o Capitalismo Como Religião

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O CAPITALISMO COMO RELIGIÃO * MICHAEL LÖWY "É preciso ver no capitalismo uma religião". Com essa afirmação categórica começa o fragmento. Segue-se uma referência, mas também um distanciamento em relação a Weber: "Demonstrar a estrutura religiosa do capitalismo - isto é, demonstrar que ele é não somente uma formação condicionada pela religião, como pensa Weber, mas um fenômeno essencialmente religioso - nos levaria ainda hoje pelos meandros de uma polêmica universal desmedida". P2. O Culto "Primeiramente, o capitalismo é uma religião puramente cultual, talvez a mais extremamente cultual que já existiu. Nada nele tem significado que não esteja em relação imediata com o culto, ele não tem dogma específico nem teologia. O utilitarismo ganha, desse ponto de vista, sua coloração religiosa." (..)Portanto, as práticas utilitárias do capitalismo - investimento do capital, especulações, operações financeiras, manobras bolsistas, compra e venda de mercadorias - são equivalentes a um culto religioso. O capitalismo não exige a adesão a um credo, a uma doutrina ou a uma "teologia"; o que conta são as ações,que representam, por sua dinâmica social, práticas cultuais. Benjamin, contradizendo um pouco seu argumento sobre a Reforma e o cristianismo, comparaessa religião capitalista ao paganismo original, também ele "imediatamente prático"e sem preocupações "transcendentes". Por exemplo: "Comparação entre as imagens de santos das diferentes religiões e as notas de dinheiro dos diversos países". O dinheiro, em forma de papel-moeda, seria assim o objeto de um culto análogo ao dos santos das religiões "comuns". Sem Trégua

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O CAPITALISMO COMO RELIGIO *Comment by usuario: Este texto uma verso editada da conferncia de Michael Lwy na USP no dia 29 desetembro. Traduo de Luiz Roberto Mendes Gonalves. Publicado na Folha de So Paulo,Caderno Mais, domingo, 18 de setembro de 2005MICHAEL LWY

" preciso ver no capitalismo uma religio". Com essa afirmao categrica comea o fragmento. Segue-se uma referncia, mas tambm um distanciamento em relao a Weber: "Demonstrar a estrutura religiosa do capitalismo - isto , demonstrar que ele no somente uma formao condicionada pela religio, como pensa Weber, mas um fenmeno essencialmente religioso - nos levaria ainda hoje pelos meandrosde uma polmica universal desmedida".Comment by usuario: Benjamin continua: "Podemos entretanto, desde j, reconhecer no tempo presentetrs traos dessa estrutura religiosa do capitalismo". Benjamin no cita mais Weber, mas de fato os trs pontos se alimentam de idias e argumentos do socilogo, dando-lhes um novo alcance, infinitamente mais crtico, mais radical - social e politicamente, mas tambm do ponto de vista filosfico (teolgico?) - e perfeitamenteantagnico tese weberiana da secularizao.

