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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS Helga Nanci Tainha RIO DE JANEIRO 2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O CONTRATO DE

DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS

Helga Nanci Tainha

RIO DE JANEIRO 2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

HELGA NANCI TAINHA

O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O CONTRATO DE

DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS

Monografia apresentada como exigência final do curso de Pós-Graduação em Direito do Consumidor

Orientador: Sérgio Ribeiro da Silva

Rio de Janeiro

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A meus pais e meus irmãos pelo

incentivo e apoio durante toda a

elaboração deste trabalho, especialmente,

a minha irmã pelo material coletado na

Petrobrás Distribuidora-BR, local onde

trabalha e

a minha filha pela incansável ausência

no dia-a-dia.

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SUMÁRIO

I - INTRODUÇÃO....................................................................................................... 04

1.1 - Histórico .............................................................................................................. 05 1.2 - Fonte Constitucional............................................................................................ 07 1.3 - O Sobredireito...................................................................................................... 08 1.4 - Microssistema Legislativo.................................................................................... 09 1.5 - Princípios do Código de Defesa do Consumidor................................................. 10

II - OBJETO DA TESE................................................................................................ 12

III - O CONCEITO JURÍDICO DE FORNECEDOR.................................................. 14

IV - O CONCEITO JURÍDICO DE CONSUMIDOR................................................. 17 4.1 - O conceito legal de consumidor........................................................................... 17 4.2 - A coletividade de consumidores.......................................................................... 18 4.3 - As vítimas de acidente de consumo..................................................................... 19 4.4 - Os expostos às práticas comerciais abusivas........................................................ 20

V - A PESSOA JURÍDICA DO CONSUMIDOR....................................................... 21 5.1 - A Teoria Finalista................................................................................................. 21 5.2 - A Teoria Maximalista........................................................................................... 24

VI - A ANP - ÓRGÃO DE REGULAMENTAÇÃO E CONTROLE......................... 26

6.1 - Da Distribuição de produtos Combustíveis.......................................................... 28 6.2 - Relacionamento Comercial entre Distribuidora e Grandes Consumidores.......... 30 6.3 - Relacionamento Comercial entre Distribuidora e órgãos públicos...................... 31 6.4 - As Distribuidoras e os Postos de Serviços de Revenda varejista......................... 32

6.4.1 - Do sistema nacional de Abastecimento de Combustíveis Automotivos..... 33 6.4.2 - Os aspectos jurídicos da revenda................................................................ 35

VII - A RESPONSABILIDADE DAS DISTRIBUIDORAS E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.................................................................................... 38

7.1 - A Tutela Administrativa...................................................................................... 39 7.1.2 - Legislação Protetiva................................................................................... 39 7.1.3 - A Defesa no Plano Administrativo............................................................ 40 7.1.4 - Sanções cabíveis no Plano Administrativo................................................ 42 7.1.5 - O Processo Administrativo........................................................................ 44

7.2 - A Tutela no Plano Penal..................................................................................... 44 7.2.1 - A Criminalização de Condutas.................................................................. 45 7.2.2 - Regime Sancionatório................................................................................ 47

7.3 - A Tutela no Plano Civil...................................................................................... 49 7.3.1 - Da Responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. A teoria do "risco

criado".......................................................................................................................... 50 7.3.2 - Da responsabilidade objetiva...................................................................... 51 7.3.3 - Da responsabilidade do comerciante.......................................................... 52 7.3.4 - Pressupostos da responsabilidade............................................................... 53 7.3.5 - Exclusão da responsabilidade..................................................................... 54 7.3.6 - Da Inversão do ônus da prova.................................................................... 55

VIII - Conclusão........................................................................................................... 56 Bibliografia................................................................................................................... 57

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I – INTRODUÇÃO

Esta monografia tem como objetivo a análise do contrato de distribuição de

combustíveis sob o prisma do Código de Defesa do Consumidor. Dentre as diversas

situações probatórias na relação consumerista, cumpre distinguir e examinar como se

opera a distribuição de combustíveis.

Nos termos da determinação constitucional, a expedição do Código de Defesa

do Consumidor responde a antiga exigência da economia de mercado, que se ressentia

de instrumental adequado para contrabalançar os desequilíbrios existentes entre as

grandes concentrações empresariais e os consumidores em geral, na aquisição e na

fruição de bens e de serviços para a satisfação de necessidades humanas primárias.

Aparelhada na relação de defesa da concorrência com sistema jurídico próprio

não se encontrava, no entanto, a legislação brasileira, sob o outro pólo da relação de

consumo, posicionada em condições compatíveis com a magnitude dos valores nela

envolvidos e exatamente com respeito à parte economicamente mais fraca.

Completa-se, assim, o binômio em que repousa o regime jurídico da economia

do mundo liberal, a saber, a defesa da concorrência e a proteção do consumidor,

permitindo-se, de um lado, o respeito aos direitos dos competidores e, de outro, o do

adquirente de bens e de serviços colocados no mercado.

No Brasil, a Constituição de 1988, sensível às tendências modernas do direito

público, incorporou, em suas normas programáticas, a proteção ao consumidor,

erigindo-o a princípio constitucional, fato este que promoveu a grande tomada de

consciência ao tratamento de tão específico e essencial tema; assumindo o Estado, em

contraposição ao sistema do liberalismo econômico, a obrigação de intervenção na

ordem econômica, para promover a defesa do consumidor. Em termos legislativos, essa

promessa foi cumprida com a edição do Código de Defesa do Consumidor, através da

Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, vigente a partir de março de 1991, dando

cumprimento à disposição do art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias.

Informado por princípios próprios e estratificado sob a forma de normas de

ordem pública, o Código busca o equilíbrio na relação de consumo, conferindo aos

consumidores o instrumental de defesa compatível com as necessidades do mundo

presente.

Historicamente, o Código vem romper o pensamento individualista, liberal da

concepção clássica do contrato, representando a evolução e a positivação da Teoria da

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Função Social do Contrato. Assim, de uma visão liberal e individualista do Direito

Civil, passamos a uma visão social, pela qual rompe-se o dogma de que assegurando a

autonomia de vontade e a liberdade contratual se alcançará, automaticamente, a

necessária harmonia e eqüidade nas relações contratuais de consumo.

Ao Estado coube, portanto, intervir nas relações de consumo, reduzindo o

espaço para a autonomia de vontade, impondo normas imperativas de maneira a

restabelecer o equilíbrio e a igualdade de forças nas relações entre consumidores e

fornecedores, como denota o art. 1º da Lei n.º 8.078/90.

Desde a promulgação do Código, tem-se observado a proliferação de algumas

polêmicas quanto à sua interpretação, em especial, quanto ao âmbito de sua incidência.

O que se pretende neste trabalho é a demonstração das normas e das decisões

jurisprudenciais que influenciam direta ou indiretamente as atividades desempenhadas

pelas empresas distribuidoras de produtos combustíveis, seja no exercício de

comercialização por atacado com a rede varejista ou com os grandes consumidores de

combustíveis, lubrificantes, asfaltos e gás liqüefeito envasado, exercida por empresas

especializadas, sem querer, contudo, exaurir tão vasto tema.

1.1 – Histórico

Foi nos Estados Unidos e depois na Europa Ocidental que surgiram as

primeiras normas próprias à defesa de consumidores, mas foi em 1985 que se deu o

avanço mais importante na matéria. Naquele ano a ONU baixou, através da Resolução

n.º 39/248, de 16 de abril de 1985, normas sobre a proteção do consumidor,

disciplinando, de forma detalhada, o tema, oportunidade em que reconheceu

expressamente a vulnerabilidade do consumidor ao pregar "que os consumidores se

deparam com desequilíbrios em termos econômicos, níveis educacionais e poder

aquisitivo".

Antes da manifestação da ONU, diversos países já cuidavam do tema, através

da criação de leis e de órgãos protetivos aos interesses relacionados aos contratos de

consumo. À guisa de exemplificação, citamos a figura do Ombudsman1, oriunda dos

países escandinavos, precisamente da Suécia. De início, o ombudsman tinha a função de

exercer o controle da Administração Pública, sem jurisdição, posteriormente, com o

sucesso da experiência, teve suas atividades ampliadas, de modo a atender interesses

1 Sobre o tema conferir artigo de Caio Tácito, publicado na Revista de Direito Administrativo - vol. 171/15 - (Ombudsman - O Defensor do Povo).

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coletivos e difusos, atinentes ao consumidor, liberdade econômica, imprensa, saúde

pública etc.

No Brasil, destacamos o surgimento em 1978 do PROCON de São Paulo, como

o primeiro órgão de defesa do consumidor, através da Lei Estadual n.º 1.903. Em nível

federal, foi criado em 1985 o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, que tinha

como função assessorar o presidente da República na formulação e condução da política

nacional de defesa do consumidor. Contudo, este órgão colegiado foi extinto no início

do Governo Collor de Mello e substituído pelo Departamento Nacional de Proteção e

Defesa do Consumidor, na estrutura do Ministério da Justiça.

No entanto, a vitória mais importante nesse campo, fruto dos reclamos da

sociedade e da imposição da Carta constituinte de 1988, foi à promulgação da Lei n.º

8.078, de 11.09.1990, que instituiu o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que

desde a sua vigência já foi alterado por cinco leis e algumas medidas provisórias (Lei

n.os.: 8.656/93; 8.703/93; 8.884/94; 9.008/95; 9.298/96; Medida Provisória n.º 550/94 e

sucessivas reedições até a convalidação na Lei n.º 9.870/99).

Temos, portanto, no Brasil, que a Defesa do Consumidor tem como

fundamento de validade a Constituição da República, inserindo-o como direito

fundamental nos termos do inciso XXXII do art. 5º, razão pela qual encontra-se

protegido com a "feliz couraça" que o parágrafo quarto do art. 60 lhe atribuiu,

conferindo-lhe a natureza de cláusula pétrea.

A proteção constitucional atribuída à defesa do consumidor, parte da premissa

da existência da vulnerabilidade do consumidor diante do fornecedor. Até porque, a

contrario sensu, se o consumidor estivesse em igualdade de condições com o

fornecedor, ciente de seus direitos e deveres, informado e em igualdade de condições

econômicas, técnicas e fáticas, atuando de igual para igual, não se justificaria a tutela

estatal.

Como todo direito moderno se dirige no sentido de equilibrar as relações

contratuais, o Código de Defesa do Consumidor, em consonância com os avanços

obtidos no exterior, em especial nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, surge como

um reforço à posição jurídica do consumidor, compensando a sua fragilidade perante o

fornecedor, na busca do justo equilíbrio de forças, a exemplo do ocorrido com as

relações de contratos de trabalho, a partir da Consolidação das Leis Trabalhistas.

Isto porque as relações de consumo traçadas pelo Código Civil, sistema

jurídico oriundo do liberalismo, não trouxe resposta eficiente para a solução de

problemas que decorrem das crises de relacionamento e de lesionamento suportadas até

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então pelos consumidores, visto tal norma ter se estruturado com base na noção de

paridade entre as partes, de cunho abstrato.

A par dessa desigualdade, a Lei 8.078/90 em seus artigos 4º e 5º cria a Política

Nacional das Relações de Consumo, reconhecendo expressamente a vulnerabilidade do

consumidor no mercado de consumo. No entanto essa vulnerabilidade não se cinge à

vulnerabilidade econômica, abrangendo, também a técnica e a fática.

Com a publicação do Código de Defesa do Consumidor algumas vozes se

levantaram, temerosos de que ele produzisse uma recessão na produção econômica,

tamanha a proteção dada ao consumidor e os riscos que fazia desabar sobre o

fornecedor.

No entanto, verificou-se que com a aplicação do Código, o mercado ficaria

mais competitivo entre as empresas que investissem em qualidade, pois a percepção do

consumidor iria sofrer alterações, como de fato ocorreu, hoje temos consumidores muito

mais conscientes e exigentes dos seus direitos, fazendo com que as empresas sérias e

sabedoras de seus deveres com relação aos consumidores, dentro da função social que

lhes é inerente, mantenham solidez no mercado.

Assim, uma vez impostas condutas rígidas, a legislação consumerista reforçará

o sistema de mercado, inibindo, em prol de todos, práticas deletérias aos princípios

éticos que devem nortear as atividades empresariais na defesa dos valores básicos da

personalidade humana.

1.2 – Fonte Constitucional.

A proteção ao consumidor foi agasalhada pela Carta Política de 1988, que

incorporou em suas normas programáticas as recentes tendências do direito público

moderno, consubstanciada no inciso XXXII, do artigo 5º, que “O Estado promoverá, na

forma da lei, a defesa do consumidor”, deu uma grande passo rumo à edição, mais de

dois anos depois, do Código de Defesa do Consumidor.

Esse resguardo faz-se necessário, na sociedade atual, visto que a produção e o

consumo se realizam em grande escala. A Constituição procura, pois, reforçar a defesa

do consumidor, de sorte que o fabricante deve arcar com maior ônus e responsabilidade,

na equação consumidor-produtor.

O Código de Defesa do Consumidor constitui-se num sistema autônomo e

próprio, sendo fonte primária, dentro do sistema da Constituição, para o intérprete.

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Ainda na seara constitucional, o inciso V do artigo 170 da Constituição

reafirma os objetivos do legislador constituinte originário na medida em que dispõe, de

forma expressa, o que se segue:

“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre

iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social, observados os seguintes princípios:

...

V – defesa do consumidor;”

Assim, não é desarrazoado afirmar que a Lei 8.078/90, embora lei ordinária no

que tange ao seu processo de formação legislativa, bem como à sua natureza jurídica,

detém uma vocação constitucional, eis que foi o próprio legislador constituinte

originário quem previu a sua edição, junto às demais espécies normativas reguladoras

da vida em sociedade neste país.

Dentro deste contexto, podemos afirmar que a defesa do consumidor não pode

ser encarada como instrumento de confronto entre produção e consumo, senão como

meio de compatibilizar e harmonizar os interesses envolvidos, dentro da Política

Nacional de Relações de Consumo, nos termos do Capítulo II da Lei n.º 8.078/90.

A inserção do princípio da defesa do consumidor dentro do Título da Ordem

Econômica e Financeira, traz a lume o fato de que o Estado deverá intervir na ordem

econômica para garantir a defesa do consumidor, em função de sua eleição a direito

fundamental (art. 5º, XXXII).

O ditame mais expressivo do zelo do constituinte transparece na definição dos

princípios gerais da atividade econômica.

No elenco de princípios que fundamentam a justiça social compõem-se, como

um binômio indissociável, a garantia da livre iniciativa e da liberdade da empresa a par

da preservação de valores essenciais, como a defesa do consumidor e a defesa do meio

ambiente (art. 170).

