o Cabimento de Habeas Corpus Na Transgressao Disciplinar Militar

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    UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARAN

    JAQUES LUIZ DALLAZUANA

    O CABIMENTO DE HABEAS CORPUS NA TRANSGRESSO

    DISCIPLINAR MILITAR

    CURITIBA

    2013

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    JAQUES LUIZ DALLAZUANA

    O CABIMENTO DE HABEAS CORPUS NA TRANSGRESSO

    DISCIPLINAR MILITAR

    Monografia de concluso de curso, apresentadoao Curso de Direito, da Faculdade de CinciasJurdicas, da Universidade Tuiuti do Paran, como

    requisito parcial obteno do grau de Bacharelem Direito.

    Orientador: Prof. Armando Antonio Sobreiro Neto.

    CURITIBA

    2013

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    TERMO DE APROVAO

    JAQUES LUIZ DALLAZUANA

    O CABIMENTO DE HABEAS CORPUS NA TRANSGRESSO

    DISCIPLINAR MILITAR

    Esta Monografia foi julgada aprovada para obteno do ttulo de Bacharel no Curso de Direito daUniversidade Tuiuti do Paran.

    Curitiba, 30 de Setembro de 2013.

    Bacharel no Curso de DireitoUniversidade Tuiuti do Paran.

    Orientador: Professor Armando Antonio Sobreiro NetoUniversidade Tuiuti do Paran

    Professor

    Universidade Tuiuti do Paran

    ProfessorUniversidade Tuiuti do Paran

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo ao meu orientador, Senhor Prof. Armando Antonio Sobreiro Neto,bem como a todos os colegas de classe, professores e funcionrios da faculdade de

    Direito da Universidade Tuiuti do Paran, que colaboram positivamente nesta longa

    jornada de estudos e abdicao por esta causa nobre na busca do conhecimento,

    bem como na elaborao desta monografia e concluso do meu Curso de Direito.

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    RESUMO

    O presente trabalho tem por escopo discutir a utilizao ou no do instituto do

    habeas corpusnos casos de restrio liberdade de locomoo em consequncia

    de punio por transgresso disciplinar militar. O instituto previsto na Constituio

    Federal, em seu artigo 5, inciso LXVIII, define que: Conceder-se habeas corpus

    sempre que algum sofrer ou se achar ameaado de sofrer violncia ou coao em

    sua liberdade de locomoo, por ilegalidade ou abuso de poder. Porem a mesma

    Carta Magna que diz que todos so iguais perante a lei, possui antagonismo em

    seus direitos fundamentais de igualdade, quando restringe o uso do habeas corpus,

    quando se trata de militares das foras armadas e consequentemente das policiasmilitares e bombeiros militares, foras auxiliares e reserva das foras armadas, em

    seu artigo 142, 2, in verbis: No caber habeas corpus em relao a punies

    disciplinares. Foi estudado a formao da culpa pela transgresso disciplinar, sua

    legalidade, os princpios bsicos da doutrina militar, quais sejam, a hierarquia e a

    disciplina, consultando-se a mais atual doutrina e jurisprudncia a respeito desta

    restrio de liberdade to controvertida no meio militar. Chegou-se a concluso que

    a jurisprudncia de nossos tribunais pacifica na mitigao desta questo, existindoa restrio quanto ao mrito administrativo, mas admite-se o writ quando o ato

    estiver viciado em sua forma.

    Palavra Chave: Habeas Corpus, Direito Disciplinar Militar, Transgresso Militar.

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    SUMRIO

    1 INTRODUO.................................................................................................... 07

    2 GENERALIDADES DO HABEAS CORPUS....................................................... 09

    2.1DEFINIO ........................................................................................................ 09

    2.2HISTRICO ......................................................................................................... 09

    2.3ESPCIES ........................................................................................................... 11

    2.4NATUREZAJURDICA ........................................................................................ 12

    3 HIERARQUIA E DISCIPLINA............................................................................ .14

    3.1CONCEITOEFINALIDADE ................................................................................. 14

    3.2OPODERHIERRQUICO .................................................................................. 15

    3.3OPODERDISCIPLINAR ..................................................................................... 16

    3.4ANLISEDAHIERARQUIAEDADISCIPLINA ................................................... 17

    4 DIREITO ADMINISTRATIVO LATO SENSU.................................................. .19

    4.1ODIREITOADMINISTRATIVO ........................................................................... 19

    4.2ODIREITOADMINISTRATIVODISCIPLINAR .................................................... 20

    4.3ODIREITOADMINISTRATIVOMILITAR ............................................................ 22

    5 TRANSGRESSO DISCIPLINAR...................................................................... 24

    5.1 A TRANSGRESSO DISCIPLINAR E A CONSTITUIO ................................. 24

    5.2 DA VIOLAO DAS OBRIGAES E DEVERES MILITARES ......................... 26

    5.3 TRANSGRESSES DISCIPLINARES TIPICAS E ATPICAS ............................ 27

    6 LIMITES DO ATO DISCIPLINAR....................................................................... .30

    6.1OATODISCIPLINARMILITAR............................................................................ 30

    6.2REQUISITOSDOATODISCIPLINARMILITAR .................................................. 30

    6.3ACONSTITUIOEOHABEASCORPUS........................................................ 32

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    7 DA LEGALIDADE DA RESTRIO AOS MILITARES..................................... .36

    7.1EVOLUOCONSTITUCIONALDATRANSGRESSO .................................... 36

    7.2 REGULAMENTOS DISCIPLINARES E SUA CONFORMIDADE COM A ATUAL

    CONSTITUIO ....................................................................................................... 38

    7.3PRINCPIOCONSTITUCIONALDARESERVALEGAL ...................................... 39

    7.4 DA POSSIBILIDADE OU NO DO CABIMENTO DE HABEAS CORPUS EM

    TRANSGRESSODISCIPLINARMILITAR .............................................................. 42

    8 CONCLUSO ..................................................................................................... 49

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS......................................................................... 52

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    1 INTRODUO

    A proposta deste estudo tem como escopo verificar a possibilidade, ou no,da utilizao do instituto do habeas corpus em casos de restrio liberdade de

    locomoo em decorrncia de punio disciplinar militar, esta prevista no art. 5,

    LXVIII, da Constituio Federal de 1988, que expressa:

    "Conceder-se- habeas corpussempre que algum sofrer ou se achar ameaado de

    sofrer violncia ou coao em sua liberdade de locomoo, por ilegalidade ou abuso

    de poder"; integra tambm o captulo reservado s Foras Armadas, no art. 142 , 2

    que estabelece: "No caber habeas corpus em relao a punies disciplinares

    militares".

    O ato administrativo da punio disciplinar militar, no poder fugir aferio

    dos seus requisitos obrigatrios e conformidade legal por parte do judicirio. As

    consequncias legais de um ato administrativo somente podero surgir quando este

    estiver em completa consonncia com as normas e princpios estabelecidos pela

    Constituio Federal em vigor. A dissonncia com a Carta Magna torna o ato viciado,consequentemente incapaz de produzir efeitos e, no caso de punio que culmine

    em restrio liberdade, ao lado do direito vida, ultraja o bem jurdico mais

    sagrado e natural do ser humano, que o direito a liberdade.

    O Supremo Tribunal Federal j consolidou entendimento de que o ato de

    punio militar um mero ato administrativo oriundo do poder disciplinar e, para

    gerar os efeitos legais, devem estar presentes todos os elementos concorrentes para

    sua formao, tais como:

    a) Finalidade de interesse pblico;

    b) Competncia da autoridade para aplicar a punio;

    c) Devido processo legal, observando-se o contraditrio e a ampla defesa;

    d) Forma prescrita em lei.

    Os tribunais superiores tem firmado posio de apenas excluir da

    apreciao judicial questo sobre convenincia e oportunidade da punio, pois,

    caso assim no ocorresse, criaria uma invaso por parte do Poder Judicirio em

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    assuntos de competncia do Poder Executivo.

    Em suma, se algum dos atos anteriormente citados apresentarem vcio,

    dever ser levado apreciao do judicirio que os declarar nulo, assim como, no

    caso de restrio liberdade, expedio do remdio constitucional, para fazer

    cessar a arbitrariedade ou impedir que a mesma se concretize.

    Por tratar-se de direito essencial ao ser humano, a liberdade somente pode

    ser restringida nos limites expressamente delimitados pela Constituio Federal, no

    podendo ser aceita uma atuao desvinculada da tutela legal por quem detm o

    dever de cumprimento dos seus princpios. Isto quer dizer que todos os elementos

    obrigatoriamente devem ter sido concretizados para que o ato ao final proferido seja

    legtimo, no se podendo aceitar qualquer mitigao da letra constitucional,

    principalmente em relao a direito to bsico para a existncia das pessoas, sob o

    risco de provocar uma ruptura da homogeneidade do ordenamento como um todo,

    onde a Constituio Federal o pice do ordenamento jurdico.

    Colocando a Constituio Federal como norte direcionador, assim como

    invocando a doutrina e a jurisprudncia sobre o assunto, ser estudado todas as

    etapas que embasam a formao do ato punitivo, desde os princpios daadministrao pblica, passando pelos conceitos de transgresso, hierarquia,

    disciplina, autoridade competente, alm do devido processo legal, culminando com a

    previso legal das transgresses disciplinares militares.

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    2 GENERALIDADES DO HABEAS CORPUS

    2.1 DEFINIO

    A expresso habeas corpus procede do latim, proveniente de dois vocbulos

    da referida lngua: habeas e corpus. No seu sentido literal, significa ande com o

    corpo ou tome o corpo. Como habeas, que subjuntivo de habeo (habere, habui,

    habitum) significando ter, possuir, manter e corpus(corporis) ou corpo. A expresso

    tem o significado espiritual de entender-se que se toma a pessoa presa para

    apresent-la ao juiz, a fim de ser julgada, coibindo assim ilegalidades.

    como dizia o professor Julio Fabbrini Mirabete (2001, p. 709):

    O habeas corpus uma garantia individual, ou seja, um remdio jurdicodestinado a tutelar a liberdade fsica do individuo, a liberdade de ir, ficar e vir,tendo por finalidade evitar ou fazer cessar a violncia ou a coao aliberdade de locomoo decorrente de ilegalidade ou abuso de poder.

