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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
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O CONCEITO DE PAISAGEM A PARTIR DO ALUNO
MOACIR VIEIRA DA SILVA1 JOSÉLIA CARVALHO DE ARAÚJO2
Resumo: Objetiva evidenciar a capacidade de apreensão e elaboração de conteúdos (a partir da discussão do conceito de paisagem) por parte do estudante na Educação Geográfica, aportando tais apreensões em teoria que dê suporte à construção deste conhecimento. A metodologia consistiu, num primeiro momento, no registro textual verbal e não verbal da apreensão da realidade, seguido de apresentação em sala de aula e discussão. Uma vez cumprida essa etapa, foram realizadas leituras sobre o conceito de paisagem, igualmente seguida de discussão em sala. Da experiência, ficou evidenciada uma prática de ensino centrada no sujeito, o qual, uma vez estimulado e apenas acompanhado – não substituído pelo professor –, é capaz de construir efetivamente conhecimento. Palavras-chave: Paisagem urbana; Ensino de Geografia; Construção do Conhecimento; Estágio. Abstract: Objective evidence the seizure of capacity and development of contents (from the landscape concept of the discussion) by the student in Geographic Education, providing such seizures in theory that supports the construction of this knowledge. The methodology consisted at first in verbal and non-verbal verbatim record of the apprehension of reality, followed by presentation and discussion in class room. Once this step accomplished, there were readings on the concept of landscape, also followed by a discussion in class. From experience, the authors emphasize a teaching practice centered on the subject, which, once stimulated and accompanied only - not replaced by teacher - is able to effectively build knowledge. Key-words: Townscape; Geography Teaching; Construction of Knowledge; Stage.
1– Introdução
Fale-se constantemente no meio acadêmico e escolar sobre o momento de
crise na/da Geografia Escolar, sobre suas fragilidades e processos desgastados. A
discussão e contribuição teórica de autores como Brabant (2005), Lacoste (1988),
Oliveira et al (2005), Araújo (2001), Straforini (2004), Vlach (2004), Carvalho (2004),
Albuquerque (2011), Somma (2003) levam-nos a pensar, refletir e compreender
alguns dos vetores dessa “instabilidade”. Eles nos mostram que o quadro atual
dessa ciência, com limitações e fraquezas teóricas, metodológicas e procedimentais,
é reflexo do seu processo de formação, da forma como a mesma foi pensada e
sistematizada historicamente.
1 Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN) - Mestrado. E-mail de contato: [email protected] 2 Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN) – Doutorado. E-mail de contato: [email protected]
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Mas, o debate teórico sobre essa “desestabilização geográfica” não se encera
nesse ponto. Diversos autores também têm feito grandes esforços cognitivos no
sentido de pensar e rever novas formas de se discutir e ensinar Geografia no espaço
escolar - formas de superar os paradigmas materializados até o momento.
Almeida e Passini (2006), Castellar e Vilhena (2010), Castrogiovanni, Callai e
Kaercher (2008), Daminani (2008), Filizola (2009), Klimeck (2007), Vasconcelos
(2009), Weisz e Sanches (2002) são exemplos de autores que se propõem a discutir
as várias nuances existentes no processo de ensino da Geografia.
Ancorados nos escritos dos autores supracitados, entende-se que, pensar o
ensino de Geografia é ir além da sala de aula (do espaço físico), da transposição de
conteúdos preestabelecidos nos manuais didáticos (livros), da memorização de
espaços e suas respectivas nomenclaturas. Acredita-se que, o ensino de Geografia,
para ser e fazer sentido, deve estar envolto por atitudes e procedimentos que lhes
dêem significado (ANTUNES, 2008.
Nesse contexto, ações simples, como a observação de acontecimentos,
fenômenos e elementos presentes na realidade, quando associados aos conceitos
da ciência geográfica, como, por exemplo, a paisagem3, é possível correlacionar a
vivência dos alunos aos saberes sistematizados, proporcionando uma aprendizagem
significativa aos mesmos, e sendo possível estruturar determinados saberes
geográficos.
Assim, centrado no olhar e na percepção dos alunos do Ensino Fundamental,
Séries Finais, do Instituto Sonho Colorido, Mossoró, Rio Grande do Norte (RN), esse
trabalho desenvolveu experiências de apreensão da realidade urbana da Cidade de
Mossoró, por parte dos referidos alunos, em seu percurso entre a casa e a escola. O
principal objetivo desse trabalho foi demonstrar a capacidade de apreensão e
elaboração de conteúdos por parte dos discentes na Educação Geográfica,
aportando tais apreensões em teoria que dê suporte à construção deste
conhecimento.