1.3 – O Sobredireito

A tese do Código de Defesa do Consumidor, como um sobredireito, foi

esposada pela primeira vez pelo Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, cujas palavras

pedimos vênia para transcrever:

“... a regra lex posterior generalis non

derrogat priori specialli não pode ser

invocada em relação ao Código do

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Consumidor em defesa da vigência de

preceitos de leis anteriores porque, em

matéria de consumo, ele é a lei própria,

específica e exclusiva; a lei que

estabeleceu a Política Nacional de

Consumo, em razão de competência que lhe

foi atribuída pela própria Constituição

Federal. . .”

(CAVALIERI FILHO, 1997, pág. 316)

Na esteira deste entendimento, surgiram outras teses, todas com um mesmo

significado, ou seja, o Código de Defesa do Consumidor, suas regras e seus princípios,

constituem um arcabouço jurídico que, a par da hierarquia de espécies normativas cujo

estudo inicial se deve a Kelsen, trazem a exata noção de sobredireito, ou seja, um direito

acima dos demais, que tem o condão de influenciar e incidir também no âmbito dos

outros ordenamentos jurídicos.

1.4 – Microssistema Legislativo.

Traçadas estas premissas, trazemos à baila o entendimento de que a Lei

8.078/90 é um micro sistema legislativo, cujo exemplo pode ser encontrado igualmente

em outras lei esparsas, tais como a Lei 8.245/91 (Lei das Locações), bem como a Lei

8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Pautadas por uma forte carga de especificidade, todas as leis citadas acima têm

em comum não só a incidência cogente de seus dispositivos sobre os respectivos

campos de abrangência que procuram regular, mas também e principalmente porque não

se limitaram a regular a locação, o direito da criança e do adolescente, nem o direito do

consumidor, sob o prisma único e exclusivo do direito material.

Destarte, podemos encontrar em todos os ordenamentos jurídicos acima

citados, regras de ordem material e processual, atinentes inclusive às definições de

condutas típicas (atos infracionais, crimes contra as relações de consumo), num

verdadeiro sistema hermético, autônomo e auto-suficiente.

Trata-se, portanto, do surgimento de uma nova técnica legislativa que, a par

das críticas recebidas, tem contribuído de forma decisiva para a especialização da

ciência do direito.

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1.5 – Princípios do Código de Defesa do Consumidor

Segundo José Augusto Garcia, são sete os princípios capitais dentro da

sistemática do CDC, a saber: 1)princípio da vulnerabilidade do consumidor nas relações

de consumo; 2) princípio da ordem pública; 3) princípio da dimensão coletiva nas

relações de consumo; 4) princípio da boa fé objetiva; 5) princípio da transparência

máxima das relações de consumo; 6) princípio da qualidade de produtos e serviços

oferecidos no mercado de consumo e, finalmente, 7) princípio da efetividade da tutela

processual.2

A enunciação dos princípios acima é meramente ilustrativa, haja vista a

variedade de entendimentos havidos em torno da Lei 8.078/90, o que se reflete na

enunciação de nomenclaturas diferentes a cada Autor e estudioso do tema, a respeito de

seus princípios informativos.

Observa-se na delineação do Código a tutela do consumidor sob tríplice

controle: o do Estado, o do consumidor e de suas entidades de representação e o do

próprio fornecedor, prevendo-se ações de ordem privada e também públicas para a

garantia e efetivação de seus direitos.

A par disso, para os fins deste trabalho acadêmico, podemos afirmar que os

princípios mais importantes para o desenvolvimento do tema proposto, são os da

vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo, e o princípio da dimensão

coletiva, vez que a questão da ordem pública, inegavelmente, se faz presente nas

relações de consumo.

Diz-se que a vulnerabilidade é incita ao conceito de consumidor; dada às

características comerciais cada vez mais competitivas e elaboradas em um mundo

globalizado, o consumidor, ante as novas práticas de comércio adotadas, encontra-se

sempre em situação de desvantagem quando consome um produto ou serviço colocado à

sua disposição no mercado de consumo.

Necessário se faz alertar que o conceito de vulnerabilidade colocado pelo

Código, não se refere apenas ao seu conceito econômico, isto é, a conceituação de

consumidor não se encontra adstrita, necessariamente, aos aspectos de renda e

capacidade financeira, razão pela qual a lei consumerista confere amplitude à

vulnerabilidade, gênero do qual se insere três tipos: a técnica, a jurídica e a fática.

Assim, a desvantagem pode ser técnica (ele não conhece minuciosamente o

produto e/ou serviço que consome no mercado, podendo ser facilmente enganado),

2 In, Garcia, José Augusto. Revista de Direito da Defensoria Pública, vol. 13, 1998, págs. 21/76.

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jurídica (ao consumidor não é dado o conhecimento prévio, muito menos o debate a

respeito dos contratos de consumo), e econômica (o poder econômico dos grandes

grupos empresariais representa uma ameaça aos seus interesses), o que justifica e

legitima o tratamento desigual e privilegiado do consumidor na Lei 8.078/90, num

verdadeiro exemplo de aplicação do chamado princípio da isonomia3, na medida em que

se equipara o consumidor ao fornecedor de produtos e serviços, dando ao primeiro um

tratamento diferenciado e protetivo.

Ademais disso, o princípio da dimensão coletiva nas relações de consumo, traz

a noção de que uma pequena lesão a um consumidor isoladamente considerado, não

pode ser tratada como insignificante pelo Poder Judiciário, vez que o mesmo produto ou

serviço por ele consumido, pode lesionar centenas, ou milhares de outros consumidores,

justificando assim a tutela meta jurídica na defesa dos interesses difusos, coletivos e

individuais homogêneos ex vi dos incisos I, II e III do artigo 81 da Lei 8.078/90.

Com fulcro nos princípios apontados, foram editadas normas protetivas, que o

Código declara de ordem pública e de interesse social, a significar que não poderão ser

alteradas, ou substituídas pela vontade das partes, considerando-se nula qualquer

convenção em contrário (art. 1º)4, conferindo, portanto, força à efetividade de suas

disposições.

3 Sobre o princípio da isonomia no ordenamento constitucional brasileiro, suas formas e objetivos, doutrinou Luís Roberto Barroso, de forma convincente: “O que ele impede é que a ordem jurídica promova desequiparações arbitrárias, aleatórias ou mal inspiradas. Será legítima a desequiparação quando fundada e logicamente subordinada a um elemento discriminatório objetivamente aferível, que prestigie, com proporcionalidade, valores abrigados no texto constitucional.” ( in, Temas Atuais do Direito Brasileiro, primeira série, UERJ, 1987, pág. 91) 4 Art. 1º. O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos do arts. 5º, inciso XXXII; art. 170, inciso V da Constituição Federal; e 48 de suas Disposições Transitórias.

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II – OBJETO DA TESE

Diante do exposto, temos que o Código de Defesa do Consumidor constitui

um conjunto de normas jurídicas cujo escopo, a par da existência de previsão

constitucional neste sentido, o transformou em um micro sistema de princípios

peculiares, dentro do contexto em que o Código Civil não mais representa uma ordem

geral do direito privado.

Entretanto, o micro sistema não é hermético ou fechado, é apenas autônomo

em relação aos demais ramo do direito, sobre os quais incide.

Trata-se assim de um verdadeiro sobredireito, ou segundo alguns, de uma

sobre estrutura jurídica, vez que o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como

o princípio da isonomia, positivado pelo artigo 5º caput da Constituição Federal, veda

seja dado a um determinado grupo de pessoas, tratamento diferenciado (e mais

benéfico), em detrimento da coletividade não abrangida diretamente pelos dispositivos

legais da Lei Consumerista.

Diz-se assim que os princípios do Código de Defesa do Consumidor são ultra

ativos, na medida em que incidem de forma cogente, sobre outras relações jurídicas,

fora do âmbito das relações de consumo, ex vi do artigo 29 do mencionado diploma

legal.

O conceito jurídico de consumidor adotado pelo nosso sistema legislativo é o

finalista, informado por critérios subjetivistas na sua definição, qual seja, para o Código

de Defesa do Consumidor - consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire

produto ou serviço de um fornecedor no mercado de consumo, como destinatário final.

Destacam-se, entre os direitos básicos do consumidor, a modificação das cláusulas

contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de

fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, a facilitação de defesa de

seus direitos, com a inversão do ônus da prova a seu favor, a efetiva prevenção e

reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

O Código de Defesa do Consumidor tutela também os interesses meta

jurídicos, na medida em que equipara a consumidor todos aqueles expostos às práticas

de consumo, mesmo que não diretamente relacionados ao fornecedor de produtos e/ou

serviços, sendo exemplo clássico a defesa em juízo dos interesses difusos, coletivos e

individuais homogêneos (incisos I, II e III do artigo 81 da Lei 8.078/90), dos

consumidores, bem como o parágrafo único do artigo 2º, do mesmo diploma legal.

Assim, o objeto da tese consiste na interpretação e alocação dos casos

concretos vivenciados pelas empresas distribuidoras de combustíveis junto aos

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revendedores varejistas, transportadores revendedores retalhistas - TRR, indústrias e

empresas (caracterizadas pelo sistema normativo de regulamentação do petróleo como

"grandes consumidores"), órgãos públicos, dentre outros, no sistema legislativo

pertinente.

A metodologia utilizada será a análise jurídica das relações comerciais

estabelecidas entre os partícipes acima mencionados, a partir da determinação dos

aspectos econômicos e da posição dos envolvidos, que serão apreciados em tese, a partir

da convicção da autora em conjunto com a doutrina e jurisprudência, ainda, incipientes

nesse específico ramo comercial.

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III – O CONCEITO JURÍDICO DE FORNECEDOR

Seguindo a mesma linha protetiva aos interesses dos consumidores, os

responsáveis pela elaboração do projeto de lei que culminou pela edição da Lei

8.078/90, procuraram dar ao conceito jurídico de fornecedor – um dos protagonistas de

toda e qualquer relação de consumo – a maior abrangência possível.

O CDC conceitua o fornecedor como "toda pessoa física ou jurídica, pública

ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que

desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação,

importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de

serviços" (CDC, art. 3º).

Em vista desta ampla conceituação trazida pelo CDC, e, por exclusão,

poderíamos afirmar, em princípio, que só estariam excluídos do conceito de fornecedor

aqueles que exerçam ou pratiquem transações típicas de direito privado e sem o caráter

de profissão ou atividade, eis que a definição legal, praticamente esgotou todas as

formas de atuação no mercado de consumo.

Destarte que a definição de fornecedor não se equipara, do ponto de vista da

hermenêutica, ao de consumidor, pois, enquanto este há de ser o destinatário final,

conforme veremos adiante, o mesmo não se verifica quanto ao fornecedor, que pode ser

o fabricante originário, o intermediário ou o comerciante, bastando que faça disso sua

profissão ou atividade principal. Essa é a razão pela qual fornecedor é tanto aquele que

fornece bens e serviços onerosos ao consumidor, como aquele que o faz para o

intermediário ou comerciante.5

Neste conceito, encontram-se as distribuidoras de combustíveis, eis que além

de fornecerem produtos diretamente a grandes consumidores (conceito econômico

referenciado pelas normas da ANP) fornecem produtos combustíveis aos revendedores

retalhistas, intermediários obrigatórios, em razão de determinação normativa (Portaria

da ANP n.º 116), sendo, portanto, responsáveis pelo produto que lançam no mercado de

consumo (CDC, art. 18).

Assim, é considerado fornecedor de produtos e/ou serviços, toda pessoa física

ou jurídica que de forma habitual, desempenhe atividade mercantil ou civil no mercado

de consumo, ou seja, todo aquele que gere riqueza, colocando à disposição de uma

gama indeterminada (ou determinável) de pessoas, bens de consumo, duráveis ou não.

5 In, Almeida, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor, 3ª edição, 2002, pág. 41.

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15

O legislador de 1990 procurou açambarcar no conceito jurídico em comento

fornecedores nacionais ou estrangeiros, entidades de natureza pública ou privada, bem

como os entes despersonalizados, que desenvolvam atividades de “produção,

montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição

ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. (artigo 3º, caput da Lei

8.078/90), o que trouxe, à época da edição do Código, uma verdadeira batalha jurídica

com conseqüências jurisprudenciais lógicas, patrocinada pelos grandes fornecedores de

produtos e serviços em atuação no mercado brasileiro, no sentido de negar – sem

sucesso – a incidência do CDC nos seus respectivos campos de exploração econômica.

Com efeito, outra discussão bastante comum, e que até hoje suscita algum

questionamento, foi à inovadora iniciativa de incluir no rol de fornecedores os

chamados entes despersonalizados, assim entendidos “os que, embora não dotados de

personalidade jurídica, quer no âmbito mercantil, quer no civil, exercem atividades

produtivas de bens e serviços...”6,o que levou a alguns estudiosos a afirmar que o

condomínio de edifícios, o espólio e as associações desportivas estariam sobre a

incidência do CDC, eis que exemplos clássicos de entidades despersonalizadas no

ordenamento jurídico pátrio.

Sem embargo de entendimentos contrários, o certo é que tais entes não se

encontram sob a égide do CDC, eis que não oferecem produtos e serviços ao mercado

de consumo.

Embora seu campo de atuação possa incidir sobre um considerável número de

pessoas, claro está que, na qualidade de condôminos, herdeiros ou sócios, são estes os

únicos responsáveis pela gerência dos atos do condomínio, do espólio ou da associação,

vez que “seu fim ou objetivo social é deliberado pelos próprios interessados, em última

análise, sejam representados ou não por intermédio de conselhos deliberativos, ou

então mediante participação direta em assembléias gerais que, como se sabe, são os

órgãos soberanos deliberativos nas chamadas sociedades contingentes”7, o que faz

certa a afirmativa de que tais entes não estão diretamente atingidos pelos princípios da

Lei Consumerista.

Então, poder-se-ia cogitar o porquê da referência a ditos "entes

despersonalizados" pela Lei n.º 8.078/90, ou seja, qual a finalidade de sua previsão para

fins de conceituação de fornecedor?

6 In, Filomeno, José Geraldo Brito. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, 7ª edição, 2001, pág. 40. 7 Obra citada, nota 6, pág. 41.

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16

A questão não confere complexidade, pois cautelosamente agiram os

propulsores da lei, visto que ao referirem-se a "entes despersonalizados", evitou-se que

a falta de personalidade jurídica de alguns entes venha a ser motivo de fraude e prejuízo

ao consumidor. Por esse motivo são considerados fornecedores aqueles entes ou

agrupamentos que, mesmo sem personalidade jurídica, pratiquem as atividades típicas

de fornecimento de produtos e serviços, segundo o enunciado legal, conferindo, assim,

ampla proteção ao consumidor.

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17

IV – O CONCEITO JURÍDICO DE CONSUMIDOR.

