O Conceito de Memória Na Ciência Da Informação

Liinc em Revista, v.7, n.1,maro 2011, Rio de Janeiro, p. 311 328 - http://www.ibict.br/liinc

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O conceito de memria na Cincia da Informao: anlise das teses e dissertaes dos programas de ps-graduao no Brasil

Eliane Braga de Oliveira

Georgete Medleg Rodrigues

Resumo Apresenta resultados obtidos em pesquisa de doutorado cujo objetivo geral foi o de compreender como a Cincia da Informao (CI) se apropria de conceitos, partindo do caso especfico da apropriao e da reformulao do conceito de memria na produo cientfica da rea no Brasil. Adota como referencial terico o modelo de construo do conhecimento proposto por Wersig, conforme o qual a Cincia da Informao deve tecer uma rede conceitual a partir da reformulao de modelos genricos e interconceitos. Nos objetivos especficos, identificar os atratores do conceito de memria na Cincia da Informao; analisar suas apropriaes e reformulaes na produo dos programas de ps-graduao em CI no Brasil; verificar a existncia de relaes entre a produo de trabalhos sobre memria e a rea de graduao dos autores e/ou ao programa de ps-graduao em CI nos quais os trabalhos foram produzidos. Como mtodo, adotou-se a anlise de contedo e, como campo emprico, a produo cientfica da rea. Para a anlise quantitativa dos dados, utilizou-se do Corpgrafo, plataforma de anlise sobre corpora. Apresenta a anlise das teses e dissertaes componentes da amostra analisada na pesquisa. Os resultados evidenciaram a pouca relevncia do tema na literatura da rea. Verificou-se que os autores mais produtivos so egressos de programas de ps-graduao em CI, mas no desenvolvem suas pesquisas nesses programas, apesar de divulgarem seus estudos em peridicos e eventos especficos da Cincia da Informao. Verificou-se tambm a existncia de um ncleo de estudos tericos sobre memria, tendncia no identificada na literatura internacional. O estudo constatou a apropriao do conceito de memria pela Cincia da Informao no Brasil, em apenas um dos aspectos identificados na literatura internacional, o aspecto social. Essa apropriao mostrou ser mais diretamente influenciada pela formao acadmica dos emissores das mensagens do que pelo contexto de produo destas ltimas.

Palavras-chave memria; Cincia da Informao; Arquivologia

The concept of memory in information science: analysis of theses and dissertations of postgraduate programs in Brazil.

Doutora em Cincia da Informao pela Universidade de Braslia (UnB) e professora do curso de Arquivologia da

UnB. Endereo postal: UnB, Campus Universitrio Darcy Ribeiro, Biblioteca Central, Entrada Leste, Asa Norte, Braslia, Distrito Federal, CEP. 70.919-970. Tel. (61) 3107-2608 e e-mail: [email protected].

Doutora em Histria pela Universit de Paris IV e professora do curso de Arquivologia e do Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao da UnB. Endereo postal: UnB, Campus Universitrio Darcy Ribeiro, Biblioteca Central, Entrada Leste, Asa Norte, Braslia, Distrito Federal, CEP. 70.919-970. Tel. (61) 3107-2608 e e-mail: [email protected].


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Abstract Shows results in doctoral research that aims to understand how Information Science (IS) appropriates concepts, based on the specific case of appropriation and recasting of the concept of memory in scientific production in Brazil. Uses the knowledge building model proposed by Wersig in which Information Science must weave a conceptual network from the reformulation of broad models and inter-concepts. Specific objectives were to: identify the "atractors" of the memory concept in information science; analyze its appropriations and reformulations in production of IS in Brazil; check the existence of relations between the production of work about memory and the majors of the authors and/or post-graduate programs in IS in which the work was produced. Adopts documental and bibliographical research as procedure and, as a method, content analysis. For the quantitative analysis of data, we used the Corpograph, a platform to analyze corpora. The article presents the analysis of theses and dissertations which compose the sample analyzed in the research. The results shows little relevance of the theme in the literature of the area. It was noted that the most productive authors originate from post-graduation programs in IS, but do not develop their research on these programs, although they communicate their studies in journals and specific events in Information Science. There was also a core of theoretical studies on memory, a trend unidentified in the international literature. The study found the appropriation concept of memory for Information Science in Brazil, in only one aspect identified in international literature: the social aspect. This appropriation has proven to be more directly influenced by the academic background of issuers of messages than by production context.

Keywords memory; Information Science; Archival Science

Introduo

As limitaes da memria humana levaram o homem a buscar em recursos externos as chamadas memrias artificiais, a compensao para o esquecimento. A necessidade de possibilitar o acesso aos registros por ele produzidos no decorrer do tempo levou criao das chamadas instituies de memria que deveriam preservar os registros do conhecimento humano nas suas mais diversas formas de materializao: arquivos, bibliotecas e museus. Da mesma forma, o desenvolvimento e a sistematizao de determinadas prticas utilizadas para a conservao e o acesso a esses registros deram origem a novos campos do saber: Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia. Essas disciplinas estabelecem diretrizes e parmetros para as prticas profissionais relacionadas aos registros de memria - no caso, os documentos - e reconhecem a funo social desempenhada por seus profissionais na sua preservao e divulgao.

