pela forma como eu trabalharia o tema. Como o projeto
depende, em grande parte, do empenho e dedicação de
quem o faz, cria-se uma relação diferente, um sentimento
de orgulho que pode ser comparado à satisfação de um
Imagens de telas do Vitor
111
escritor ao término de sua obra, ou à de um artista que
olha admirado para sua arte ou à de um atleta, que, após
anos de dedicação e entrega, sobe no lugar mais alto
do pódio."
Valeu, Vitor! O filósofo espanhol José Antonio Marina
escreveu que “Inteligência é saber pensar, mas também
ter vontade ou coragem para fazê-lo”. Trata-se de uma
concepção que, cremos, aplica-se perfeitamente à sua
postura durante todo o trabalho, Vitor.
A aluna Ana Teresa é movida a desafios, e quando
ninguém lhe oferece um, ela mesma o inventa. Foi assim,
com seu projeto, que Ana se prontificou a estudar alguns
dos mistérios do mundo “muito pequeno” da física
quântica. De início, ela se perguntou: “O que é esse tal
de efeito fotoelétrico que deu prêmio Nobel ao Einstein?
Onde esse fenômeno aparece em nosso cotidiano?" Ela
foi atrás dos professores de Física da escola, pesquisou
em várias fontes, sofreu para entender algo tão
aparentemente abstrato, escreveu e reescreveu mais de
uma vez seu relatório e, sem desanimar um só momento,
elaborou seu objeto virtual. Ao final do processo, Ana
Teresa afirmou:
"Perdida em meio às grandes descobertas (teorias
de Einstein, diversas dimensões, espaço e buracos
negros...), encontrei um ponto que não foge tanto de
nossa realidade. Uma ponte de conexão entre um mundo
complexo e desconhecido e os objetos tecnológicos que
nos rodeiam.
Ao longo deste ano de trabalho, recebi ajuda dos
professores, realizei pesquisas na Internet e em
livros. Foi um novo passo que exigiu responsabilidade,
empenho, autonomia e criatividade. Com todo esse
auxílio, pude desenvolver uma animação que me deu
orgulho, satisfação e gratidão."
Imagens de telas da Ana Teresa
112
O projeto na área de Ciências Humanas
No campo das Ciências Humanas, a Iniciação Científica foi desenvolvida
na disciplina de História. A partir da escolha de um tema de seu interesse,
os alunos foram desafiados a encontrar uma questão-problema que
norteasse suas pesquisas; afinal, um projeto com um ano de duração exige
uma delimitação temática clara e precisa. Porém, tão desafiador quanto a
escolha do tema foi encontrar a forma de apresentação e compartilhamento
de cada uma das pesquisas feitas pelos alunos.
Uma das questões críticas de uma pesquisa consiste no acesso a outros
trabalhos realizados sobre o mesmo tema. Nem sempre uma boa biblioteca
está à disposição do pesquisador, e a pequena quantidade de material
digitalizado impede, muita vez, que um bom trabalho acadêmico seja
acessível ao grande público. Desse processo, resultam pesquisadores
prisioneiros de sua “torre de marfim”. Insistimos em que, em nosso projeto,
julgamos fundamental a conjugação dos interesses pessoais e coletivos e,
por isso, foi preciso imaginar maneiras de possibilitar que as pesquisas
realizadas pudessem ser compartilhadas não apenas com outros alunos da
escola, mas também com pessoas fora dela.
Também era vital, no desenvolvimento da Iniciação Científica, que não
fosse conhecido apenas o resultado final da pesquisa – como bem se sabe, o conhecimento não
é algo finito; falar em “resultado final” significa acreditar que um tema foi esgotado, que cada
pesquisador cercou por todos os lados um problema levantado. Tarefa impossível, claro, sobretudo
em um trabalho com a duração proposta. Ao iniciar a pesquisa, cada aluno tinha consciência da
possibilidade de continuidade, e isso os aproximou ainda mais da proposta.
Com as questões anteriores em mente, a solução buscada foi a mais ampla possível: utilizar-se de
uma ferramenta virtual, que pudesse ser acessada por qualquer um, em qualquer etapa do processo
da pesquisa. Uma ferramenta que, de tão familiar aos alunos, pudesse ser transformada e ter a
configuração que julgassem mais apropriada. Por último, uma ferramenta que permitisse que o
trabalho fosse compartilhado com os leitores, a partir de sugestões e críticas. A plataforma de um
blog permite que todas essas intenções sejam realizadas e, por isso, foi a ferramenta escolhida para
o desenvolvimento dos trabalhos de Humanidades da Móbile.
113
Universo Beta – Um blog é uma plataforma desenvolvida com base em um conceito conhecido
por Beta. Quando um software é lançado, antes que seja divulgada sua versão 1.0, é feita uma versão
beta, isto é, uma versão de testes, para ser comentada por aqueles que a experimentam. A partir
desses “comentários”, é possível aperfeiçoar o software e fazer a versão 1.0. Porém, o lançamento de
uma versão beta atrasa o produto final, já que é necessário esperar os resultados dos testes para que
ele seja lançado. E o mercado da Informática é dinâmico demais, não pode haver “perda” de tempo;
a corrida pelas novidades é constante.
Em vista dessa necessidade de dinamismo, os intervalos de tempo
entre lançar a versão beta, a versão 1.0 e as versões seguintes
foram tornando-se cada vez mais reduzidos. Foi assim que alguns
sites, como é o caso do Google, por exemplo, decidiram parar de
lançar versões de atualizações. Não se pressupõe, dessa forma,
que haja um trabalho definitivo, encerrado em uma versão. Esse
trabalho estará “terminado” até que a próxima versão dele surja.
Sites com essa característica estão permanentemente em Beta,
assumindo que serão aperfeiçoados constantemente a partir de
comentários feitos pelos usuários, sem a preocupação de uma
versão final. Esta é, portanto, a ideia em que se baseia um blog: um
trabalho que nunca se encerra.
A adoção do conceito Beta, no mundo do conhecimento, implica
produzirmos algo que nunca estará pronto, que se transformará
e que se aperfeiçoará sempre, como, aliás, ocorre com o próprio
conhecimento humano. Foi este o princípio que norteou a escolha
do blog como ferramenta para o desenvolvimento do projeto de
Iniciação Científica em História: a construção permanente.
Durante o projeto, os alunos realizaram suas pesquisas e as
publicaram em um blog, moderados por eles próprios, mas com o
auxílio técnico de profissionais de Informática da escola e com a
assessoria de uma professora-orientadora. Assim, puderam inserir
no blog, além de textos, imagens estáticas, vídeos e músicas que
julgaram pertinentes ao seu tema de pesquisa. Foi uma proposta
ousada, que apresentou uma série de dificuldades para ser
resolvidas. Por exemplo: como organizar os textos? Como propor
114
determinado caminho a ser percorrido pelo leitor entre
as diversas publicações? Como manter a coerência dos
textos publicados? Como fazer com que o leitor tenha
sempre em mente a questão inicial?
Na tentativa de solução dos problemas apresentados, os
alunos decidiram pela construção de um segundo blog,
que abarcasse apenas o projeto de pesquisa. Assim,
cada aluno se viu gerenciando duas plataformas: uma
primeira que tratava da pesquisa em si e uma segunda,
na forma de um diário, que lhes permitiu comentar sobre
seus questionamentos, sucessos, dúvidas e problemas.
Essa postura será, certamente, ferramenta útil para a
construção de novos trabalhos.
Vale destacar ainda outro aspecto trazido à tona pelo uso
do blog: a relação com o erro. Numa pesquisa acadêmica
tradicional, um trabalho é finalizado, lido, comentado,
corrigido diversas vezes. No caso do blog, que pressupõe
uma pesquisa publicada em partes, por mais que cada
texto seja revisado, um erro ou outro pode surgir. Mais
do que isso, novas descobertas podem entrar em conflito
com outras postadas anteriormente. Lidar com o erro
tornou-se um foco de aprendizagem em particular que
exigiu de cada aluno desprendimento em relação ao seu
trabalho e a vivência de uma profunda compreensão de
que o conhecimento é, sempre, um longo processo.
115
A aluna Ingrid Chaves trabalhou com o tema do Nazismo
e sua influência sobre a vida dos
alemães. Ingrid começou sua
pesquisa buscando entender o
surgimento desse movimento.