3 Entendido com um dos conceitos fundantes da geografia, que tem como uma das suas formas de
apreensão, o olhar, a simples observação do espaço, apesar de poder ser apreendida igualmente por outros sentidos humanos.
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A metodologia desse trabalho teve como principais bases, a pesquisa teórica,
documental e a ação empírica, desenvolvida com alunos da instituição de ensino já
citada. Detalhando esse segundo momento, pontuam-se as principais atividades: no
primeiro momento da abordagem foi realizado o registro textual verbal e não verbal
da apreensão da realidade, a partir do desenho da trajetória casa-escola. Paralelo a
esse momento, foi solicitado que cada aluno detalhasse o que ele observava na
paisagem e fizesse os seus registros. Em seguida, foi solicitado que os mesmos
apresentassem, em sala de aula, suas representações, estimulando assim o debate
e a construção coletiva do conhecimento. Finalizada essa etapa da pesquisa, foram
realizadas leituras sobre o conceito de paisagem e suas especificidades, igualmente
seguida de discussão em sala.
Essa pesquisa coloca em prática um projeto acadêmico sobre produção do
conhecimento na escola, selando uma parceria entre o Estágio Supervisionado
Obrigatório no Curso de Licenciatura em Geografia da Universidade do Estado do
RN e o seu campo de estágio; está embasada na leitura e na idéia de uma prática
de estágio supervisionado diferenciado, que vem tomando por base um amplo
campo de debate para a reformulação dessa prática. Para tanto, foram essenciais a
leitura de autores como Oliveira e Pontushka (1989), Piconez (2008), Vieira e Sá
(2007).
2 – A propósito do conceito de paisagem
A paisagem é apreendida, num primeiro momento, de forma estática, por
meio das formas concretas construídas pelo ser humano. Mas, mesmo sendo
estáticas, guardam em si relações de produção que são dinâmicas e contraditórias,
e escondem em si processos conflitantes, porque o espaço urbano é resultado de
relações conflitantes capital/trabalho, no qual a sociedade está inserida de forma
fragmentada em camadas sociais.
Optamos por iniciar a discussão do conceito evocando esse aparente conflito
entre as nuances estática e dinâmica da paisagem, mesmo porque, a própria
trajetória do conceito adquiriu esse tratamento, ora sendo vista de forma estática;
ora, de forma dinâmica. Aliás, até mesmo a apreensão da paisagem, que num
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primeiro momento das discussões, quase sempre, remete ao olhar, também traz em
si essa dinâmica, visto que discussões metodológicas indicam a importância de
outros sentidos humanos, que não apenas o olhar, para a apreensão da paisagem.
Desde o século XIX o conceito de paisagem vem sendo discutido, no sentido
de compreender as relações que se conformam no espaço geográfico, abrangendo
tanto aspectos sociais quanto naturais.
Ora, do senso comum resultou a consagração do termo paisagem associado
à visão de “fotográfica” de determinada porção do espaço cuja beleza produz um
efeito prazeroso aos olhos do observador. Assim, o conceito de paisagem se
apresenta em seu modo estático, e dessa forma, até mesmo no processo de
elaboração do conceito foi influenciado, o qual é sempre tratado, num primeiro
momento, referindo-se ao olhar. Ao fazer um resgate da trajetória do conceito de
paisagem na geografia, Schier (2003, p. 80) nos lembra que
[...] o conceito de paisagem foi originalmente ligado ao positivismo, na escola alemã, numa forma mais estática, onde se focalizam os fatores geográficos agrupados em unidades espaciais e, num forma mais dinâmica, na geografia francesa, onde o caráter processual é mais importante. Ambas tratam a paisagem como uma face material do mundo, onde se imprimam
atividades humanas.
A nosso ver, ao tratarmos o conceito de paisagem junto aos alunos da
educação básica, há que optarmos por essa vertente “processual” da qual nos fala o
autor supracitado. Isto porque entendemos que já não dá mais para admitirmos uma
visão estática ou até mesmo estética de paisagem, quando o próprio cotidiano
escolar revela uma dinâmica que lhe é inerente, até mesmo ampliando a concepção
de paisagem para além da materialidade.