P2. O Culto"Primeiramente, o capitalismo uma religio puramente cultual, talvez a mais extremamente cultual que j existiu. Nada nele tem significado que no esteja em relao imediata com o culto, ele no tem dogma especfico nem teologia. O utilitarismo ganha, desse ponto de vista, sua colorao religiosa."(..)Portanto, as prticas utilitrias do capitalismo - investimento do capital,especulaes, operaes financeiras, manobras bolsistas, compra e venda demercadorias - so equivalentes a um culto religioso. O capitalismo no exige a adeso a um credo, a uma doutrina ou a uma "teologia"; o que conta so as aes,que representam, por sua dinmica social, prticas cultuais. Benjamin,contradizendo um pouco seu argumento sobre a Reforma e o cristianismo, comparaessa religio capitalista ao paganismo original, tambm ele "imediatamente prtico"e sem preocupaes "transcendentes".Comment by usuario: Mas o que que permite assemelhar essas prticas econmicas capitalistas a um"culto"? Benjamin no o explica, mas utiliza, algumas linhas depois, o termo"adorador"; podemos assim considerar que o culto capitalista comporta certasdivindades que so objeto de adorao.Por exemplo: "Comparao entre as imagens de santos das diferentes religies e as notas de dinheiro dos diversos pases". O dinheiro, em forma de papel-moeda, seria assim o objeto de um culto anlogo ao dos santos das religies "comuns".Comment by usuario: Na pgina indicada pela nota bibliogrfica de Benjamin,Landauer escreve:"Fritz Mauthner ("Wrterbuch der Philosophie") mostrou que a palavra "Deus" (Gott) originariamente idntica a "dolo" (Gtze), e que as duas querem dizer "o fundido"[ou "o escorrido'] (Gegossene). Deus um artefato feito pelos humanos, que ganha uma vida, atrai para si as vidas dos humanos e finalmente torna-se mais poderoso que a humanidade. O nico escorrido (Gegossene), o nico dolo (Gtze), o nicoDeus (Gott) a que os humanos deram vida o dinheiro (Geld). O dinheiro artificial e vivo, o dinheiro produz dinheiro e mais dinheiro, o dinheiro tem todo o poder do mundo. Quem no v, quem ainda hoje no v, que o dinheiro, que o Deus no outra coisa seno um esprito oriundo dos seres humanos, um esprito que se tornou uma coisa (Ding) viva, um monstro (Unding), e que ele o sentido (Sinn) que se tornou louco (Unsinn) de nossa vida? O dinheiro no cria riqueza, ele a riqueza; ele a riqueza em si; no existe outro rico alm do dinheiro".

Sem Trgua

P4.A segunda caracterstica do capitalismo "est estreitamente ligada a essa concreo do culto: a durao do culto permanente". "O capitalismo a celebrao de um culto "sem trgua e sem piedade". No h "dias comuns", nenhum dia que no seja de festa, no sentido terrvel da utilizao da pompa sagrada, da extrema tenso que habita o adorador."Comment by usuario: Sem descanso, sem trgua e sem piedade: a idia de Weber retomada porBenjamin, quase literalmente; no sem ironia, alis, evocando o carter permanentedos "dias de festa": na verdade, os capitalistas puritanos aboliram a maioria dosferiados catlicos, considerados um incentivo ao cio. Portanto, na religiocapitalista, cada dia v a mobilizao da "pompa sagrada", isto , os rituais na bolsaou na fbrica, enquanto os adoradores seguem, com angstia e uma "extrematenso", a subida ou a descida das cotaes das aes... As prticas capitalistas no conhecem pausa, elas dominam a vida dos indivduos da manh noite, da primavera ao inverno, do bero ao tmulo. Como bem observa Burkhardt Lindner, o fragmento empresta de Weber o conceito do capitalismo como sistema dinmico, em expanso global, impossvel de deter e do qual no podemosEscaparEnfim, a terceira caracterstica do capitalismo como religio seu carterculpabilizador: "O capitalismo provavelmente o primeiro exemplo de um culto que no expiatrio (entshnenden), mas culpabilizador". Benjamin continua seu requisitrio contra a religio capitalista: "Nisso, o sistema religioso precipitado em um movimento monstruoso. Uma conscincia monstruosamente culpada que no sabe expiar se apodera do culto, no para nele expiar essa culpa, mas para torn-la universal, para faz-la entrar fora na conscincia e, enfim e sobretudo, para implicar Deus nessa culpa, para que no fim das contas ele mesmo tenha interesse na expiao".Comment by usuario: Benjamin evoca, nesse contexto, o que chama de "ambigidade da palavra Schuld" -isto , ao mesmo tempo "dvida" e "culpa". Segundo Burkhard Lindner, a perspectiva histrica do fragmento baseia-se na premissa de que no podemos separar, no sistema da religio capitalista, a "culpa mtica" da dvida econmica.Comment by usuario: Encontramos em Max Weber dois raciocnios anlogos, que tambm jogam com osdois sentidos de "dever": para o burgus puritano, "o que consagramos a fins "pessoais" "roubado" do servio glria de Deus"; tornamo-nos assim ao mesmo tempo culpados e "endividados" em relao a Deus. "A idia de que o homem tem"deveres" para com as posses que lhe foram confiadas e s quais ele estsubordinado como um intendente devotado (...) pesa sobre sua vida com todo o seu peso glido. Quanto mais aumentam as posses, mais pesado torna-se o sentimento de responsabilidade (...) que o obriga, para a glria de Deus (...), a aument-las por meio de um trabalho sem descanso". A expresso de Benjamin "fazer a culpa entrar fora na conscincia" corresponde bem s prticas puritanas/capitalistasanalisadas por Weber.P5. AmplitudeMas parece-me que o argumento de Benjamin mais geral: no somente ocapitalismo que culpado e "endividado" com seu capital - a culpa universal. Assim, o prprio Deus encontra-se envolvido nessa culpa geral: se os pobres so culpados e excludos da graa, e se, no capitalismo, eles esto condenados excluso social porque " a vontade de Deus" ou, o que seu equivalente na religio capitalista, a vontade dos mercadosComment by usuario: Bem entendido, se nos situarmos no ponto de vista desses pobres e endividados, Deus que o culpado, e com ele o capitalismo. Em qualquer dos casos, Deus est inextricavelmente associado ao processo de culpabilizao universal.