Inicialmente, queria estudar as
bases e a formação do nazismo.
Porém, durante os primeiros meses
de pesquisa, percebeu que já havia diversos trabalhos
sobre o assunto e que essa não era a questão que de fato
a interessava. Mais do que compreender o funcionamento
do pensamento nazista, Ingrid queria saber mais sobre
como os alemães se permitiram influenciar por ideias
tão terríveis, a ponto de causar o genocídio de milhares
de pessoas. A partir daí, dedicou-se à leitura de livros
teóricos e de relatos de sobreviventes de campos de
concentração. Estudou as teorias de Adolf Hitler, expostas
em Minha luta, além de ver mais de uma dúzia de filmes
e documentários sobre o assunto. Envolveu-se tanto com
o trabalho que decidiu viajar para a Alemanha e para
a Polônia em busca de mais algumas respostas. Suas
conclusões e novos questionamentos estão apresentados
no blog: www.nazismopelosalemaes.blogspot.com.
Ingrid fala um pouco sobre seu profundo envolvimento
com o projeto de pesquisa, que não pretende abandonar
mesmo após a conclusão da Iniciação Científica:
“Foi uma atividade muito diferente daquelas que
normalmente fazemos na escola. Primeiro que o tema
fui eu mesma que escolhi: o nazismo. Eu quis elevar o
meu nível de pesquisa e ver com meus próprios olhos
a Alemanha e a Polônia e seus antigos campo de
concentração. E foi isso mesmo que fiz, viajei para a
Europa para descobrir mais sobre o meu trabalho. Esse
meu nível de envolvimento com o projeto deixa clara a
minha paixão por essa pesquisa, algo que eu nunca havia
sentido antes.
Agora que eu já estou finalizando o trabalho, decidi
que não quero largá-lo de vez, quero sempre continuar
procurando saber mais sobre o Nazismo, mesmo que isso
me leve a caminhos um tanto quanto cruéis, mas assim é
que se entende o homem e suas facetas.”
Os temas pesquisados na área de Ciências Humanas
116
Nicolle Reuter pesquisou as relações entre
política e cenografia teatral a partir dos musicais Hair e
Roda Viva. Nicolle também teve uma série de dúvidas ao
iniciar seu trabalho. Em princípio, ela estava interessada
na transformação da cenografia ao longo da história
dos musicais. Ao perceber que era um tema demasiado
extenso para o trabalho proposto, foi aos poucos tentando
reduzi-lo, mas sentia dificuldade de abrir mão, naquele
momento, de assuntos que a interessavam. Por fim,
encontrou dois musicais que, quase ao mesmo tempo,
um encenado nos EUA, outro no Brasil, romperam com
a cenografia usualmente feita para propor um trabalho
mais simples, menos luxuoso e mais intenso. Hair e Roda
Viva tornaram-se paradigmas de seu gênero, não apenas
por seu conteúdo, mas também pelas inovações formais
que apresentavam. Para compreender esse universo,
Nicolle conversou com uma maestrina, com arquitetos e
cenógrafos, buscou entender as ideias dos autores dos
musicais e, especialmente, o momento histórico em que
essas peças foram criadas. Isso possibilitou a percepção de
diferenças fundamentais que, curiosamente, convergiram
para o ponto comum que foi o início de sua pesquisa.
As comparações e descobertas que ela fez podem
ser vistas em http://cenariobrasileiro.blogspot.com.
Sobre esse processo, ela diz:
“A proposta para fazer o projeto de iniciação científica,
a princípio, me soou como uma oportunidade de realizar
um trabalho diferente dos que eu já havia feito. Quando
começou, o projeto assumiu características de desafio
e, ao longo de seu desenvolvimento, transformou-se
em diversão. Uma vez criada uma afinidade entre mim
e o tema, o trabalho passou a fluir mais facilmente e
tornou-se muito interessante. Não foi prejudicial ao
meu desempenho escolar e apenas uma vez me senti
sobrecarregada, mas, levando em conta o resultado, não
poderia ter sido diferente. Em um balanço geral, o projeto
foi muito positivo e construtivo."
117
Laura Peters buscou compreender a influência do
pintor Juan Miró no movimento surrealista. Em princípio,
Laura estava interessada na relação do pintor Salvador Dalí
com o movimento surrealista, mas rapidamente descobriu
que isso não lhe daria material suficiente para pesquisar
o que queria. Além disso, ela não encontrou pergunta
que, de fato, despertasse sua curiosidade. Assim, iniciou
o processo aprofundando seus conhecimentos sobre arte
surrealista, o que a levou a interessar-se por Miró e pelas
características muito particulares de sua pintura. Para
Laura, há um estranhamento entre os trabalhos de Miró e
a maior parte dos pintores surrealistas; apesar disso, ele
foi uma das maiores influências do movimento. O que fez
com que Juan Miró se destacasse tanto em meio a outros
pintores, não apenas por sua técnica, mas também por
seus propósitos em relação ao Surrealismo?
Partindo dessa pergunta, Laura procurou entender as
bases psicanalíticas da construção do Surrealismo, além
de mergulhar profundamente nas telas de Juan Miró.
Tanto a jornada como suas conclusões estão postadas em
http://libertacaodaconsciencia.blogspot.com. Sobre seu
trabalho, ela conta:
“Foi interessante pela primeira vez realizar um trabalho
mais independente, em que eu podia escolher, dentro
de certos limites, os rumos de minha pesquisa. Nesse
trabalho, senti como é ter autonomia no aprendizado, algo
que eu considero muito importante.
Os alunos que desenvolveram trabalhos na área de
Humanas tiveram de lidar com um novo desafio: tomar
uma posição e defendê-la.
Acredito que posso falar por todos quando afirmo que é
inevitável o orgulho ao olhar o trabalho como um todo e
ver que, apesar dos atrasos, decepções e desesperos, ele
esta lá, pronto e da forma que eu gostaria.”
118
Aram Minas discutiu o genocídio armênio do
ponto de vista desse povo e foi o único aluno que teve
claro o seu tema de pesquisa desde o início. De família
armênia, ele sempre ouviu muitas histórias acerca do
suposto genocídio provocado pelos turcos contra os
armênios, mas se incomodava com a falta de fontes
que encontrava sobre o assunto. Ao deparar-se com
a afirmação de um turco de que esse genocídio nunca
acontecera, ele resolveu investigar o assunto a fundo,
de forma a também disponibilizar para consulta todo
o material que encontrasse. Teve a consciência de
fazer isso da maneira mais aberta possível, sabendo
que corria o risco de ter de contrariar tudo o que
ouvira de sua própria família até então. Sua pesquisa
começou com um histórico da Armênia, de forma a
proporcionar aos seus leitores uma compreensão inicial
sobre o assunto. A partir daí, ele fez a si mesmo duas
grandes questões: “O que é aquilo a que chamam
‘Genocídio Armênio’?” e “Isso realmente aconteceu?”.
Disposto a ouvir armênios e turcos, ele foi ousado ao
entrar em contato com a embaixada da Turquia no
Brasil e receber dela as justificativas para negar o
acontecimento. A análise que ele faz se encontra em
http://www.genocidioemjogo.blogspot.com. Para Aram:
“Uma das coisas mais importantes que ficou foi como
tratar uma pesquisa, pois aprendi a ter noção de seleção
de fontes, a diferenciar o que é real ou muito absurdo,
a sempre fazer uma análise e tratar com várias fontes
para chegar a uma conclusão. Isso é o que mais toma
tempo no trabalho, pois a informação a ser passada
e registrada precisa ser antes analisada e, às vezes,
a análise precisa novamente de uma pesquisa, o que
torna repetitivo e extenso esse trabalho.
119
A ideia de o trabalho final ser um blog surgiu justamente
pela possibilidade de mudanças para um maior e contínuo
aperfeiçoamento que essa plataforma permite. Isso veio a
calhar para o meu tema. Várias notícias sobre Armênia e
Turquia que tratam do genocídio ou algum impasse entre
os dois países podem, por exemplo, fazer parte ou servir
de mudança para algum setor do meu projeto. O trabalho
de pesquisa que elaborei agora pode ir melhorando com
o tempo, e a ideia é que isso continue e vá muito além
do esperado.”