Atualizando o debate, Schier (2003, p. 80) ainda nos diz que, atualmente, a
idéia da paisagem “depende muito da cultura das pessoas que a percebem e a
constroem. Ela é, assim, um produto cultural resultado do meio ambiente sob ação
da atividade humana.” A partir do exposto pelo pensamento do autor, destacamos
duas ações dos sujeitos em relação à paisagem: são os atos de construir e de
perceber a paisagem. Isso mesmo, o ser humano, ao produzir sua própria
sobrevivência, produz paisagem. E esta, uma vez produzida, passa então a ser
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percebida, ou melhor, apreendida por estes sujeitos, dependendo da imagem que
fazem do mundo (AGUIAR, 2013; BRASIL, 1998; PEREIRA, 2015).
E assim, entendendo que o ser humano produz paisagem, é que podemos
identificar dois tipos de paisagem: a natural e a cultural, conforme defende Schier
(2003, p. 80) que,
Tradicionalmente, os geógrafos diferenciam entre a paisagem natural e a paisagem cultural. A paisagem natural refere-se aos elementos combinados de terrenos, vegetação, solo, rios e lagos, enquanto a paisagem cultural, humanizada, inclui todas as modificações feitas pelo homem, como nos espaços urbanos e rurais. De modo geral, o estudo da paisagem exige um enfoque, do qual se pretende fazer uma avaliação definindo o conjunto dos elementos envolvidos, a escala a ser considerada e a temporalidade da paisagem. Enfim, trata-se da apresentação do objeto em seu contexto geográfico e histórico, levando em conta a configuração social e os processos naturais e humanos.
Que a paisagem pode ser diferenciada entre a natural e a cultural já é uma
discussão consagrada, e até mesmo de fácil apreensão, sem muito esforço
metodológico ou cognitivo. Mas que a paisagem deve ser tratada em seu contexto
espacial, segundo as diversas escalas geográficas; e temporal, considerando-a
como uma acumulação de frações de tempo, como marcas da ação humana, é algo
relevante quando empreendemos um processo de construção do conhecimento
junto aos alunos da educação básica. Assim procedendo, os alunos apreenderão a
paisagem cotidiana de forma processual e dinâmica, inclusive, identificando-se
enquanto sujeitos dessa transformação.
O professor de geografia precisa ter o cuidado para não tolher a capacidade
de o aluno apreender a paisagem que o cerca, nem tampouco limitá-la a um lance
de olhar. É preciso, assim, deixar que os referidos alunos manifestem suas mais
singelas experiências, as quais podem ser lapidadas, aprofundadas e aperfeiçoadas,
de acordo com as experiências que lhes forem oportunizadas no sentido da
construção do conhecimento (ALVEZ, 2008).
Isto porque o conhecimento é produzido continuamente. São igualmente
renovadas as técnicas de obtenção deste conhecimento. É importante ressaltarmos
que os conhecimentos dos professores e dos livros não bastam aos alunos, e que
estes podem, quando incentivados e acompanhados sistematicamente, produzir
conhecimentos – ao seu nível, segundo o seu alcance.
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Mas algo nos instiga a uma pergunta central nesta proposta de trabalho ora
exposta: o que é, afinal, construção de conhecimento na educação básica? E esta,
certamente, conduz-nos a outras, secundárias: quais experiências têm sido
vivenciadas nas aulas de geografia na escola básica, que denotam efetivamente um
processo de construção de conhecimento geográfico para o aluno? Em que medida
esta prática tem sido exercitada, ou, quando não exercitada, o que tem contribuído
para negligenciar uma orientação já tão consagrada no aporte teórico atinente a
ensino, especificamente, ensino de geografia? Quais fatores concorrem para este
quadro, seja de incipiente experiência de pesquisa na escola, seja de total ausência
da mesma?
Estas são inquietações a nós postas cada vez que nos aprofundamos em
leituras e discussões que tenham como foco o ensino de geografia, nesse momento,
voltado para o conceito de paisagem.
Mas quando estabelecemos contatos com escolas parceiras de Estágio
Curricular Supervisionado em Geografia; e ainda mais, quando participamos de
eventos acadêmicos que versam sobre a temática, identificamos um hiato abissal
entre teoria e prática, entre discurso e postura; por fim, entre o acadêmico e o
profissional.
Ora, se o ser humano, que por sua capacidade de intervenção no meio em
que vive, transforma-o para a sua sobrevivência, e o torna mais aprazível a ela,
consegue evoluir a técnica em seu favor, e construir grandes obras de engenharia,
descobertas para a convivência com fenômenos aparentemente inexplicáveis de
imediato, por que o conhecimento, recurso primordial para esta interação entre o ser
humano e o meio, poderá continuar relegado à simplória reprodução na escola,
desvinculada de qualquer questionamento ou renovação?