    2.2 HISTRICO

    Foi atravs da Magna Charta Libertatum, de 15 de junho de 1215, que se

    instaurou de forma solene a tutela da liberdade individual e, por via de consequncia,

    a exigncia de controle jurisdicional da priso de qualquer cidado. Imposta pelos

    bares ingleses ao rei Joo Sem Terra, passaram, desde ento, a ser expedidos

    writs (mandados) para que o homem (corpus) fosse trazido presena do juiz com a

    finalidade de que este decidisse, de forma sumria, sobre se a priso poderia ou no

    ser mantida. Com efeito, estabelecia aquele texto constitucional a seguinte

    determinao:

    (n 39) "Nenhum homem livre ser detido ou sujeito priso, ou privado dosseus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer formamolestado, e ns no procederemos nem mandaremos proceder contra ele,seno mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmoniacom a lei do pas.

    Do Direito ingls o habeas corpus foi transportado para outras legislaes,

    chegando a ns, como remdio processual, atravs do Cdigo de Processo Criminaldo Imprio, de 1832 (art. 340), passando a fazer parte de todas as constituies que

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    se seguiram, ainda que por vezes tenha sido restringido, como se ver mais adiante.

    certo que, antes de tudo, por tocar de perto com os direitos e garantias individuais,

    ele um verdadeiro instituto de Direito Processual Constitucional, tal como ocorre

    com o Mandado de Segurana. Porm, no h como negar que sua aplicao se d

    no campo criminal, justificando assim, sua disciplina nas leis que regem o processo

    penal. E foi assim, como lei processual, que ele ingressou em nosso direito positivo.

    Releva observar, portanto, que na Constituio do Imprio, o habeas corpus

    no mereceu referncia, muito embora em vrias passagens do texto legal daquela

    Lei Maior tenha o legislador constituinte tutelado a liberdade individual (art. 179

    inciso VIII, IX e X), ficando o remdio heroico relegado lei ordinria at o advento

    da Constituio republicana de 1891. Ali, no art. 72 pargrafo 22, garantiu-se o

    habeas corpus "sempre que o indivduo sofrer ou se achar em iminente perigo de

    sofrer violncia ou coao por ilegalidade ou abuso de poder" (seo II, que cuidava

    da "Declarao de Direitos").

    A reforma constitucional de 1926, elaborada atravs da EC de 3 de

    setembro de 1926, em seu art. 72 pargrafo 22 (Seo II, que cogitava da

    "Declarao de Direitos"), sem dvida restringiu o mbito do remdio heroico

    liberdade de ir e vir, ao aludir que a medida se daria "sempre que algum sofrer ou

    se achar em iminente perigo de sofrer violncia por meio de priso ou

    constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoo.

    A lei Magna de 1934 foi uma inovao dos textos constitucionais,

    restringindo o remdio heroico aos militares, acrescentando que "nas transgresses

    disciplinares" no caberia o habeas corpus(art. 113, 23). Porm, a grande novidade

    da Constituio de 1934, no mbito da tutela dos direitos e garantias individuais,

    resultou na criao do mandado de segurana (art.113, 33), destinado defesa de

    direito "certo e incontestvel, ameaado ou violado por ato manifestamente

    inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade". Estabelecia, ainda, que o

    processo (rectius procedimento) seria o mesmo do habeas corpus, bem como a

    obrigatoriedade da ouvida da pessoa de direito pblico interessado.

    Com a criao do mandado de segurana, resguardou-se a tutela de direitos

    no amparados pelo habeas corpus, uma vez que, com a limitao imposta pelareforma de 1926, muitos juristas de renome foram buscar nos interditos possessrios

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    a defesa para os direitos que, em razo da norma constitucional, ficaram deriva.

    Com o advento da Carta Magna de 1937, outorgada por Getlio Vargas com

    o apoio das Foras Armadas, manteve a vedao do habeas corpusnos casos de

    punio disciplinar (art. 122, 16), foram mantidos tambm os preceitos anteriores

    constantes da reforma de 26, falando-se, agora, em "liberdade de ir e vir".

    Carta Magna de 1946, tido por muitos como a mais liberal deste pas,

    manteve o habeascorpus, em seu art. 141 pargrafo 23, como tambm vedava o

    writ nas punies disciplinares, reafirmando os princpios bsicos originrios da

    Reforma de 1926, sem deixar de amparar, pela via do mandado de segurana,

    outros direitos subjetivos no protegidos pelo habeas corpus(art. 141 pargrafo 24).

    E, dessa forma, a matria voltou a ser tratada nas Constituies de 1967 (art.

    150, 20 e 21) e na Emenda Constitucional n 1 de 17 de Outubro de 1969 (art. 153,

    20 e 21), ambas vedando habeas corpus nas punies disciplinares.

    A Constituio de 1988 em vigor, em seu art. 5, LXVIII, estabelece que

    "conceder-se- habeas corpussempre que algum sofrer ou se achar ameaado de

    sofrer violncia ou coao em sua liberdade de locomoo, por ilegalidade ou abuso

    de poder", mantendo o mandado de segurana destinado proteo de direitolquido e certo no amparado pelo habeas corpus ou habeas data, quando o

    responsvel pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pblica ou agente de

    pessoa jurdica no exerccio de atribuies do Poder Pblico (art. 5, LXIX).

    2.3 ESPCIES

    Basicamente h duas espcies de habeas corpus, o repressivo e o

    preventivo (salvo-conduto), dependendo do momento em que for proposto.

    Ser repressivo ou liberatrio, quando impetrado aps a consumao do ato

    ilegal, tendo por fim o retorno do direito a livre locomoo do paciente, o qual j foi

    atingido pela ilegalidade.

    Ser preventivo quando impetrado anteriormente ao ato ilegal se concretizar.

    Tambm chamado de "salvo conduto", necessita de alguns elementos necessrios,

    como: no basta um simples temor, mas deve ser mencionada a autoridade pblica(delegado de policia, superior hierrquico, juiz etc.), contra a qual a ordem ser

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    emanada. Se por acaso, mesmo com o deferimento do remdio constitucional, a

    autoridade realizar a priso proibida, bastar uma simples reclamao do paciente

    para ser imediatamente concedido o alvar de soltura.

    Tanto um como outro so aes constitucionais de carter penal e de

    procedimentos especiais, isentos de custas, e que visam evitar ou cessar violncia

    ou ameaa liberdade de locomoo.

    O instituto pode ser utilizado em caso de ilegalidade de coao sobre a

    liberdade individual por falta de justa causa, ou seja, a falta de fundamentao legal

    a validar a priso. Esta forma de utilizao est baseada no Cdigo de Processo

    Penal, que considera a coao como ilegal quando no houver justa causa (art. 648,

    I). Outra espcie de habeas corpus utilizada quando a priso ultrapassar os prazos

    legalmente previstos, conforme o Cdigo de Processo Penal, que considera a

    coao como ilegal quando algum estiver preso por mais tempo do que determina

    a lei (art. 648, II).

    Em outro caso, o remdio constitucional utilizado quando a denegao de

    liberdade provisria com ou sem fiana. Estando presentes os requisitos, o juiz no

    possui a faculdade em conceder ou no a liberdade, pois, trata-se de um direitosubjetivo do detido.

    O juiz tem o dever, ou seja a obrigatoriedade de dar liberdade provisria a

    quem dela faz jus. um direito do indiciado ou ru a ser necessariamente satisfeito,

    desde que presentes os pressupostos para a sua concesso, constituindo a negao

    do benefcio coao ilegal. Com isso, remete-se at a Constituio Federal, que

    expressa que ningum ser levado priso ou nela mantido, quando a lei admitir a

    liberdade provisria, com ou sem fiana (art. 5, LXVI).

    2.4 NATUREZA JURDICA

    Apesar de nossa legislao incluir o habeas corpus entre os recursos,

    discutida a sua natureza jurdica. tido por alguns como recurso extraordinrio,

    recurso especial ou misto, instituio sui generis. A opinio mais aceita a de que se

    trata de uma verdadeira ao. Vejamos, no pode ser recurso porque pode ser

    instaurado independentemente da existncia de processo, ataca a coisa julgada e

    instaurado pelo acusado que pretende seja daclarada a inexistncia do direito de

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    punir. Trata-se realmente de ao penal constitucional, embora por vezes possa

    servir de recurso.

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    3 HIERARQUIA E DISCIPLINA

    3.1 CONCEITO E FINALIDADE

    A base que sustenta as instituies militares se traduz nos institutos da

    hierarquia e da disciplina, como ensinado massivamente a todos os civis que

    ingressam na vida militar. So os pilares fundamentais sobre os quais esto

    estruturadas todas as atividades e procedimentos referentes vida militar. Esto

    dispostos na prpria Carta Maior da Repblica, in verbis:

    Art. 142, caput, As Foras Armadas (...) so instituies nacionais

    permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina... (grifo

    nosso).

    A Lei Federal n 6.880, de 9 de dezembro de 1980 (Estatuto dos Militares),

    menciona tais institutos da seguinte forma:

    Art. 14 - A hierarquia e a disciplina so a base institucional das ForasArmadas. A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau

    hierrquico. 1 A hierarquia militar a ordenao da autoridade, em nveis diferentes,dentro da estrutura das Foras Armadas (...). 2 Disciplina a rigorosa observncia e o acatamento integral das leis,regulamentos, normas e disposies que fundamentam o organismo militare coordenam seu funcionamento regular e harmnico (...). 3 A disciplina e o respeito a hierarquia devem ser mantidos em todas ascircunstncias da vida entre militares(...).

    O atual Decreto n 4.346, de 26 de agosto de 2002, Regulamento Disciplinar

    do Exercito (RDE), tambm traz o conceito destes dois princpios basilares:

    Art. 7o A hierarquia militar a ordenao da autoridade, em nveis diferen-tes, por postos e graduaes.Pargrafo nico. A ordenao dos postos e graduaes se faz conformepreceitua o Estatuto dos Militares.Art. 8o A disciplina militar a rigorosa observncia e o acatamento integraldas leis, regulamentos, normas e disposies, traduzindo-se pelo perfeitocumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentesdo organismo militar (...).

    Para ASSIS (2011, p.76 apud VALLA, 2003, p.116), afirma que:

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    A organizao militar baseada em princpios simples, claros e que existemh muito tempo, a exemplo da disciplina e da hierarquia. Como se trata dosvalores centrais das instituies militares, necessrio conhecer

    alguns atributos que revestem a relao do profissional com estes doisditames basilares da investidura militar, manifestados pelo dever deobedincia e subordinao, cujas particularidades no encontramsimilitudes na vida civil(grifo no original).