No incio do sculo XX, o crescimento da produo dos registros de informao e a necessidade de facilitar o acesso ao conhecimento acumulado levaram a uma concepo mais ampla das prticas documentais, dando origem Documentao proposta por Paul Otlet e Henri La Fontaine. O princpio monogrfico proposto por Otlet em seu Trait de Documentation. Le livre sur le livre. Thorie et pratique (1934) pressupe a possibilidade de dissociao entre dois elementos constituintes do documento: suporte e informao.


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Aps o fim da Segunda Guerra Mundial, as transformaes sociais e as inovaes tecnolgicas abrem espao para o surgimento de novas reas de estudo, entre elas a Cincia da Informao, que chamou para si a tarefa de estudar e propor solues para os problemas relacionados transferncia da informao. Nesse contexto, a Documentao desponta como uma das bases para o desenvolvimento da CI, em que a relevncia do contedo sobre o suporte fsico ser acentuada (ROBREDO, 2003).

Ao definir a informao como seu objeto de estudo, a CI amplia as possibilidades de aproximao com outras reas do conhecimento que passam a contribuir para a conformao e institucionalizao da rea, desde a dcada de 1950 at os dias atuais. Essa diversidade de influncias permite pressupor possibilidades tambm diversas na abordagem do tema memria, nas suas mltiplas dimenses.

O contexto

Neste estudo, adotamos como quadro de referncia os trabalhos de Wersig e Neveling, que advogam a funo social da Cincia da Informao, secundados por Zygmunt Bauman, que ressalta os traos de efemeridade e liquidez da sociedade ps-moderna. O pensamento desses autores conduz a uma situao ambgua, na qual caberia CI atender s demandas de uma sociedade que valoriza o efmero e a velocidade, em detrimento da permanncia e, consequentemente, da construo de uma memria social.

Wersig e Neveling (1975), em seu The phenomena of interest to information science, advogam como objetivo da CI sua responsabilidade social na transferncia do conhecimento para aqueles que necessitam. Entendemos que essa responsabilidade pressupe o acesso assncrono informao, ou seja: informaes geradas no passado, disponibilizadas no presente, permitindo novas utilizaes e a construo de novos conhecimentos, agora ou no futuro. Nesta perspectiva, a memria emerge como tema de estudo de relevncia para a Cincia da Informao.

Zygmunt Bauman analisa a sociedade contempornea a partir da percepo das caractersticas do que ele define como vida lquida e modernidade lquida. Essas caractersticas so o efmero, a fluidez e a velocidade. Numa sociedade com essas caractersticas, as experincias passadas e a tradio acabam se tornando irrelevantes. A rpida incorporao de novos padres, novas metas, enfim, a adeso modernidade, mais do que desejvel, a nica forma de garantir a sobrevivncia. Bauman ressalta, tambm, as implicaes da regra universal do descarte. Na sociedade lquido-moderna, nada pode reivindicar a condio de perenidade, tudo descartvel e rapidamente substitudo: objetos, objetivos, relaes, identidade. Diante desse quadro, a funo social da memria na construo e transmisso do conhecimento, parece extempornea. O mesmo poderia ser dito de arquivos, bibliotecas e museus, as chamadas instituies de memria, socialmente legitimadas e compreendidas como espaos dedicados ao passado. Cabe aqui, portanto, uma reflexo. Se, como propunha Wersig, a CI deve centrar esforos para responder s demandas da sociedade, pode-se questionar: como a Cincia da Informao vem lidando com as necessidades informacionais dessa sociedade, em constante movimento de renovao? Nesse contexto, cabe a preocupao com o tema memria no escopo da CI? Ao falar de memria, do que fala o cientista da informao? Da preservao dos registros


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informacionais? Da influncia dos processos cognitivos na representao e recuperao da informao? Da utilizao de tecnologias de informao?

A sociedade do efmero, na qual se defrontam questes de ordem ideolgica, tica, econmica e tecnolgica, parece reforar a necessidade de tornar explcitas as concepes de memria que permeiam o conhecimento produzido pela Cincia da Informao. Isto talvez ajude a entender o papel que a rea pretende, ou deveria pretender desempenhar no processo social de construo da memria.

A pesquisa

A diversidade de aspectos relativos aos processos informacionais implicados nessa temtica e a interdisciplinaridade caracterstica da CI levaram formulao do problema que tentamos responder na pesquisa: como o conceito de memria apropriado e reformulado no mbito da CI, no Brasil, na perspectiva do seu objeto especfico, a informao? Apesar do recorte geogrfico adotado, pareceu-nos adequado formular a hiptese de que a apropriao do conceito de memria no conhecimento cientfico produzido pela Cincia da Informao no Brasil acompanha o tratamento dado ao tema na literatura internacional da rea. Considerando dois aspectos caractersticos da Cincia da Informao a interdisciplinaridade e o perfil diversificado de seus profissionais construmos, ainda, uma segunda hiptese. Ou seja, a formao acadmica dos cientistas da informao (emissores das mensagens) e o contexto no qual esse conhecimento produzido (local de onde partem as mensagens) tambm influenciam a maneira pela qual o conceito de memria apropriado e reformulado pela CI no Brasil. As respostas a essas hipteses nos permitiriam compreender como a Cincia da Informao se apropria de conceitos e os reformula, partindo do caso especfico do conceito de memria.