Os conceitos jurídicos de consumidor e fornecedor são a resposta à própria

aplicação do Código, razão pela qual, desde a promulgação do Código, tem-se

observado a proliferação de algumas polêmicas quanto a sua interpretação. Uma das

maiores, que influenciará consideravelmente no objeto do presente trabalho, é a de sua

aplicação às pessoas jurídicas, a partir do conceito jurídico de consumidor atribuído pela

lei consumerista.

Aponta Nelson Nery8, com brilhantismo, quatro diferentes conceitos de

consumidor: (i) o conceito-padrão, atribuído pelo art. 2º, caput; (ii) a coletividade de

pessoas, exposta no parágrafo único do art. 2º; (iii) as vítimas de acidente de consumo,

no art. 17; e (iv) todos aqueles expostos às práticas comerciais - consumidores por

equiparação, consoante art. 29.

Fábio Konder Comparato conceitua o consumidor como sendo aquele que se

acha na posição de usar ou consumir, estabelecendo-se uma relação potencial ou fáctica,

a que se deve dar uma valoração jurídica, para protege-lo e reparando-lhe os danos

sofridos, com o que se alcançam todos que se encontram na posição de consumir.

4.1 O conceito legal de consumidor

O conceito legal de consumidor nos é dado pelo caput do art. 2º do Código,

resultando na intenção legislativa de facilitar a "assimilação e compreensão do

instituto". Trata-se de uma primeira definição geral para as situações que sem qualquer

dúvida estariam enquadradas como relação de consumo - definindo o consumidor como

toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como

destinatário final.

O núcleo do dispositivo "adquirir ou utilizar" não dá margem a dúvidas, sendo

certo que a contraprestação à aquisição do produto ou serviço fornecido não é requisito

para caracterizar o consumidor. Temos, portanto, que quem utiliza um presente, ou

amostra grátis, sem ter dado qualquer contraprestação ao produto ou ao serviço, também

é consumidor, recebendo a proteção legal.

Todavia, quando se fala em "toda pessoa física e jurídica" e "destinatário

final", alude-se a espécies não definidas pelo Código de Defesa do Consumidor,

gerando uma lacuna no seu microssistema.

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18

Os primeiros comentaristas do Código9, e boa parte da doutrina de tendência

finalista10, entende a expressão "destinatário final" como uma restrição ao conceito de

consumidor, sendo considerado "para uso próprio, privado, individual, familiar ou

doméstico, e até para terceiros, desde que o repasse não se dê por revenda. Não se

incluem na definição legal, portanto, o intermediário e aquele que compra com o

objetivo de revender após montagem, beneficiamento ou industrialização. A operação

de consumo deve encerrar-se no consumidor, que utiliza ou permite que seja utilizado o

bem ou o serviço adquirido, sem revenda".11

O conceito acima aludido atenderia à finalidade política do Código, a proteção

do hipossuficiente. Não se enquadrariam aqui as pessoas jurídicas ou o consumidor

profissional, que reiniciem o ciclo econômico a partir de consumidor, a não ser que

pudessem comprovar alguma vulnerabilidade técnica, jurídica ou fática que justificasse

a proteção do Código.

Assim, a destinação final seria uma restrição ao conceito e, portanto, à

aplicação do Código. Essa restrição seria relativa em situações especiais, ampliando a

esfera de proteção àqueles que não seriam propriamente destinatários finais de um

produto ou serviço, mas se encontrassem no desequilíbrio que o Código visa eliminar.

4.2. A coletividade de consumidores12

Há interesses que não pertencem isoladamente a indivíduos determinados, mas

à comunidade como um todo ou a um grupo integrante desta. A partir desta percepção,

o Estado passou a reconhecer a necessidade de tutela jurídico-processual diferenciada

para esses interesses.

Seguindo essa diretriz, o Código de Defesa do Consumidor faz a previsão de

meios de defesa dos consumidores, aprimorando a Lei de Ação Civil Pública (Lei n.º

7.347/85), tornando o Brasil exemplo jurídico no que diz respeito à tutela processual de

direitos difusos ou coletivos.

8 Nelson Nery Junior. "Os princípios gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor". Revista de Direito do Consumidor 3, São Paulo: RT, 1992. P. 53. 9 Antonio Herman V. e Benjamin. "O conceito jurídico de consumidor", RT 628/67; Toshio Mukai. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Saraiva, 1991, p. 6; Maria Antonieta Zarnado Donato, op. Cit., p. 90-91; José Geraldo Brito Filomeno. O Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 5. Ed. São Paulo: Forense Universitária, 1998. P. 27; Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins de Souza, Código de Defesa do Consumidor comentado, São Paulo: RT, 1991. P. 30. 10 Expressão utilizada por Cláudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - O novo regime das relações contratuais, São Paulo: RT, 1991, p.67-69. 11 João Batista de Almeida. A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999.

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19

O Código vislumbra três situações de "coletividade" em seu art. 81, ao se

referir aos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

O interesse difuso é definido como transindividual e indivisíveis, de titulares

indeterminados. Não se busca aqui a satisfação de interesses individuais de

consumidores, mas sim uma proteção genérica. Para a proteção desses interesses não se

considera o conceito de consumidor, mas sim o dano potencial.

O interesse coletivo também é transindividual e indivisível, sendo sua

titularidade atribuída a um grupo de pessoas que tenham entre si uma determinada

ligação jurídica não relacionada ao dano sofrido, uma categoria, coletividade,

preexistente ao dano. Nesse contexto, o conceito de consumidor é importante, visto que

a titularidade do direito é atribuída a um grupo determinado de pessoas-consumidores.

Aquele que não for considerado consumidor não há de integrar tal grupo.

Quanto aos interesses individuais homogêneos, descrevemo-nos como aqueles

interesses individuais tutelados de forma coletiva, por estarem os titulares ligados

juridicamente pelo dano comum. Assim, aquele que não for considerado consumidor,

não titulará esse interesse.

Ressalte-se que a forma de tutela processual não define o conceito de

consumidor, apenas o seu instrumento de proteção.

4.3. As vítimas de acidente de consumo

A Seção II do Código trata da responsabilidade do fornecedor por fato do

produto e do serviço, estabelecendo que, para efeitos dessa responsabilidade,

equiparam-se a consumidores todas as vítimas do evento.

O consumidor por equiparação, ou consumidor “by stander”, como preferem

alguns, é aquele que, inobstante a sua qualificação jurídica (terceiro não integrante da

relação jurídica originária) é atingido por um acidente de consumo, devendo, por isso,

ser tutelado pelo Código, da mesma forma que o consumidor strictu sensu.

Destarte, estranhos à relação de consumo não são consumidores, no entanto, se

atingidos lesivamente por ela, serão equiparados em respeito à proteção jurídica trazida

pelo Código, assim, conforme observa Arruda Alvim: "qualquer pessoa física ou

jurídica que sofra danos em virtude de fato do produto ou serviço, sem que possa

enquadrar na condição de usuário final ou adquirente final, está automaticamente

12 Parágrafo único do art. 2º do CDC: "Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.".

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equiparada ao consumidor e apta, portanto, para pleitear indenização com base na

responsabilidade independente de culpa do fornecedor".

Considerada por muitos verdadeira revolução dentro da revolução, o Código

de Defesa do Consumidor quebrou a vetusta teoria da responsabilidade civil aquiliana

ao trazer em seus dispositivos os conceitos de consumidor por equiparação.

Porém, essa equiparação não traz um novo conceito de consumidor. O que

temos é a equiparação dos estranhos à relação de consumo a consumidores participantes

dessa relação, e não uma mudança do conceito-padrão.

No entanto, tem-se com essa inovação, o embrião da defesa meta jurídica do

consumidor em juízo, vez que o Código não somente se preocupou em tutelar o direito

daquele que vai ao mercado de consumo e adquire um serviço ou produto para uso

próprio, bem como também tutela o interesse daqueles que, muito embora não tenham

qualquer relação jurídica com o fornecedor de produtos e/ou serviços, sejam atingidos

por alguma prática contratual abusiva (artigo 29 do CDC), ou que venham a sofrer um

dano, cuja responsabilidade seja imputada ao fornecedor, nos chamados acidentes de

consumo (artigo 17 do CDC).

4.4. Os expostos às práticas comerciais abusivas

Por fim, o Código atribui mais um conceito de consumidor por equiparação:

trata-se das pessoas expostas às práticas comerciais, incluindo-se aí a proteção

contratual.

O Código enumera no art. 39, de forma exemplificativa, uma série de práticas

comerciais consideradas abusivas. No conceito de prática abusiva, inserem-se as

práticas contratuais, ou seja, disposições de contratos de consumo considerados

abusivos. A idéia principal da proteção é a de que a mera exposição à prática já enseja a

responsabilidade do fornecedor perante todos os expostos a ela.

Faz-se necessário ressalvar que as ampliações da proteção conferidas ao longo

do Código não alteram o conceito de consumidor, não modificam a natureza de sua

aplicação, dada pelo conceito-padrão. A extensão da idéia de "todas as pessoas

expostas", "todas as vítimas", se dará ainda dentro do campo delimitado pelo art. 2º. A

interpretação não poderá logicamente concluir, por exemplo, que o combustível

comprado pelos postos revendedores não está submetido à proteção do Código, mas o

contrato firmado para essa compra está.

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V - A PESSOA JURÍDICA DO CONSUMIDOR

O entendimento dos diversos conceitos de consumidor no Código só pode ser

atingido após a devida precisão do conceito-padrão.

Um dos problemas mais difíceis, no que diz respeito à aplicação do Código, é

saber como conciliar a questão "destinatário-final" com pessoa jurídica consumidor, no

art. 2º.

A questão é difícil porque, em primeiro lugar, qual a abrangência desse

"destinatário final"? A transformação, incorporação, descaracteriza o destino final? Em

segundo lugar, existem diversos tipos de pessoas jurídicas que se envolvem nas mais

diversas atividades; será que é possível predeterminar todas as situações em que o

Código se aplicaria?

Em seguida da publicação do Código, surgiram várias interpretações, tentando

predizer quando seria aplicável às pessoas jurídicas. A primeira a notar as essências de

cada doutrina e dividi-las em duas correntes foi Cláudia Lima Marques, em obra citada,

que define duas tendências de pensamento, os finalistas e os maximalistas, conforme

veremos a seguir.

5.1. A Teoria Finalista

Adotada pelos autores do anteprojeto que deu origem ao que hoje chamamos

de Código de Defesa do Consumidor, a teoria finalista traz ao conceito jurídico de

consumidor critérios mais subjetivos inerentes à relação de consumo.

Em uma interpretação teleológica da Lei Consumerista, os adeptos da Teoria

em comento pugnam pela defesa do consumidor hipossuficiente em uma relação de

consumo.

Segundo Cláudia Lima Marques, os finalistas teriam sido os primeiros a

estudar as relações de consumo, partindo do princípio de que a regulamentação legal do

consumidor se fundamenta na vulnerabilidade do consumidor, devendo a expressão

"destinatário final" alcançar apenas os que realmente necessitam da proteção.

Assim, é a vulnerabilidade do consumidor o norte a ser seguido pelos adeptos

desta Teoria, deixando, como já afirmamos alhures, aos outros ordenamentos jurídicos

existentes a tarefa de regular relações jurídicas em que ambos os contratantes estejam

em igualdade de condições.

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Isto decorre do fato de que para os finalistas, a definição de consumidor é o

pilar que sustenta a tutela especial concedida aos consumidores. Esta tutela só existe

porque o consumidor é a parte vulnerável nas relações contratuais no mercado, como

afirma o próprio Código no art. 4º, inciso I. Logo, para essa corrente, convém delimitar

claramente quem merece esta tutela e quem não a necessita, propondo a interpretação

restritiva da expressão "destinatário final" do art. 2º do CDC.

E, nessa hipótese, não bastaria a interpretação meramente teleológica ou que se

prenda à destinação final do serviço ou do produto. Consumidor seria apenas aquele que

adquire o bem para utilizá-lo em proveito próprio, satisfazendo a uma necessidade

pessoal e não para revenda ou então para acrescentá-la à cadeia produtiva.

A idéia então é que, como regra, o Código não se aplica às pessoas jurídicas.

Porém, como veremos adiante, exceções são construídas fundamentadas ou na

vulnerabilidade de uma pessoa jurídica perante outra, ou na situação de destinatária

final, que se daria segundo a natureza da utilização do produto segundo a maneira de

sua oferta.

Todas essas posições, e muitas outras que poderiam ser citadas, trazem

diferenças sutis para casos de difícil definição, permitindo mais ou menos a ampliação

da proteção, partindo sempre do princípio da vulnerabilidade do consumidor.

Há posições extremistas, como a de Geraldo Vidigal13 que acredita que a

empresa nunca será consumidora, vez que tudo que adquire será destinado à produção,

sendo insumo, e não consumo.

Posições mais conciliadoras são preferíveis, tendo em vista os exemplos

práticos, sendo justamente esse o caminho perseguido pela doutrina.

A previsão da pessoa jurídica como consumidora, dentro da concepção de

conceitos jurídicos indeterminados, e da interpretação ampliativa adotada pelo

Legislador da Lei 8.078/90, tem razão de ser, e revela que a posição de uma pessoa

jurídica em uma relação de consumo deve ser aferida caso a caso.

Nessa linha de raciocínio, o critério de avaliação do consumidor pessoa

jurídica, tem na doutrina de José Reinaldo de Lima Lopes14, apud José Geraldo Brito de

Filomeno15, a delineação mais sensata com relação aos seus pressupostos, a saber: “ a)

os bens adquiridos <pela pessoa jurídica>devem ser bens de consumo e não de capital,

13 "Lei de Defesa do Consumidor", Cadernos IBCB 22, São Paulo, 1991, p. 5-27 14 In, Lopes, José Geraldo de Lima. A proteção ao Consumidor:importante capítulo do Direito Econômico, Revista de Direito Mercantil, nº 15/16, ano XIII, 1974. 15 Idem. Nota 5, pág. 29.

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e; b) que haja entre fornecedor e consumidor um desequilíbrio que favoreça o

primeiro”.

Conclui-se assim, que o critério de definição do consumidor, pessoa jurídica,

não é dos mais fáceis, vez que as nuances de cada caso devem ser levadas em

consideração pelo intérprete, na medida da alta dose de subjetividade a que estão

submetidos os princípios da Vulnerabilidade do Consumidor numa relação de consumo,

sendo ainda importante frisar que a questão atinente aos insumos é ainda tormentosa sob

o ponto de vista jurídico.