    Em resumo, pode-se dizer que a hierarquia o escalonamento, ou seja,

    disposio de rgos ou autoridades em diferentes graus e atravs da qual o de

    maior posio exerce autoridade sobre o que lhe est subordinado na mesma escala.

    Por sua vez, a disciplina conceitua-se como a rigorosa obedincia s normas,

    regulamentos ou autoridades.

    Apesar de os institutos serem considerados como pilares fundamentais das

    instituies militares, podemos dizer em uma perspectiva ainda mais estrita que a

    disciplina fator de sustentao da hierarquia, ao passo que o inverso no

    verdadeiro, j que a hierarquia no condio de existncia da disciplina, mas to

    somente dela necessita para que tenha existncia e eficcia.

    3.2 O PODER HIERRQUICO

    Para se compreender qual o contedo do poder hierrquico, faz-se

    necessrio esclarecer o que significa hierarquia. A palavra hierarquia vem do grego,

    que se traduz em podermaior ou autoridade proeminente. Esta pode ser definida

    como relaes internas de coordenao e subordinao existentes na Administrao

    Pblica, atribuindo competncias para rgos e agentes para o adequado

    desempenho da funo administrativa. Em suma o que dispe o Executivo para

    distribuir e escalonar as funes de seus rgos, ordenar e rever a atuao de seus

    agentes, estabelecendo a relao de subordinao entre os servidores do seu

    quadro de pessoal.

    Hierarquia a relao de subordinao existente entre vrios rgos e

    agentes do executivo, com distribuio de funes e garantias da autoridade de

    cada um; o poder hierrquico tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir

    as atividades administrativas, no mbito interno da administrao, desse modo atua

    como instrumento de organizao e aperfeioamento do servio e age como meio

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    de responsabilizao dos agentes administrativos, impondo-lhes o dever de

    obedincia.

    Do poder hierrquico decorrem faculdades implcitas para o superior, tais

    como a de dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, a de delegar e avocar

    atribuies e a de rever os atos dos subordinados. No Exrcito, a hierarquia se faz

    atravs dos postos, conferidos aos oficiais, e das graduaes, conferidas s praas.

    Entende-se por praas todas as posies hierrquicas compreendidas entre

    soldados e aspirantes-a-oficial, e por oficiais de todos os postos, desde tenentes at

    oficiais-generais.

    Deste modo, atravs da hierarquia, tem-se a instituio de um poder na

    autoridade que exercida por determinada pessoa. Tal poder capaz de atribuir ao

    ascendente no escalonamento hierrquico a possibilidade de emitir ordens aos seus

    subordinados. Em contrapartida, do subordinado se espera estrita e pronta

    obedincia s ordens emanadas de seus superiores.

    3.3 O PODER DISCIPLINAR

    a faculdade de punir internamente as infraes funcionais dos servidores e

    demais pessoas sujeitas disciplina dos rgos e servios da Administrao, uma

    supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam

    Administraao por relaes de qualquer natureza, subordinando-se s normas de

    funcionamento do servio ou do estabelecimento que passam a integrar definitiva ou

    transitoriamente.

    Uma caracterstica do poder disciplinar seu discricionarismo, no sentido de

    que no esta vinculada a prvia definio da lei sobre a infrao funcional e

    respectiva sano, o administrador, no seu prudente critrio, em relao ao servio e

    verificando a falta, aplicar a sano que julgar cabvel, oportuna e conveniente,

    dentre as que estiverem enumeradas em lei ou regulamento para a generalidade das

    infraes administrativas.

    A apurao regular da falta disciplinar indispensvel para a legalidade da

    punio interna da Administraao, primeiramente deve-se apurar a falta, pelos meios

    legais compatveis com a gravidade da pena a ser imposta, dando-se oportunidade

    de defesa e do contraditrio ao acusado (requisitos fundamentais, sem o qual se

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    torna ilegtima e invlida a punio).

    A motivao da punio disciplinar sempre imprescindvel para a validade

    da pena, no se pode admitir como legal a punio desacompanhada de justificativa

    da autoridade que a impe, destina-se a evidenciar a conformao da pena com a

    falta e permitir que se confira a todo tempo realidade e a legitimidade dos atos ou

    fatos ensejadores da punio administrativa.

    Os militares das foras armadas e das foras auxiliares (Polcia Militar e

    Corpo de Bombeiro Militar) no exerccio de suas atividades constitucionais ficam

    sujeitos a dois diplomas pelo cometimento de faltas contrrias ao ordenamento: o

    Cdigo Penal Militar (C.P.M) e o Regulamento Disciplinar do Exrcito (R.D.E);

    ademais tm seu funcionamento alicerado sobre diversos regulamentos que, ao

    seu tempo, balizam as atividades desenvolvidas pela fora, ditando seus

    procedimentos. Assim, para assegurar uma correta observncia de seus

    regulamentos e uma exata execuo de suas atividades, tem-se por necessria

    aplicao de uma rgida disciplina a fim de que seja atingido pontualmente o escopo

    da instituio, evitando, assim, um desvirtuamento de finalidade ou uma execuo

    errnea de suas atividades.

    A qualificao Militar resulta na exigncia de um grau muito maior de

    disciplina, com a aplicao de institutos prprios e a prticas de comportamentos em

    muito distintos dos observados nos servidores civis. Por exemplo: no meio militar,

    diz-se ser disciplinado o subordinado que, ao ser chamado por seu superior, atende-

    o prontamente, deixando de fazer seja l o que for ou, encontrando-se distante, que

    se dirija acelerado at alcanar seu superior e, ao chegar, atenda suas ordens

    prontamente, mesmo que elas no sejam coerentes, desde que no sejam

    manifestamente ilegais.

    3.4 ANLISE DA HIERARQUIA E DA DISCIPLINA

    Fica evidenciado que em todas as organizaes de pessoas que se renem

    para um fim especifico, precisa ser calcada em uma relao de subordinao, tanto

    as relaes administrativas, civis, trabalhista, educativas, etc..., se configuram com

    base no princpio da autoridade, ainda que todos estes mbitos estejam longe da

    organizao militar, onde o princpio da eficcia e com ele o da hierarquia e da

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    disciplina adquirem uma significao de todo particular. No seria em vo, portanto,

    concluir que a organizao burocrtica militar a tcnica de dominao mais perfeita.

    A quase totalidade dos regulamentos disciplinares brasileiros prev, como

    sendo uma das manifestaes da disciplina, a obedincia pronta s ordens dos

    superiores hierrquicos, conditio sine qua nonpara a existncia das instituies

    militares, a circunstncia elementar do militar dever considerao, respeito e

    acatamento aos seus superiores hierrquicos.

    S se podem admitir vlidos os comandos emanados com base no poder

    hierrquico se estes estiverem fundados em razoabilidade, se a ordem contrariar

    preceito regulamentar ou legal, o executante pode solicitar sua confirmao por

    escrito, cumprindo ao superior que a emitiu, atender a solicitao. Mas mesmo assim

    o subordinado dever cumpri-la, j que o regulamento apenas admite recusa a

    ordem flagrantemente ilegal (criminosa).

    A aplicao rgida e severa da hierarquia justificvel na medida em que

    preciso estabelecer uma relao de obedincia entre comandante e comandado,

    sem a qual os subordinados poderiam desenvolver o esprito do questionamento das

    ordens superiores que, em campo de batalha, seria fatal. Da mesma forma, semuma disciplina intensa, no se concretiza uma hierarquia fortificada. Entretanto, o

    que no se pode admitir sob hiptese alguma um desvirtuamento da finalidade e

    da aplicao de tais institutos que, ao invs de serem usados para manter a ordem,

    sejam instrumentos de abuso nas mos de pessoas que no correspondam aos

    verdadeiros anseios da instituio que carrega a funo to nobre: a defesa da

    ptria e dos poderes constitudos.

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    4 DIREITO ADMINISTRATIVO LATO SENSU

    4.1 O DIREITO ADMINISTRATIVO

    A origem do Direito Administrativo como conjunto independente de princpios

    ocorreu aps as revolues que determinaram a queda das monarquias absolutistas

    em fins do sculo XVIII. Ao lado do Direito Constitucional, o surgimento do Direito

    Administrativo desencadeou-se com a noo de Estado de Direito, este com

    fundamento nos princpios da legalidade e da separao de poderes. Esses

    princpios limitaram o poder estatal frente aos direitos dos cidados. Atravs do

    princpio da legalidade, passou-se a entender que todos devem submeter-se lei,inclusive os governantes, destruindo-se a ideia de que o monarca estaria acima da

    ordem jurdica e no poderia ser responsabilizado pelos seus atos.

    J o principio da separao dos poderes confere, em verdade, equilbrio

    entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, representado pelo sistema de

    freios e contrapesos no sistema jurdico brasileiro. O poder controla e limita o poder.

    O Direito Administrativo Comum ou lato sensuvem a ser o Ramo do Direito

    Pblico que estuda os aspectos atinentes Administrao Pblica, seus rgos e

    seus agentes, ontologicamente ligados noo de Estado.

    No obstante, a definio da professora Di Pietro (2003, p. 52) a seguinte:

    O ramo do direito pblico que tem por objeto os rgos, agentes e pessoajurdico administrativa que integram a Administrao Pblica, a atividadejurdica no contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para aconsecuo de seus fins, de natureza pblica.

    Entre os conceitos mais difundidos, na doutrina brasileira, sobressai o do

    inesquecvel Hely Lopes Meirelles (2009, p.40) para o qual o Direito Administrativo :

    o conjunto harmnico de princpios jurdicos que regem os rgos, os agentes e as

    atividades pblicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins

    desejados pelo Estado.

    Conforme leciona Duarte (1998, p.3) o conceito apresentado acima por sua

    amplitude, demonstra que o campo de estudo do Direito Administrativo atinge as

    vrias faces da atividade administrativa, inclusive os atos praticados no mbito dos

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    demais poderes, quais sejam, Legislativo e o Judicirio.

    4.2 O DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

    A fim de que se possa entender de forma plena o significado e a aplicao

    do Direito Administrativo Disciplinar, importante estabelecermos a distino entre o

    Direito Administrativo Comum e o Direito Administrativo Disciplinar. A delimitao do

    contedo do primeiro se faz por excluso. Logo, pertence a esta matria toda aquela

    que no dispe sobre a estruturao do sistema disciplinar e suas respectivas

    sanes. Resta, assim, ao Direito Administrativo Comum todo restante atinente ao

    Direito Administrativo, conforme definio j explicitada.