p5. At aqui vimos bem o ponto de partida weberiano do fragmento, em sua anlise do capitalismo moderno como religio originria de uma transformao do calvinismo; mas h um trecho em que Benjamin parece atribuir ao capitalismo uma dimenso transhistrica que no mais a de Weber - e tampouco de Marx: "O capitalismo se desenvolveu no Ocidente como um parasita do cristianismo - devemos demonstr-lo no somente a propsito do calvinismo, mas tambm das outras correntes ortodoxas do cristianismo -, de tal sorte que no fim das contas a histria do cristianismo essencialmente a de seu parasita, o capitalismo".Comment by usuario: O resultado do processo "monstruoso" de culpabilizao capitalista ageneralizao do "desespero": "Ele est ligado essncia desse movimento religioso - que o capitalismo - de perseverar at o fim, at a completa culpabilizao final de Deus, at um estado do mundo atingido por um desesperoque ainda "esperamos" que seja justo.

O que o capitalismo tem de historicamente indito que a religio no mais reforma, mas a runa do ser. O desespero se estende ao estado religioso do mundo do qual se deveria esperar a salvao".No estamos distantes, aqui, das ltimas pginas da "tica Protestante", em que Weber constata, com um fatalismo resignado, que o capitalismo moderno"determina, com uma fora irresistvel, o estilo de vida do conjunto dos indivduos nascidos nesse mecanismo - e no somente daqueles que a aquisio econmica concerne diretamente".Comment by usuario: Ele compara essa coero a uma espcie de priso na qual o sistema de produoracional de mercadorias encerra os indivduos: "Segundo as opinies de Baxter, a preocupao pelos bens externos no deveria pesar sobre os ombros de seus santos seno como "um leve manto que a qualquer momento se pode retirar". Mas afatalidade transformou esse manto em uma jaula de ao".

P6. De Weber a Benjamin nos encontramos em um mesmo campo semntico, que descreve a lgica impiedosa do sistema capitalista. Mas por que ele produtor de desespero?Sendo a "culpa" dos humanos, seu endividamento para com o capital, perptua e crescente, nenhuma esperana de expiao permitida. O capitalista deveconstantemente aumentar e ampliar seu capital, sob pena de desaparecer diante de seus concorrentes, e o pobre deve emprestar dinheiro para pagar suas dvidas. Segundo a religio do capital, a nica salvao reside na intensificao do sistema, na expanso capitalista, no acmulo de mercadorias, mas isso s faz agravar o desespero. o que parece sugerir Benjamin com a frmula que faz do desespero um estado religioso do mundo "do qual se deveria esperar a salvao".