Nesse sentido, pautamo-nos na perspectiva de Wersig, segundo a qual, para estabelecer suas estratgias de ao, a CI deve construir uma estrutura terica a partir da interligao de modelos cientficos e de conceitos comuns (por ele denominados interconceitos) redesenhados para seus objetivos, tecendo uma rede conceitual. Nessa rede, os conceitos funcionariam como atratores de materiais de outros campos cientficos para a estrutura cientfica da informao, onde seriam reestruturados (WERSIG, 1993).

Assim sendo, estabelecemos os seguintes objetivos especficos: Identificar os atratores do conceito de memria na Cincia da Informao.

Analisar as possveis apropriaes e reformulaes do conceito de memria na produo intelectual dos cientistas da informao no Brasil.

Verificar se a produo de trabalhos sobre memria est relacionada rea de graduao dos autores (o emissor, quem fala) e/ou ao programa de ps-graduao em CI nos quais os trabalhos foram produzidos (o contexto de produo, de onde se fala).

Como procedimento, adotamos a pesquisa documental e bibliogrfica (GIL, 1999) e, como mtodo, a anlise de contedo (BARDIN, 2004). Na anlise dos dados, utilizamos, tambm, a


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definio de conceito de Dahlberg: unidade de conhecimento que surge pela sntese dos predicados necessrios relacionados com determinado objeto (DAHLBERG, 1978). A coleta dos dados e sua anlise quantitativa foram viabilizadas pelo Corpgrafo1, plataforma de anlise sobre corpora, desenvolvida para produo de recursos lingusticos em suporte informtico, que disponibiliza um conjunto de ferramentas voltadas para a pesquisa terminolgica na lngua portuguesa. O Corpgrafo permite, aos seus usurios, a criao de seu corpus pessoal e a organizao dos contedos dos arquivos em diversos corpora.

Para a identificao dos conceitos atratores e das apropriaes e reformulaes do conceito de memria na literatura analisada, optamos por pesquisar os termos mais frequentes nos corpora e as seguintes caracterizaes do termo memria a outros termos:

Associaes diretas, utilizando as expresses memria e e e memria.

Adjetivaes, acrescentando-se um tomo ao termo memria. Extenses, utilizando as expresses memria de e de memria.

A partir da reviso de literatura, optamos por trilhar o caminho visualizado por Smit e Tlamo (2006) em texto sobre sistemas de recuperao de informao, no qual as autoras aplicam as noes de memria identificadas nas propostas de Paul Otlet e Vannevar Bush. Considerando ser, este, um ponto de partida promissor, utilizamos as abordagens identificadas nos estudos desses autores para definio das categorias aqui adotadas. Desta forma, os documentos constitutivos dos corpora foram classificados nas categorias preestabelecidas a partir dos seguintes critrios:

Categoria 1 - Memria humana: artigos que, ao abordar o tema memria, dirigem seu foco para a faculdade humana de conservar, recordar e transmitir informaes, sentimentos e experincias, bem como sua relao com os processos cognitivos.

Categoria 2 - Memria artificial: artigos que tm como foco a memria exteriorizada como extenso da memria humana, uma memria adicional possibilitada por recursos tecnolgicos, ou um procedimento tcnico que permite sua fixao e facilita sua recuperao, seja uma tcnica mnemnica, um registro escrito ou um disco rgido.

Categoria 3 - Memria social: artigos cujo foco recai sobre os registros da informao como memria socialmente construda, representada e compartilhada por um grupo, estejam eles institucionalizados (compondo os acervos de arquivos, bibliotecas e museus) ou no.

Foram consideradas, como universo, as seguintes fontes de informao:

Base Library and Information Science Abstracts (LISA).

1 Sobre o Corpgrafo, ver: Belinda et al. Introduzindo o Corpgrafo: um conjunto de ferramentas para criar corpora

especializados e comparveis e bases de dados terminolgicas. Terminmetro - Nmero especial n 7 - A terminologia em Portugal e nos pases de lngua portuguesa em frica (2005), p. 61-62. Tomamos conhecimento dessa plataforma durante o estgio da doutoramento realizado na Universidade do Porto, sob a superviso da professora Fernanda Ribeiro.


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Artigos dos peridicos nacionais especializados em Cincia da Informao.

Anais dos Encontros Nacionais de Pesquisa em Cincia da Informao (Enancib).

Teses e dissertaes defendidas nos programas de ps-graduao em Cincia da Informao (PPGCIs) existentes no Brasil.

Foram definidos dois corpora distintos: o primeiro, composto pelos artigos referentes ao tema memria identificados na Base LISA; o segundo, composto pelos documentos referentes ao tema identificados nas fontes de informao referentes literatura nacional - artigos de peridicos, comunicaes dos Enancibs e teses e dissertaes.

Os recortes estabelecidos foram o marco temporal, de 1972 a 2005, e a ocorrncia dos descritores: memo, mnemo, memria e memory, no caso da base LISA. A ocorrncia nica de qualquer um desses descritores (unidade de registro) nos campos ttulo, palavras-chave e/ou assunto dos documentos (unidade de contexto) foi o indicador utilizado para sua seleo.