É da lavra do Mestre pela PUC paulista e Conselheiro da Revista de Direito do

Consumidor, Fábio Ulhoa Coelho16, o mais interessante comentário a respeito do tema,

que dada à pertinência e a lucidez pedimos vênia para transcrever conforme se segue:

“ ... entendo que se deva pesquisar a

indispensabilidade dos bens adquiridos pelo

empresário em função da atividade econômica por

ele exercida, para os fins de tomar por insumo, sob

o ponto de vista jurídico, apenas os indispensáveis

estritamente falando. Ou seja, quando a atividade

econômica do empresário puder ser desenvolvida,

sem alterações quantitativas ou qualificativas em

seus resultados, apesar da falta de um determinado

bem, então a sua aquisição é, juridicamente,

consumo, e o empresário estará tutelado pelo novo

texto legal. Ao contrário, se a ausência daquele bem

interfere, de forma considerável nos resultados

econômicos da empresa, revelando-se estritamente

indispensável, então será possível considerar-se de

insumo a relação estabelecida, aplicando-se, em

decorrência, o Código Comercial.”

Na doutrina brasileira, o maximalismo é a variação de tendência dos autores

que partem de um princípio finalista ampliarem mais ou menos as exceções para os

casos concretos.

16 In, Coelho, Fabio Ulhoa. Revista de Direito do Consumidor nº 03 – A Compra e Venda, os empresários e o Código do Consumidor, 1998, pág. 36/43.

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5.2 – A Teoria Maximalista

O princípio maximalista partiria da idéia de que o Código de Defesa do

Consumidor é, na verdade, regulamento do mercado de consumo, instituindo normas e

princípios para todos os agentes do mercado.

O Código, em seu artigo 2º caput, trata o consumidor como “toda pessoa física

ou jurídica que adquire ou utiliza produto como destinatário final” (destacou-se).

A partir daí fincou-se a Teoria Maximalista no que diz respeito à definição

jurídica de consumidor, eis que os adeptos da mencionada corrente doutrinária

consideram como tal, todo aquele que, visando o consumo próprio do bem ou do

serviço, requisita do fornecedor, a retirada do produto ou do serviço do mercado de

consumo (ou seja, o bem não poderá mais ser revendido), não importando, entretanto,

que a relação jurídica advenha, por exemplo, de duas grandes empresas comerciais.

Emerge do critério objetivo adotado pelos Maximalistas, a interpretação de

que serão considerados produtos e serviços passíveis de valoração pela Lei 8.078/90, os

insumos necessários ao desenvolvimento de atividade mercantil, vez que as empresas

necessitam contratar com as suas congêneres, dada a necessidade de utilização, como

destinatárias finais, de matéria prima para a fabricação de seus bens.

Para esta doutrina "o CDC seria um código geral sobre o consumo, um código

para a sociedade de consumo, o qual institui normas e princípios para todos os agentes

do mercado, os quais podem assumir os papéis ora de fornecedores, ora de

consumidores. A definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensivamente

possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a

um número cada vez maior de relações de mercado."17

Nesta concepção o revendedor, distribuidor, montador, estariam todos

inseridos na cadeia de consumo e, portanto, submetidos à aplicação dos princípios do

Código, sendo a destinação final fática suficiente para o conceito de consumidor.

A título de ilustração, considerar-se-ia consumidor, eis que inserto em uma

relação de consumo, uma empresa fabricante de automóveis que contratasse com outra

grande empresa, distribuidora de combustíveis, o fornecimento de óleo diesel e a

prestação de serviço de lubrificação que lhe é correlata, para o funcionamento de suas

máquinas industriais (o exemplo é apenas hipotético).

A doutrina Maximalista, entretanto, não foi adotada pelo legislador do Código

Brasileiro de Defesa do Consumidor, que preferiu restringir o seu conceito,

17 Cláudia Lima Marques, em obra citada.

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considerando ainda que o ordenamento jurídico brasileiro já regula as atividades

mercantis, através dos dispositivos inerentes ao Código Comercial e Código Civil, sem

embargo da utilização de outras legislações correlatas, levando-nos a corroborar com a

crítica da professora Cláudia Lima Marques, a visão Maximalista e seus adeptos que

“vêem nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo brasileiro, e

não normas orientadas para proteger somente o consumidor não profissional”.18

18 Claudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor – o novo regime das relações contratuais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, págs. 67-69.

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VI - A ANP - ÓRGÃO DE REGULAMENTAÇÃO E CONTROLE

A Constituição Federal vocaciona a ordem jurídica da atividade econômica a

atender a coletividade, garantindo a todos existência digna conforme os ditames da

Justiça Social, marcando, por conseguinte, a corrente humanista de Direito Econômico.

Assim, o Estado, como partícipe da ordem econômica, atua como interventor e

como agente econômico. A intervenção está fundada no art. 174 da Constituição

Federal, em que o Estado aparece como agente normativo e regulador da atividade

econômica, que compreende as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,

caracterizando o Estado Regulador, o Estado Promotor e o Estado Planejador da

atividade econômica.

Partindo deste pressuposto e diante da relevância da indústria do petróleo, e

ainda, de sua natureza de interesse público, foi instituída e implantada a Agência

Reguladora, titulada de Agência Nacional do Petróleo – ANP.

A ANP, seguindo a tendência do Código de Defesa do Consumidor,

especialmente no que concerne à Política Nacional de Relações de Consumo, tem como

um de seus atributos a responsabilidade de promover a regulação e o desenvolvimento

do mercado petrolífero, em suas diversas ramificações, com ênfase na garantia de

suprimentos de derivados de petróleo em todo o território nacional e na proteção dos

interesses dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos, conforme

faz previsão o art. 8º da Lei 9.478/97.

"Art. 8° A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a

fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo,

cabendo-lhe:

I - implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo e

gás natural, contida na política energética nacional, nos termos do Capítulo I

desta Lei, com ênfase na garantia do suprimento de derivados de petróleo em

todo o território nacional e na proteção dos interesses dos consumidores

quanto.

(...)"

Se infere, portanto, do texto normativo que a política nacional de petróleo e

gás natural, cuja implementação cabe à ANP, tem desdobramentos na "proteção dos

interesses dos consumidores quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos", seguindo

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27

o objetivo governamental contido na Política Energética Nacional, que tem como

princípio a proteção do consumidor nas três vertentes citadas - preço, qualidade e oferta.

Para atingir esse objetivo, a ANP pode e deve agir na proteção dos

consumidores quanto à preservação da livre-concorrência, uma vez que esta é o meio

possível para que o consumidor seja bem atendido por determinada ordenação

econômica. Sem liberdade de iniciativa, não haverá livre-concorrência e,

consequentemente, o interesse do consumidor, que é o objetivo final, fica prejudicado.

Para atingir tal desiderato, a ANP, assim como as demais agências reguladoras

de outros setores da economia, corresponde a órgão dotado de poder de polícia19, com o

objetivo de garantir que os agentes econômicos conduzam, apesar do individualismo

inerente ao comércio, sua atividade de acordo com os princípios constitucionais da

ordem econômica e com os objetivos legislativos do aproveitamento racional das fontes

de energia.

A fiscalização exercida pela ANP é disciplinada pelo Decreto n.º 2.953/99, que

regulamentou a Lei n.º 9.847/99. Essa ação pode ser exercida diretamente ou por

intermédio de órgãos da administração pública, direta ou autárquica, da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante convênios em que sejam

definidas as condições de desempenho da função, com a delegação de poderes para a

apuração das infrações, instrução e julgamento das autuações e aplicação das

penalidades correspondentes.

A ANP ou os órgãos da administração pública incumbidos da fiscalização

terão, respeitadas as garantias constitucionais, livre acesso aos estabelecimentos e

instalações das empresas distribuidoras e revendedoras de combustíveis, podendo

requisitar as informações e dados necessários ao desempenho da função, inclusive a

exibição de livros e documentos comprobatórios de suas respectivas atividades, as quais

são obrigadas a fornecer e permitir as atividades de investigação, sujeitas ainda ao

emprego de força policial, sempre que necessário.

No campo específico das relações de consumo a ANP, visando a proteção dos

interesses dos consumidores, instituiu pela Portaria n.º 111/00 o Centro de Relações

com o Consumidor, no âmbito da Superintendência de Gestão Interna, com a finalidade

de coordenar a execução das atividades relacionadas com a comunicação e a proteção

dos interesses dos consumidores de produtos e serviços das indústrias do petróleo e gás

natural.

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28

O Centro de relações com o consumidor é composto por um coordenador;

núcleo de atendimento ao consumidor; núcleo de informações e pesquisa e por núcleo

de orientação ao consumidor.

Dentre seus objetivos, citamos o de receber, ouvir e analisar as demandas dos

consumidores, tais como reclamações, denúncias, críticas, sugestões, pedidos de

informação, solicitações, elogios e agradecimentos; orientação aos consumidores quanto

a preço, qualidade e oferta dos produtos e serviços do setor econômico regulado;

identificar tendências do mercado consumidor; contribuir, por meio das informações

obtidas, com a fiscalização da ANP e com o desenvolvimento de estudos e pesquisas.

Vê-se, assim, da importante tarefa que a ANP possui frente aos interesses dos

consumidores, zelando pela manutenção da política de abastecimento nacional, com

qualidade e preço competitivo decorrente de um mercado de livre competição.

6.1 - Da Distribuição de Produtos Combustíveis

A Carta Constitucional de 1988, em seu art. 238, fez a previsão da necessidade

de regulamentação, por lei, da atividade de distribuição de combustíveis, com

observância dos princípios constitucionais.

Assim, em 1997 foi editada a Lei n.º 9.478/97 ("Lei do Petróleo"), que dispôs

sobre as atividades relativas ao monopólio do petróleo, instituindo o CNPE e a ANP,

tratando da atividade de distribuição em apenas alguns artigos.

Trouxe a Lei do Petróleo, em seu art. 6º, inciso XX, o conceito da atividade de

Distribuição, como sendo a "atividade de comercialização por atacado com a rede

varejista ou com grandes consumidores de combustíveis, lubrificantes, asfaltos e gás

liqüefeito envasado, exercida por empresas especializadas, na forma das leis e

regulamentos aplicáveis".

Além do conceito a lei estabeleceu, através do art. 9º, a sucessão do DNC,

extinto Departamento Nacional de Combustíveis, pela ANP, que passou a exercer as

suas atribuições relacionadas com as atividades de distribuição e revenda de derivados

de petróleo e álcool.

Cumpre destacar que a atividade de distribuição, de forma resumida,

compreende a aquisição, o armazenamento, o transporte, a comercialização e o controle

19 Cf. Lei n.º 9.847/99, art. 14, que expressamente reconhece a atividade de poder de polícia da ANP, tendo como natureza o poder-dever estatal de fazer cumprir a lei, através de suas atribuições de autorização e fiscalização.

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29

de qualidade dos produtos, estando sua regulamentação mais estruturada, propriamente,

pelas Portarias Normativas emitidas pela ANP.

"Portaria n.º 202, de 30 de dezembro de 1999

Estabelece os requisitos a serem cumpridos para acesso a atividade de

distribuição de combustíveis líquidos derivados de petróleo, álcool

combustível e outros combustíveis automotivos.

(...)

Art. 3º A atividade de distribuição compreende a aquisição, armazenamento,

transporte, comercialização e o controle de qualidade dos combustíveis

líquidos derivados de petróleo, álcool combustível e outros combustíveis

automotivos."

Cumpre ressaltar que o mercado de distribuição e revenda de produtos

derivados de petróleo e álcool combustível, no Brasil, é verticalizado. A verticalização

impõe a cada agente econômico (refino, distribuição, transporte e revenda) atuações

definidas, delimitadas e distintas, de modo a viabilizar o funcionamento do sistema

nacional de abastecimento. Importa dizer, por exemplo, que a distribuidora de derivados

de petróleo e álcool combustível não pode atuar no segmento da revenda destes

produtos ao consumidor final, atividade esta delimitada ao segmento dos Postos de

Serviços Revendedores.

Assim, destacando a comercialização de combustíveis e seu enquadramento

dentro das normas consumeristas, como foco deste trabalho, e, como a atividade

principal de uma distribuidora de combustíveis, vamos apresentar as hipóteses e as

relações contratuais pelas quais as distribuidoras exercitam sua atividade finalísitca

preponderante, que, como dito, é a comercialização.

Como exposto, as distribuidoras encontram-se proibidas de exercer a

atividade de venda varejista, sendo-lhes permitida apenas esta atividade, na hipótese de

Posto-Escola, que possui a destinação específica de treinamento de pessoal, com vistas à

melhoria da qualidade do atendimento aos consumidores.

Diante da vedação, regulamentada pelo art. 12, constante da Portaria da ANP

n.º 116, de 05 de julho de 2000, as Distribuidoras vendem seus produtos aos postos de

serviços revendedores de combustíveis automotivos (postos de gasolina), que efetivarão

a revenda a varejo, à sociedade.

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30

Ë autorizada ainda, a venda a atacado, de produtos combustíveis, para os

chamados grandes consumidores.

Em síntese, temos que a comercialização de produtos combustíveis pelas

distribuidoras, possui em si duas vertentes, uma ligada à venda a atacado junto à rede

varejista, isto é, aos postos revendedores de combustíveis e outra ligada a grandes

consumidores, que em regra, utilizam dos produtos combustíveis como insumo20 de sua

produção.

Diante deste cenário, apresentaremos as diversas relações comerciais

entabuladas entre as distribuidoras, começando pela atividade de venda a "grandes

consumidores", através da qual apresentaremos os principais segmentos contratuais

existentes.

6.2 - Relacionamento comercial entre Distribuidora e Grandes Consumidores

Não há pela ANP o estabelecimento de um conceito normativo sobre grande

consumidor, sendo, portanto, entendido como as empresas que necessitam de produtos

combustíveis como insumo, sendo utilizado como elemento de sua unidade de

produção, ou então, na locomoção de veículos no transporte de produtos, bens ou

pessoas, em quantidade significativa.

Importante destacar que a denominação "Grande Consumidor" não tem em si

embutido qualquer relação ou referência ao Código do Consumidor, diante da sua

existência anterior à própria promulgação da Lei n.º 8.078/90.

Dentro dessa denominação podemos enquadrar diversos relacionamentos

comerciais entabulados pelas Distribuidoras, tais como o fornecimento e prestação de

serviços às indústrias, transportadoras, empresas ferroviárias, aquaviárias, aeronáuticas,

dentre outras.

Nesse conceito, entendemos, acompanhando a visão finalista adotada pelo

Código, que essas relações encontram-se excluída de sua incidência, eis que inexistentes

os requisitos que legitimam a sua aplicação, como a vulnerabilidade e a destinação final

do produto.

20 Insumo: é o elemento que se insere no processo de produção incorporando-se ao produto; por este

ângulo, insumos são fatores de produção, como as máquinas e equipamentos, e o trabalho humano (o qual

caracteriza o componente básico dos serviços). Assim, produtos podem ser insumos de outros produtos

finais.