    Assim como as relaes humanas, o Direito tambm evolui, at mesmo

    como forma de se alcanar as frequentes mudanas que ocorrem no corpo social.

    Do mesmo modo ocorreu com o Direito Administrativo que, a fim de se adaptar,

    especializou-se em relao aos procedimentos disciplinares. Esta evoluo ocorreu

    em trs fases distintas: a fase do aprimoramento da teoria dos atos administrativos,

    passando pela fase da processualidade relativa e finalmente, alcanando a fase da

    processualidade plena.

    A primeira deu-se pelo aprimoramento da teoria dos atos administrativos,

    que se compem nas seguintes espcies: atos normativos, ordinatrios,

    enunciativos, negociais e punitivos. Segundo conceito do professor Martins:

    Denomina-se ato administrativo punitivo, aquele que se preordena a imporsano queles que infringem disposies legais ou regulamentares daadministrao Pblica. O que se colima, portanto, reprimir as infraesadministrativas ou a conduta irregular dos servidores ou particular em faceda Administrao Pblica. (MARTINS, 1996, p.50).

    Dada singularidade do assunto dentro do Direito Administrativo comum, foi

    necessrio reconhecer os atos punitivos como espcie autnoma, e que incoerente

    seria tentar enquadr-lo dentre as demais espcies. A segunda fase da evoluo,

    que se caracteriza pela processualidade relativa, advm da prpria criao

    doutrinria e jurisprudencial que de maneira acertada passou a reconhecer que o

    ramo do Direito Administrativo Disciplinar possui princpios prprios que no os do

    Direito Administrativo Comum. Este aprimoramento foi necessrio na medida em que

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    no se poderia mais continuar aplicando ao ramo disciplinar os mesmos princpios

    institudos no ramo comum. Neste, aplica-se, por exemplo, a imperatividade dos atos

    normativos, ordinatrios, enunciativos e negociais, que impossibilita a contestao

    ou postergao dos atos da administrao. Claro que, em se tratando de atos

    punitivos, no se pode aplicar tal princpio, j que a defesa baseada no contraditrio

    e a acusao fundada em razes fundamentadas so requisito de validade para

    concretizar a pretenso punitiva da Administrao Pblica.

    Por fim, chegamos a fase da processualidade plena, que tem incio com a

    promulgao da Carta Constitucional de 1988. Com a sua vigncia, passou-se a

    assegurar ao acusado nos procedimentos administrativos os mesmos benefcios de

    defesa atribudos ao acusado na esfera judicial sem qualquer tipo de distino. Logo,

    seria inadmissvel se ter reconhecido a desigualdade jurdica entre o administrador e

    o administrado, postulado norteador do Direito Administrativo comum que torna a

    relao jurdica verticalizada, dada imperiosa aplicao do contraditrio e da ampla

    defesa no mbito do processo administrativo disciplinar. Assim dispe a nossa Carta

    Magna, in verbis:

    Art. 5, inciso LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e

    aos acusados em geral so assegurados o contraditrio e a ampla defesa, com os

    meios e recursos a ela inerentes.

    Em verdade, no existe uma separao cronolgica ntida das fases

    evolutivas apresentadas. Elas coexistem no mundo jurdico, j que, ao mesmo

    tempo, podem-se observar algumas instituies perfeitamente afinadas com o

    princpio da legalidade, ampla defesa e o contraditrio e outras que ainda no se

    adaptaram ordem jurdica vigente, baseando seus procedimentos no inaceitvel

    princpio da verdade sabida.

    O Direito Administrativo Disciplinar no existe como um ramo de estudo

    autnomo dentro da cincia do Direito. Contudo, no se pode consider-lo como um

    simples captulo pertencente ao Direito Administrativo, o que geraria distores no

    direito de punir da administrao e no direito de defesa do acusado no bojo do

    procedimento administrativo. O prprio reconhecimento e aplicao de princpios

    diferenciados no estudo do Direito Administrativo Disciplinar em relao ao DireitoAdministrativo denuncia a diferena fundamental existente entre ambos. Logo,

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    correto asseverar que o Direito Administrativo Disciplinar surge como parte distinta

    que, apesar de no ser sub-ramo autnomo do Direito Administrativo, a ele no se

    pode negar especificidade.

    Hoje, podemos dizer que o Direito Disciplinar se aproxima mais do Direito

    Penal do que do Administrativo. A aplicao dos princpios atinentes ao Direito

    Administrativo no se mostra adequada para resolver os problemas de ordem

    disciplinar existentes nas organizaes militares. Embora, como j dito, no seja

    parte autnoma do Direito Administrativo, o Direito Disciplinar afina-se em muito com

    o Direito Penal.

    Nesse parmetro, a doutrina o define como Direito Penal Disciplinar, que

    exercido pela administrao e supe, no destinatrio da norma, reflexo de

    dependncia de carter administrativo ou de subordinao hierrquica, empregando

    sanes de natureza meramente corretiva. Fala-se tambm em Direito Penal

    Administrativo, conjunto de disposies que, mediante uma pena, tem em vista o

    cumprimento, pelo particular, de um dever seu para com a administrao.

    Assim, correto dizer que aos atos administrativos punitivos aplicam-se os

    dispositivos do Direito Administrativo to somente at o momento em que estes nocomprometam o devido processo legal, mandamento constitucional garantido nos

    procedimentos administrativos e que deve ser preservado a todo custo.

    4.3 O DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR

    Antes de adentrarmos no estudo das transgresses disciplinares militares,

    cabe-nos fazer a constatao da especialssima rea do Direito Administrativo

    Disciplinar Militar que, por ter princpios prprios, merece estudo apartado do Direito

    Administrativo Disciplinar em geral.

    O direito Administrativo Comum possui como vertente o Direito

    Administrativo Militar. A respeito deste, o professor Antnio Pereira, traz a seguinte

    definio:

    Ramo especialssimo do Direito Administrativo, o Direito AdministrativoMilitar no discrepa do conceito retroesposado, antes com ele secoaduna, enfocando o tema pertinente relao do servidor militarfederal (integrante das Foras Armadas) e do servidor militar estadual,

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    integrantes da Polcia Militar e do Corpo de Bombeiros de cada Estado,do Distrito Federal e dos Territrios, com a respectiva fora oucorporao (...).Deste modo, o Direito Administrativo Militar pode ser entendido como sub-

    ramo do Direito Administrativo Comum, que, atravs de um conjunto de

    princpios jurdicos entrelaados, disciplina e regula a atuao dos rgosmilitares, dos agentes/servidores militares, objetivando atingir a funoconstitucional reservada s Foras Militarizadas. (DUARTE, 1998, p.3 e 4).

    Assim como no Direito Administrativo Comum, que possui o Direito

    Administrativo Disciplinar, o Direito Administrativo Militar tambm possui este sub-

    ramo que se preocupa com os atos punitivos, denominado Direito Administrativo

    Disciplinar Militar, matria deste estudo.

    A hierarquia e a disciplina nas instituies militares apresentam-se demaneira singular, sendo diferenciada com relao s demais. Logo, mister que o

    Direito Administrativo Disciplinar utilizado pelas instituies militares seja distinto do

    aplicado aos civis. Enxergando tal especialidade, as instituies militares tm seu

    prprio regulamento disciplinar, utilizando-se dos regulamentos aplicveis aos civis

    somente em caso de lacuna (analogia in bonam partem).

    Assim, o Direito Administrativo Disciplinar Militar apresenta instrumentos

    especficos. A ele, aplicam-se inteiramente os institutos do Direito Penal Militar, a quedele tambm se deriva. Contudo, o inverso no verdadeiro, j que alguns institutos

    que nascem do Direito Administrativo Disciplinar somente a ele se aplicam.

    Outro elemento especfico a transgresso disciplinar militar, que somente

    pode ser praticada por militares e, portanto, no tipificvel aos servidores pblicos

    civis. Contida em regulamento prprio (RDERegulamento Disciplinar do Exrcito),

    as transgresses disciplinares militares tm fulcro na violao da hierarquia e

    disciplina militares, tambm especficas.

    Talvez o elemento mais significativo e que marca a fundamental importncia

    do estudo em separado do Direito Administrativo Disciplinar Militar, conforme Eliezer

    Martins (1996, p.50) a odiosa priso por transgresso disciplinar militar, a

    derradeira e infeliz modalidade de priso administrativa admitida no ordenamento

    jurdico brasileiro. Desconsiderando todas as outras, somente a previso da

    modalidade punitiva de sano restritiva de liberdade individual, situao em que o

    militar pode ficar at um ms encarcerado no xadrez, j justificaria a especificidade

    do Direito Administrativo Disciplinar Militar.

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    5 TRANSGRESSO DISCIPLINAR

    O conceito de transgresso disciplinar esta elencado no decreto n 4.346, de

    26 de agosto de 2002, que aprovou o RDE (Regulamento Disciplinar do Exrcito),

    em seu artigo 14, in verbis:

    Transgresso disciplinar toda ao praticada pelo militar contrria aospreceitos estatudos no ordenamento jurdico ptrio ofensivo tica, aosdeveres e s obrigaes militares, mesmo na sua manifestao elementar esimples, ou ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoroda classe (...).

    A funo militar gera a criao de um vnculo estreito com a Ptria e osentimento de sua preservao e defesa. dentro desse contexto que se originam

    os vrios deveres militares, entre os quais o da fidelidade Ptria, o culto aos

    smbolos nacionais, a probidade e lealdade em todas as ocasies e circunstncias, a

    disciplina e o respeito hierarquia, o cumprimento das obrigaes e ordens e a

    obrigao de tratar o subordinado com dignidade e urbanidade.

    Como j estudado, a hierarquia e disciplina norteiam as funes militares, de

    tal sorte que a obedincia aos preceitos, normas e ordens superiores integram oconjunto de deveres militares, importante ressaltar que o militar, nos termos descritos

    no artigo 41 do Estatuto dos Militares plenamente responsvel pelas decises que

    toma, pelas ordens que profere e pelos atos que pratica.