Corpus Base LISA: a partir da leitura dos resumos, os documentos foram analisados quantitativamente. Em seguida, a partir das abordagens identificadas nos trabalhos de Otlet e Bush, adotados como textos-base nesta anlise, os documentos foram classificados nas categorias Memria Humana, Memria Artificial e Memria Social.

Perodos / Categorias

1975-1979

1980 -1984

1985 -1989

1990 -1994

1995 -1999

2000 -2005

Total de artigos

Categoria 1 M. Humana

1 4 1 2 3 7 18

Categoria 2 M. Artificial

2 5 8 21 27 26 89

Categoria 3 M. Social

0 0 0 22 35 39 96

Total 3 9 9 45 65 72 203

Tabela 1: Artigos sobre memria na base LISA x categoria (1975 2005) Fonte: elaborao prpria, a partir da base LISA

Os trabalhos que abordam o tema memria representam 0,05% do total de trabalhos indexados. Considerando a abrangncia da base LISA (cerca de 440 peridicos produzidos em mais de 60 pases) e o percentual obtido, temos uma idia do carter perifrico do tema na Cincia da Informao. Com relao s categorias estabelecidas, observa-se que, das duzentas e trs (203)


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referncias identificadas, noventa e seis (96) abordam o tema memria numa perspectiva social, o que representa 47,3% do total do corpus.

O perodo de 1975 (ano da primeira referncia identificada na Base LISA) a 2005 foi dividido em seis quinqunios aleatrios, sendo que o ltimo perodo soma seis anos. Essa diviso permitiu observar melhor a distribuio de trabalhos no recorte temporal da pesquisa.

No perodo de 1990-1994, as alteraes quantitativas so evidentes: o nmero de trabalhos sobre memria (45) mais que o dobro dos trs perodos anteriores (21). O nmero de trabalhos relativos memria artificial (21) quase trs vezes maior do que o total de oito (8) registrados no perodo anterior. Aparecem os primeiros artigos com foco na abordagem social da memria, cujo total (22) j supera o das outras duas categorias. A partir de ento, essa abordagem permanece majoritria, at 2005. A anlise do corpus referente LISA permitiu identificar as possibilidades visualizadas em Otlet e Bush, evidenciando, tambm, estudos na Cincia da Informao passveis de replicao nas pesquisas desenvolvidas no Brasil.

Corpus Amostra 1: denominou-se Amostra 1 o conjunto de setenta e seis (76) documentos representativos da produo brasileira, resultante dos recortes adotados, conforme indicado na tabela 2.

Fonte documental Total Sobre memria % sobre o total

Artigos de peridico 2.302 27 1,17

Comunicaes do Enancib 685 30 4,38

Teses e dissertaes 1.287 19 1,48

Total de documentos 4.274 76 1,78

Tabela 2: Trabalhos sobre memria na produo cientfica da rea de CI no Brasil (1972/2005) Fonte: elaborao prpria

Observa-se que o carter perifrico identificado no corpus referente literatura internacional repete-se na literatura produzida no Brasil. Tal como verificado no mbito internacional, na literatura nacional, a categoria dominante , tambm, a Categoria 3. No entanto, enquanto no corpus referente LISA existe um equilbrio entre os percentuais das Categorias 2 e 3, na Amostra 1, a Categoria 3 rene 81,6% dos trabalhos do corpus e a Categoria 2 contabiliza apenas 11,8%.

Em seguida, sobre a Amostra 1, foi efetuado um novo recorte, utilizando-se como parmetro a existncia de vnculo institucional dos autores com os cursos de ps-graduao stricto sensu em


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Cincia da Informao, quando da realizao e divulgao dos trabalhos. O corpus resultante deste novo recorte foi denominado de Amostra 2.

Na Amostra 2, constituda por cinquenta e quatro (54) documentos, foram analisadas duas variveis referentes s condies de produo das mensagens: 1. A formao superior em nvel de graduao dos autores dos trabalhos (emissor); 2. A rea de concentrao dos programas qual os trabalhos esto vinculados (contexto).

A anlise dos corpora Amostra 1 e Amostra 2 permitiu identificar o termo informao como o termo mais citado, independentemente dos recortes efetuados. Considerando sua predominncia nas coocorrncias e associaes diretas obtidas, constatamos que informao , por excelncia, o atrator do conceito de memria no mbito da Cincia da Informao no Brasil. Cabe ressaltar que isso ocorre nas trs categorias analisadas.

Tanto o termo informao quanto o termo documento, segundo termo mais citado nos corpora analisados, so vistos como elementos propiciadores da construo da memria social ou memria coletiva. Outros termos a eles associados do a tnica dominante nos corpora referentes literatura nacional, como, por exemplo: instituio, social, biblioteca, cultura e histria, termos que tambm podem ser considerados como atratores do conceito de memria na CI.

Por outro lado, alguns termos recorrentes em estudos sobre memria em outras reas do conhecimento no apresentaram frequncia de citao significativa, tais como: esquecimento, lembrar, recordar, tempo e espao.