Cada um desses blogs é resultado de muito trabalho e
empenho. Cada aluno percebeu-se responsável pelo
resultado apresentado, especialmente pela sensação
inédita de ser autor de um projeto tão extenso e
absolutamente pessoal. Para além da disciplina de
estudo, das notas, dos fins de semana de trabalho... para
todos eles permaneceu sempre a angústia que move a
curiosidade e a satisfação da autoria de um trabalho
benfeito. Procuraram trabalhar como historiadores,
buscando a pluralidade dos pontos de vista, deixando
claro que seus próprios textos expressavam apenas suas
opiniões, sem intenção de “congelar” suas versões como
verdades. Moveram-se a partir de suas perguntas – e
para eles, assim como para seus leitores, permanece a
inquietação de que, mais do que respostas, seus trabalhos
trouxeram novos questionamentos.
120
De lá viemose para acolá iremos
O primeiro projeto de Iniciação Científica do
Colégio Móbile começou em agosto de 2008
e (re)começou em julho de 2009; o projeto
não terminou e não terminará. Os alunos
que dedicaram tempo de estudo e pesquisa
no desenvolvimento dos Objetos Virtuais de
Aprendizagem e também na execução dos
blogs, estes, sim, deixarão a escola neste ano.
Terão pela frente desafios ainda maiores e,
certamente, a melhor fase de suas vidas. Aquilo
que construíram por aqui, aqui ficará, para que
seja usufruído pelos colegas que chegarão em
2009, 2010, 2011... Aquilo que aprenderam por
aqui, isto sim, levarão consigo para alimentar
os impulsos de seus próximos saltos.
De nossa parte, analisaremos os resultados do
primeiro projeto e construiremos a proposta dos
próximos. Parafraseando a aluna Ingrid, em seu
depoimento final, esperamos que “os próximos
a fazerem o trabalho gostem e aproveitem essa
chance de poder fazer algo único, com o seu
próprio estilo, algo que possam chamar de seu”.
Walter Spinelli é professor de Matemática
do Ensino Médio e coordenador dessa
disciplina e Teresa Chaves é professora
de História do Ensino Médio. Ambos
coordenaram a 1ª turma de Iniciação
Científica da Móbile em 2008 e 2009.
r e f l e x õ e s
Algumaspalavras
sobreArte e
Educação122
um ano ou não
Não há dúvida de que toda forma de arte é educativa: aguça
nossa sensibilidade, exercita nossa capacidade de refletir,
de decifrar metáforas, de simbolizar, de atribuir significado
às coisas da vida. Mas isso não significa que a arte tenha
a finalidade de educar. Seu caráter educativo resulta dos
efeitos que ela exerce sobre nós.
E quando se trata de arte-educação? Cabe ao professor utilizar
a arte com uma finalidade estritamente educacional ou deve
estimular a realização de uma experiência estética? Deve-se
privilegiar o processo de aprendizagem ou o resultado final?
Devem-se trabalhar conteúdos específicos da área de Artes
ou devem-se utilizá-las como meio para a aprendizagem dos
conteúdos das demais disciplinas?
As diferentes respostas para essas perguntas podem ser
associadas às várias fases por que passou o ensino das artes
no Brasil.
Um tanto de história – Em relação à arte, a chamada
escola tradicional se limitava a fazer com que o aluno
apenas reproduzisse as orientações do professor com vistas
a um produto predeterminado, geralmente uma apresentação
teatral ou musical. Nesse tipo de escola, os processos de
aprendizagem não eram levados em consideração. Essa prática
predominou durante todo o século XIX e o início do XX.
A Escola Nova, criada nos anos 1930 sob a influência
das ideias modernistas, propunha que o ensino das artes
enfatizasse tão-somente a livre-expressão e a criatividade.
123
Essa corrente transformou substancialmente o ensino de
Artes no Brasil, atribuindo-lhe um novo enfoque: a educação
centrada no aluno e no seu desenvolvimento. A ênfase estava
no processo de aprendizagem e não em seu produto final. Por
outro lado, a concepção de que os objetivos essenciais do
ensino de Artes estariam circunscritos à autoexpressão e ao
desenvolvimento da subjetividade resultou no esvaziamento
dos seus conteúdos específicos e de sua importância como
área de conhecimento. Essa metodologia prevaleceu durante
os anos 1960 e 1970, décadas em que o ensino de Artes
assistiu a um significativo crescimento tanto no âmbito
escolar como em situações de ensino informal. Nascem
grupos e associações de arte-educadores e multiplicam-se
as trocas de experiências por meio de fóruns, encontros e
congressos.
Um dos mais importantes frutos desse processo foi, nos anos
1980, a formulação da proposta triangular (atualmente em
vigor) para o ensino-aprendizagem de Artes. A pedagogia
triangular defende que o trabalho com artes na escola não
deve se limitar a promover a espontaneidade e a expressão
criativa. Considera ainda que a arte é, a exemplo de qualquer
outra disciplina, uma forma de conhecimento. Assim, a
leitura ou apreciação da obra (fruição), sua contextualização
(compreensão de sua história e de seu lugar na cultura) e o
fazer artístico são os três pilares epistemológicos dessa nova
metodologia, segundo a qual conteúdo, processo e resultado
são interdependentes e indispensáveis para as situações de
ensino-aprendizagem.
124
A pedagogia triangular baseia-se na concepção essencialista
do ensino da arte, em oposição à contextualista, que
fundamentou as ideias da Escola Nova. (1)
Definindo em poucas palavras cada uma dessas alternativas,
poderíamos afirmar que, segundo a abordagem contextualista
ou instrumental, a arte deve ser utilizada como um meio
para o ensino de outra disciplina ou mesmo para atender a
necessidades sociais e/ou psicológicas dos alunos.
A abordagem essencialista ou esteticista, por sua vez,
entende que a arte é uma disciplina autônoma e distinta de
outros campos de estudo e que, portanto, deve estar inserida
no currículo escolar obedecendo a seus próprios métodos e à
sua própria natureza.
Arte teatral – No que se refere ao Teatro, a abordagem
essencialista tem como base a metodologia desenvolvida
pela diretora de teatro norte-americana Viola Spolin (1906-
1994). Segundo ela, por meio de jogos teatrais, o aluno
pode se apropriar da linguagem do teatro, construir uma
peça (adequando, assim, processo e produto) e aprender a
formular critérios para avaliar qualquer espetáculo que venha
a assistir. O curso de Teatro que ministramos no Ensino Médio
da Móbile baseia-se nesses princípios.
Entretanto, é importante salientar que a oposição entre essas
duas correntes foi acentuada à medida que, a partir dos anos
1980, cresciam as lutas pela inserção do ensino de Artes no
currículo escolar como disciplina e não apenas como uma
atividade. Essa reivindicação foi atendida em 1996, quando a
1. Essas duas categorias foram definidas por um importante arte-educador norte-americano chamado Elliot Eisner e estão expostas em detalhe no livro Jogos Teatrais, de Ingrid Dormien Koudela, publicado pela Editora Perspectiva e disponível na biblioteca da Móbile.
125
Lei de Diretrizes e Bases (LDB) conferiu às Artes o caráter de
disciplina obrigatória no currículo escolar.
Na realidade, o “essencialismo” e o “contextualismo” são
procedimentos que muitas vezes podem se complementar.
A utilização do teatro, das artes plásticas, da música e da
dança como “ferramentas” para o ensino de outras disciplinas
tem sido uma prática cada vez mais constante, tanto na área
de Humanas quanto na de Ciências. Da mesma maneira,
tomar um fato histórico ou uma questão científica como ponto
de partida para a montagem de um espetáculo pode ser uma
experiência bastante enriquecedora.
Teatro na Móbile – No Ensino Médio da Móbile, o curso
de Artes está inserido na grade curricular. Mas, além disso,
as diversas manifestações artísticas estão presentes como
instrumentos auxiliares para o ensino das demais disciplinas,
tais como a criação de animações nos cursos de Biologia,
Física e Matemática; a análise de pinturas no curso de História;
a realização de atividades teatrais, como leituras dramáticas
e dramatizações, nas aulas de Literatura. A par disso, o
Ensino Fundamental tem apresentado belíssimos espetáculos
construídos a partir de temas históricos e filosóficos.