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31

Nas relações estabelecidas com os grandes consumidores, estes,

invariavelmente aplicam os produtos vendidos e prestados pelas distribuidoras em sua

cadeia produtiva, como exemplo citamos o fornecimento de óleo lubrificante e a

prestação do serviço de lubrificação das máquinas de uma indústria. Claro que a relação

estabelecida não pode ser equiparada à relação que o Código almeja proteger, sob pena

de aniquilar o objetivo maior da lei que é o de proteger a parte mais vulnerável ao

desequilíbrio econômico, técnico ou jurídico.

Assim, para melhor delineamento do tema, propomo-nos a dissertar sobre

alguns contratos firmados pelas distribuidoras, dentro desta categoria de "Grandes

Consumidores", estabelecendo as razões pelas quais estes relacionamentos comerciais

não se encontram submetidos às normas protetivas do Código.

6.3 - Relacionamento comercial entre Distribuidora e órgãos públicos

As Distribuidoras constantemente mantém vínculo contratual com os órgãos

integrantes da Administração Pública, que adquirem seus produtos (combustíveis

líquidos, gás natural veicular, asfalto, etc), no atendimento ao interesse público, através

da prestação de serviços públicos.

A questão que se coloca é o enquadramento dessa relação comercial,

estabelecida entre esses dois agentes, nas regras protetivas do Código, isto é, estaria a

Administração quando adquire produtos das distribuidoras, para execução de serviços

públicos, enquadrada no conceito de consumidor final?

Entendo que a Administração Pública encontra-se afastada da proteção do

Código Consumerista, na medida em que os órgãos públicos ao contraírem relações

jurídicas contratuais, o fazem como instrumentos de execução de seus serviços, sendo,

portanto, consumidores intermediários, alheios à proteção da lei especial.

Pressuposto da aplicabilidade do Código, a justificar a ação governamental, é

destacada pela própria lei no "reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no

mercado de consumo" (art. 4, inciso I), tendente a encontrar o ponto ideal de

"harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e a

compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento

econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem

econômica" (art. 4, inciso III).

Ou seja, inexistente têm-se o pressuposto maior da vulnerabilidade, a justificar

a incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos administrativos

firmados pelos órgãos públicos. Nesses casos eles já contam com regulamento próprio

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32

que rege as relações jurídicas de aquisição de bens e serviços firmadas com os

particulares, que é o Estatuto Federal de Licitações e Contratos, editado através da Lei

n.º 8.666/93.

Destaca-se, ainda, o fato de que sempre que o Código quis referir-se a entes

públicos, o fez expressamente, como exemplo, citamos o conceito de fornecedor como

"toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como

os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção...". Ora, se fosse

objetivo do legislador, incluir os entes públicos no conceito de consumidor, o teria feito

expressamente, a exemplo do ocorrido no conceito de fornecedor, como não o fez, não

há que se interpretar extensivamente o conceito, em contraposição à linha de

vulnerabilidade trazida pelo Código ao consumidor.

Não obstante esse entendimento que é corroborada por alguns doutrinadores21,

temos também uma posição diametralmente oposta22, que vêem os órgãos públicos

como verdadeiros consumidores finais de bens e serviços, aplicando o Código de

Proteção e Defesa do Consumidor, ainda que se trate de contrato administrativo, uma

vez que o Estado consumidor ou usuário é a própria sociedade representada ou

organizada.

Assim, sustenta José Geraldo Brito Filomeno23 que "sem embargo de dispor

ela de legislação própria, a lei especial de proteção ao consumidor não a exclui de sua

incidência, pois nenhum dos dispositivos da Lei de Licitações e Contratos lhe fornece

direta proteção, quando, na posição de consumidora final ou usuária de serviços, vê-se

prejudicada. O único dispositivo que apresenta certa similitude com as normas do

Código é a regra do § 5º do art. 65 da Lei n.º 8.666/93, ao determinar a revisão dos

preços contratados, para menos, se houver a extinção ou alteração de tributos ou

encargos legais, ou ainda superveniência de disposições legais, que produzam efetiva

repercussão nos preços."

6.4 - As Distribuidoras e os Postos de Serviços de Revenda Varejista

Um dos principais segmentos entabulados pelas Distribuidoras é junto à rede

varejista, pois é este segmento de mercado que expõe a marca das Distribuidoras junto

à sociedade, angariando valor e respeito junto aos consumidores finais.

21 Caio Tácito e Marçal Justen Filho. 22 Apoiada por Celso Bastos, José Geraldo Brito Filomeno, Toshio Mukai, Marcos Juruena Villela Souto, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, Procurador da Fazenda Nacional Aldemário Araújo Castro e o Subprocurador-Geral da Fazenda Nacional Leon Frejda Szklarowsky. 23 In, Manual de Direitos do Consumidor, ed. Jurídico Atlas, 5ª edição, 2001, pág. 43

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33

Por esta atividade as distribuidoras atendem a demanda da revenda varejista

fornecendo produtos combustíveis no atacado, a fim de que sejam satisfeitas as

necessidades energéticas da população em geral quanto aos combustíveis automotivos,

com controle de qualidade conforme as especificações dos produtos determinadas pela

ANP.

Merece destaque, antes entrarmos no enfoque da relação jurídica tabulada

entre esses agentes e seu enquadramento no sistema normativo vigente, abordarmos o

tópico da Política Nacional de Abastecimento de Produto Combustível, que traçará a

origem da atividade de fornecimento ao consumidor final de combustíveis líquidos e

derivados de petróleo, álcool combustível e outros combustíveis automotivos, como

abaixo aduziremos.

6.4.1 - Do Sistema Nacional de Abastecimento de Combustíveis Automotivos

O Decreto-Lei n.º 395, de 29.03.1938, instituiu o denominado "abastecimento

nacional de petróleo", consistente no conjunto de atividades voltadas a esta fonte

energética. O "abastecimento nacional de petróleo" visava, primordialmente, ao

fornecimento de combustíveis automotivos, suprindo as necessidades energéticas da

população em geral que, desde a norma jurídica que o instituiu, foi declarado como de

utilidade pública e assim vem sendo mantido por sua inegável indispensabilidade ao

consumo do povo.

A partir dessa premissa o "Abastecimento Nacional de Petróleo", engloba a

atividade de fornecimento ao consumidor final de combustíveis líquidos e derivados de

petróleo, álcool combustível e outros combustíveis automotivos, relativamente aos

seguintes produtos, conforme se extrai da Lei n.º 9.847/99:

a) Gasolina, desmembrado entre gasolina comum, gasolina aditivada e gasolina

premium;

b) Mercado do álcool; e

c) Mercado do óleo diesel24;

d) Gás natural e condensado.

Historicamente, o "Abastecimento Nacional de Petróleo" passou a ser

regulamentado nos idos de 1938, por meio do Decreto 395/38, que, desde logo,

declarando-o de utilidade pública, disciplinou a distribuição e revenda dos combustíveis

automotivos.

24 Pela Portaria Interministerial MME/MF n.º 240/2001, o preço de venda de óleo diesel ficou sujeito ao regime de preço liberado nas unidades de comercio atacadista e varejista em todo o território brasileiro.

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34

“Art. 1º. Fica declarado de utilidade pública o Abastecimento

Nacional de Petróleo”.

Parágrafo único: Entende-se por abastecimento nacional de

petróleo, a produção, a importação, o transporte, a distribuição e o

comércio bruto e seus derivados..."

Dispôs ainda, o referido Decreto, que competia exclusivamente ao Governo

Federal, autorizar, regular e controlar este mercado, culminando com a instituição do

Conselho Nacional do Petróleo- CNP, organizado pelo Decreto 538/38.

O CNP determinava que o revendedor só poderia comercializar produtos

combustíveis e outros derivados de petróleo de uma única e exclusiva distribuidora,

cujo vínculo haveria de ser cadastrado através de registro efetivado junto ao referido

órgão, consoante as disposições das Resoluções 7/75, 7/77, 7/85 e 16/87.

Na época, na forma das referidas Resoluções, o empresário interessado na

exploração do posto revendedor, contatava companhia distribuidora, que promovia

junto ao CNP o mencionado cadastramento.

Em 1990, face ao Programa Nacional de Desregulamentação implementado

pelo Decreto n.º 99.179/90, o CNP foi extinto, transferindo suas atribuições ao

Departamento Nacional de Combustíveis - DNC, que recepcionou a normatização

existente, revogando, contudo, a necessidade de vinculação do posto de gasolina a

bandeira de uma companhia distribuidora de combustíveis, surgindo o chamado "Posto

Bandeira Branca", bem como, abrindo o mercado à constituição de novas distribuidoras.

O DNC no uso de suas atribuições, fixava a margem de revenda aos

consumidores finais nos postos de serviços, fato este que inibia a concorrência das

distribuidoras via preço de captação.

Atualmente, as atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis

encontra-se, como já referenciado, sob a égide da Agência Nacional de Petróleo25, que

mantendo a possibilidade de desvinculação de posto de serviço à distribuidora (Posto

Bandeira Branca), mantém a obrigatoriedade, em caso de vinculação a determinada

distribuidora, a exclusividade na aquisição de produtos desta, conforme determina o

parágrafo segundo do art. 11 da Portaria 116 da ANP.26

25 Cf. Lei n.º 9.478/1997: "Art. 78. Implantada a ANP, ficará extinto o DNC." 26 Art.11, § 2º. Caso o revendedor varejista opte por exibir a marca comercial do distribuidor de combustíveis líquidos derivados de petróleo, álcool combustível e outros combustíveis automotivos, deverá vender somente combustíveis fornecidos pelo distribuidor detentor da marca comercial exibida.

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35

Quanto aos produtos combustíveis automotivos derivados de petróleo citamos a

gasolina, o óleo diesel e o gás associado27, sendo que dentre aqueles não derivados de

petróleo temos o Álcool (AEHC - álcool etílico hidratado combustível) e o Gás Natural

Veicular - GNV (gás não associado28).

A gasolina e o álcool são vocacionados aos veículos de passageiros, o óleo

diesel aos serviços públicos, transporte coletivo e transporte de carga, enquanto o gás

natural veicular, que possui destaque no segmento de transporte de pessoas através dos

táxis, encontra-se, atualmente, em grande fase de incentivo aos veículos de passageiros

e, ainda, perante os ônibus urbanos que transportam passageiros29. Seu incentivo

encontra-se aliado ao preço e, principalmente, aos benefícios ambientais que sua

utilização acarreta em comparação aos demais combustíveis automotivos.

6.4.2 - Os Aspectos Jurídicos da Revenda

A chamada "revenda" consiste na atividade empresarial de comercialização de

produtos combustíveis pelos postos revendedores ao consumidor final. Sua previsão

legal está contida no art. 6º, inciso XXI, da Lei n.º 9.478/97, estando disciplinada pela

Portaria ANP n.º 116/00 e pela Portaria n.º 32/01, esta última atinente exclusivamente

ao produto de gás natural veicular.

É exercida em estabelecimento denominado posto revendedor, sendo facultado

o desempenho de outras atividades comerciais e de prestação de serviços, sem prejuízo

da segurança, saúde, meio ambiente e do bom desempenho do fornecimento de

combustíveis automotivos ao consumidor final.

A normatização do petróleo não atinge outros serviços prestados no posto de

serviço que não guardem correlação direta com a indústria do petróleo, como as lojas de

conveniência, as agências bancárias, os restaurantes, os supermercados e todas as outras

atividades desenvolvidas dentro do estabelecimento que não sejam propriamente

compreendidas no sistema nacional de combustíveis automotivos.

27 Gás Associado - gás natural produzido de jazida onde ele é encontrado dissolvido no petróleo ou em contato com o petróleo subjacente saturado de gás (Portaria ANP n.º 90/00) 28 Gás Não Associado -gás natural que é produzido de jazida de gás seco ou de jazida de gás e condensado (Portaria ANP n.º 90/00) 29 Conforme nota informativa extraída do Jornal do Brasil, de 22/10/2002, pág. C3. "Ônibus a gás será testado na Cidade. Começa a circular hoje o primeiro ônibus movido a gás natural veicular - GNV - do Rio de Janeiro. Durante 30 dias, a Companhia Estadual de Gás (CEG), a Transub e Fundação de Engenharia de meio Ambiente (Feema) vão analisar o desempenho do ônibus, que será lançado oficialmente às 9h, no Aterro do Flamengo ..."

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36

A ANP fixa requisitos à constituição regular da atividade de revenda de

combustíveis automotivos à população em geral, devendo constituir-se de pessoa

jurídica sob as leis brasileiras e estar registrada na ANP.

O revendedor varejista somente poderá iniciar a atividade de revenda de

combustível automotivo após a publicação de seu registro pela ANP no Diário Oficial

da União - DOU. Deverá observar as normas e regulamentos da ANP, bem como da

Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT, da Prefeitura Municipal, do Corpo

de Bombeiros, de proteção ao meio ambiente e do Departamento de Estradas de

Rodagem, com circunscrição sobre a sua localização30.

Uma vez apresentada na ANP a documentação exigida para a efetivação do

registro do revendedor varejista, a ANP terá até trinta dias para se manifestar sobre o

referido registro, podendo, para tanto, solicitar informações ou documentos adicionais

que se fizerem necessários, voltando a correr novo prazo a partir da protocolização dos

documentos ou informações solicitadas31.

Vê-se, assim, que a atividade de revenda só pode ser iniciada por pessoa

jurídica após o cumprimento de variadas determinações da ANP, em razão dos diversos

deveres que ao revendedor varejista lhe são cometidas, uma vez que a prática dessa

atividade, legalmente titulada de utilidade pública, deve ser realizada com rigoroso zelo

em função dos produtos e da nocividade que a prática irregular de sua operação e

comercialização ocasionaria à população.

Tem-se, portanto, que a relação comercial estabelecida entre o distribuidor e o

revendedor se faz de pessoa jurídica para pessoa jurídica, atividade esta essencialmente

mercantil (ato de comércio por natureza)32, por caracterizar-se uma etapa na cadeia

econômica de fornecimento no sistema nacional de abastecimento de combustíveis

automotivos33.

Nesse ponto temos que a relação jurídica comercial estabelecida entre os

partícipes citados não se encontram amparadas pelas normas consumeristas, sendo a

relação essencialmente comercial, estando, portanto, regidas pelas normas do direito

civil e pelo direito regulatório da atividade de comercialização de produtos

combustíveis.

30 Art. 7º da Portaria ANP 116/00. 31 Art. 4º e parágrafos da Portaria ANP 116/00. 32 Cf. José Xavier Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, p. 506 33 A cadeia econômica é dividida basicamente em três etapas distintas, sucessivas e interdependentes - refino, formulação ou importação - distribuição - revenda, cujas demais atividades como transporte, armazenagem, etc., são conexas ou dependentes (atos de comércio por dependência ou conexão - cf. José Xavier Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, p. 506)

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37

Isso não exclui ambos à obediência a norma consumerista em suas atividades

consideradas de per si, nem exclui a responsabilidade subsidiária quando um agente não

cumpre regularmente as normas técnicas relativas à atividade que venham causar

prejuízo ao consumidor final na rede de postos. Não é isso de que se trata! O que

gostaríamos de frisar é a impossibilidade de, com base nas regras do Código de Defesa

do Consumidor, questionar a aplicabilidade de cláusulas contratuais com fundamento na

vulnerabilidade econômica dos postos revendedores frente às empresas distribuidoras.