    5.1 A TRANSGRESSO DISCIPLINAR E A CONSTITUIO

    A transgresso militar, mencionada no inciso LXI da Carta Magna de 1988,in verbis:

    Ningum ser preso seno em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada

    de autoridade judiciria competente, salvo nos casos de transgresso militar ou

    crime propriamente militar, definidos em lei (grifo nosso). A definio de

    transgresso militar esta estatuda em norma administrativa, consubstanciada em

    regulamentos militares das foras militares, e no em legislao penal militar.

    Para a verificao de transgresso militar devem-se observar principalmenteos chamados Regulamentos Disciplinares, que as Foras Armadas e as Foras

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    Militares Estaduais possuem.

    Basicamente, tais Regulamentos Disciplinares (RDs) descrevem os

    princpios gerais da hierarquia e da disciplina; da esfera de ao e da competncia

    na aplicao do RD; das transgresses disciplinares espcies, julgamento,

    classificao, gradao e execuo das punies disciplinares, normas para a

    aplicao e cumprimento dessa punio, comportamento do militar, direitos e

    recompensas, e relao de transgresses militares.

    Transgresso militar, ou melhor, transgresso disciplinar, de acordo com o

    Regulamento Disciplinador do Exrcito (R-4, mais conhecido por RDE), em seu

    artigo 14, conceitua como:

    Transgresso disciplinar toda ao praticada pelo militar contrria aospreceitos estatudos no ordenamento jurdico ptrio ofensivo tica, aosdeveres e s obrigaes militares, mesmo na sua manifestao elementar esimples, ou ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoroda classe (...).

    O Regulamento Disciplinar para a Marinha chama a Transgresso Disciplinar

    de Contraveno Disciplinar, definindo-a em seu artigo 6 como:

    Contraveno Disciplinar toda ao ou omisso contrria s obrigaesou aos deveres militares estatudos nas leis, nos regulamentos, nas normase nas disposies em vigor que fundamentam a Organizao Militar, desdeque no incidindo no que capitulado pelo Cdigo Penal Militar como crime.

    O Regulamento Disciplinar da Aeronutica, a exemplo do RDE, tambm

    denomina de Transgresso Disciplinar e a conceitua em seu artigo 8 como:

    Transgresso Disciplinartoda ao ou omisso contrria ao dever militar,e como tal classificada nos termos do presente Regulamento. Distingue-sedo crime militar que ofensa mais grave a esse mesmo dever, segundo opreceituado na legislao penal militar.

    Todos os trs Regulamentos Disciplinares apresentam uma relao do que

    consideram ser Transgresso ou Contraveno Disciplinar; o RDE apresenta 121; oRDMAR, 84 e o RDAER, 100 tipos de transgresses.

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    Os trs RDs se acautelam, acrescentando que tambm consideram

    TRANSGRESSO (ou CONTRAVENO) MILITAR, todas as aes ou omisses,

    no especificadas na relao, nem qualificadas como crime nas leis penais

    brasileiras, que afetam a honra pessoal, o pundonor militar, o decoro da classe e

    outras prescries estabelecidas no Estatuto dos Militares, leis e regulamentos, bem

    como aquelas praticadas contra normas e ordens de servio, emanadas de

    autoridade competente (RDE, art. 14; RDMAR, pargrafo nico, do art. 7; e

    RDAER, pargrafo nico, do art. 10).

    5.2 DA VIOLAO DAS OBRIGAES E DEVERES MILITARES

    Conforme disposto no Estatuto dos Militares, a violao das obrigaes ou

    dos deveres militares poder constituir crime, contraveno ou transgresso

    disciplinar, de acordo com o previsto nos regulamentos e leis militares. No caso de

    violao de algum preceito tico-militar, este ser tanto mais grave quanto maior for

    o grau hierrquico do infrator.

    Existe uma estreita ligao entre o Direito Penal Militar e o Direito Disciplinar,

    pois a diferena entre crime militar e transgresso disciplinar apenas deintensidade da referida violao das obrigaes e deveres impostos aos militares, a

    semelhana do crime e contraveno na esfera civil.

    Se houver concurso entre transgresso disciplinar e crime militar, somente

    se aplicar a pena referente ao crime. que o crime militar bem mais grave, e

    absorve a transgresso disciplinar, conforme o principio da consuno, que diz que

    h consuno quando o fato previsto em determinada norma compreendido em

    outra, mais abrangente, aplicando-se somente esta.

    Faz-se mster tambm explicar outros institutos que o artigo 6 do RDE que

    sinaliza como transgresso, os institutos da:

    I Honra pessoal: sentimento de dignidade prpria, como o apreo e orespeito de que objeto ou se torna merecedor o militar, perante seussuperiores, pares e subordinados;

    IIpundonor militar: dever de o militar pautar a sua conduta como a de um

    profissional correto. Exige dele, em qualquer ocasio, alto padro decomportamento tico que refletir no seu desempenho perante a Instituioa que serve e no grau de respeito que lhe devido; e

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    III decoro da classe: valor moral e social da Instituio. Ele representa oconceito social dos militares que a compe e no subsiste sem esse.

    A transgresso disciplinar uma espcie de ilcito, j o ilcito pode ser devrias categorias, conforme seja o ramo do Direito ao qual esteja relacionado. Logo,

    o ilcito pode ser civil, penal, administrativo, etc... A transgresso disciplinar se

    enquadra ao ilcito administrativo por envolver um agente pblico no campo do

    Direito Administrativo. Assim, mostra-se possvel simplificar dizendo que a

    transgresso disciplinar um ilcito administrativo que viola a hierarquia e a

    disciplina militar.

    As transgresses disciplinares esto enumeradasno anexo I do decreto n4.346, de 26 de agosto de 2002, que aprovou o RDE (Regulamento Disciplinar do

    Exrcito). A transgresso disciplinar um ilcito de menor gravidade e, portanto,

    punida com menor rigor. Todavia, a prtica reiterada de condutas infracionais poder

    levar a consequncias mais graves na carreira do militar, como o atraso de

    promoes ou at mesmo a expulso a bem da disciplina.

    Talvez o maior problema a ser enfrentado neste tema esteja ligado s

    prprias razes do RDE. Apesar de ter sido atualizado em 26 de agosto de 2002 por

    meio de decreto presidencial, a base estrutural do regulamento ainda est calcada

    em sua primeira edio, que remonta aos tempos da institucionalizao das Foras

    Armadas. Este arcasmo do regulamento traz como consequncia a estipulao de

    certas condutas infracionais inadmissveis em um Estado Democrtico de Direito,

    conforme relato de Eliezer Pereira Martins:

    O aplicador de o sistema disciplinar militar tem a sua frente o dilema de ter anecessidade de fazer atuar disposies que no foram adaptadas ao novoordenamento constitucional, o que pode levar s imposiesinconstitucionais e invariavelmente injustas (MARTINS,1996, p.76).

    5.3 TRANSGRESSES DISCIPLINARES TPICAS E ATPICAS

    As transgresses disciplinares militares podem ser classificadas em duas

    espcies distintas: tpica e atpicas.

    As transgresses disciplinares tpicas so aquelas que esto arroladas no

    Anexo I do RDE. So tpicas porque a conduta considerada infringente hierarquia e

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    disciplina est perfeitamente descrita, assim como acontece no tipo penal. Embora

    muitas delas estejam desajustadas ordem vigente, pelo menos os agentes

    militares tm a possibilidade de autodeterminar sua conduta no sentido de no

    transgredir o regulamento, pois j conhecem sua existncia.

    J as transgresses disciplinares atpicas so aquelas no descritas ou no

    definidas de forma especfica, sendo seu contedo infracional preenchido pelo

    aplicador da sano (critrio subjetivo). Pode-se dizer que a punio referente

    transgresso disciplinar atpica esta em dissonncia com a Constituio Federal,

    pois o tipo a descrio abstrata de um fato real que a lei probe, sendo deste modo

    a ao ou omisso dolosa ou culposa de que afetam bens jurdicos amparados pela

    lei, norma e regulamentos, o militar deve ter cincia exata de qual conduta, assim

    como no Direito Penal Militar considerada como crime ou transgresso.

    O ilustre penalista Luiz Regis Prado, em seu livro Curso de Direito Penal

    Brasileiro, nos relata que:

    A tipicidade a subsuno ou adequao do fato ao modelo previsto no tipolegal. um predicado, um atributo da ao, que a considera tpica (juzo de

    tipicidade positiva) ou atpica (juzo de tipicidade negativa). Da ser a aotpica um substantivo, isto , a ao j qualificada ou predicada como tpica(subsumida ao tipo legal). A tipicidade a base do injusto penal (PRADO,2008, p.309).

    Tem-se como exemplo de transgresso disciplinar atpica, a seguinte

    modalidade de transgresso disciplinar insculpida no Regulamento Disciplinar do

    Exrcito(RDE) que dispe, in verbis:

    Anexo In 9 - Deixar de cumprir prescries expressamente estabelecidasno Estatuto dos Militares ou em outras leis e regulamentos, desde que nohaja tipificao como crime ou contraveno penal, cuja violao afete ospreceitos da hierarquia e disciplina, a tica militar, a honra pessoal, opundonor militar ou o decoro da classe.

    Ora, essa definio passou longe da tipicidade concreta, pois qual a real

    conduta a ensejar a punio disciplinar? Fica ao arbtrio da autoridade dizer se a

    conduta se encaixa ou no nesta tipicidade extensiva. Assim, exige-se disposiomais clara da conduta proibitiva, sendo, portanto, absurdo que se puna algum ape-

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    nas porque o comandante subjetivamente acredita que tal conduta fere a honra pes-

    soal ou o pundonor militar ou o decoro da classe.

    Pois a honra, o pundonor militar, o decoro tm acepes variadas para cadapessoa e localidade, sendo inadmissvel que uma mesma conduta seja punida por

    um tipo de comandante e no por outro, bem como inaceitvel que tal conduta se-

    ja repudiada no Estado do Amazonas e no no Rio Grande do Sul por exemplo, j

    que todas as polcias e bombeiros militares tm como princpios basilares a hierar-

    quia e disciplina, no podendo haver, portanto, diferenas entre as disciplinas e as

    hierarquias nas vrias polcias militares, sob pena de desrespeito ao princpio da

    isonomia, j que todas as foras auxiliares do Exrcito possuem o mesmo dever

    constitucional de manter a ordem pblica e a incolumidade das pessoas.