Se a abordagem essencialista foi fundamental para que
o ensino-aprendizagem de Artes se afirmasse como uma
disciplina autônoma, a contextualista revela o quanto pode
ser prazeroso aprender usando a criatividade.
Cibele Troyano é professora de Artes (Teatro)
do Ensino Médio.
126
f u t u r o s p r o f i s s i o n a i s
“A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expressenossos mais fundos desejos.” (Manoel de Barros)
Foi no final da década de 1980 que caiu em minhas mãos, pela primeira
vez, um Caderno de Questões, elaborado por uma curiosa menina
bastante introspectiva de minha classe do tempo do ginásio. O tal
caderno continha perguntas das mais ordinárias (cor preferida, melhor
dia da semana, melhor amigo) até aquelas de cunho, digamos, mais
existencialista (quem sou eu, o que espero da vida, o que é o amor).
Alguns (bons) anos depois, já durante o mestrado, caiu em minhas
mãos – por razões bastante diversas – um texto intitulado “Perguntas
e respostas para um caderno escolar”, e qual não foi minha surpresa
quando descobri que a autora dele era Clarice Lispector. Deparei-me,
novamente, com perguntas de toda ordem, das mais prosaicas até as
mais “perigosas”. Convenci, por argumentos educacionais, literários e
afetivos, Maria da Glória Martini, coordenadora pedagógica do Ensino
Médio, e Blaidi Sant’Anna, diretor do Ensino Médio, a propor aos alunos
do terceiro a elaboração de respostas para algumas questões especiais.
Relendo as perguntas e, posteriormente, as respostas escritas pelos
nossos alunos, podemos perceber a existência de alguns (muitos) “seres
atônitos”, nas palavras do poeta Manoel de Barros, que ainda buscam
um espaço no mundo por meio do qual possam exercitar a magia de
transformá-lo em algo mais interessante; aliás, sensação muito próxima
daquela vivida por um menino nos idos dos anos 1980 quando respondia
a um questionário para o qual tinha poucas respostas.
Os textos apresentados aqui foram produzidos por alunos que se
formaram em 2008.
Wilton de Souza Ormundo é coordenador pedagógico do Ensino Médio e professor de Português do 3º ano.
1- O psicanalista Lacan defende que o Universo
Simbólico, o das palavras, é o que nos “coloca”
no mundo. Que palavras traduzem seu momento
presente? Um momento marcado por expectativas,
sonhos, anseios, rupturas...
Talvez “vésperas de mudança que ainda não é sentida”
seriam boas palavras para representar meu momento
agora. Apesar de fazer ideia de que a partir do ano que
vem minha vida será muito diferente, não é algo sobre o
qual pense muito, até porque não vivencio ainda essas
mudanças. Penso mais no que eu vivo e vivi. Sempre
estive mais preocupado com meu presente imediato.
2- O crítico literário Antonio Candido, num ensaio
intitulado “Direito à literatura”, credita à arte
das palavras o poder de “organizar o caos” que
habita as pessoas. Que poema, romance, conto,
crônica você acredita que poderia servir como
“organizador de seu caos”?
Um conto que organiza meu caos é “A Cartomante”,
de Machado de Assis. Em primeiro lugar, acho muito
interessante a ideia de que a visão de mundo de cada
pessoa pode ser facilmente alterada. E, no momento
em que é alterada, toda a vida dessa pessoa muda.
Outra história é Otelo, de William Shakespeare. Mostra
como, apesar de existir uma realidade verdadeira, para
cada pessoa só importa sua própria visão da realidade
(Desdêmona amava Otelo, mas essa realidade não
importava para Otelo, porque ele acreditou que ela amava
Cássio). E essa visão, ao ser alterada, muda toda nossa
forma de reagir aos acontecimentos da vida.
Thiago Santos Martins
129
130
Thiago Santos Martins3- Muitas são as pessoas que nos servem de
referência ao longo da vida. A pensadora Hannah
Arendt, por exemplo, teve como referência seu
mestre e amor Heidegger, o filósofo alemão;
o escritor Caio Fernando Abreu tinha Clarice
Lispector como grande inspiradora; Platão foi um
discípulo de Sócrates; Caetano Veloso, quando
garoto, sonhava ser um pensador como “aqueles
existencialistas de Paris”, chegando a fazer uma
referência explícita ao filósofo Jean-Paul Sartre
em sua canção “Alegria, alegria”, um dos hinos
do Tropicalismo. Quem seria(m) sua(s) grande(s)
referência(s) hoje? Por quê?
Minhas grandes referências hoje seriam, em primeiro
lugar, minha família. Meus pais sempre serviram de
exemplo e se propuseram a ter uma relação próxima
comigo, por meio do diálogo. Isso possibilita uma relação
bem legal com eles. Outra grande referência sempre foi o
meu irmão mais velho, Daniel. Por ser apenas dois anos
mais velho que eu, temos muitos gostos e pensamentos
em comum. Sempre foi uma pessoa que admirei muito, e
levei muito a sério os seus conselhos.
Outras referências muito importantes foram alguns dos
professores da Móbile. Tenho como referência aqueles
que, além de serem competentes no ensino da matéria
deles, conseguem dar lições que afetam os mais diversos
campos da minha vida. Fogem, portanto, do campo restrito
destinado a eles.
4- Não deve haver arte que melhor “imite” a
realidade do que o cinema, dada a possibilidade
técnica de verossimilhança que a sétima arte
possui, mesmo quando inventa mundos fantásticos.
Qual é o grande filme de sua vida? Por quê?
Não há um grande filme da minha vida. Muitos são
os filmes que me tocam.
Um filme que recentemente mexeu muito comigo foi
Proposta Indecente. Ele mostra como a degradação de
um relacionamento pode ser irreversível no momento em
que uma das partes está insegura com relação à outra.
Um relacionamento não tem sucesso quando há falta de
confiança no outro e, principalmente, em si próprio.
Outro filme que eu acho que passa uma mensagem bem
legal é o Click. Apesar de meio clichê, é muito verdadeira
a ideia de que o tempo passa rápido, não volta atrás e não
vale a pena se estressar por coisas que, no fundo, não têm
muita importância.
5- Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina que
estará fazendo daqui a quinze anos?
Daqui a quinze anos, estarei com trinta e três anos.
Eu imagino que já terei vivido muitas experiências,
o que fará de mim uma pessoa com ideias próprias
e, portanto, mais madura.
A respeito dos meus amigos, por se tratar de uma
escolha, espero não vê-los como dependentes de mim
ou vice-versa. Quero poder me relacionar, sabendo que
cada um tem a sua própria vida, mesmo quando a relação
é muito próxima.
Gostaria de encontrar alguma profissão que, de fato,
me desse prazer de desempenhar. E espero me tornar
alguém respeitado em meu trabalho e no meu dia a dia.
Por fim, gostaria de ser feliz, porque a felicidade é
o maior bem que podemos alcançar.
131
Thiago Santos Martins6- Em cada uma das etapas que compõem
nossa vida, prometemo-nos jamais abandonar
determinadas pessoas que nos são caras e que
fazem nossa existência mais grandiosa. Quem são
as pessoas que você gostaria de levar para sua vida
toda neste momento? Por quê?
Neste momento, gostaria de levar para sempre a minha
família. E aqueles que são meus amigos.
7- O semioticista italiano Umberto Eco afirmou
recentemente, após anunciar sua aposentadoria na
universidade, que não acredita na felicidade, mas
na inquietação. Que inquietações o conhecimento
trouxe para você?
Eu acho que o conhecimento é algo teórico, mas que serve
como base para a vida na prática. O conhecimento que
é incorporado sem que haja relações com situações que
vivencio não me inquieta. Esse tipo de conhecimento,
apenas teórico, não tem muita utilidade para mim.
No entanto, me inquieta o tipo de conhecimento que eu
consigo utilizar e relacionar com o que vivo.
8- Que marcas da Móbile ficam em sua vida e que
farão parte de sua existência daqui para frente?
A Móbile ficará para mim como um local onde eu cresci.
Cresci tanto física quanto psicologicamente. Isso porque
estudo nessa escola desde o Jardim. Durante esse tempo,
a Móbile foi crescendo, e eu também. Nós dois vamos
continuar crescendo a partir desse momento, eu espero,
mas agora separados um do outro.