Não é então de forma estática que o conceito de paisagem pode ser tratado.
Há, sim, que enveredarmos por práticas docentes de interação professor-aluno, de
relatos de experiências por parte dos alunos, até mesmo em seus percursos
cotidianos, como aquele desenvolvido entre a casa e a escola, e entre a escola e a
casa.
Certamente, até mesmo o nível de renda e o poder de consumo de alunos de
diferentes estratos sociais interferem na possibilidade de apreensão da paisagem
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por parte dos alunos. Senão, vejamos dois exemplos. O de um aluno que, ao ir para
a escola, entra no automóvel da família, ainda na garagem, com vidros fechados,
película escura, ambiente climatizado, manuseando seus objetos eletrônicos de
última geração. Daí, perguntamos: o que ele conseguirá apreender, ou quanto ele
conseguirá apreender da paisagem que se descortina no percurso casa-escola?
Quais as imagens, os movimentos, os sons, os cheiros, os gritos, entre outras
manifestações de paisagem que ele poderá experienciar?
Um segundo exemplo é um aluno que mora num bairro popular, sai de casa a
pé, fica num ponto de ônibus, faz o percurso até a escola neste ônibus. Ele está
assim exposto a diversas experiências que podem ser captadas pelos seus sentidos,
as quais remetem a paisagens que sua mente vai interpretando, tentando desvendar
as relações que concorreram ou concorrem, naquele momento, para que aquele
“quadro”, mesmo que provisório, esteja se configurando daquela forma.
Certamente, com o processo de renovação da escola, fundamentado em um
novo modo de pensar a educação, tem desenvolvido experiências de produção de
conhecimento, mesmo que pontuais, pouco expressivas, e muitas vezes, pouco
valorizadas, pela simples falta de divulgação em eventos voltados para tal fim, os
quais, quase sempre, limitam-se à academia.
Nesse contexto, interrogamos sobre o que tem feito a educação básica no
sentido da construção do conhecimento geográfico pelo aluno, conforme defende
Cavalcanti (2005, p. 137-166), em suas oito “Proposições metodológicas para a
construção de conceitos geográficos no ensino escolar”. Essas proposições são
fundamentadas no pensamento de Vygotsky, as quais apontam para uma prática
socio-interacionista na sala de aula, em detrimento daquela prática já tão
consagrada, do conteudismo.
Onde estariam as concepções de ensino baseadas no conceito de “Zona de
Desenvolvimento Proximal”, de Vygotsky? Estamos assim apontando para este
conceito, pelo fato de ser leitura presente, proficuamente discutida e defendida por
professores e alunos na academia.
E isto se faz com o mais maduro ou experiente – seja o professor ou colegas
de turma – conduzindo o estudante da condição real para a potencial do seu nível
cognitivo. Ou seja,
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[...] a possibilidade de formar uma „zona‟ entre si e seus alunos, com o intuito de trabalhar com funções e processos ainda não amadurecidos neles, mune o professor de um instrumento significativo na melhoria da qualidade de suas aulas, no tocante ao desenvolvimento intelectual dos alunos e, em conseqüência, propicia condições melhores de aprendizagem efetiva (CAVALCANTI, 2005, p. 140).
Entendemos então que a tarefa de construção de conhecimento pelos
alunos na educação básica se faça por meio da prática da pesquisa, devidamente
qualificada em seu significado etimológico, fugindo a práticas corriqueiras de busca,
que ganham cada vez mais destaque no cumprimento de atividades. Neste sentido,
Bagno (2000, p. 16) interpela: “O que é pesquisa para você, professor?” Isto para
questionar o tipo de pesquisa ao qual estamos acostumados a presenciar.
Acrescentamos ainda o problema do demasiado número de atividades que se
acumula a cada aula. Atividades estas que sobrecarregam professor e aluno, sem
muitas vezes apresentar um produto final. Quase sempre o aluno é convocado a
“pesquisar” uma infinidade de assuntos, sem aprofundar nenhum. Muitas vezes, em
meio à pressa do fazer de última hora, a impressão de textos da Internet é o
“recurso metodológico” do qual o aluno lança mão; e o professor, envolvido num
grande número de atividades para avaliar, nem percebe a falta de originalidade do
trabalho apresentado. Cumpre-se uma etapa (bimestre, trimestre ou semestre), e o
aluno pouco ou nada escreveu sobre algo, pouco aprendeu, aprofundou ou expôs o
seu ponto de vista sobre determinado assunto. É um sujeito passivo no processo de
ensino-aprendizagem: faz trabalhos, não para desenvolver sua cognição, mas para
atender ao pré-requisito de o professor aferir uma nota.