Conclui-se, assim, que muito embora as normas consumeristas não possam ser

utilizadas por quaisquer das partes para dirimir controvérsias acerca do relacionamento

comercial existente entre as distribuidoras e as empresas revendedoras de produtos

combustíveis, ambas tem deveres e responsabilidades que deverão ser obedecidos na

execução regular de suas atividades, conforme examinaremos adiante.

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VII - A RESPONSABILIDADE DAS DISTRIBUIDORAS E O CÓDIGO DE

DEFESA DO CONSUMIDOR

Passada a análise dos aspectos contratuais relativo a atividade empreendida

pelas distribuidoras nos contratos de fornecimento de produtos combustíveis e a

inaplicabilidade, em regra, das normas consumeristas a estes contratos, verifica-se a

necessidade de mostrar que, ainda assim, as distribuidoras possuem responsabilidades

perante o Código de Defesa do Consumidor. Isto porque o Código, mostrando sua

preocupação com o equilíbrio mercadológico e a influência que essa conjuntura deflui

junto ao consumidor, previne a posição da concorrência e prescreve práticas abusivas, a

par da estimulação de mecanismos de auto-regulamentação do mercado, que fica sob

contínua fiscalização, a fim de detectar-se mudanças ocorridas e corretivos

eventualmente necessários.

Não se pode olvidar que a par desta preocupação, o Código prescreve ainda

(art. 6º, inciso I, III e IV) a proteção a vida, a saúde e a segurança contra riscos

provocados por práticas desenvolvidas no fornecimento de produtos e serviços

considerados perigosos ou nocivos. No campo da informação destacamos a necessidade

de adequação e clareza sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação

correta de quantidade, características, composição, qualidade, preço e sobre os riscos

que apresentem; a proteção contra publicidade enganosa e abusiva, dentre outros

aspectos que incidem na atividade comercial empreendida pelas distribuidoras de

produtos combustíveis, cuja não observação destes preceitos enseja a responsabilidade

e, se for o caso, a reparação do ato ilícito desenvolvido.

A defesa do consumidor projeta-se, à generalidade, por três planos distintos,

quais sejam: administrativo, penal e civil.

Os ilícitos perpetrados contra os consumidores podem atingir interesses ou

direitos garantidos em nível administrativo, ou constituir-se em atentados de caráter

penal ou civil, autorizando, pois, reações nas três esferas, tanto pelos órgãos de defesa

quanto pelas associações privadas, ou pelo próprio lesado.

Com isso, o agente pode sofrer sancionamentos nos três planos, como, por

exemplo, na colocação no mercado de bens variados, em que o agente pode sofrer multa

ou outra penalidade administrativa, responder por delito contra a economia popular e

indenizar danos experimentados, em concreto, pelos consumidores.

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39

A cumulação é perfeitamente possível e legítima, em razão dos pressupostos

que inspiram o ordenamento jurídico em cada setor citado: no plano administrativo, a

ação preventiva ou repressiva estatal visa responder, ante o interesse público, à

inobservância das normas proibitivas existentes, no relacionamento entre a

administração pública e os fornecedores; no plano penal, o sancionamento repressivo

destina-se a punir as infrações definidas como delito, ainda à luz do interesse coletivo e

na defesa dos valores maiores da sociedade; e no plano civil, na defesa dos interesses

coletivos ou individuais dos lesados, que por diferentes ações são coibidas e reparadas

as infrações às normas consumeristas, em virtude dos diferentes efeitos visados pelos

atingidos, como a cessação de práticas lesivas; a reparação de danos morais e

patrimoniais havidos; a cominação de sanções pelo descumprimento de preceito e

outros.

A iniciativa cabe ao interessado, às entidades de representação, aos órgãos

públicos legitimados, seja na defesa de interesses individuais, sejam coletivos ou

difusos, estruturando-se o elenco de providências cabíveis sob a preocupação maior de

garantia efetiva dos direitos assegurados na legislação especial.

7.1 - A Tutela Administrativa

A tutela administrativa do consumidor representa a linha de frente da atuação

protetiva, envolvendo a mais extensa e complexa rede de mecanismos e órgãos

instituídos com o fim de dotar o consumidor dos meios legais e administrativos que

possam propiciar a sua defesa em qualquer região do território nacional.

A tutela administrativa do consumidor manifesta-se de três formas: (a) pela

instituição de legislação protetiva, desde leis ordinárias, federais e estaduais, até

decretos resoluções e portarias; (b) pela instituição e implementação do Sistema

Nacional de Defesa do Consumidor, bem como pela atuação dos órgãos administrativos

de defesa do consumidor, em nível federal, estadual e municipal, e, por fim, (c) por

meio da fiscalização, do controle e da aplicação de sanções administrativas aos

infratores.

7.1.2 - Legislação Protetiva

A União, os Estados e o Distrito Federal possuem competência para, em suas

respectivas áreas de atuação, emitirem normas relativas à produção, industrialização,

distribuição e consumo de produtos e serviços, como ressaltado pelo art. 55 do Código

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de Defesa do Consumidor, existindo atualmente diversas normas (leis, decretos,

regulamentos, resoluções e portarias) editadas cuidando de vários assuntos, direta ou

indiretamente protegendo o consumidor. Podemos citar, como exemplo, o Decreto n.º

22.262, de 1933, que reprime a usura; a Lei n.º 1.521, de 1951, que reprime os crimes

contra a economia popular e a Lei n.º 9.478, de 1997, que disciplina a política de

abastecimento nacional de combustíveis, tendo como um de seus atributos a

responsabilidade de promover a regulação e o desenvolvimento do mercado petrolífero,

em suas diversas ramificações, com ênfase na garantia de suprimentos de derivados de

petróleo em todo o território nacional e na proteção dos interesses dos consumidores

quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos.

O cumprimento de tais normas é fiscalizado, em geral, pelas diversas

Secretarias Estaduais e Municipais. Oportuno se faz ressaltar que os Municípios não

têm competência para editar normas relativas à produção, industrialização, distribuição

e consumo de produtos e serviços, mas poderão fiscalizar e controlar tais atividades,

baixando as normas que se fizerem necessárias ao cumprimento dessa finalidade (art.

55, § 1º CDC).

7.1.3 - A Defesa no Plano Administrativo

No plano administrativo, a atuação do aparelhamento estatal pode dar-se de

ofício, mediante acionamento pelo Executivo, ou por entidades legitimadas, ou, ainda,

por provocação dos interessados e de suas associações.

No regime vigente, os órgãos atuam coordenadamente, a fim de concentrar

forças necessárias para o equacionamento de conflitos, obedecida, no entanto, a

competência específica, quando for o caso, e mediante ação conjunta, por meio de

convênios próprios.

Seguindo essa linha de informação e de integração do consumidor ao sistema,

atribui-se aos órgãos oficiais competência para notificações aos fornecedores, para que,

sob pena de desobediência, prestem informações a respeito de questões de interesse do

consumidor (art. 55, § 4º), resguardado o segredo industrial.

Com isso, encontram-se disponíveis para o consumidor e para as entidades

associativas, inúmeros órgãos, nos diversos níveis da Federação, perante os quais

podem os interessados, pessoal e diretamente, ou sob representação: formular consultas;

apresentar denúncias e reclamações; solicitar orientações ou esclarecimentos; obter

informações; pedir providências repressivas ou preventivas; oferecer sugestões para o

aperfeiçoamento do sistema; participar de seu contexto; estimular o desenvolvimento de

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estudos e pesquisas tendentes ao aprimoramento do sistema, ou da legislação

correspondente.

Assim, exemplificando a tutela administrativa a que estão submetidas as

distribuidoras de combustíveis na atividade comercial desempenhada, destacamos a

audiência pública realizada no dia 22/09/1999, convocada pelos Promotores de Justiça

do Setor de Meio Ambiente de Trabalho e Prevenção de Acidentes da Capital de São

Paulo, que teve dentre outros objetivos, o de obter eventuais sugestões e propostas para

solução definitiva, em nível nacional, do problema referente à falta de informações

toxicológicas adequada nos rótulos e fichas de segurança de produtos químicos.

Muito embora o objetivo desta audiência fosse a falta de informação

toxicológicas adequadas nos rótulos e fichas de segurança de produtos químicos, no que

se refere à preocupação com a saúde e segurança no ambiente de trabalho, é inegável o

reflexo deste problema na seara consumerista, quanto ao dever de informação.

Assim, participaram desta audiência diversas distribuidoras de produtos

combustíveis além de outras empresas que se utilizam de produtos químicos. Nesta

sessão historiou-se a origem e desdobramentos subsequentes da questão debatida nesta

audiência pública, demonstrando-se que ao longo dos oito anos de atividade na defesa

do meio ambiente do trabalho, através de perícias realizadas em centenas de inquéritos

civis, foi identificada falha na informação de segurança em rótulos de produtos

químicos em geral, e também em suas fichas de segurança, principalmente quanto à

omissão de dados relevantes acerca da sua toxicidade e/ou outros efeitos nocivos à

saúde e mecanismos de prevenção desses riscos.

Buscou-se, então, uma uniformização, um padrão de rotulagem e fichas de

informação de segurança de produtos químicos, sendo forçoso reconhecer o interesse

legítimo de outros órgãos e instituições na formulação desse padrão de rotulagem.

Ao final foi deliberado a concessão de prazo de 180 (cento e oitenta) dias para

as empresas que estavam sob investigação pela Promotoria de Justiça apresentarem

proposta de ajustamento para adequação de seus rótulos e fichas de informação com

base no modelo proposto pela comissão técnica do Ministério Público, da forma como

exposta na sessão pública, sendo, ainda, oficiado o Governo do Estado de São Paulo

sugerindo a criação de programas de disponibilização de informações técnicas na área

de saúde, meio ambiente e consumidor no tocante à produção, distribuição e

comercialização de produtos químicos.

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7.1.4 - Sanções cabíveis no Plano Administrativo

A prática de infrações à legislação do setor de consumo sujeita-se a

sancionamentos diversos no plano administrativo, sem prejuízo dos de caráter civil e

penal, e das previstas em leis especiais, a saber: a) multa; b) apreensão do produto; c)

inutilização do produto; d) suspensão de fornecimento de produto ou serviço; e)

proibição de fabricação do produto; f) revogação de concessão ou de permissão de uso;

g) cassação de licença de estabelecimento, ou de atividade; h) cassação do registro do

produto junto ao órgão competente; i) interdição, total ou parcial, de estabelecimento de

obra ou de atividade empresarial; j) intervenção administrativa; l) suspensão temporária

de atividade empresarial; m) imposição de contrapropaganda.

Numeroso e grave mostra-se, pois, o elenco de sanções, em razão, como de

direito, do vulto da infração e da condição do agente e dos efeitos alcançados, podendo

também haver cumulação entre as diferentes modalidades descritas, as quais são

impostas, em cada caso, pelas autoridades competentes, no âmbito de suas atribuições,

inclusive por medida cautelar antecedente ou incidente de procedimento administrativo.

No que concerne à fiscalização das atividades relativas à indústria do petróleo

e ao abastecimento nacional de combustíveis, bem como do adequado funcionamento

do Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e do cumprimento do Plano Anual

de Estoques Estratégicos de Combustíveis, de que trata a Lei n.º 9.478/97, esclarece-se

que essa atividade fiscalizadora será desempenhada pela Agência Nacional do Petróleo

- ANP ou, mediante convênios por ela celebrados, por órgãos da Administração Pública

direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Assim, a Lei n.º 9.847, de 26/10/1999 veio a dispor sobre esta fiscalização,

dispondo, ainda, das sanções a serem aplicadas na ocorrência de informações. Dentre as

sanções dispostas na lei, faremos referências àquelas que atingem, direta e

imediatamente, os consumidores, senão vejamos:

a) inobservar preços fixados na legislação aplicável para a venda de petróleo, seus

derivados básicos e produtos, gás natural e condensado, e álcool etílico combustível,

multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais);

b) deixar de atender às normas de segurança previstas para o comércio ou estocagem

de combustíveis, colocando em perigo direto e iminente a vida, a integridade física

ou a saúde, o patrimônio público ou privado, a ordem pública ou o regular

abastecimento nacional de combustíveis, multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a

R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais);

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c) comercializar petróleo, seus derivados básicos e produtos, gás natural e condensado,

e álcool etílico combustível com vícios de qualidade ou quantidade, inclusive

aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes do recipiente, da

embalagem ou rotulagem, que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a

que se destina ou lhes diminuam o valor, multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a

R$ 5.000.000,00 (cinco milhão de reais);

d) deixar de fornecer aos consumidores as informações previstas na legislação

aplicável ou fornecê-las em desacordo com a referida legislação, multa de R$

5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais);

e) não dispor de equipamentos necessários à verificação da qualidade, quantidade

estocada e comercializada dos produtos derivados de petróleo e álcool combustível,

multa de 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

A pena de multa será graduada de acordo com a gravidade da infração, a

vantagem auferida, a condição econômica do infrator e os seus antecedentes.

As penas de apreensão de bens e produtos, de perdimento de produtos

apreendidos, de suspensão de fornecimento de produtos e de cancelamento do registro

do produto serão aplicadas, conforme o caso, quando forem constatados vícios de

quantidade ou de qualidade por inadequação ou falta de segurança do produto.

A suspensão temporária, total ou parcial, de funcionamento de estabelecimento

ou instalação será aplicada: (i) quando a multa, em seu valor máximo, não corresponder,

em razão da gravidade da infração, à vantagem auferida em decorrência da prática

infracional; ou (ii) no caso de segunda reincidência (verifica-se a reincidência quando o

infrator pratica uma infração depois da decisão administrativa definitiva que o tenha

apenado por qualquer infração, sendo certo que pendendo ação judicial na qual se

discuta a imposição de penalidade administrativa, não haverá reincidência até o trânsito

em julgado da decisão).

A pena de perdimento de produtos será aplicada quando: (i) comprovado, por

exame realizado pela autoridade fiscalizadora, vício no produto ou produto que não

esteja adequado à especificação autorizada; (ii) falta de segurança do produto; (iii)

quando o produto estiver sendo utilizado em atividade relativa à industria do petróleo,

por pessoa sem prévio registro ou autorização exigidos na legislação aplicável; (iv)

quando o produto estiver sendo utilizado para destinação não permitida ou diversa da

autorizada. A pena de perdimento só será aplicada após decisão definitiva, proferida em

processo administrativo com a observância do devido processo legal.

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As penas serão sempre aplicadas em processo administrativo próprio,

assegurada ampla defesa aos imputados.