Ela é uma parte de mim, que ficará para sempre em minha
memória. Não o local em si, mas os acontecimentos que
vivi, e as pessoas com quem me relacionei. O meu modo de
ser hoje e provavelmente no futuro será muito influenciado
por esse período.
9- Os simbolistas acreditavam no poder que a
música tem de nos chegar à alma. Que música(s) o
“toca(m)” especialmente?
Muitas músicas mexem comigo e me fazem recordar
momentos marcantes da minha vida, mas algumas delas
são mais importantes. Dentre elas, “The long and winding
road”, dos Beatles, é uma que sempre me trará
a lembrança da minha família na sala, ouvindo-a num
volume alto. E minha mãe reclamando que papai nunca
dançava com ela.
Outra música é “And you and I”, da banda inglesa Yes,
que é uma das mais bonitas que já ouvi. Uma que marcou
muito o meu colegial foi “You only live once”, dos Strokes.
Uma que me ajuda a lidar com as frustrações é “Tente
outra vez”, do Raul Seixas. E uma que desde pequeno faz
com que eu me imagine em um lugar perfeito é “Tarde em
Itapuã”, de Vinicius de Moraes e Toquinho.
Recentemente, a música que acho mais interessante,
diferente de tudo o que ouvi antes, é “Alan’s psychedelic
breakfast”, do Pink Floyd. E a que escuto com mais
frequência é “The working hour”, do Tears for Fears.
10- Que palavras você deixa para você quando
ler este livro depois de concluído seu curso
universitário e de ter ingressado na carreira
de trabalho?
Espero que você faça o que o deixa feliz. E não busque
a felicidade apenas nas grandes realizações. A felicidade
intrínseca geralmente está nas pequenas coisas.
Thiago Santos Martins
estuda Direito na PUC.
1- O psicanalista Lacan defende que o Universo
Simbólico, o das palavras, é o que nos “coloca”
no mundo. Que palavras traduzem seu momento
presente? Um momento marcado por expectativas,
sonhos, anseios, rupturas...
As palavras são: medo e, ao mesmo tempo, expectativa.
Medo porque, no ano que vem, minha vida será
totalmente diferente, seja no cursinho, seja na
universidade; conviverei com as mesmas pessoas todos os
dias, estarei em um ambiente totalmente novo, e isso me
assusta. Expectativa porque, ao mesmo tempo que essa
mudança me assusta, também me traz sonhos e planos
para o futuro.
2- O crítico literário Antonio Candido, num ensaio
intitulado “Direito à literatura”, credita à arte das
palavras o poder de “organizar o caos” que habita
as pessoas. Que poema, romance, conto, crônica
você acredita que poderia servir como “organizador
de seu caos”?
A letra da música “Um tempo que passou”, de Chico
Buarque e Sérgio Godinho. Um trecho:
“Vou/Uma vez mais/Correr atrás/De todo o meu tempo
perdido/Quem sabe, está guardado/Num relógio
escondido por quem/Nem avalia o tempo que tem (...)
Vidas, vidas/A se encantar/A se combinar/Em vidas
Laura Vieira de Camargo
133
futuras/E vão tomando porres/Porres, porres/Morrem de
rir/Mas morrem de rir/Naquelas alturas/Pois sabem que
não volta mais/Um tempo que já passou.”
Além disso, o poema “Passagem da noite”, de Carlos
Drummond de Andrade. “É noite. Sinto que é noite/não
porque a sombra descesse/(bem me importa a face negra)/
mas porque dentro de mim,/no fundo de mim, o grito/
se calou, fez-se desânimo./Sinto que nós somos noite,/
que palpitamos no escuro/e em noite nos dissolvemos./
Sinto que é noite no vento,/ noite nas águas, na pedra./E
que adianta uma lâmpada?/E que adianta uma voz?/É
noite no meu amigo./É noite no submarino./É noite na roça
grande./É noite, não é morte, é noite/de sono espesso e
sem praia./Não é dor, nem paz, é noite,/é perfeitamente
a noite./Mas salve, olhar de alegria!/E salve, dia que
surge!/Os corpos saltam do sono,/O mundo se recompõe./
Que gozo na bicicleta!/Existir: seja como for./A fraterna
entrega do pão./Amar: mesmo nas canções./De novo
andar: as distâncias,/as cores, posse das ruas./Tudo que
à noite perdemos/se nos confia outra vez./brigado, coisas
fiéis!/Saber que ainda há florestas,/sinos, palavras; que a
terra/prossegue seu giro, e o tempo/não murchou; não nos
diluímos./Chupar o gosto do dia!/Clara manhã, obrigado,/
o essencial é viver!”
3- Muitas são as pessoas que nos servem de
referência ao longo da vida. A pensadora Hannah
Arendt, por exemplo, teve como referência seu
mestre e amor Heidegger, o filósofo alemão; o
escritor Caio Fernando Abreu tinha Clarice Lispector
como grande inspiradora; Platão foi um discípulo
de Sócrates; Caetano Veloso, quando garoto,
sonhava ser um pensador como “aqueles
existencialistas de Paris”, chegando a fazer uma
referência explícita ao filósofo Jean-Paul Sartre
em sua canção “Alegria, alegria”, um dos hinos
do Tropicalismo. Quem seria(m) sua(s) grande(s)
referência(s) hoje? Por quê?
Uma das minhas grandes referências é o meu
pai. Admiro-o muito por seu trabalho e por todo o
conhecimento que tem. Acho incrível como ele conhece
diferentes áreas; é psiquiatra, sabe muito sobre história,
sobre biologia. Ainda é uma ótima pessoa, ótimo
conselheiro e, acima de tudo, ótimo pai. Realmente,
gostaria de, no futuro, ser como ele. Minha mãe também
é uma referência; eu a considero uma grande mulher,
que consegue conciliar trabalho com família e diversão,
além de ser uma ótima ouvinte e uma pessoa que
sempre me apoiará.
Outras referências são os meus professores. Todos são um
exemplo a seguir, mas gostaria de ressaltar alguns.
134Laura Vieira de Camargo
A Silvia, professora de Geografia, com seu bom humor
de sempre, mas também com muito trabalho duro, é uma
pessoa maravilhosa, que tomo como exemplo. O Blaidi,
professor de Matemática, que ama o que faz. É visível
que ele adora dar aula de Matemática e tem um orgulho
enorme de seu trabalho e da escola. Admiro-o muito e
tomo essas atitudes também como exemplos. E ainda o
Beto, professor de Ética e Cidadania, que, incrivelmente,
me fez gostar de política e de temas atuais. Ele é uma
pessoa que aparenta ter esperanças nos jovens e que
acredita no seu trabalho como educador, acredita que ele
vai modificar muita coisa com suas aulas, e eu concordo
totalmente com ele. Acho muito bonito mesmo o trabalho
que ele realiza, seus objetivos, e ainda a esperança que
ele aparenta ter de modificar as pessoas. Por fim, o Benê,
que é uma pessoa a quem admiro demais por conhecer
diversos assuntos, por ter me ensinado a gostar de
história, por ser uma pessoa muito crítica e, também, por
gostar do que faz.
Também citaria Chico Buarque, por sua genialidade, por
suas músicas tão complexas e bonitas, que traduzem o
sentimento ou o pensamento humano, pelo menos para
mim.
4- Não deve haver arte que melhor “imite” a
realidade do que o cinema, dada a possibilidade
técnica de verossimilhança que a sétima arte
possui, mesmo quando inventa mundos fantásticos.
Qual é o grande filme de sua vida? Por quê?
Os dois grandes filmes da minha vida são: A vida é bela
e Desejo e reparação. A vida é bela é um filme lindo.
Acho lindo o amor que o pai tem pelo seu filho e como ele
consegue tornar uma situação desumana, em um campo
de concentração, em algo até mesmo divertido para seu
filho; ele o faz ver o mundo de uma maneira totalmente
diferente da que ele está realmente vivendo. Desejo
e reparação é um filme muito triste, mas que mostra
perspectivas. Achei o filme muito bem feito, pois Briony
vê, quando criança, cenas que, aliadas à sua imaginação,
a fazem pensar coisas terríveis sobre o “namorado” da
irmã, chegando até a acusá-lo. Somente muito depois,
Briony percebe o erro que cometeu. Uma cena muito
marcante é quando Cecília (a irmã de Briony) se despede
de Robbie (o acusado), quando ele estava indo para a
Segunda Guerra Mundial, e ele diz a Cecília que algum dia
conquistaria sua honra de novo e que os dois poderiam
viver com orgulho, sendo respeitados pela sociedade.
5- Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina que
estará fazendo daqui a quinze anos?
Imagino que daqui a 15 anos estarei trabalhando com
algo relacionado a economia. Além disso, terei muitas
pessoas queridas e terei viajado muito, conhecido lugares
diferentes e bonitos. Estarei casada, terei minha própria
casa e algum cachorro. Espero que eu encontre minha
família (pais, irmão, tios, tias) com bastante frequência.
Ainda, quero ter uma vida estável, mas com muitas
aventuras também. Não quero, de modo algum, me
acomodar com algum tipo de rotina; quero viajar, conhecer
lugares bonitos e diferentes, quero conhecer Cuba, quero
me divertir muito, mesmo com 33 anos.
135Laura Vieira de Camargo
6- Em cada uma das etapas que compõem nossa vida,
prometemo-nos jamais abandonar determinadas
pessoas que nos são caras e que fazem nossa
existência mais grandiosa. Quem são as pessoas
que você gostaria de levar para sua vida toda neste
momento? Por quê?
Gostaria de levar comigo, para sempre, os meus amigos,
que sabem quem são. Eles fazem meus dias mais felizes,
menos pesados, me fazem enxergar a vida de uma maneira
diferente, me fazem ver que a vida pode ser muito boa.
Além disso, são, com certeza, pessoas compreensivas
e sinceras. Qualquer situação banal torna-se divertida
e agradável ao lado deles, e gostaria de levar isso
pra sempre. Caso isso não ocorra, gostaria que eles
soubessem que todos os momentos que passamos juntos
nunca serão esquecidos.
Além disso, quero levar comigo para sempre a minha
família, meus pais e meu irmão. Passo momentos muito
bons e muito ruins com eles, mas tudo que passamos
juntos é uma espécie de cumplicidade, estamos todos
juntos, brigando ou sorrindo.
7- O semioticista italiano Umberto Eco afirmou
recentemente, após anunciar sua aposentadoria na
universidade, que não acredita na felicidade, mas na
inquietação. Que inquietações o conhecimento trouxe
para você?
O conhecimento me faz refletir sobre o mundo e tudo à
nossa volta. História, por exemplo, me faz pensar em
como as pessoas de outro tempo viviam, quais eram seus
hábitos, e ainda me faz pensar em como o mundo foi se
modificando até chegar à situação atual, e isso, realmente,
me fascina. Os outros tipos de conhecimento também me
trazem inquietações, acho incrível a Física, por exemplo,
conseguir explicar fatos que vemos em nosso dia a dia.
Ética e Cidadania é outra matéria indispensável; quanto
mais eu me informo sobre os assuntos da atualidade, mais
eu quero saber e quero entender por que eles ocorrem,
o que está por trás deles. Enfim, o conhecimento me
desperta vontade de conhecer mais, de saber mais sobre
determinados assuntos e, ainda, me inquieta, pois cada vez
mais tenho a vontade de saber como realmente funciona
o mundo em que vivemos, e, como sei que isso nunca será
respondido, a inquietação aumenta ainda mais.
8- Que marcas da Móbile ficam em sua vida e que
farão parte de sua existência daqui para frente?
Acho que as principais marcas da Móbile são,
primeiramente, os amigos que fiz e que quero levar para
o resto da minha vida. Além disso, com certeza nunca me
esquecerei dos professores que tive na Móbile. Ao longo
do tempo, construímos uma relação forte, de cumplicidade,
da qual eu quero sempre me lembrar, e tenho certeza de
que sentirei muitas saudades. Muitos se tornaram até
mesmo meus amigos, e podem ter certeza de que estarão
sempre guardados. Ainda, posso afirmar que a Móbile me
ensinou a superar obstáculos, a enfrentar desafios e a não
desistir diante deles, e isso é algo que eu quero levar pro
resto da minha vida e aplicar a tudo que eu fizer.
136
9- Os simbolistas acreditavam no poder que a
música tem de nos chegar à alma. Que música(s) o
“toca(m)” especialmente?
Uma música de que eu gosto muito é “Anos Dourados”
(Tom Jobim). Essa música, além de ser muito bonita, me
lembra fortemente meu pai. Ele a adora e sempre a ouvimos
juntos no carro. Também gosto muito de “Velha infância”
(Tribalistas). Essa música me lembra uma época muito boa da
minha vida.
10- Que palavras você deixa para você quando
ler este livro depois de concluído seu curso
universitário e de ter ingressado na carreira de
trabalho?
Laura, espero que você tenha conseguido se formar no
curso que queria e que adore sua profissão. Você gosta do
que faz? Tudo valeu a pena? Nunca se esqueça de tudo
que passou para chegar onde está, da sua história. Faça
o possível para ser muito feliz, viajar muito, conhecer
muitas pessoas novas, mas nunca esqueça os antigos
amigos. Você conquistou seus sonhos? Se não, nunca
desista deles e lembre-se de todos os desafios que já
foram superados até então. Isso lhe dará forças para
seguir em frente. Por fim, nunca tenha medo de abandonar
algo de que você não goste ou que não a faça feliz, e
nunca se torne uma pessoa que só pensa em trabalho.
Laura Vieira de Camargo
estuda Economia na USP.
1- O psicanalista Lacan defende que
o Universo Simbólico, o das palavras,
é o que nos “coloca” no mundo. Que
palavras traduzem seu momento
presente? Um momento marcado por
expectativas, sonhos, anseios, rupturas...
Este momento pode ser traduzido pela
palavra esperança.
2- O crítico literário Antonio Candido,
num ensaio intitulado “Direito à
literatura”, credita à arte das palavras o
poder de “organizar o caos” que habita
as pessoas. Que poema, romance, conto,
crônica você acredita que poderia servir
como “organizador de seu caos”?
Atualmente, não tenho um “organizador do
caos”, mas quando tinha cerca de 8 anos li
O Diário de Anne Frank, que modificou de
certa maneira minha perspectiva do mundo.
Foi uma leitura que me comoveu, pelo
fato de não ser ficcional e de eu conhecer
previamente o triste fim da autora no campo
de concentração de Bergen-Belsen durante a
Segunda Guerra Mundial.
Ana Carolina Miti Sameshima
138
Ana Carolina Miti Sameshima3- Muitas são as pessoas que nos servem de
referência ao longo da vida. A pensadora Hannah
Arendt, por exemplo, teve como referência seu
mestre e amor Heidegger, o filósofo alemão;
o escritor Caio Fernando Abreu tinha Clarice
Lispector como grande inspiradora; Platão foi um
discípulo de Sócrates; Caetano Veloso, quando
garoto, sonhava ser um pensador como “aqueles
existencialistas de Paris”, chegando a fazer uma
referência explícita ao filósofo Jean-Paul Sartre
em sua canção “Alegria, alegria”, um dos hinos
do Tropicalismo. Quem seria(m) sua(s) grande(s)
referência(s) hoje? Por quê?
Minhas grandes referências certamente são meus pais.
Eu me orgulho muito deles pela dedicação à família e pelo
esforço no trabalho, e sempre imagino se conseguirei um
dia ser tão competente, organizada e responsável quanto
eles, em termos profissionais e pessoais.
4- Não deve haver arte que melhor “imite” a
realidade do que o cinema, dada a possibilidade
técnica de verossimilhança que a sétima arte
possui, mesmo quando inventa mundos fantásticos.
Qual é o grande filme de sua vida? Por quê?
Acredito que ainda não assisti ao filme da minha vida,
mas lembro que me causaram impacto os filmes Toy Story
e O Violino Vermelho. Ao primeiro assisti aos 5 anos e, por
ter sido a primeira animação em computação gráfica a que
eu assisti, me fascinou. Já o segundo, gostei pela beleza
da história sobre a saga de um violão incomum, e também
por conta do meu gosto pela música.
5- Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina que
estará fazendo daqui a quinze anos?
Daqui a quinze anos imagino estar trabalhando,
feliz com meu emprego. Eu me vejo morando em um
pequeno apartamento, casada e, além disso, viajando e
conhecendo lugares.