Os resultados obtidos com o Corpgrafo permitiram caracterizar os conceitos atratores nos corpora analisados, bem como classific-los nas categorias aqui estabelecidas:

Memria Humana informao, leitura, educao, catalogao, comunicao, escrita hipertexto, tecnologia

Memria Artificial informao, documento, organizao e representao do conhecimento, biblioteca, tecnologia, memria digital

Memria Social informao, instituio, documento, sociedade, preservao, identidade, cultura, cincia, histria, conhecimento

Tabela 3: Termos mais citados nas Amostras 1 e 2 x categorias

Fonte: elaborao prpria

Aps a anlise dos dados da Amostra 2, consideramos necessrio verticalizar a anlise qualitativa nas pesquisas de ps-graduao desenvolvidas na rea, visando a melhor compreenso das apropriaes e reformulaes do conceito memria. Para isso, foi criado um novo corpus denominado Teses e Dissertaes.


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Anlise das teses e dissertaes

As dezenove pesquisas componentes do corpus Teses e Dissertaes (T&D) referem-se ao perodo de 1972 a 2005, razo pela qual as linhas de pesquisa nas quais foram produzidas nem sempre correspondem s atuais linhas de pesquisa dos PPGCIs.

Verificou-se que apenas os programas das universidades UFRJ/Ibict, UFMG, USP e PUC Campinas registram teses e dissertaes no corpus analisado.

Foi possvel identificar a predominncia de autores com graduao em Cincias Sociais ou Humanas. Verificou-se, tambm, a presena majoritria de graduaes que tm o documento como objeto de trabalho: Biblioteconomia, Histria e Museologia correspondem formao de mais de 68% dos autores das pesquisas que compem esse corpus.

Os termos mais citados remetem a uma perspectiva social da memria, conforme observado nos corpora anteriormente analisados, sendo memria, informao e documento os termos mais citados. A famlia lxica memria mais frequentemente vinculada s famlias lxicas dos termos informao, instituio, cultura, documento e social, conforme se observa na tabela 4.

Famlias lxicas Total de frases com coocorrncia

informao 24

instituio 18

cultura 17

documento 14

social 13

cincia 11

histria 10

preservao 10

Tabela 4: Coocorrncias mais frequentes famlia lxica de memria no corpus T&D

Fonte: elaborao prpria, a partir dos dados fornecidos pelo Corpgrafo

As adjetivaes mais frequentes - institucional e cientfica - concentram-se em apenas trs documentos: as dissertao e tese de Iclia Thiesen e a tese de Vernica de Brito, sendo tambm, esta ltima, a nica a usar a adjetivao memria cientfica.


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Famlia lxica Adjetivaes Frequncia

memria institucional 6

memria cientfica 6

memria social 6

memria local 3

memria operria 2

memria cultural 2

memrias clandestinas 2

memria governamental 2

memrias coletivas 1

memria oficial 1

memria documentria 1

Tabela 5: Adjetivaes mais frequentes ao termo memria no corpus teses e dissertaes Fonte: elaborao prpria, a partir dos dados fornecidos pelo Corpgrafo

A adjetivao social utilizada por Silva, em sua dissertao sobre informao visual; por Irati, em sua dissertao sobre informao e msica no Brasil; e por Dodebei, em sua tese sobre o sentido e o significado do documento para a memria social, na qual a autora utiliza, tambm, as adjetivaes cultural e documentria. Todas as ocorrncias da adjetivao memria local esto no mesmo documento: a dissertao de mestrado de Zilda Kessel, que trata da construo da memria no contexto escolar, na qual a autora utiliza, ainda, a adjetivao memria cultural. Da mesma forma, as ocorrncias de memria operria ocorrem apenas na dissertao de Mrcia Cavalcanti, sobre a construo e o uso do Arquivo de Memria Operria do Rio de Janeiro, enquanto as ocorrncias de memria governamental esto na tese de Emlia Cruz sobre a utilizao de documentos eletrnicos pela administrao pblica no Brasil. As demais adjetivaes, clandestinas, coletivas e oficial, so utilizadas por Siaines de Castro, em sua tese sobre a institucionalizao de memrias coletivas.

As adjetivaes utilizadas parecem estar mais relacionadas delimitao do campo emprico de cada pesquisa do que a uma reformulao terica do conceito de memria propriamente dita.


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As associaes diretas concentram-se em alguns termos que reforam a associao da memria a aspectos sociais e aos registros de informao.

Famlia lxica Termo associado Frequncia

memria e informao 3

memria e identidade 2

memria e fotografia 2

memria e documento 1

memria e poder 1

memria e biblioteca 1

memria e arquivo 1

Tabela 6: Associaes diretas ao termo memria no corpus: teses e dissertaes


Nas extenses relacionadas na tabela 7, observa-se a presena de alguns termos que associam memria noo de processo, como, por exemplo: construo, recuperao, excluso, trabalho, dinmica e formao. Outros apontam relaes entre os registros de memria e espaos fsicos: arquivos, entidades, lugares, instituies.

Extenses Frequncia

construo, recuperao, excluso, trabalho, dinmica, formao da memria 8

arquivo, entidade, lugares, instituio de memria 5

preservao da memria 2

projeto(s) de memria 2

Tabela 7: Extenses mais frequentes ao termo memria no corpus: teses e dissertaes



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Ao procedermos classificao dos documentos do corpus Teses e Dissertaes verificamos que todos se encaixavam na Categoria 3, confirmando a posio hegemnica da pesquisa desenvolvida nos programas de ps-graduao em CI em torno da noo social da memria.