    Desta forma, somente pode ser considerada transgresso disciplinar as

    condutas expressamente disposta em lei, sendo incabvel a sua extenso, analogia

    ou proximidade. H de argumentar, ainda, que o simples fato de a conduta estar

    disposta em norma legal no significa, necessariamente, o seu acatamento ao prin-

    cpio da reserva legal, j que para a sua observncia requer, ainda, que tal dispositi-

    vo seja preciso e no genrico, impedindo que qualquer conduta humana se encaixeno tipo legal.

    Ademais, para o vislumbramento do principio da legalidade, exige-se que ha-

    ja aperfeita correspondncia entre a conduta e a norma que a descreve, no se

    permitindoque se puna por uma conduta aproximada ou assemelhada. Assim, no

    cabvel que a disposio em norma seja genrica, enquadrando-se em vrias condu-

    tas, j que o princpio da legalidade impe que a descrio da conduta seja deta-

    lhada e especifica.

    Desta forma, no deve estabelecer em normas expresses vagas e de sen-

    tido ambguo ou abrangentes, capazes de alcanar qualquer comportamento huma-

    no, fazendo ineficaz a garantia da legalidade.

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    6 LIMITES DO ATO DISCIPLINAR MILITAR

    6.1 O ATO DISCIPLINAR MILITAR

    O ato disciplinar militar se insere no conceito amplo do ato administrativo e,

    sendo assim, deve estar dotado dos mesmos requisitos que os informam.

    O ato administrativo militar a manifestao unilateral de vontade da

    Administraao Pblica Militar que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato

    impor uma sano disciplinar ao servidor militar em face do cometimento de uma

    infrao disciplinar preestabelecida, e ao fim de um processo apuratrio em que se

    lhe faculte a ampla defesa.

    6.2 REQUISITOS DO ATO DISCIPLINAR MILITAR

    O ato administrativo militar deve conter cinco requisitos para sua existncia,

    conforme nos ensina o administrativista Hely Lopes Meirelles:

    O exame do ato administrativo revela nitidamente a existncia de cincorequisitos necessrios sua formao, a saber: competncia, finalidade,forma, motivo e objeto. Tais componentes pode-se dizer, constituem ainfraestrutura do ato administrativo, seja ele vinculado ou discricionrio,simples ou complexo, de imprio ou de gesto. (MEIRELLES, 2009, p.154).

    a) COMPETNCIA:

    Competncia administrativa para punir o subordinado o poder atribudo

    para determinadas autoridades militares em razo dos cargos que ocupem, da

    oportuna a advertncia de Caio Tcito (1959, p.27) de que No competente quem

    quer, mas quem pode, segundo a norma de Direito.

    Via de regra, todos os regulamentos disciplinares preveem as autoridades

    competentes para aplicar punies, ressalvando que tal competncia decorre do

    cargo ocupado pelo militar superior e no pelo grau hierrquico que ocupa.

    b) FINALIDADE:

    A finalidade do ato disciplinar militar o objetivo de interesse pblico a atingir.

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    Se considerarmos a pessoa do militar em relao sua organizao militar, teremos

    que a finalidade da punio estar alcanada quando dela advier benefcio para o

    punido, pela sua reeducao, ou para organizao a que pertena, pode-se dizer

    tambm que, A punio visa preservao da disciplina e deve ter em vista o

    benefcio educativo do punido e coletividade a que pertence(RDE, art. 23).

    Porm, se considerarmos a organizao militar a que pertence o militar

    faltoso, e sua relao com a sociedade que serve, pode-se afirmar que a punio

    disciplinar tem por finalidade manter a disciplina e coeso daquele corpo

    especializado, tendo em vista o melhor desempenho de suas funes constitucionais,

    quais sejam, a defesa da ptria e a preservao da ordem pblica.

    c) FORMA:

    A forma o revestimento pelo qual se exterioriza o ato disciplinar,

    constituindo elemento vinculado e imprescindvel sua perfeio. O ato disciplinar

    militar sempre formal. a roupagem com o qual o ato se apresenta, prevalece a

    forma escrita.

    A forma pela qual se exterioriza as punies na Policia Militar do Paran,

    vem descrita do artigo 34 do Regulamento Disciplinar do Exrcito(RDE), in fine:

    Art. 34. A aplicao da punio disciplinar compreende:I - elaborao de nota de punio, de acordo com o modelo do Anexo II;II - publicao no boletim interno da OM, exceto no caso de advertncia; eIII - registro na ficha disciplinar individual.

    1 A nota de punio deve conter:I - a descrio sumria, clara e precisa dos fatos;

    II - as circunstncias que configuram a transgresso, relacionando-as sprescritas neste Regulamento; eIII - o enquadramento que caracteriza a transgresso, acrescida de outrosdetalhes relacionados com o comportamento do transgressor, para aspraas, e com o cumprimento da punio disciplinar. 2 No enquadramento, sero mencionados:I - a descrio clara e precisa do fato, bem como o nmero da relao do

    Anexo I no qual este se enquadra;II - a referncia aos artigos, pargrafos, incisos, alneas e nmeros das leis,

    regulamentos, convenes, normas ou ordens que forem contrariados oucontra os quais tenha havido omisso, no caso de transgresses a outrasnormas do ordenamento jurdico;III - os artigos, incisos e alneas das circunstncias atenuantes ou

    agravantes, ou causas de excluso ou de justificao;IV - a classificao da transgresso;V - a punio disciplinar imposta;VI - o local para o cumprimento da punio disciplinar, se for o caso;

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    VII - a classificao do comportamento militar em que o punido permanecerou ingressar;VIII - as datas do incio e do trmino do cumprimento da punio disciplinar;

    eIX - a determinao para posterior cumprimento, se o punido estiver

    baixado, afastado do servio ou disposio de outras autoridades (...).

    d) MOTIVO:

    a situao de direito ou de fato que determina ou autoriza a realizao do

    ato administrativo. O motivo do ato disciplinar militar pode ser expresso de duas

    formas. Quando se tratar da aplicao de uma punio disciplinar, seu motivo ser a

    transgresso de um preceito estabelecido no regulamento disciplinar e no

    qualificado como crime nas leis penais militares, contra a honra e o pundonor militar,

    contra o decoro da classe, contra os preceitos sociais e as normas da moral, contra

    os princpios da subordinao, regras e ordens de servio.

    e) OBJETO:

    O objeto do ato disciplinar identifica-se com o contedo do prprio ato, o

    objetivo a ser alcanado, atravs do qual a Administrao Militar manifesta sua

    potestade sancionadora, apurando a falta disciplinar e punindo o militar faltoso.

    6.3 A CONSTITUIO E O HABEAS CORPUS

    O habeas corpus, sem ser novidade na atual Lei Maior e com alguma

    variao, vem sendo tratada em todas as Constituies brasileiras. A de 1967 em

    seu art. 150, 20, determinava que:

    Dar-se- habeas corpussempre que algum sofrer ou se achar ameaadode sofrer violncia ou coao em sua liberdade de locomoo, porilegalidade ou abuso de poder. Nas transgresses disciplinares no caberhabeas corpus.

    A mesma redao encontrada na Emenda Constitucional n 01 de 17 de

    Outubro de 1969 em seu artigo 153, 20. J ento era feita a ressalva, colocando-

    se um impedimento para que, nas transgresses disciplinares, houvesse apossibilidade de aplicao desse mandamus.

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    As transgresses disciplinares seriam aquelas resultantes de

    regulamentosdisciplinares, militares ou no. Includas estavam as transgresses

    disciplinarescometidas por funcionrios civis.

    Na Constituio atual, esta expresso foi alterada para punies

    disciplinares militares e passou a constar, no mais junto s disposies do habeas

    corpuse sim no captulo das Foras Armadas. O constituinte no foi preciso, pois

    ora chama de transgresso militar (art. 5, LXI), que o ato, e ora denomina como a

    punio disciplinar militar ( 2 , do art. 142), que o resultado desse ato.

    Aparentemente, pelo menos, parece que a questo est definida; quando se

    tratar de punio disciplinar, segundo os Regulamentos Militares, no mbito portanto

    dos quartis, aplicada a militares, o conhecido remdio heroico no poderia ser

    usado em favor do prejudicado ou do assim punido.

    O instituto do habeas copus tem amparo em vrios artigos da Magna Carta,

    sendo o mais importante o inscrito no rol dos Direitos e Deveres Individuais e

    coletivos estabelecidos no artigo 5, ele ir aparecer inicialmente em seu inciso

    LXVIII, com a seguinte redao:

    Conceder-se- habeas corpus sempre que algum sofrer ou se acharameaado de sofrer violncia ou coao em sua liberdade de locomoo, por

    ilegalidade ou abuso de poder.

    So requisitos do habeas corpus portanto, que algum - pessoa certa e

    determinada - sofra ou esteja na iminncia de sofrer efetiva violncia ou coao na

    sua liberdade de locomoo, que direito garantido pelo artigo 5, inciso XV da

    Carta Maior, a qualquer pessoa, no territrio nacional em tempo de paz, incluindo-se

    neste contexto os militares, esta liberdade individual que o instituto do habeas

    corpusvisa proteger.

    Destacamos que desde a promulgao da Constituio Federal de 1988, as

    normas garantidoras dos direitos, que so os bens jurdicos protegidos e as

    garantias fundamentais, que so os meios disponveis para alcan-las, tem

    aplicao imediata, conforme (artigo 5, pargrafo 1), sendo o artigo 5, clusula

    ptrea da CF/88, ou seja, no admite proposta de emenda constitucional que tenha

    por objetivo a abolio destes direitos, conforme artigo 60, 4, alnea IV.

    Fica a pergunta no ar, qual seria a inteno do constituinte originrio, ao

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    tratar das Foras Armadas, em dispor no artigo 142, 2, que no caber habeas

    corpus em relao a punies disciplinares militares, tendo por extenso a

    aplicao a militares estaduais, a bem da verdade esta vedao constitucional

    sempre existiu.

    assente na doutrina que a Constituio no possui dispositivos

    antagnicos, ento no podemos falar em antinomia entre seu artigo 5, inciso

    LXVIII, e o artigo 142, 2, sendo necessrio concili-los.

    A discusso sobre o cabimento ou no do habeas corpus nas transgresses

    disciplinares militares ganhou destacado aliado no artigo mais importante da

    Constituio Federal, que elenca os direitos e garantias individuais em seu inciso

    LXI que dispe o seguinte enunciado:

    Ningum ser preso seno em flagrante delito ou por ordem escrita efundamentada de autoridade judiciria competente, salvo nos casos detransgresso militar ou crime propriamente militar, definidos em lei (grifonosso).