Observa-se, assim, que o vulto das penalidades é outro fator inibidor de

práticas lesivas, pois, conforme o caso, pode o infrator ver tolhida a própria fluência de

sua atividade, ou suportar o pesado ônus de uma intervenção estatal, em consonância

com o esquema punitivo moderno que a Constituição possibilita.

Revestem-se, assim, as penalidades, de grande significado na defesa do

consumidor, pois têm a função de educar o fornecedor, inibindo condutas desonestas e

abusivas e reprimindo os atos fraudulentos.

Destacamos que qualquer pessoa, constatando infrações às normas relativas à

indústria do petróleo e à sua comercialização, poderá dirigir representação à ANP, para

efeito do seu poder de polícia.

7.1.5 - O Processo Administrativo

O Decreto n.º 2.181/97 cuidou de regulamentar o processo administrativo para

a apuração das práticas infringentes (ou infrativas) às normas de defesa do consumidor e

a aplicação das sanções correspondentes.

Trata-se de grande relevância, eis que facilita a atuação dos órgãos e entidades

de defesa do consumidor, disciplinando-a e uniformizando-a, bem como permite

transparência no relacionamento entre a Administração, administrado, fornecedor e

consumidor.

No entanto, após a edição do Decreto n.º 2.181/97 veio a lume a Lei n.º 9.784,

de 24/01/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração

Pública Federal. Assim, por força do princípio da hierarquia das leis, prevalecerá esta

sobre o decreto naquilo que forem incompatíveis.

7.2 - A Tutela no Plano Penal

À época da tramitação do anteprojeto e do projeto de lei do Código do

Consumidor sustentou-se a não-criminalização de condutas, ao argumento de que as

demais penalidades previstas (punição administrativa e ressarcimento civil) seriam

suficientes à repressão. O Congresso Nacional, no entanto, assim não entendeu, e

preferiu incluir também a tipificação penal; reconhecendo, com isso, ser necessária à

completa proteção do consumidor e outorgando maior efetividade à legislação protetiva.

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De todo modo, restou superada a discussão doutrinária em torno do tema, em face da

sanção e promulgação do Estatuto do Consumidor.

Portanto, o esquema defensivo dos interesses dos consumidores obedece,

também no plano penal, ao reconhecimento, pelo Código, do direito à tutela concreta,

realizando-se, nessa área, através da definição de figuras delituais específicas, da

enunciação de penas compatíveis com a evolução da matéria e da integração de pessoas

e de entidades legitimadas à ação persecutória.

Com efeito, a par do sistema administrativo instituído, a preocupação com a

concessão efetiva de amparo ao consumidor se realiza também no âmbito penal e no

civil, com mecanismos em cada qual, de cunho preventivo, ou repressivo, dos quais se

destaca, no primeiro, o rígido regime punitivo introduzido pelo Código.

Assim, identificadas inúmeras prática abusivas contra os consumidores, como

as já noticiadas, erigiram-se em delitos as dotadas de maior gravidade, introduzindo-se,

desse modo, novas figuras ao universo dos crime contra as relações de consumo.

Nesses delitos, o sujeito passivo é o consumidor, bem como pessoas outras

lesadas, situando-se no pólo ativo o fornecedor, o intermediário, o prestador de serviços

ou outro agente que se encontre nas condições descritas nos tipos legais.

Os bens protegidos são os direitos básicos reconhecidos aos consumidores,

caracterizando-se, assim, esses crimes apenas em situações de consumo.

Dentre os delitos, existem alguns de dano, outras de perigo, e modalidades

dolosas (dolo genérico) e culposas, estas com atenuação do rigor sancionatório.

As sanções são graves, consistindo em penas privativas de liberdade e em

multas - de valores determináveis com base em critérios técnicos atuais - e em outras

formas mais modernas, em consonância com a Constituição de 1988 (art. 5º, inciso

XVLI), podendo atingir-se inclusive a interdição de estabelecimento.

A fiança, quando possível, também se lastreia em valores de expressão,

consoante a mesma tendência de exacerbação de sanções pecuniárias, que se nota na

doutrina penal de nossos dias, para delitos perpetrados no âmbito de empresas,

especialmente comerciais e industriais (Constituição de 1988, art. 173, § 5º).

7.2.1 - A Criminalização de Condutas

Figuras próprias de delitos contra consumidores foram instituídas no regime

codificado, em função de práticas lesivas detectadas na experiência comum, e sob várias

ações vedadas em seu contexto, sem prejuízo de outras previstas em leis próprias.

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De início, puniam-se ações de "colocar no mercado, fornecer ou expor para

fornecimento bens impróprios ao consumo" (art. 62). No crime doloso, a pena era de

detenção de seis meses a dois anos e multa (caput) e, no culposo, detenção de três meses

a um ano, ou multa (§ 1º). As penas seriam aplicadas sem prejuízo das correspondentes

à lesão corporal e à morte (textos vetados).

Sancionam-se, a seguir, as ações de "omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre

a nocividade ou a periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, nos

recipientes, ou na publicidade (art. 63). A pena é de detenção de seis meses a dois anos

e multa (caput) e, no crime culposo, detenção de um a seis meses ou multa (§ 2º). Nas

mesmas penas do crime doloso incorre aquele que "deixar de alertar, mediante

recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado"(§

1º).

É proscrita também a prática consistente em "deixar de comunicar à autoridade

competente e aos consumidores a nocividade, ou periculosidade de produtos cujo

conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado"(art. 64), com pena de

detenção de seis meses a dois anos e multa. Nas mesmas penas incide quem "deixar de

retirar do mercado, imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os

produtos nocivos ou perigosos", na forma acima (parágrafo único).

Reprime-se, depois, a ação de "executar serviços de alto grau de

periculosidade, contrariando determinação de autoridade competente"(art. 65), com

detenção de seis meses a dois anos e multa. Aplicam-se as penas independentemente das

incidentes sobre lesão corporal e morte (parágrafo único).

Também consiste delito a ação de "fazer afirmação falsa ou enganosa, ou

assistir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade,

segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou de serviços"

(art. 66), apenada com detenção de três meses a um ano e multa. Nas mesmas sanções

incorre quem patrocina a oferta (§ 1º). Se culposo o delito, a pena é de detenção de um a

seis meses ou multa (§ 2º).

Apena-se também quem fizer ou promover publicidade que saiba ou deva

saber enganosa ou abusiva (art. 67), sob pena de detenção de três meses a um ano e

multa.

Constituem ainda delitos as ações de "fazer ou promover publicidade que saiba

ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial

ou perigosa à saúde ou à segurança", com pena de detenção de seis meses a dois anos e

multa (art. 68).

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Pune-se, em seguida, a ação de "deixar de organizar dados fáticos, técnicos e

científicos que dão base à publicidade"(art. 69), sancionada com detenção de um a seis

meses ou multa.

Outra ação delituosa é a de "empregar, na reparação de produtos, peças ou

componentes de reposição usados, sem autorização do consumidor", com detenção de

três meses a um ano e multa (art. 70).

Também são crimes as ações de "utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça,

coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou

de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a

ridículo, ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer" (art. 71), sujeitas à pena de

detenção de três meses a um ano e multa.

Configuram ainda delitos as ações de "impedir ou dificultar o acesso do

consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, bancos de dados,

fichas e registros" (art. 72), que se sujeitam a detenção, de seis meses a um ano ou

multa. Também se sanciona aquele "que deixar de corrigir imediatamente informação

sobre o consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros, que sabe

ou deverá saber ser inexata"(art. 73), com detenção de um a seis meses ou multa.

Ainda é delito a ação de "deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia

adequadamente preenchido e com especificação clara de seu conteúdo" (art. 74), que se

pune com detenção de um a seis meses ou multa.

7.2.2 - Regime Sancionatório

No equacionamento do regime sancionatório para as infrações penais citadas,

o Código prevê a aplicação de medidas repressivas outras, que o juiz poderá definir no

caso concreto à luz de suas circunstâncias, para substituir as penas específicas, ou para

com elas conviver.

São descritas circunstâncias agravantes e formas qualificadas, legitimando-se

para as providências repressivas pessoas e associações de representação, a par do

Ministério Público. Mas, deve-se anotar que, diante do anteprojeto inicial, sofreu o

Código abrandamento no Congresso, com a substituição das penas para detenção e com

prazos menores dos que os inicialmente previstos.

Assim é que, de início, se prevê que, além das penas privativas de liberdade e

de multas, podem ser impostas, cumulativa ou alternadamente: interdição temporária de

direitos; publicação em órgão de comunicação de grande circulação ou audiência, a

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expensas do infrator, de notícia sobre os fatos e a condenação; prestação de serviços à

comunidade (ou prestação social alternativa) (art. 78).

O novo elenco sancionatório, que na Constituição encontra fulcro, conforma-

se à tendência doutrinária de diversificação de penas, adicionando-se às de restrição de

liberdade fórmulas mais eficientes na elisão, ou na repressão, da prática de ilícitos

penais. Ao juiz caberá aplicar, em concreto, a sanção à vista das características do caso

concreto.

Outrossim, consideram-se circunstâncias agravantes, sem prejuízo das

comuns, estipuladas no Código Penal, as de: "serem os crimes cometidos em época de

grave crise econômica ou por ocasião de calamidade; ocasionarem grave dano

individual ou coletivo; dissimular-se a natureza ilícita do procedimento; serem os

crimes praticados em operações que envolvam alimentos, medicamentos, ou quaisquer

outros bens ou serviços essenciais"; e "serem cometidos por servidor público ou por

pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente superior à da vítima"; ou

"em detrimento de operário ou rurícola; de menor de dezoito ou maior de sessenta anos,

ou de pessoas portadoras de deficiência mental, interditadas ou não" (art. 76).

Constituem, todas, situações em que mais debilitado se encontra o consumidor,

manifestando-se mais intensamente a carga dolosa do agente.

Na concorrência para a prática dos crimes referidos, estabelece o Código que a

pessoa que, de qualquer sorte, colaborar para a sua consecução, incide nas penas

cominadas na medida de sua culpabilidade. Também respondem pelos crimes o diretor,

o administrador, ou o gerente de pessoa jurídica que promover, permitir, ou de qualquer

modo aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda, ou manutenção em depósito

de produtos ou a oferta e prestação de serviços nas condições proibidas pelo Código

(art. 75).

Referentemente ao valor da fiança nas infrações previstas no Código, cabe ao

juiz (ou autoridade que presidir o inquérito) a fixação entre cem e duzentas mil vezes o

valor da BTN, ou índice equivalente que o substitua (art. 79). Pode a medida, em

consonância com a posição econômica do réu, ou do indiciado, ser reduzida até a

metade de seu valor mínimo, ou aumentada pelo magistrado até vinte vezes (parágrafo

único).

Quanto à legitimidade para agir, prevê-se que, no processo referente aos

crimes citados, bem como a outros delitos ou contravenções que envolvam relações de

consumo, podem intervir como assistentes do Ministério Público as entidades e pessoas

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legitimadas à defesa do consumidor, facultando-se-lhes a propositura da ação penal

subsidiária, se a denúncia não for apresentada no prazo legal (art. 80).

Observa-se, assim, que o regime penal exige que se aparelhem tecnicamente os

interessados, em especial, os fornecedores e as exigências de propaganda, a fim de não

incidir nas sanções expostas, em que o valor das de cunho pecuniário é bastante

expressivo. A pena pecuniária é fixada em dias-multa, correspondente ao mínimo e ao

máximo de dias de duração da pena privativa de liberdade cominada ao crime,

observadas, na individualização da pena, as normas do estatuo penal (art. 77).

7.3 - A Tutela no Plano Civil

À luz do princípio da tutela efetiva do consumidor, desenvolveu-se também,

no plano civil, sistema ordenado de regras, em que se conjugam diversos interesses e se

estabelecem mecanismos individuais e coletivos de reação, para garantir-se os direitos

dos consumidores, ou assegurar-lhes resposta adequada em hipóteses de lesionamento.

É inegável, portanto, que o Código, além de dispositivos de natureza

administrativa (arts. 55 a 60), penal (arts. 61 a 80) e processual (arts. 81 a 104), possui

inúmeros outros de direito material, com o objetivo claro de garantir, preventiva ou

repressivamente a tutela do consumidor no plano civil.

Bem de ver, no entanto, que a tutela civil do consumidor não está adstrita

exclusivamente ao disposto no regime codificado. Nessa seara inserem-se outras leis de

natureza substantiva, a qual exemplificamos através da Lei n.º 9.847, de 26/10/1999,

referente à fiscalização das atividades relativas à indústria do petróleo e ao

abastecimento nacional de combustíveis.

Vê-se que o regime codificado trouxe novas regras aptas a conduzirem a uma

ampla e efetiva proteção do consumidor. Inserem-se nessa ordem de medidas a

ampliação dos limites da coisa julgada (de inter partes a ultra partes e erga omnes), na

consagração da responsabilidade objetiva do fornecedor, a tornar despicienda a

demonstração de culpa ou dolo, na definição prévia e legal das alternativas para o

consumidor nas hipóteses de ressarcimento por vício do produto ou do serviço, na

ampliação dos prazos de decadência e prescrição, possibilitando ao lesado um maior

espaço de tempo para buscar ressarcir-se, e, por fim, na abertura de nova via processual

por meio das ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos de

origem comum.

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7.3.1 - Da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. A teoria do "risco

criado"

Os produtos e serviços criados no mercado destinam-se a satisfazer as

necessidades dos consumidores, nos aspectos de indispensabilidade, utilidade e

comodidade, sendo conatural a expectativa de que funcionem convenientemente e

adequadamente ou se prestem à finalidade que deles legitimamente se espera. Não fosse

assim não estaria justificada a razão de sua existência.

É certo, por outro lado, que os fornecedores procuram produzir bens e serviços

adequados ao consumo, seguros, eficientes e indenes de defeitos, utilizando-se, para

tanto, de testes e controles de produção e qualidade, com o objetivo de eliminar ou pelo

menos reduzir a colocação no mercado de produtos defeituosos.

Ocorre, porém, que, mesmo com o emprego de diligência na produção ou

prestação e de rigoroso controle, ainda assim alguns produtos e serviços acabam

entrando no circuito comercial com defeitos que culminam por causar lesão à saúde, à

segurança e ao patrimônio dos consumidores e utentes. Tais danos, anônimos e

inevitáveis, não são produzidos por pessoas e sim por coisas (produtos ou serviços), e se

repetem com relativa freqüência, estatisticamente mensurável.

A superveniência de alguns fatores, tais como o desenvolvimento dos

mecanismos de produção, a multiplicação dos veículos e a intensificação dos sistemas

de transporte, a difusão de materiais inflamáveis, e mesmo o enorme crescimento da

população conjugado com o fenômeno da urbanização crescente, trouxe um notável

aumento de riscos e danos, sendo certo que grande parte dessas hipóteses de risco não se

ajusta ao esquema tradicional de culpa e de ato ilícito.