Com o objetivo de complementar a anlise realizada com o Corpgrafo, ampliamos a unidade de contexto, incluindo os seguintes elementos textuais das teses e dissertaes analisadas: introduo, referenciais tericos, concluses e referncias bibliogrficas. Durante a leitura, a presena do ndice ocorrncia de termos da famlia lxica memria e dos indicadores anteriormente definidos foram utilizados como guias.

A ampliao da unidade de contexto permitiu confirmar o que a anlise quantitativa indicava: alguns dos trabalhos no tm como objetivo principal o estudo da memria, razo pela qual apenas tangenciam o tema.

Alguns autores estabelecem uma relao hierrquica entre termos mais amplos, dos quais se apropriam, e termos mais restritos, com os quais delimitam a parcela de memria qual se referem, tanto em relao ao tipo de informao/documento, quanto abrangncia dessa parcela. o caso do conceito de memria coletiva, de Halbwachs, e o conceito de memria social de Nora, de Fentress e Wickham e de Le Goff. Uma vez apropriados, esses conceitos recebem vrias adjetivaes: memria arquivstica, memria documentria, memria operria, memria institucional, memria governamental, memria cientfica, memria local, entre outras.

Os autores mais citados nas abordagens do tema memria so historiadores (Jacques Le Goff, Ecla Bosi, Pierre Nora, Henri-Pierre Jeudy, Ulpiano Bezerra de Menezes), socilogos (Maurice Halbwachs, Michel Pollack) e filsofos (Henri Bergson). Otlet e Bush, quando utilizados, so citados em revises bibliogrficas sobre a CI e no relacionados questo da memria.

O conceito de memria coletiva de Halbwachs utilizado em dez trabalhos. Alguns desses trabalhos apresentam uma viso crtica sobre o papel da memria como elemento de coeso social, conforme a viso desse autor, valendo-se, para isso, dos estudos de Le Goff, Nora, Pollak e Jeudy. Exemplo disso a tese de Siaines de Castro (UFRJ/Ibict, 2002) que assume uma relao de negao entre a noo de memria coletiva como fator de agregao social defendida por Halbwachs e as vises de Pollak, Jeudy e Nora, que trabalham a partir da perspectiva da disputa entre memrias concorrentes. Nesse estudo, a autora tambm estabelece uma relao de oposio entre as adjetivaes memria clandestina e memria oficial. Sandra Gomes (UFRJ, 1996) e Mrcia Cavalcanti (UFRJ, 2002), em seus estudos sobre memria operria, estabelecem uma relao de identidade entre as expresses memria coletiva e memria social, utilizando, como referncias, os trabalhos de Halbwachs e Le Goff. Por outro lado, Vernica Brito (UFRJ, 2002), em seu estudo sobre a memria da Fundao Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), adota a posio de Fentress e Wickham, que utilizam a expresso memria social diferenciando-a do conceito de memria coletiva, na medida em que, ampliando a viso de Halbwachs, pressupe a existncia de uma conscincia individual autnoma que se soma a essa memria.

As pesquisas de Ivete Faria (USP, 1999), Zilda Kessel (USP, 2003), Aparecida Shikida (UFMG, 2005) e ngela Maria Barreto (USP, 2003) acrescentam, perspectiva de memria como construo social, aspectos relativos oralidade e aos discursos. Alm dos trabalhos de Halbwachs e Nora, as autoras utilizam os estudos de Ecla Bosi, como referncia.


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As pesquisas de Mrcio Silva (PUC Campinas, 1997) e Ricardo Hollanda (UFRJ/Ibict, 2003) relacionam a memria, especificamente, ao registro fotogrfico, mas suas pesquisas visam objetivos distintos. Hollanda ressalta a participao do produtor do documento na interpretao de imagens fotogrficas, visando elaborao de instrumentos de recuperao da informao mais completos. Silva desenvolve sua dissertao com foco na participao do profissional de arquivo na produo de acervos fotogrficos que, ao suscitarem lembranas, contribuem positivamente para a memria coletiva.

Nos estudos que adotam a perspectiva social da memria, a etapa do processo informacional mais citada e associada ao termo a preservao, a partir do pressuposto de que a preservao das informaes ou dos documentos possibilita a (re) construo de parte da memria de uma coletividade, seja um pas ou uma instituio. A organizao e a representao do conhecimento foram as atividades mais citadas nos estudos cujo foco a memria artificial. A memria humana foi associada ao processo de leitura efetuado durante o trabalho de catalogao.

Os locais nos quais os cientistas da informao exercem suas prticas arquivos, bibliotecas e museus considerados lugares de memria, bem como a memria das instituies, resultam em apropriaes dos conceitos de memria social e memria coletiva e no emprego de mltiplas extenses, tais como: instituies de memria, centros de memria, arquivos de memria e entidade de memria. Ainda referindo-nos s extenses, so constantes as referncias a uma dinmica da memria possibilitada pela informao registrada: construo, reconstruo, formao, manuteno, recuperao, preservao, conservao, valorizao, incorporao, interao, excluso e destruio da memria.