    Este inciso excepciona duas hipteses em que no ser necessrio o

    flagrante delito ou ordem de um juiz, quais sejam, o crime propriamente militar, ou

    seja, aquele que somente um militar poder cometer, como por exemplo o crime de

    desero capitulado no Cdigo Penal Militar ou no objeto de nosso estudo a

    transgresso disciplinar.

    Existem doutrinadores que observando a parte literal do inciso em comento,

    entendem que tanto o crime militar quanto a transgresso disciplinar deveriam estar

    descritos em lei, e no em regulamento como caso em questo, pois a segunda

    vrgula do texto, antes da expresso final definidos em lei, teleologicamente daria a

    entender que ambos os institutos, ou seja, tanto o crime militar quanto a

    transgresso deveriam estar definidos em lei.

    No entanto se a vrgula estivesse colocada logo aps a expresso

    transgresso militar, teramos ento a interpretao gramatical de que apenas os

    crimes militares que deveriam estar previstos em lei, mas no essa a impresso

    que se tem, causando duvida ao interprete da lei, sendo que no se tem noticia dejurisprudncia esclarecedora sobre a exegese deste artigo constitucional,

    permanecendo a interpretao (mesmo que duvidosa), de que apenas os crimes

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    propriamente militares que sero definidos em lei, deixando para os regulamentos

    disciplinares especificar as transgresses militares, lembrando que estes

    regulamentos so institudos por decreto do Chefe do poder Executivo, estando

    portanto ausente a discusso em uma casa legislativa, onde o debate sobre o que

    vem a ser uma transgresso disciplinar militar seria bem mais ampla.

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    7 DA LEGALIDADE DA RESTRIO AOS MILITARES

    Ruy Barbosa, ao analisar a Constituio de 1891, estabeleceu distino

    entre direitos e garantias fundamentais. Segundo o ilustre jurista, direitos so

    disposies meramente declaratrias, enquanto garantias so medidas

    assecuratrias que visam defesa de direitos, limitando o poder. Assim sendo,

    podemos conceituar o habeas corpus como uma ao constitucionalmente

    qualificada que tem por escopo assegurar a liberdade fsica do indivduo, a liberdade

    de ir, ficar e vir (direitos humanos de primeira gerao, liberdade). No obstante a

    to grande importncia desse instrumento, nosso constituinte originrio de 1988

    exclui, a princpio, seu cabimento em punies disciplinares de militares

    pertencentes s Foras Armadas (art. 142, 2, CF) e aos Estados, Distrito Federal

    e Territrios (art. 42, 1, tambm da CF).

    7.1 EVOLUO CONSTITUCIONAL DA TRANSGRESSO

    Primeiramente analisa-se a Lei 6.880, de 9 de dezembro de 1980, que criou

    o Estatuto dos Militares, e o Decreto no 76.322, de 22 de setembro de 1975, que

    aprovou oRegulamento Disciplinar da Aeronutica (RDAER), ambos anteriores atual Constituio Federal, com o intuito de fornecer um maior esclarecimento da

    evoluo histrica sobre a estipulao das transgresses disciplinares militares.

    A Constituio Federal de 1967 estabelecia em seu art. 150, 12, in verbis:

    Ningum ser preso seno em flagrante delito ou por ordem escrita deautoridade competente. A Lei dispor sobre a prestao de fiana. A prisoou deteno de qualquer pessoa ser imediatamente comunicada ao juizcompetente, que a relaxar, se no for legal.

    Percebe-se que na citada Constituio inexistia qualquer previso a respeito

    do tipo de norma legal que iria fundamentar a aplicao da pena de priso ou

    deteno. A nica exigncia constitucional expressa de ser a priso decretada por

    autoridade competente, possibilitando que praticamente qualquer funcionrio civil ou

    militar fosse, por mero decreto do Poder Executivo, designado competente para

    decretar priso ou deteno de outra pessoa.

    Sob a vigncia da Constituio Federal de 1967, existiam poucas garantias

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    pessoa que sofria a priso. Provavelmente, esta orientao era uma consequncia

    do pensamento reinante no perodo de represso militar, onde milhares de pessoas

    foram presas, conforme relatos dos mais diversos j publicados, sob o fundamento

    de assim estar-se agindo para a defesa do governo contra os comunistas e outros

    contrrios ao regime institudo.

    A lei 6.880 (Estatuto dos Militares) expressa em seu art. 47, in verbis:

    Os regulamentos disciplinares das Foras Armadas especificaro eclassificaro as contravenes ou transgresses disciplinares eestabelecero as normas relativas amplitude e aplicao das penasdisciplinares, classificao do comportamento militar e interposio de

    recursos contra as penas disciplinares.

    A Lei transfere para a competncia interna de cada Fora Armada, por meiode regulamentos institudos por decretos do Poder Executivo, a determinao doscasos de transgresso disciplinar, assim como a classificao e formas de apuraodos fatos. Em funo disso, o Decreto no 76.322, de 1975, que institui oRegulamento Disciplinar da Aeronutica, em vigor at os dias de hoje, traz como seufundamento legal o art. 83, II da Constituio de 1967, in verbis:

    Art .83 - Compete privativamente ao Presidente da Repblica:(...)II sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, expedir decretos e

    regulamentos para a sua fiel execuo.

    A emisso do regulamento disciplinar teve, portanto, a finalidade de cumprir

    a determinao da lei, dando a esta eficcia, em um rol com cerca de 100 itens, o

    artigo 10 daquele decreto estabelece os casos de transgresso disciplinar para

    militares da Aeronutica, como por exemplo:

    9 - deixar por negligncia, de cumprir ordem recebida:10 - deixar de comunicar ao superior a execuo de ordem dele recebida:11 - deixar de executar servio para o qual tenha sido escalado;12 - deixar de participar, a tempo, autoridade a que estiver imediatamentesubordinado, a impossibilidade de comparecer ao local de trabalho, ou aqualquer ato de servio ou instruo a que deva tomar parte ou a que devaassistir;13 - retardar, sem justo motivo, a execuo de qualquer ordem;

    J o artigo 15 do decreto em comento dispe que as punies disciplinares

    sero assim especificadas:

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    deteno at 30 dias; priso (comum at 30 dias; sem fazer servio at 15

    dias; em separado at 10 dias); licenciamento a bem da disciplina; e; excluso a

    bem da disciplina.

    Com base no que foi relatado, transparente que tanto a Lei 6.880 quanto o

    Decreto 76.322 estavam em conformidade com os preceitos da Constituio de 1967,

    j que inexistia restrio no tocante formalidade para o estabelecimento das

    transgresses disciplinares, bem como autoridade competente especificada na Lei

    Maior.

    7.2 REGULAMENTOS DISCIPLINARES E SUA CONFORMIDADE COM A ATUALCONSTITUIO

    Primeiramente, se diga que em relao aos regulamentos disciplinares, eles

    tm, de forma indireta, uma previso constitucional, inserida no art. 5, inciso LXI,

    conforme segue: Ningum ser preso seno em flagrante delito ou por ordem

    escrita e fundamentada de autoridade judiciria competente, salvo nos casos de

    transgresso militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

    Ao se referir transgresso militar, o dispositivo constitucional esta

    admitindo a existncia de um Regulamento Disciplinar, j que neles esto

    relacionados o que vem a constituir transgresso disciplinar ou militar.

    Cada fora singular possui o seu prprio regulamento, ou seja, o da Marinha

    que foi baixado pelo decreto 88.545 de 26 de junho de 1983 e o da Aeronutica que

    foi baixado pelo decreto 76.322 de 22 de setembro de 1975, ambos recepcionados

    pela Constituio Federal de 1988 com fora de lei.

    J o atual Regulamento Disciplinar do Exrcito, que usado pela maioria

    das Policias Militares do Brasil, inclusive pela PMPR foi editado aps a Carta Magna

    de 1988, pelo decreto 4.346 de 26 de agosto de 2002 e que veio em substituio ao

    decreto 90.608 de 08 de dezembro de 1984.

    Pois bem, grande parte da doutrina entende que este novo decreto

    inconstitucional, pois conforme a Constituio Federal de 1988 determina em seu

    artigo 5, LXI, os crimes propriamente militares e as transgresses militares devemser definidas por lei e no via decreto presidencial, entende-se que os decretos das

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    trs foras militares, anteriores a atual Constituio Federal foram recepcionados

    com fora de lei, mas o atual regulamento do exrcito datado de 2002 no poderia

    ser editado atravs de decreto, mas sim atravs de lei, tornando-se inconstitucional

    privar algum de sua liberdade motivada por decreto e no por lei, mas em

    contrapartida o Supremo Tribunal Federal no reconheceu a ao Direta de

    Inconstitucionalidade proposta contra o RDE, sendo que entre dez Ministros

    presentes, sete decidiram no julgar o mrito da questo porque a petio inicial no

    detalhou quais os dispositivos do decreto seriam inconstitucional, persistindo at o

    momento a eficcia do atual RDE, conforme deciso abaixo:

    EMENTA: Ao Direta de Inconstitucionalidade contra o Decreto no4.346/2002 e seu Anexo I, que estabelecem o Regulamento Disciplinar doExrcito Brasileiro e versam sobre as transgresses disciplinares. 2.Alegada violao ao art. 5, LXI, da Constituio Federal. 3. Voto vencido(Rel. Min. Marco Aurlio): a expresso ("definidos em lei") contida no art. 5,LXI, refere-se propriamente a crimes militares. 4. A Lei no 6.880/1980 quedispe sobre o Estatuto dos Militares, no seu art. 47, delegou ao Chefe doPoder Executivo a competncia para regulamentar transgresses militares.Lei recepcionada pela Constituio Federal de 1988. Improcedncia dapresente ao. 5. Voto vencedor (divergncia iniciada pelo Min. GilmarMendes): cabe ao requerente demonstrar, no mrito, cada um dos casos deviolao. Incabvel a anlise to somente do vcio formal alegado a partir da

    formulao vaga contida na ADI. 6. Ausncia de exatido na formulao daADI quanto s disposies e normas violadoras deste regime de reservalegal estrita. 7. Dada a ausncia de indicao pelo decreto e, sobretudo,pelo Anexo, penalidade especfica para as transgresses (a seremgraduadas, no caso concreto) no possvel cotejar eventuais vcios deconstitucionalidade com relao a cada uma de suas disposies. Aindaque as infraes estivessem enunciadas na lei, estas deveriam serdevidamente atacadas na inicial. 8. No conhecimento da ADI na forma doartigo 3 da Lei no 9.868/1999. 9. Ao Direta de Inconstitucionalidade no-conhecida.(ADI 3340, Relator(a): Min. MARCO AURLIO, Relator(a) p/ Acrdo: Min.GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 03/11/2005, DJ 09-03-2007PP-00025 EMENT VOL-02267-01 PP-00089)