3 - Uma experiência chamada paisagem
Após esse percurso de análise da prática docente de geografia entre a
academia e a educação básica, entre o aluno e o professor dessa mesma educação
básica, entre o livro e o aluno, e por fim, entre a paisagem e o aluno, cumpre-nos a
função de expor a experiência desenvolvida junto a um grupo de dezesseis alunos
do Ensino Fundamental, Séries Finais, do Instituto Sonho Colorido.
Partindo da prática de defendemos, a da interação professor-aluno, da
posição de protagonismo do aluno enquanto sujeito no processo educativo,
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buscamos desenvolver estudos referentes ao conceito de paisagem, aproveitando o
percurso desenvolvido por estes alunos entre a casa e a escola, e entre a escola e a
casa.
Num primeiro momento, solicitamos aos mesmos que observassem, no dia
seguinte, a paisagem encontrada no percurso entre sua residência e a escola; e que
fizesse o mesmo ao retornar, empreendendo assim o percurso escola-casa.
Num segundo momento, os alunos foram instigados a expor o que viram,
indicando o que julgavam ser paisagem. Orientamos que, ao final de cada percurso,
fizesse o registro do que eu considerava ser paisagem, por meio de um desenho,
em ambos os percursos. Considerando mais uma vez o aluno como protagonista, e
tendo por base a tese da Zona de Desenvolvimento Proximal, procuramos fomentar
a troca de experiências entre os alunos, ao exporem seus desenhos, explicarem
sobre os mesmos e acolherem observações do professor, bem como dos demais
colegas.
Em seguida, disponibilizamos aos mesmos um texto básico sobre paisagem,
o qual foi lido e igualmente discutido. A partir do referido texto, e tendo por base a
experiência da observação feita no percurso casa-escola e escola-casa, solicitamos
que os alunos apresentassem uma definição elaborada em seu pensamento sobre
paisagem. Alguns resultados foram surpreendentes, entre os quais, alguns que
expomos a seguir, juntamente com a sua respectiva representação espacial:
“Paisagem é tudo aquilo que podemos não só ver, mas também sentir, ouvir. É o
que nos chama a atenção. É o que o homem constrói e destrói. Pode ser modificada
ao longo de tempo, se não cuidamos” (Aluna do 6º Ano do Ensino Fundamental).
Como vemos, há, na fala dessa aluna (primeira análise), “erros” e acertos, os
quais devem ser lapidados pelo professor, mas sem tolher a capacidade cognitiva do
aluno, nem tampouco o direito que o mesmo tem de “errar”. Mas, se considerarmos
a idade do aluno, admitiremos que há, em sua fala, mais acertos que alguma
manifestação de erro, a qual pode aparecer apenas ao final, ao dizer que a
paisagem se destrói se não for cuidada. Mas eis que o professor está na sala de
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aula exatamente para promover um processo cognitivo junto aos alunos, e saberá
como lidar com essa situação.
“Paisagem pra mim é tudo que ouvimos, vemos e tocamos, pode chegar a ser
apenas um som (canto dos passarinhos), tocamos (árvores, flores) ou vemos (carro,
pessoas, lugares) e com tudo isso a paisagem fica completa.” (Aluno do 9º ano do
Ensino Fundamental)
Na segunda análise, percebemos elementos semelhantes entre os dois
alunos. Entretanto, o segundo coloca em destaque, outro elemento, a materialidade
da paisagem. O fato do tocar. Esse novo elemento abre um leque de discussão que
poderia ser tratada com os alunos. Materialidades, imaterialidade, coexistência. A
partir do conhecimento prévio, simples, do aluno, seria possível estabelecer diálogos
mais amplos e significativos, no qual, a produção do conhecimento se efetivasse.
4 - Considerações finais
Ensinar é saber ensinar. Isso, em todos os ambientes de sala de aula, e mais
especificamente, no estágio supervisionado do ensino de geografia. É com este
pensamento que nos dispusemos a empreender esse processo investigativo da
construção do conhecimento na educação básica, o qual, nesse momento, discute
mais uma etapa, qual seja, relativa ao estudo do conceito de paisagem.
Pelas experiências vivenciadas, reafirmamos a postura de que o aluno deve
ser sempre protagonista no processo de ensino-aprendizagem. E ser protagonista,
no caso do trabalho desenvolvido a partir do conceito de paisagem, consistiu em lhe
orientações, caneta, papel, lápis de cor e muitas asas à imaginação.
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