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Revista Garrafa 23janeiro-abril 2011CAPITALISMO COMO RELIGIO1Walter Benjamin (1892-1940)Traduo de Jander de Melo Marques Arajo2XComment by usuario: 3 A tese do presente texto " articulada expressamente com referncia a Weber e em oposio a ele.[...] Benjamin defende a ideia da natureza religiosa do capitalismo distanciando-se da tese weberianasobre as influncias causais do calvinismo sobre o capitalismo. [...] Esse texto comprova, no mnimo, queBenjamin conhecia Weber e que, discordando dele, negava que a modernizao capitalista tivesseabolido o universo religioso. Essa tese se tornaria decisiva no Trabalho das Passagens [...]. Como apenasseis anos separam o perodo de redao do esboo [Capitalismo como Religio, 1921] da poca em queBenjamin comeou a tomar suas primeiras notas para o Trabalho das Passagens [1927], a hiptese [...]de que Benjamin construiu uma teoria da modernidade contra e a partir de Weber adquire algumaplausibilidade." Cf. Sergio Paulo Rouanet, A razo nmade: Walter Benjamin e outros viajantes, Rio deJaneiro: Editora UFRJ 1993, pp. 71-72.

Estrutura religiosa do capitalismo.. Primeiro, o capitalismo uma religio puramente cultual(...)talvez a mais extrema que jamais tenha existido O utilitarismo ganha, sob esse ponto de vista, sua colorao religiosa p2.Um segundo trao do capitalismo interliga-se com esta concreo do culto: a duraopermanente do cultoEm terceiro, este culto culpabilizador [verschuldend]. O capitalismo provavelmente o primeiro caso de um culto no expiatrio, mas sim culpabilizador [verschuldenden]. Nisto, este sistema religioso est sob a queda de um movimento monstruoso.. Nisso reside o inaudito histrico do capitalismo, em que a religio no mais reforma do ser, mas sim sua destruio. O desespero se estende ao estado religioso do mundo do qual deveria se esperar a salvao [Heilung]. A transcendncia de Deus decaiu. Mas ele no est morto, est envolvido no destino do homem. Esta transio do homem planetrio pela casa do desespero , na solido absoluta de sua rbita, o ethos que Nietzschedefine. Este homem o super-homem [bermensch], o primeiro que a religiocapitalista comea reconhecidamente a satisfazer. O quarto trao que seu Deus devepermanecer oculto e apenas pode ser apelado no znite de sua culpabilizao[Verschuldung]. O culto celebrado ante uma divindade imatura; cada representao,cada pensamento fere nela o segredo de sua maturidade

p4. Contribui-se para o conhecimento do capitalismo como uma religio se serecorda que seguramente o paganismo originrio concebia a religio, a princpio, nocomo um interesse "superior", "moral", mas sim como um interesse imediatamenteprtico; em outras palavras, o paganismo tampouco tinha mais conscincia que ocapitalismo atual de sua natureza "ideal", "transcendente", antes via o indivduoirreligioso ou heterodoxo de sua comunidade exatamente como um membro infalvel6,assim como a burguesia atual v os seus integrantes improdutivos.

- lista de presena..robertino...avisar da mudana...

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Devemos imediatamente criar outras lgicas, outros cultos, outros cultos contra-hegemnicos!!!

Relacionar essas caractersticas a subjetivadade que produz e e produzida pela nova classe mdia, os sacrificios , cultos, temporalidade concedidas para o Deus dinheiro e a culpabilidade que da deriva face a no realizaes ou derrotas tidas como falta de mais trabalho, determinao, inteligncia etc....um ausncia sempre voltada contra a pessoa, quase nunca contra o sistema que forja a culpa.

Relao entre culpa mstica e dvida econmica..

Da atualmente capitalismo e religio se nutrirem recipricamente sem cerimonias, no, na verdade com com cerimnias mas com um sentido imediatamente prtico, pragmtico.

De que maneira esse esprito do capitalismo se manifesta nas comunidade ribeirinhas? Quais suas principais expresses e sedues? Como o dinheiro, enquanto principal objeto de culto capitalista se insere nessas comunidades? Qual a centralidade de sua adorao face a adorao relacionadas as igrejas? Como essas duas adoraes interagem, se negam ou se alimentam?

O capitalismo continua a parasitar o cristianismo e outros ismos...o neopentecostalismo por ex....