O Cérebro Foi Para a Escola
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O cérebro foi para a escola
21 de julho de 2013
Professores de colégios públicos e particulares agora têm aulas sobre o funcionamento
cerebral para desenvolver novas e eficazes formas de ensinar
Fonte: Revista Época
Durante os últimos cinco anos, Claudia Simões Lacerda, de 44 anos, esteve às voltas com
textos sobre como funciona o sistema nervoso humano e como se comportam os
neurônios e são formadas as redes neurais. Faz parte de seuTRABALHO ler livros e
artigos de neurocientistas como Eric Kandel, Stanislas Dehaene, Nicolas Zavialoff, Roberto
Lent ou Ivan Izquierdo.
A cada quinzena, ela se encontra com um grupo que estuda os mesmos princípios da
biologia. São colegas de profissão que se reúnem para discutir o que aprenderam e trocar
ideias sobre como a neurociência pode ajudar a melhorar seuTRABALHO . Claudia não é
neurologista. Nem psicanalista. Ela trabalha com outra especialidade bastante ligada ao
cérebro. É Professora de Educação infantil do Colégio Santa Maria, em São Paulo. Faz
parte do seleto grupo de Professores brasileiros que levam a sério o uso das descobertas
da neurociência na Escola. "Esse conhecimento mudou meu jeito de dar aula", afirma.
Claudia, Professora há 24 anos e formada em pedagogia, já sabia da importância do uso
do desenho para estimular seus pequenos Alunos de 3 e 4 anos. Ela aprendeu com a
neurociência que desenhar estimula a formação de estruturas neurais da memória. E que
acumular e consolidar acervos de memória pode ajudar no aprendizado futuro da criança.
A partir daí, Cláudia fez ajustes em suas aulas. No projeto em que os Alunos plantam uma
flor e observam diariamente seu desenvolvimento, ela introduziu o desenho da planta pelo
menos três vezes por semana.
Os Alunos também passaram a realizar procedimentos de pesquisa que lembram os
estudos de gente grande. Com a ajuda dela, registram suas impressões num caderno,
onde anotam as mudanças na evolução da planta. "Fazer registros sistemáticos é
fundamental para consolidar a memória", diz.
A formação da memória é um dos principais focos dós estudos da neurociência, ramo do
conhecimento que estuda o sistema nervoso. Ela ganhou fama na década de 1990, nos
Estados Unidos, tamanha a prioridade dada ao financiamento de pesquisas sobre o
comportamento e as características do cérebro humano. Os resultados dessas pesquisas
se tornaram populares com as imagens luminosas de ressonâncias magnéticas mostrando
que áreas do cérebro são ativadas (ou acendem nos monitores) no exato momento em
que se ouve uma música ou se aprende algo novo. Saber como o cérebro registra novas
informações e como a memória guarda as antigas abre a possibilidade de usar a
neurociência em sala de aula. "Saber como funciona o próprio cérebro e o dos Alunos
pode ajudar o Professor a dar mais apoio à aprendizagem", diz a neurocientista e
Educadora Elvira Souza Lima.
Elvira, também formada em psicologia, pedagogia e sociologia, é quem coordena o grupo
de estudos dos Professores do Colégio Santa Maria e de outras Escolas particulares de
São Paulo, além de atender redes públicas municipais em Minas Gerais. Seu trabalho é
ensinar aos mestres o que a teoria científica diz sobre o cérebro e ajudá-los a encontrar a
melhor prática dentro da sala de aula.
Professora há 12 anos, Carolina Guimarães, de 32, trabalha formas geométricas
semanalmente com seus Alunos de 5 anos, no Colégio São Luiz, em São Paulo. "A
geometria costumava ficar em segundo plano", diz. "Mas a percepção das formas é, assim
como o desenho, um estímulo para formar as redes neurais da memória." Aluna de um dos
cursos que Elvira deu no São Luiz, Carolina teve seu primeiro contato com estudos sobre
o cérebro numa especialização de dois anos, quando estudou neuropediatria.