6- Em cada uma das etapas que compõem nossa vida,
prometemo-nos jamais abandonar determinadas
pessoas que nos são caras e que fazem nossa
existência mais grandiosa. Quem são as pessoas
que você gostaria de levar para sua vida toda neste
momento? Por quê?
Além da minha família, que certamente levarei para o
resto da vida, gostaria de levar amigos preciosos que fiz
por meio da natação. São pessoas que hoje não vejo tanto
quanto gostaria, mas que são eternamente especiais e
confiáveis. Levaria, também, meu namorado, pelo fato de
ele ser a melhor das companhias e ser um grande amigo,
e por quem eu tenho enorme afeto.
139
Ana Carolina Miti Sameshima7- O semioticista italiano Umberto Eco afirmou
recentemente, após anunciar sua aposentadoria
na universidade, que não acredita na felicidade, mas
na inquietação. Que inquietações o conhecimento
trouxe para você?
Uma das fortes inquietações que tenho é sobre o fim
da vida e as sensações que ficam marcadas nos
momentos antes da partida.
8- Que marcas da Móbile ficam em sua vida e que
farão parte de sua existência daqui para frente?
Acredito que a Móbile foi responsável por uma importante
parte da minha formação. Vejo que hoje sou uma pessoa
mais segura, mais autônoma e mais preparada para
enfrentar dificuldades, comparando com o momento
em que entrei na escola. Também ficarão na lembrança
os professores, que ampliaram meu interesse pelo
conhecimento e que, usando o termo clichê, mas real,
“fazem a diferença”. Além disso, certamente guardarei
com muito carinho as amizades que fiz.
9- Os simbolistas acreditavam no poder que a
música tem de nos chegar à alma. Que música(s)
o “toca(m)” especialmente?
Gosto de uma porção de músicas, mas as que
especialmente me “tocam” são aquelas que me fazem
lembrar de infância, principalmente “What a Wonderful
World”, de Louis Armstrong, “Caribbean Blue”, de Enya, e
“The Joy of Life”, de Kenny G.
10- Que palavras você deixa para você quando
ler este livro depois de concluído seu curso
universitário e de ter ingressado na carreira
de trabalho?
Não gostaria de deixar uma mensagem, mas, sim,
uma pequena lista de coisas que gostaria de realizar
a partir do ano que vem (ou antes, se possível), e que
espero cumprir: aprender a dirigir; aprender a cozinhar
de tudo; voltar a fazer atividade física; aprender a tocar
violão; viajar bastante; voltar a tocar piano; ser mais
organizada; estudar línguas (alemão, inglês e japonês);
buscar novas atividades; conhecer lugares interessantes;
não fazer nada em excesso... Espero nunca me prender
numa rotina tediosa e, por fim, desejo-me muito sucesso
e muita saúde.
Ana Carolina Miti Sameshima
estuda Arquitetura na FAU/USP.
r e s e n h a s
142
O curta-metragem O Xadrez das Cores, de Marc Schiavon, retrata a
relação entre uma senhora, Estela (Mirian Pyres), e sua empregada,
Cida (Zezeh Barbosa). Extremamente preconceituosa, a patroa
diverte-se exaltando a superioridade dos brancos sobre os negros e
diminuindo Cida, que, como era negra, ouve calada.
O filme muda quando Cida, ao ver um tabuleiro sobre a mesa,
pede que Estela lhe ensine a jogar xadrez. A patroa vê isso como
mais uma possibilidade de humilhá-la, derrotando-a e jogando com
prazer suas peças (as pretas) no lixo. A partir de então, o jogo é
uma metáfora para a vida, a sociedade e a suposta superioridade
caucasiana.
O diretor, então, abusa de um grande “tabuleiro imaginário”, onde
Estela é a rainha branca e Cida, um peão preto, em que demonstram
a batalha e a evolução da relação das duas mulheres. Cenas do
tabuleiro mostram momentos de rivalidade, indignação, revolta
e aprendizado de ambas. Cida resolve aprender a jogar sozinha,
determinada a vencer a outra. Explicitamente, essa vitória não se
dá somente no jogo de xadrez, ela representa um símbolo de seu
protesto silencioso contra o preconceito de Estela.
A visão do filme é um tanto estereotipada, tendo a “velha,
sozinha, maldosa e preconceituosa” em contraste com a “pobre,
porém trabalhadora e esclarecida negra”. Esse maniqueísmo
mais que um peão
143
excessivo acaba por irritar um pouco o espectador, que também
pode achar o filme um tanto óbvio e com cenas forçadas, até
mesmo inverossímeis. Um exemplo de cena assim é o momento
no qual Cida leva o xadrez para sua vizinhança, fazendo com que,
automaticamente, as crianças abandonem a animação das guerras
de água para se dedicarem, todas, ao xadrez. Quem assiste ao curta
simplesmente não se convence da preferência das crianças por um
jogo tão mais “parado” e elaborado.
A mensagem principal é bem clara desde o começo: “a cor não
importa”, descobrem as personagens ao final. Descobrem que o ser
humano tem dores parecidas, independentemente de suas origens,
e que nunca é tarde para mudar velhos hábitos. Cida, em especial,
descobre que um peão pode virar rainha, caso se empenhe para isso
(parabéns, aliás, ao diretor pela metáfora inteligente).
A imagem colorida, saturada, além de ter efeito estético, ainda
reforça o contraste entre as cores, e a filmagem não revela (para
leigos, ao menos) o provável baixo orçamento.
Sendo assim, recomendo o filme para aqueles que não estudam
profundamente o preconceito e a diferença entre classes (a
obviedade pode vir a ser um fator extremamente negativo). Caso
não seja um especialista, veja tranquilo, pois a obra é agradável e
interessante de se assistir, ainda que não imune a críticas.
Júlia Scherer é aluna do 1º ano do Ensino Médio.
mais que um peão
Cristóvão TezzaEscrever é uma atividade sem volta
Toda narração precisa de um começo. Uma frase definidora que ditará
o ritmo do livro e a voz do personagem. Ela não muda: é o ponto de
partida para o qual sempre se volta a cada vez que nos perdemos no
processo de transformar a vida em palavras. É assim que o escritor
Cristóvão Tezza começa um romance: a partir de uma sentença que
pode ficar meses em sua cabeça, até que seja madura o suficiente
para se transformar em livro. No seu caso, essa forma de trabalho
tem origem na maneira como guiou sua vida: ser escritor foi uma
ideia que ele teve nos seus primeiros anos de adolescência, mas
que demorou para encontrar nele maturidade para perseguir e
domar a vontade de escrever. Não deixa de ser uma espécie de
metalinguagem.
A vida de Cristóvão Tezza foi sempre repleta de idas e voltas,
de viagens e retornos de filho às vezes pródigo. Nasceu em
Lages, Santa Catarina, em 1952. A morte de seu pai, quando
o menino tinha apenas sete anos, levou a família a se
mudar para Curitiba, no Paraná. Mudança drástica essa:
não apenas devido à ausência permanente do pai, mas
também porque significou a saída dele de uma cidade
pequena para entrar numa capital, de uma casa com
quintal para um apartamento, do espaço para o confinamento. Mas
representou também a primeira entrada no mundo da literatura – tanto no universo
de ler como naquele de escrever. O menino que detestava ganhar livros (queria
mesmo carrinhos de corrida) encontrou um mundo imenso num livro de Monteiro
Lobato. A Chave do Tamanho lhe ensinou a abrir a porta de seu apartamento e a
graça de brincar com as letras, quase literalmente: como ele conta em sua crônica
“Telefones”, aprendeu a datilografar sozinho numa máquina de escrever de sua
mãe. Sozinho e escondido, até dominar a brincadeira que o divertia pelos sons das
teclas e por ver seus dedos memorizarem caminhos mais rapidamente que seus
olhos. Quando a mãe descobriu esse “dom”, teve uma reação curiosa: se sabia
146
datilografar, por que não trabalhar? Essa lição permaneceu com ele pelo resto da
vida, e define muito sua postura como escritor: “Na verdade, ninguém quer que você
escreva nada; trabalhar é melhor”, continua ele em “Telefone”. Foi assim que o
menino Cristóvão chegou ao seu primeiro emprego, como datilógrafo em uma firma
de advocacia. Como o trabalho era pouco, aproveitava seu tempo principalmente
para ler de tudo. Júlio Verne, Dostoiévski, Jorge Amado, a formação literária ampla
veio das tardes passadas entre uma e outra pauta de reunião a ser datilografada.