A anlise das teses e dissertaes permitiu identificar um ncleo de estudos conceituais nos quais constatamos iniciativas no sentido de reformulao do conceito de memria. Trata-se de trs teses desenvolvidas no programa da UFRJ/Ibict: Memria institucional: a construo conceitual numa abordagem terico-metodolgica (1997), de Iclia Thiesen, O sentido e o significado de documento para a memria social (1997), de Vera Dodebei, e A Ameaa: tempo, memria e informao (2004), de Geni Chaves Fernandes. Thiesen, em seu estudo para a construo do conceito de memria institucional, trabalha com o conceito de memria como movimento do tempo, sem utilizar adjetivaes, associaes ou extenses. A autora estabelece uma distino entre memria institucional e memria organizacional que, a nosso ver, merece ser desenvolvida no mbito da CI, tendo em vista os estudos que envolvem gesto da informao e gesto do conhecimento.

Vera Dodebei estabelece uma reformulao dos conceitos de memria social, memria cultural e documento. A autora entende memria cultural como resultado de uma interferncia seletiva sobre a memria social, atravs da qual os objetos so ressignificados, adquirindo o status de documento. Nesse aspecto, a autora entende que a memria cultural pode ser igualada memria institucional.

Geni Fernandes (2004) no promove efetivamente uma reformulao conceitual, mas apia-se nas temticas da memria e do tempo para analisar a informao como sucednea da verdade na sociedade contempornea, como algo que est disponvel e sempre mo, como um acabamento, uma resposta final.

Quanto aos contextos de produo, observamos que entre os programas de ps-graduao com registro de teses e/ou dissertaes sobre o tema, o nmero mais expressivo dez pesquisas - pertence ao PPGCI da UFRJ/Ibict, que no registra, atualmente, linha de pesquisa que explicite o


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tema em suas ementas, nem grupo de pesquisa sobre memria no Diretrio de Grupos de Pesquisa do CNPq.

As linhas de pesquisa nas quais foi produzida a maioria dos trabalhos aqui analisados, apesar de no explicitarem o termo memria, tm em comum o termo cultura ou social em sua denominao ou em sua ementa, configurando-se em espaos adequados ao desenvolvimento de estudos sobre o tema, especialmente queles que utilizam o conceito numa perspectiva social.

No entanto, tendo em vista o baixo nmero de pesquisas identificadas, podemos questionar se os programas de ps-graduao em CI constituem-se em espaos favorveis produo cientfica sobre memria. interessante destacar que, apesar de egressas do PPGCI da UFRJ/Ibict, programa que mais produziu pesquisas sobre o tema, as autoras mais produtivas no atuam nesse programa. Iclia Thiesen e Vera Dodebei so vinculadas ao Programa de Ps-Graduao em Memria Social da Unirio. Ana Lcia Siaines de Castro atua como docente no curso de graduao em Museologia e no Programa de Ps-Graduao em Museologia e Patrimnio da mesma universidade2.

Cabe ressaltar, ainda, que no PPGCI da UFRJ/Ibict foram produzidas as teses do que denominamos de ncleo de estudos conceituais, constitudo pelos trabalhos de Dodebei, Thiesen e Fernandes, todas vinculadas Unirio, durante o perodo de realizao desta pesquisa.

Apesar de os bibliotecrios representarem 50% da amostra, a proporo de 1,2 trabalhos por autor no mais representativa que a dos autores egressos de outras graduaes. A proporo entre os muselogos, de 3,6 trabalhos por autor, a que se destaca das demais, concentrando os autores mais produtivas.

Consideraes finais

Os resultados obtidos na anlise dos corpora permitiram a constatao de vrios aspectos significativos.

A primeira constatao foi o carter perifrico do tema, tanto na produo internacional, quanto na produo nacional. Foi possvel identificar uma tendncia de crescimento na ocorrncia do tema durante a dcada de 1990. Consideramos necessrio contextualizar esta tendncia na cultura de memria analisada por Huyssen (2000). Sobre esse aspecto, destacamos o Programa Memria do Mundo, institudo pela Unesco, em 1992. Sua relevncia ficou evidente na anlise da literatura internacional, tendo em vista o nmero de experincias de preservao do patrimnio documental por ele proporcionadas.

Constatamos, na literatura internacional, o interesse pelo estudo de novos suportes para o registro da informao quanto capacidade de armazenagem e adequao das mdias aos sistemas de informao, resultando no aumento da produo de estudos relacionados memria artificial, especialmente no perodo de 1975 a 1989. Entretanto, esse interesse no repercutiu na produo

2 Os vnculos das pesquisadoras citadas correspondem aos dados disponveis na Plataforma Lattes,

, durante o perodo de janeiro a junho de 2009.


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cientfica nacional na qual, somente a partir de 2000, aparecem estudos relacionados organizao do conhecimento e ao uso de bases de dados, tangenciando o tema memria.

A memria como capacidade humana resultou na possibilidade menos explorada na Cincia da Informao, tanto na literatura internacional quanto na nacional.

Os resultados permitiram identificar o que, talvez, possamos chamar de uma tendncia majoritria no mbito da Cincia da Informao. Os trabalhos dessa tendncia relacionam memria e informao, considerando especialmente as informaes registradas (documentos), nos mais variados suportes, como elementos de relevncia para a memria social, em vrios nveis: local, regional ou nacional. Essa relevncia justificada pela possibilidade de (re)construo da memria e da formao de identidade a partir desses registros, o que exige sua organizao, preservao e divulgao. Essas operaes incluem o aspecto seletivo, que envolve o binmio lembrar e esquecer, em que a deciso sobre o que constituir a memria compreendida como uma disputa, ou uma negociao, entre grupos sociais, permeada por questes polticas e ideolgicas por vezes antagnicas. A preservao dessa memria associada, tambm, a espaos fsicos socialmente institudos e legitimados para sua custdia, tais como arquivos, bibliotecas, museus e centros de documentao.