A inevitabilidade dessas falhas no sistema de produção seriada e a

impossibilidade prática de sua completa eliminação conduziram à idéia de criação de

mecanismos legais de ressarcimento de danos pelo simples fato da colocação no

mercado de produtos e serviços potencialmente danosos, atribuindo ao fornecedor a

responsabilidade pelos danos nessa condição causados à vítima e a terceiros, dentro do

princípio de que aquele que lucra com uma atividade deve responder pelo risco ou pelas

desvantagens dela decorrentes. Daí o surgimento da teoria do risco criado, que tem o

sentido de atribuir ao fornecedor o dever de reparar danos causados aos consumidores

pelo fato de desenvolver determinada atividade potencialmente danosa. Ou seja, faz

com que o agente fornecedor assuma todos os risco de sua atividade.

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Imbuído desse espírito, o legislador acolheu integralmente a teoria do risco

criado como apta e suficiente para garantir o consumidor em relação aos danos que

viesse a sofrer pelo fato da colocação no mercado de produtos e serviços.

Subjacente ao tema, cumpre verificar que ao dever geral de não causar

prejuízo a outrem correspondeu o dever especial de não colocar no mercado produtos e

serviços que possam acarretar riscos à saúde e segurança dos consumidores (art. 8º do

CDC). Este dispositivo, aliás, impõe ao fornecedor, em correspondência simétrica com

os direitos básicos dos consumidores, os seguintes deveres:

a) não colocar no mercado produtos e serviços que impliquem riscos à saúde e

à segurança, exceto os havidos por normais e previsíveis em decorrência de sua natureza

e fruição, e

b) dar ao consumidor informações necessárias e adequadas a respeito do

funcionamento e da potencialidade danosa.

Em conseqüência da não-observância desses deveres surge a responsabilidade

do fornecedor pelo fato do produto e do serviço (artigos 12 e 14 do CDC). Da

infringência desses deveres surge a responsabilidade civil do fornecedor, com a

conseqüente obrigação de indenizar consumidores e vítimas em face dos defeitos

apresentados por produtos e serviços.

Assim, como regra, é o fornecedor o responsável pelo fato do produto ou do

serviço (art. 12 do CDC), pelo simples fato de que o fabricante, o produtos, o construtor

e o importador são os autores da colocação no mercado do produto defeituoso, sendo

natural, portanto, que assumam os riscos dessa conduta e arquem com os encargos

decorrentes da reparação de danos das atividades que lhe são próprias, além daquelas

decorrentes de insuficiência ou inadequação de informações sobre utilização e riscos

dos produtos e serviços. Em todos os casos a responsabilidade se mostra clara e

evidente, tendo em vista o elo entre o fornecedor e o produto ou serviço.

7.3.2 - Da responsabilidade objetiva

A regra basilar da responsabilidade civil, no direito privado, é a

responsabilidade com culpa, derivada de ilícito extracontratual, também chamada de

aquiliana. Por ela, todo aquele que causar dano a outrem, por dolo ou culpa, está

obrigado a repará-lo nos termos do art. 186 do novo Código Civil.

Tal regra, conquanto aplicada eficazmente no campo das relações civis,

mostrou-se inadequada no trato das relações de consumo, quer pela dificuldade

intransponível da demonstração da culpa do fornecedor, titular do controle dos meios de

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produção e do acesso aos elementos de prova, que pela inviabilidade de acionar o

vendedor ou prestador de serviço, que só em infindável cadeia de regresso poderia

responsabilizar o fornecedor originário, quer pelo fato de que terceiros, vítimas do

mesmo evento, não se beneficiariam da reparação.

Atentos a essas circunstâncias é que o legislador optou pela adoção da

responsabilização objetiva34, independente de culpa, para a reparação dos danos pelo

fato do produto ou do serviço. Consagrou o Código de Defesa do Consumidor, de forma

incisiva e clara, que o fornecedor responde, independentemente da existência de culpa,

pela reparação dos danos causados por defeitos ou insuficiência e inadequação de

informações, em relação aos produtos e serviços que colocou no mercado (artigos 12 e

14 do CDC).

Consagrada a responsabilidade objetiva do fornecedor, não se perquire a

existência de culpa; sua ocorrência é irrelevante e sua verificação desnecessária, pois

não há interferência na responsabilização. Para a reparação de danos, no particular,

basta a demonstração do evento danoso, do nexo causal e do dano ressarcível e sua

extensão.

Isto não significará, no entanto, o aniquilamento da responsabilidade com

culpa, que continuará regulando a extensa gama de reparações na esfera civil, mas não

terá aplicação nas reparações decorrentes da relação de consumo.

7.3.3 - Da responsabilidade do comerciante

Estando perfeitamente individualizada a responsabilidade do fornecedor pela

colocação do produto no circuito comercial, não há que se falar em responsabilidade do

comerciante, a pessoa ou empresa que vendeu ou fez a entrega do produto ao

consumidor, porque ela, no quadro atual, nenhuma interferência tem em relação aos

aspectos intrínsecos de produtos que comercializa, já que os recebe embalados e sem

possibilidade de testá-los ou de detectar eventuais defeitos ocultos. Só por esta razão

está justificada a exclusão do comerciante da cadeia de responsabilidade.

Tal exclusão, no entanto, não é absoluta, porquanto, em determinadas

situações, previstas legislativamente, o comerciante é igualmente responsável e passa a

integrar a cadeia de responsabilidade. Isso ocorre quando o fabricante, o construtor, o

produtor ou o importador não puderem ser identificados (art. 13, inciso I do CDC),

34 O ordenamento jurídico conhece outras hipóteses de responsabilidade objetiva: acidentes ferroviários (Lei n.º 2.681, de 7-12-1912), Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n.º 7.565, de 19-12-1986, artigos 246 a 266), danos nucleares (CF, art. 21, XXIII, c, e Lei n.º6.453, de 17-10-1977), danos ambientais (Lei

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quando o produto for fornecido sem identificação clara de seu fabricante, produtor,

construtor ou importador (inciso II) e, por fim, quando não conservar adequadamente os

produtos perecíveis (inciso III), hipóteses em que assume solidariamente a

responsabilidade pela colocação do produto no mercado e deverá arcar com as

conseqüências jurídicas correspondentes.

7.3.4 - Pressupostos da responsabilidade

Superada a questão da verificação da culpa, já que o Código adotou

expressamente a responsabilidade objetiva, temos três pressupostos que informam a

responsabilização pelo fato do produto e do serviço:

a) colocação do produto no mercado - é o ato humano, comissivo, de lançar ou

fazer ingressar em circulação comercial produto potencialmente danoso que possa

causar lesões aos interesses dos consumidores. Se, de um lado, há o dever de não

acarretar riscos à segurança ou ao patrimônio de outrem, o que se denomina dever de

diligente fabricação e advertência (art. 8º do CDC), resulta, de outro lado, da

inobservância dessa conduta, a responsabilidade pelo fato da colocação no mercado de

produto defeituoso ou potencialmente danoso (artigos 12 e 14 do CDC). Adverte, Paes

de Barros Leães que "a fabricação de um produto defeituoso não constitui, por si

mesma, um fato antijurídico; é a colocação no mercado do produto defeituosamente

fabricado o ato voluntário do fabricante a que se deve ligar, num nexo causal, o

resultado danoso".

b) relação de causalidade - para que emerja a obrigação de reparar danos é

necessário que exista uma relação de causa e efeito entre a ação do fornecedor de

colocação no mercado de produto potencialmente danoso e o dano verificado, ou seja,

entre este e um defeito que possa ser atribuído ao fabricante.

c) dano ressarcível - é o prejuízo causado ao consumidor. Abrange o dano

emergente, considerando-se como tal os prejuízos efetivos, diretos e imediatos e os

lucros cessantes, assim entendidos os que podiam ser previsíveis na data de infração.

Inclui, assim, a título de exemplo, tanto a indenização do produto danificado como

despesas médico-hospitalares, lucros não auferidos no período em razão de afastamento

das atividades normais, indenização de objetos e imóveis danificados, indenização por

redução da capacidade laborativa ou lesão incapacitante.

n.º 6.938, de 31-8-1981, art. 14, § 1º), responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público pelos danos causados por seus agentes (CF, art. 37, § 6º) etc.

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7.3.5 - Exclusão da responsabilidade

A regra, como visto, é a responsabilização do fornecedor - fabricante,

produtor, construtor ou importador e eventualmente o comerciante - pelos danos

causados ao consumidor por defeitos dos produtos e serviços, desde que demonstrada a

relação de causalidade entre eles.

Assim, dentre as situações que excluem a responsabilidade do fornecedor,

descritas no art. 12, § 3º do CDC, destacamos a ocorrência de:

a) culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro - isto porque nesse evento

deixa de existir a relação de causa e efeito entre o defeito do produto (que não causaria

de per si o dano por má utilização da vítima ou do terceiro) e o dano experimentado.

Luiz Gastão Paes de Barros Leães, com suporte na experiência norte-americana, cuida

de exprimir o entendimento do que seja "culpa da vítima", nestes termos: "Na espécie,

cuida-se do uso negligente ou anormal do produto, que causou ou concorreu para causar

o evento danoso. Ocorre uso negligente (contributory negligence) do produto nas

seguintes hipóteses: a) inobstante as instruções ou advertências, o consumidor ou

usuário emprega o produto de maneira inadequada, ou dele faz uso pessoa a quem a

mercadoria é contra-indicada; b) à revelia do prazo de validade, o produto é utilizado ou

consumido; c) quando não se atenda a um vício ou defeito manifesto. Ocorre uso

anormal (unusual use) quando o produto é utilizado ou consumido de modo diverso do

objetivamente previsto (abnormal purpose)35". Atente-se que só a culpa exclusiva da

vítima ou de terceiro exclui a responsabilidade do fornecedor. A culpa concorrente não

a exclui e conduz a uma redução do quantum indenizatório, como admitido pela

jurisprudência pátria.

b) caso fortuito ou força maior (art. 393 do Código Civil) - Apesar de não

prevista expressamente no Código do Consumidor, ambas as hipóteses possuem força

liberatória e excluem a responsabilidade, porque também quebram a relação de

causalidade entre o defeito do produto e o dano causado ao consumidor. Não teria

sentido, por exemplo, responsabilizar uma distribuidora de produtos combustíveis, o

fato de um raio atingir um automóvel e promover um incêndio em decorrência do

combustível que no automóvel se encontrava: inexistiria nexo de causalidade a ligar

eventual vício no combustível ao evento danoso.

Para reforçar e tornar efetiva a tutela do consumidor nessa área de

ressarcimento civil, o legislador ainda proibiu as chamadas cláusulas de

35 Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade civil, cit., p. 222-3; Bittar, Direitos do Consumidor, cit., p.35.

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irresponsabilidade ou de não indenizar, ao vedar taxativa e expressamente a estipulação

contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou a obrigação de indenizar (art. 25).

Com a mesma finalidade, impede a exoneração do fornecedor nos casos de ignorância

sobre vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços (art.23) e proclama a

dispensa de termo expresso para que a garantia se efetive (art. 24).

7.3.6 - Da Inversão do ônus da prova

Dentro do contexto de assegurar efetiva proteção ao consumidor, o legislador

outorgou a inversão, em seu favor, do ônus da prova. Cuida-se de benefício previsto no

rol dos direitos básicos (art. 6º, VII), constituindo-se numa espécie do gênero

"facilitação da defesa de direitos", que a legislação protetiva objetivou endereçar ao

consumidor.

Sabe-se que este, por força de sua situação de hipossuficiência e fragilidade,

via de regra enfrentava dificuldade invencível de realizar a prova de suas alegações

contra o fornecedor, mormente em se considerando ser este o controlador dos meios de

produção, com acesso e disposição sobre elementos de provas que interessam à

demanda. Assim, a regra do art. 333, inciso I, do estatuto processual civil representava

implacável obstáculo às pretensões judiciais dos consumidores, reduzindo-lhes, de um

lado, as chances de vitória, e premiando, por outro lado, com a irresponsabilidade civil,

o fornecedor.

Para inverter esse quadro desfavorável ao consumidor, o legislador alterou,

para as relações de consumo, a regra processual do ônus da prova, atento à circunstância

de que o fornecedor está em melhores condições de realizar a prova de fato ligado à sua

atividade. Limitou-a ao processo civil e às seguintes situações: quando houver

verossimilhança nas alegações, a critério do juiz e segundo as regras ordinárias de

experiência, ou quando houver comprovação da condição de hipossuficiência do

consumidor.

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8. Conclusão

Assim, conclui-se que as regras consumeristas não se prestem em regra, a

disciplinar os contratos celebrados pelas Distribuidoras de Produtos Combustíveis, em

razão da inexistência de relação de consumo, tendo em vista que as pessoas com as

quais estabelece vínculo jurídico, o fazem para empregar os combustíveis como

insumos de suas atividades, inexistindo, nesse tratamento, destinatários finais. No

entanto, não obstante o afastamento deste regulamento nas relações contratuais, o

Código não se afasta por completo das relações jurídicas empreendidas pelas empresas

distribuidoras de produtos combustíveis, eis que na qualidade de distribuidoras e

produtoras (de certos produtos), são responsáveis pelos vícios de qualidade ou

quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam.

Assim, no caso de distribuição de óleos combustíveis devidamente embalados

e lacrados, responderão às distribuidoras pelo fato ou vício do produto, se por elas

forem manipulados ou industrializados. Não cabendo ao posto de serviços de revenda

varejista (postos de gasolina) a responsabilidade por estes fatos.

No entanto, no que concerne a qualidade do produto combustível, temos que

tanto o operador do posto de serviço, como a distribuidora ou até mesmo a empresa de

refino ou importador poderão responder pela qualidade do produto.

Ressalte-se que, diante de diversos casos de manipulação de produtos

combustíveis pelos operadores de postos de gasolina, com a finalidade de diluir os

custos com a aquisição de tais produtos, ocasionado, assim, vícios de qualidade do

produto ofertado ao mercado e diante do risco iminente das distribuidoras serem

acionadas por órgãos públicos e por quaisquer outras pessoas físicas e jurídicas

legitimadas, estas passaram a criar programas de qualidade dos combustíveis revendidos

por postos que ostentem a sua bandeira comercial.

Essa iniciativa atualmente é adotada pelas distribuidoras, que teve como

origem o rigor dos órgãos legitimados à proteção do consumidor, além do rigor imposto

pela agência fiscalizadora - a ANP, cuja inobservância acarreta penalidades de altíssimo

vulto, conforme já exposto neste trabalho, fator este que traduz maior segurança e

confiança aos consumidores (destinatários finais) deste produto.

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