Dos 13 aos 15 anos, ele aproveitou a escola e os livros até se rebelar contra a ordem
instaurada na sua vida de todo dia: pediu demissão e foi se juntar a uma companhia
de teatro alternativo. “(...) eu estava abrindo a porta generosa da utopia regressiva,
a volta à natureza e ao grito primal”, é o que diz o narrador em “Telefones”.
A busca por muitas utopias vai marcar seu caminho. Com a trupe Centro Capela
de Artes Populares, se envolveu intensamente com o teatro: enquanto era dirigido
por Denise Stoklos (dramaturga e atriz brasileira), lia peças e mais peças, de
Shakespeare ao teatro contemporâneo norte-americano. Aproveitou o momento e
fez um curso de relojoaria por correspondência e utilizava o conhecimento novo
para ganhar a vida.
Quando terminou a escola, em 1970, sem querer entrar numa faculdade, marchou
no sentido oposto à liberdade do teatro e entrou para a Escola de Formação de
Oficiais da Marinha Mercante. A rebeldia, porém, se manteve: estava muito
mais interessado em viver intensamente as manifestações da contracultura, que
aconteciam em reação ao Golpe Militar de 1964. Há nisso um quê de contradição:
participar das manifestações contra a ditadura se juntando a uma escola de
militares? Mas a ideia lhe veio de suas leituras. Queria grandes aventuras, e viajar
o mundo lhe pareceu uma boa opção. O mar lhe traria a inspiração literária que
impregnou o espírito de grandes autores... Não trouxe: largou a escola poucos
meses depois de entrar, por pura falta de vocação para a disciplina militar.
Depois disso, sobrou mesmo a vida universitária. Em 1974, mudou-se para
Coimbra, para cursar Letras. Para sua sorte, a universidade estava fechada: eram os
efeitos da Revolução dos Cravos (1974), golpe que derrubou os últimos vestígios da
ditadura salazarista em Portugal.
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O que deveria ter sido um período de estudos se tornou uma grande viagem. De
mochila nas costas e pegando carona, foi trabalhar na França e na Alemanha como
imigrante ilegal, fazendo o que podia: varreu, lavou e consertou relógios. Encantou-
se tanto pelo último trabalho que, quando voltou ao Brasil, decidiu abrir uma
relojoaria. Casou-se e foi morar no Acre. Lá, entre dar aulas em um cursinho pré-
vestibular e voltar às origens de datilógrafo, decidiu finalmente prestar vestibular
no Brasil. Voltou para Curitiba e entrou na Universidade Federal em Letras – e
dessa vez levou o curso até o final. Emendou uma especialização e um mestrado na
área consolidando a decisão de ser escritor. Restava descobrir como se sustentar
e escrever... Tornou-se professor universitário (uma certa ironia para o adolescente
que tanto contestou a universidade). É o trabalho na universidade o ofício que lhe
permite escrever. Não importa o tamanho da editora que o publique, ainda não vê
espaço para sobreviver da venda de seus livros.
Apesar do sucesso atual, foram necessárias quatro obras para que Cristóvão
Tezza fosse reconhecido no cenário nacional. Em 1988, seis anos depois de ter
sido terminada, a obra Trapo (Record, 2007) levou sua prosa para além de Curitiba.
A narrativa conta a história do poeta Trapo, um suicida que deixa mil páginas
manuscritas nas mãos do professor universitário Manuel.
A produção de Tezza carrega, como um todo, uma forte presença das histórias
da sua vida. Apesar disso, ele não se considera um escritor particularmente
autobiográfico; vê em sua obra um traço realista, o que é muito diferente. Mas
isso não significa que ele negue uma pesada influência daquilo que viveu em sua
literatura. Tezza inverte a relação habitual que se estabelece entre a vida de um
autor e sua literatura. Em O Filho Eterno (Record, 2008), o narrador parece confirmar
algo que foi muitas vezes dito pelo autor: “Às vezes, tem a viva sensação de que é
escrito pelo que escreve, como se suas palavras soubessem mais que ele próprio.”
A ficção, para ele, é a possibilidade do autor de se distanciar de sua história da
forma mais intensa possível e transformar tudo em história.
Sua visão de literatura explica também muito do processo de escrita desse
curitibano de coração. Ele escreve à mão (e acha que vai ser colocado no Museu de
História Natural por isso), pelo menos até a segunda versão do livro. O texto digitado
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tem para Tezza um sentido de coisa pronta, acabada. E seu processo de criação é
lento. Um romance é gestado em sua cabeça a partir de uma situação dramática,
que se converte na frase inicial definidora do tom do futuro livro. Depois, a história
tem de ter um final, pouco importa se será realmente utilizado. Com um horário
fixo para escrever, Tezza conta as linhas produzidas em um dia de trabalho. E acha
perigoso passar das sessenta, de uma página por dia, principalmente no começo
de um romance. Procura prolongar o que chama de um certo “estado emocional
do livro”, até que a história deslanche, sem correr o risco de perder o rumo e a
ideia original. É um trabalho solitário, que pode durar até dois anos. São meses de
bastante instabilidade, de muita alternância entre inseguranças e euforias, entre
visões de mediocridade e genialidade.
A cidade de Curitiba tornou-se, para ele, o palco dessa solidão necessária. Depois
de tantas andanças pelo mundo, enraizou-se ali, seduzido por uma certa timidez que
ele encontra no curitibano, pela frieza da cidade que, diz ele, não tem carnaval.
A utopia da vida no campo falhou; a do trabalho de artesão também. Mas a
partir delas Cristóvão Tezza encontrou sua própria forma de artesanato, metódica
e solitária como o ofício de relojoeiro. Sua escrita funciona em engrenagens nas
quais ele mesmo dá corda. Porém, em meio a todas as peças que compõem esse
escritor-relógio, há uma que é transformadora, fundamental e que anda fora do
compasso da engrenagem. Essa peça é seu filho Felipe, de 26 anos. Os encontros
da relação entre pai e filho geraram o último romance de Tezza, responsável por
torná-lo o autor mais premiado de 2008: O Filho Eterno ganhou o Prêmio Jabuti
de Melhor Romance, o Prêmio APCA, o Portugal-Telecom de Literatura em Língua
Portuguesa, entre outros.
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Nesse livro, ele encara a relação que não teve coragem nem maturidade para
enxergar em 26 anos: a eternidade de ser pai de uma criança portadora da Síndrome
de Down. O processo lento de aceitar um filho diferente do imaginado, do projeto de
filho que ele quis. Aceitar a irreversibilidade do fato, que nem mesmo a literatura
pode tornar menos eterno. O pai, no romance, é ao mesmo tempo o próprio Tezza
e seu personagem, numa história narrada em terceira pessoa, por um “ele” e não
por um “eu”. É um distanciamento fundamental para fugir do sentimentalismo
barato, da pieguice, do dramalhão, e que transformou a obra num texto cruel e
intenso. Um texto que atinge, pela dor da percepção das falhas de um pai. Não é
uma autobiografia: há invenções, digressões, mentiras, uma liberdade que tornou
possível para o escritor explorar o que ele definiu como o fato mais importante de
sua vida.
O Filho Eterno atingiu a sua história da maneira mais frontal e dolorosa. Sem
culpa, abordou o fato que não conseguia encarar como homem, menos ainda como
escritor. Para ele, foi um passo definitivo quando decidiu enfrentar o único tema do
qual tinha medo – e ele acredita que um escritor não pode ter medo de seus temas.
O Filho Eterno não trata apenas de sua relação com Felipe, engrenagem que se
move alheia à vontade do próprio Tezza. Trata da conquista, dia a dia, da vida e da
escrita. Do descompasso que, atrasando ou adiantando o relógio, torna-o menos
preciso, mais distante da perfeição, mais humano. Se a maior parte de suas utopias
caiu por terra, ele criou outras, que recheiam seu cotidiano de escritor.
Teresa Chaves é professora de História do 2º ano do Ensino Médio
e trabalhou para a Folha/Uol na cobertura da FLIP de 2009.