Há poucos Professores e pedagogos dedicados a estudar e pesquisar neurociência no
Brasil. Em países como Inglaterra, França e Estados Unidos, a relação entre o
conhecimento do cérebro e o que se aprende na Escola está mais avançada. Em 2000, a
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) lançou um
relatório especial para defender a importância de integrar o conhecimento gerado pela
neurociência às práticas pedagógicas das Escolas. A partir de 2007, surgiram publicações
científicas respeitadas sobre o assunto. Na França, oCURRÍCULO da Educação infantil
foi feito com base no que se sabe sobre o desenvolvimento humano.
A maioria das pesquisas feitas sobre aprendizado e cérebro parte do olhar dos
neurocientistas. Ainda não há levantamentos que meçam os resultados da neurociência na
Educação. Sabe-se pouco sobre em que medida esse conhecimento pode ser eficaz para
aumentar o desempenho Escolar das crianças. "Até agora, só os neurocientistas falaram.
Falta ouvir os pedagogos", diz Elvira. "A neurociência vai até a porta da sala de aula. O
que acontece lá dentro é com o Professor."
O perigo neste momento é criar brechas para mais um modismo inócuo na Educação. Algo
na linha daqueles que expõem bebês à música clássica, na ilusão de que crescerão mais
inteligentes. Ou daqueles que atribuem às meninas um cérebro mais adequado para
aprender as disciplinas Escolares que aos meninos. Aprofundar os estudos dos
Professores em neurociência é uma das formas de evitar esses modismos. "Os
Educadores precisam se apropriar desse saber para evitar cair em armadilhas", diz
Claudia Lopes da Silva, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
Mesmo que a neurociência não seja a solução mágica para ensinar melhor, sua chegada
às Escolas tem um grande valor. Quando os Professores entram num grupo de estudos,
dedicam-se a ler e a refletir sobre sua prática, entram em contato com conhecimentos
científicos recentes, começam a questionar o que aprenderam na faculdade e já passam a
ensinar melhor. Ficam mais empolgados com a profissão e são estimulados a
experimentar novidades na sala de aula. "Na primeira vez que Elvira mostrou o que
acontece no cérebro quando uma criança aprende, a vontade que deu foi de saber mais,
de estudar mais", afirma Carla Brenes Teixeira, Professora de Educação infantil do Colégio
Porto Seguro, de São Paulo.
Carla mudou também seu próprio jeito de aprender. Estimulada pelas aulas de
neurociência, adotou em seu dia a dia a mesma prática de registro sistemático usada com
os Alunos. Ela escreve tudo: o que foi feito em sala de aula, os resultados
dosTRABALHOS com os Alunos, observações sobre o desempenho das crianças.
Antes, escrevia no tablet. Segundo alguns neurocientistas, como Elvira, a escrita à mão
parece ser mais eficaz para ativar as redes de neurônios associadas à memória. "Agora
uso menos o tablet, anoto tudo num caderno", diz Carla.
Outro efeito positivo da neurociência sobre oTRABALHO Docente é determinar que toda
criança é capaz de aprender. Quando isso vira um fato científico, o Professor muda a
maneira de lidar com Alunos com aprendizagem defasada. Há dois anos, Elvira foi
chamada pela rede municipal de Pedro Leopoldo, em Minas Gerais, para ajudar 141
Professores a recuperar Alunos do 4º e 6º anos que não sabiam nem sequer ler e
escrever. "Ela mudou a organização do conteúdo das aulas", diz Léa Alves, coordenadora
pedagógica da rede. Se o verbo de ação mobiliza mais a área cerebral, como diz Elvira,
por que não organizar a escrita das crianças a partir dele? Na hora de orientar uma
redação sobre o que cada Aluno fez no fim de semana, os Professores passaram a
enfatizar os verbos das frases: correr, brincar, viajar etc. A partir deles, ficou mais fácil
para os Alunos pôr suas ideias no papel. "São medidas simples com resultados
gigantescos", diz Léa. A grande mudança está na cabeça do Professor.
http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-na-midia/indice/27601/o-cerebro-foi-para-
a-escola/