    7.3 PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA LEGAL

    Agora analisemos ambas as normas s luzes da Constituio Federal de

    1988, que em seu art. 5, LXI, in verbis:

    Ningum ser preso seno em flagrante delito ou por ordem escrita e

    fundamentada de autoridade judiciria competente, salvo nos casos de transgresso

    militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

    Com relao ao princpio da reserva legal, nos ensina Luiz Regis Prado:

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    O Direito Penal moderno se assenta em determinados princpiosfundamentais, prprios de Estado Democrtico de Direito, entre os quaissobreleva o da legalidade dos delitos e das penas, da reserva legal ou dainterveno legalizada, que, enunciado no art. 1 do Cdigo Penal, tem baseconstitucional expressa (art. 5, XXXIX, CF). A sua dico tem sentido amplo:

    no h crime (infrao penal) nem pena (sano penal) sem previa lei(stricto sensu). Isso vale dizer: a criao dos tipos incriminadores e de suasrespectivas consequncias jurdicas esta submetida lei formal anterior [...](PRADO, 2008, p.130).

    A previso constitucional que assegura a reserva legal dos crimes

    propriamente militares, descritas no art. 5, LXI, no isolado, visto que existe no

    mesmo artigo, em relao aos crimes propriamente militares, suporte mais

    abrangente, qual seja, no inciso XXXIX, determinando que: no h crime sem leianterior que o defina, nem pena sem prvia cominao legal , principio vigente em

    todas as constituies democrticas, como confirmao da precisa lio de

    Feuerbach: nullum crimen, nulla poena sine lege.

    O principio da legalidade deve ser instituto inabalvel no Estado

    Democrtico de Direito, como nos leciona Jos Afonso da silva, in verbis:

    O principio da legalidade tambm um principio basilar do EstadoDemocrtico de Direito. da essncia do seu conceito subordinar-se Constituio e fundar-se na legalidade democrtica. Sujeita-se , como todoo Estado de Direito, ao imprio da lei, mas da lei que realize o principio daigualdade e da justia, no pela sua generalidade, mas pela busca daequalizao das condies dos socialmente desiguais (...). A lei efetivamente o ato oficial de maior realce na vida poltica. Ato de decisopoltica por excelncia, por meio dela, enquanto emanada da atuao davontade popular, que o poder estatal propicia ao viver social modospredeterminados de conduta, de maneira que os membros da sociedadesaibam, de antemo, como guiar-se na realizao de seus interesses.(SILVA, 2008, p.121).

    Esta constatao nos permite dizer que no existe na constituio, principio

    similar que nos de suporte para admitir transgresso disciplinar apenas estabelecida

    em lei, ou seja, no h determinao constitucional dizendo: no htransgresso

    disciplinarsem lei anterior que o defina, nem pena sem prvia cominao legal.

    Assim deve-se concluir, salvo melhor juzo, que o constituinte originrio ao

    inserir a vedao ao habeas corpus nas hipteses do artigo 5, inciso LXI, quis

    principalmente, fortalecer a hierarquia e a disciplina das Foras Armadas, que so as

    vigas mestras dessas instituies, deixando para o Chefe do poder Executivo

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    normatizar atravs de decreto (regulamento) o que vem a constituir o instituto da

    transgresso disciplinar.

    A lei a forma prevista pela Constituio Federal para estabelecer regras

    abstratas e genricas que imponham obrigaes e restries aos indivduos. Depois

    de estabelecidas estas regras, permite-se que normas menores, tais como decretos,

    estabeleam as formas mais especficas para aplicao da norma legal.

    o que dispe o artigo 47 da lei n 6.880 (Estatuto dos Militares), da seo

    que trata das contravenes ou transgresses disciplinares que delega aos

    regulamentos militares a definio e aplicao de punio disciplinar ao que for

    considerado afronta aos princpios basilares da instituio, como j comentado

    acima, olhando por este prisma percebe-se que foi a prpria lei bsica dos militares

    que delegou ao poder disciplinar regulamentar o que vem a ser uma transgresso

    disciplinar, e qual delas de maior gravidade ensejaro a priso ou deteno,

    suprimindo assim a liberdade de ir e vir do cidado militar.

    Nunca demais esclarecer que quando a Constituio Federal de 1988

    alude priso, tambm engloba a pena de deteno, prevista no regulamento

    disciplinar anteriormente citado, pois, trata-se de restrio liberdade, apesar deno prever explicitamente deteno, tal qual expresso contida na Constituio de

    1967 (art. 150 12). Pensar diferente levaria a uma interpretao gramatical do art.

    5, incisos LXI, LXII, LXIII e LXV, estabelecendo somente a modalidade de privao

    da liberdade por meio da priso, afinal no estaria prevista na Norma Maior a

    possibilidade de detenode qualquer pessoa.

    Devemos esclarecer que o Cdigo Penal Militar trata, exclusivamente, dos

    crimes propriamente militares, repassando para outra norma o estabelecimento doscasos de transgresso militar. A prpria lei 6.880 define em seu art. 46, in verbis:

    O Cdigo Penal Militar relaciona e classifica os crimes militares, em tempo

    de paz e em tempo de guerra, e dispe sobre a aplicao aos militares das penas

    correspondentes aos crimes por eles cometidos.

    Com relao aos regulamentos militares, estes podero existir e tratar de

    assuntos especficos de cada Fora, desde que no contrariem norma constitucional,

    a Constituio vigente apenas menciona tal exigncia no tocante a transgresso

    militar e crime militar. Isto no significa que a dispense nos demais casos.

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    Certamente, o constituinte considerou to obvia a clusula que a enunciou de modo

    explcito. De modo indireto, porm, o fez conforme comprova o inciso LXVIII deste

    mesmo artigo, ao prever o habeas corpus nos casos de ilegalidade ou abuso de

    poder.

    Chega-se concluso de que, a partir da Constituio Federal de 1988, no

    seria mais possvel a previso de transgresso militar passvel de priso ou

    deteno em norma diferente de lei formal, que requer a participao e debate junto

    ao Congresso Nacional, mas por enquanto este assunto no foi ainda analisado

    plenamente pelo Supremo Tribunal Federal.

    7.4 DA POSSIBILIDADE OU NO DO CABIMENTO DE HABEAS CORPUS EM

    TRANSGRESSO DISCIPLINAR MILITAR

    A maioria dos doutrinadores acorde no sentido de que no cabe habeas

    corpus contra a aplicao de punio disciplinar militar, a razo seria instituda com

    base na hierarquia e na disciplina, as foras armadas e as polcias militares teriam

    suas vigas mestras duramente atingidas se fosse possvel questionar judicialmente a

    validade da punio disciplinar aplicada, visto que os regulamentos disciplinarespreveem uma srie de recursos adequados espcie, se bem que nunca tarde

    lembrar que estes recursos no tem efeito suspensivo.

    Entendemos que o pargrafo 2, do art. 142, da Carta Magna ao mencionar

    o no cabimento do referido remdio constitucional em relao s punies

    disciplinares, refere-se obviamente ordem de habeas corpusem relao ao seu

    mrito, e no ao direito subjetivo do paciente de obter uma resposta do Estado-Juiz

    (princpio da inafastabilidade do controle jurisdicional art. 5, XXXV, CF).

    De forma clara, a Constituio Federal de 1988 vetou o cabimento do

    habeas corpus s punies disciplinares. Vejamos: Art. 142, 2 - No caber

    habeas corpusem relao a punies disciplinares militares.

    De rpida anlise, conclui-se que h impeditivo constitucional no que tange a

    concesso de habeas corpuss punies disciplinares. Apesar disso, no podemos

    esquecer que o direito uma cincia complexa e a interpretao da lei, por diversas

    vezes, pede uma elaborao mental mais apurada a fim de se chegar verdadeira

    amplitude da norma legal, alcanando-se, desta forma, a vontade do legislador ao

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    elaborar o texto normativo.

    Assim acontece com o 2 do artigo 142 da nossa Carta Magna. Como

    bem diz o professor Eliezer Pereira Martins(1996, p.191): felizmente, contudo, a

    presente vedao, no tem a extenso que pretendem lhe dar os administradores e

    juristas do terror. Para atingir seu real significado se faz necessria uma anlise

    sistmica da norma constitucional.

    A Constituio de 1967 j cuidava deste tema. Com a emenda constitucional

    n 1, de 17 de outubro de 1969, artigo 153, 20 foi restringido o direito ao habeas

    corpusaos militares. Vejamos como o tema era tratado na poca, in verbis:

    Dar-se- habeas corpussempre que algum sofrer ou se achar ameaadode sofrer violncia ou coao em sua liberdade de locomoo, porilegalidade ou abuso de poder. Nas transgresses disciplinares, no caberhabeas corpus.

    de se reparar que na Constituio da poca o impeditivo constitucional

    acompanhava o prprio instituto do habeas corpus, formando um entendimento

    praticamente unnime quanto ao no cabimento do remdio s punies

    disciplinares em acordo ao regulamento disciplinar.

    Todavia, a Constituio de 1988 inovou ao tratar do tema. O habeas corpus

    recebeu redao diferente ao ser assim disciplinado no art. 5, LXVIII, in verbis:

    Conceder-se- habeas corpus sempre que algum sofrer ou se achar

    ameaado de sofrer violncia ou coao em sua liberdade de locomoo, por

    ilegalidade ou abuso de poder.

    Como se pode perceber, o legislador constituinte no mais imps a restrio

    da concesso do instituto aos militares no mesmo texto que estabelece a garantia

    constitucional do habeas corpus. Na atual Constituio, a restrio aplicao do

    remdio jurdico em tela s punies disciplinares militares permaneceu, porm sem

    status de clusula ptrea, j que estabelecida no ttulo DA DEFESA DO ESTADO