Na literatura nacional, identificamos o que chamamos de ncleo de estudos conceituais sobre memria, sem correspondente na literatura internacional. Somente aps a ampliao da unidade de contexto das teses e dissertaes foi possvel identificar, com mais clareza, essa especificidade. Por esta razo, entendemos que esses estudos sugerem uma nova categoria no visualizada nos textos de Otlet e Bush.

Consideramos, portanto, que a anlise comparativa entre as literaturas internacional e nacional confirmou, parcialmente, a primeira hiptese desta pesquisa, na medida em que os corpora referentes a ambas apresentam similaridades e singularidades.

Pautados em Wersig e visando responder ao problema motivador desta tese, identificamos os atratores do conceito de memria na CI, verificando que esses atratores relacionam-se com o objeto de estudo da rea, com as etapas dos processos informacionais e com os espaos de prtica profissional.

Verificamos que seja qual for a abordagem adotada memria humana, artificial ou social, a informao, como objeto de estudo, o atrator, por excelncia, do conceito de memria no mbito da Cincia da Informao no Brasil.

Na busca de referenciais tericos para o embasamento de suas pesquisas, os cientistas da informao, ao abordar o tema memria, recorrem, com maior frequncia, a autores da Histria e da Sociologia.

Os autores da Cincia da Informao promovem uma adjetivao diversificada do termo memria como forma de apropriao, sem que isso implique, necessariamente, a sua reformulao. Essas adjetivaes so, em geral, delimitaes dos objetos de pesquisa ou dos contextos estudados. As iniciativas no sentido da sua reformulao foram identificadas nas pesquisas que compem o que chamamos de ncleo de estudos conceituais.

Quanto aos PPGCIs, destaca-se o nmero irrisrio de estudos sobre memria neles desenvolvidos, o que nos remete questo colocada no incio deste artigo relativa pertinncia


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de estudos sobre o tema na Cincia da Informao, considerando as reflexes de Bauman sobre a fluidez e o efmero, caractersticas da ps-modernidade.

A disperso dos documentos entre os programas e, no mbito de cada programa, entre suas linhas no permitiu identificar um espao preferencial ao desenvolvimento de pesquisas sobre o tema memria. Por outro lado, sendo memria um interconceito, adotando a terminologia de Wersig, compreensvel que seja estudado em suas vrias facetas. No entanto, a disperso aqui registrada no se faz acompanhar de uma diversidade de olhares sobre o tema.

Observamos que a tendncia de crescimento na produo de estudos sobre o tema memria acentua-se conforme se amplia o escopo do que se entende por Cincia da Informao. Dessa forma, nos programas de ps-graduao em CI essa tendncia menos significativa do que nos ENANCIBs, que incluem pesquisas desenvolvidas em programas de ps-graduao de outras reas. Da mesma forma, nos peridicos de Cincia da Informao, a tendncia de crescimento mais significativa do que nos programas de ps em CI e nos ENANCIBs, como se observa na figura 1.

Figura 1: Trabalhos sobre memria: tendncias

Fonte: elaborao prpria

A varivel relacionada formao dos emissores das mensagens influi de forma mais decisiva na opo pelo tema. Os produtores dos trabalhos so, majoritariamente, egressos de cursos fortemente vinculados ao documento, que integram as cincias humanas e sociais, como a Biblioteconomia, a Histria e a Museologia. Esse parece ser o fator determinante na tendncia ao desenvolvimento de estudos a partir de uma abordagem social da memria.

Trabalhos sobre memria: tendncias

-2

0

2

4

6

8

10

12

14

16

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

ano

quan

tidad

e

Enancib

Artigos

Teses e dissertaes


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Retomando o modelo de construo do conhecimento de Wersig, constatamos que o conceito de memria ainda no foi trabalhado de forma efetiva no mbito da Cincia da Informao. No caso das abordagens humana e artificial do conceito, podemos dizer que, considerando as adjetivaes, associaes e extenses identificadas, no ultrapassamos o primeiro passo, no qual os conceitos genricos devem ser questionados quanto aos seus potenciais objetivos na rea e, ento, reformulados. No caso dos estudos sobre memria artificial, que envolvem diretamente as tecnologias de informao, consideramos o resultado preocupante, tendo em vista as consequncias que a ausncia desses estudos pode acarretar.

A fragmentao dos trabalhos entre os contextos de produo e seus produtores indica que a Cincia da Informao, no Brasil, ainda no se posicionou com relao relevncia do conceito de memria para a rea. Se a produo cientfica representa, por si s, um posicionamento, entendemos que a rea est deixando de explorar as possibilidades antevistas por Otlet e Bush, limitando sua capacidade de responder adequadamente s demandas da sociedade na sua busca por conhecimento.

Artigo recebido em 02/02/2011 e aprovado em 18/02/2011.

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O Conceito de Memória Na Ciência Da Informação

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