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0 II Seminário de Relações Internacionais Graduação e Pós-Graduação Os BRICS e as transformações da ordem global 28 e 29 de agosto de 2014 João Pessoa, PB Painel Completo: A Atuação do Conselho de Segurança das Nações Unidas face aos Desafios Sistêmicos do pós-Guerra Fria e à Concertação Política dos BRICS Área temática: GI Governança e Instituições Internacionais O BRICS NO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU E O DESAFIO DA RESPONSABILIDADE AO PROTEGER UMA AGENDA EM TRANSFORMAÇÃO? Ana Paula Lage de Oliveira Rafael A. Rocha Instituto de Relações Internacionais Universidade de Brasília

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II Seminário de Relações Internacionais

Graduação e Pós-Graduação

Os BRICS e as transformações da ordem global

28 e 29 de agosto de 2014

João Pessoa, PB

Painel Completo: A Atuação do Conselho de Segurança das Nações Unidas face aos Desafios Sistêmicos do pós-Guerra Fria e à Concertação Política dos BRICS

Área temática: GI – Governança e Instituições Internacionais

O BRICS NO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU E O DESAFIO DA

RESPONSABILIDADE AO PROTEGER – UMA AGENDA EM TRANSFORMAÇÃO?

Ana Paula Lage de Oliveira

Rafael A. Rocha

Instituto de Relações Internacionais

Universidade de Brasília

1

RESUMO

No ano de 2011, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) contou com a

participação de África do Sul, Brasil e Índia na posição de membros rotativos do órgão, o

que, com a adição de Rússia e China, membros permanentes, significou a presença

completa do BRICS naquele órgão. Além disso, foi um ano em que a agenda do CSNU foi

marcada por temas não tradicionais, como meio ambiente e HIV/AIDS, que constaram nas

resoluções do órgão e se adicionaram à discussão de outros temas de segurança tradicional

os quais foram tratados por uma nova perspectiva. No caso da Líbia, um dos temas

principais tratados no período, a questão da responsabilidade de proteger (RtdP) pode ser

debatida com novos olhos, uma vez que o Brasil, em setembro do mesmo ano, liderou a

iniciativa de propôr o novo conceito de responsabilidade ao proteger (RwP). O interesse dos

autores com este trabalho, portanto, é compreender as alterações do conceito de RdP, seus

efeitos no trabalho do CSNU e as posições dos países membros do BRICS em relação ao

RwP. O grupo, apesar de inúmeras discordâncias e diferenças em termos de crescimento

econômico, geografia, interesses, e inclusive visões diferentes acerca dos assuntos de

segurança internacional, possui uma identidade que persiste apesar de dificuldades e que

pode ser um poderoso instrumento de persuasão uma vez que tais países estejam

articulados para tratar dos temas de segurança. Nesse sentido, o ano de 2011 se tornou

emblemático para analisar a posição de cada um dos países referidos em seu

comportamento particular e em conjunto, e essa análise pode desvendar importantes

oportunidades aos estudos da segurança, do órgão, do multilateralismo, da recepção ou

resistência a novas ideias e definições e da própria noção de responsabilidade de proteger,

com relevantes desdobramentos para a política internacional e às Nações Unidas em seu

esforço de desempenhar um papel positivo no sentido de manutenção da paz e segurança

internacionais no século XXI.

PALAVRAS-CHAVE

Segurança, BRICS, RdP

2

INTRODUÇÃO

2011 foi um ano de particular relevância aos trabalhos do Conselho de Segurança

das Nações Unidas (CSNU). Os desafios do contexto político internacional trouxeram à

agenda do órgão temas tradicionais, como a situação dos países africanos e o Oriente

Médio, e discussões a respeito da questão de crianças e mulheres em conflitos armados,

meio ambiente e até mesmo HIV/AIDS. No entanto, os trabalhos do Conselho naquele ano

foram marcados pela chamada Primavera Árabe, e em particular a situação da Líbia – que

desafiava a atuação da sociedade internacional no que diz respeito às responsabilidades e

regulamentações das intervenções humanitárias – ressuscitando os debates acerca do

conceito de “responsabilidade de proteger” (RdP), que já tomavam as agendas da

Assembléia Geral das Nações Unidas (AGNU) e do CSNU.

Tendo em vista a situação da Líbia, ordem do dia no CSNU por meses a fio, o Brasil

propôs na AGNU a introdução da ideia de “responsabilidade ao proteger”, que visava

complementar o conceito de RdP, fornecendo a ele maior precisão com relação a como

intervir e destacando uma preocupação, outrora levantada também por outros países no

decorrer das discussões do CSNU e da AGNU, a respeito de uma melhor delimitação dos

princípios, parâmetros e procedimentos que restringem o uso da força e a interpretação dos

três pilares sobre os quais assenta o conceito de RdP. Porém, a proposta brasileira não foi

amplamente recebida nem pelos demais países do BRICS, que ocupavam todos juntos, em

2011, pela primeira vez, assentos no CSNU. Para tentar entender a situação e a posição

dos países do grupo com relação à RdP, procura-se focar, neste trabalho, na análise de dois

casos: Líbia e Síria, este de forma mais breve, visto que as discussões ainda estavam em

seu início no final do ano em questão.

A intervenção na Líbia pode ser entendida como “a opção menos ruim em resposta a

uma situação grave”, como aponta James Pattison (2011)1. Ainda segundo o autor, a

Operação Unified Protector mostrou ao mundo que a comunidade internacional já está

preparada para empreender o uso da força para fazer cumprir sua responsabilidade de

proteger as populações vulneráveis. Assim, se a RdP desempenhou um papel crucial para

cessar com as atrocidade em massa e salvar vidas na Líbia, o CSNU falhou em elaborar um

mandato preciso para este fim.

Cada situação de crise é única e exige uma resposta adequada no nível da ameaça

de violência e das necessidades das populações. Mas não pode haver silêncio em face de

crime de atrocidades em massa. A controvérsia sobre a resposta à crise na Líbia resultou

em um prolongado silêncio em face dos violentos conflitos na Síria, especialmente no

1 PATTISON, James. The Ethics of Humanitarian Intervention in Libya. Ethics & International Affairs, 25 (3), pp. 271–7, 2011.

3

CSNU, em que a África do Sul, Índia, Brasil, China e Rússia citaram especificamente o caso

líbio como justificativa para não aprovar medidas não militares na Síria.

Em contra ponto, para Ramesh Thakur (2012)2, o pragmatismo livre de valores pode

confundir-se ao humanitarismo oportunista, o que não é construtivo ao desafio de conciliar o

realismo e o idealismo. Assim, ele critica o posicionamento do Brasil, China, Alemanha,

Índia e Rússia, que se juntaram à União Africana posicionando-se, segundo ele, “no lado

errado da guerra (...) e no lado errado da história na medida em que a arquitetura normativa

emergente estava em causa”. E é ainda mais enfático ao dizer “que enquanto os países

emergentes permanecem mais preocupados com a consolidação de suas aspirações de

poder nacionais do que desenvolver as normas e instituições de governança global, eles

permanecerão poderes incompletos, limitados por suas próprias ambições estreitas,

agarradas ao desejo material em prejuízo do alcance normativo”.

Se é fato que as decisões tomadas refletiram um grande engajamento nas

discussões em fóruns plurais, as repercussões das ações coercitivas não fogem a esta

regra. Assim, questiona-se qual o tipo de intervenção militar seria mais apropriada, e em que

momento aplica-la.

Nesse sentido, a "Primavera Árabe" teve um efeito importante não só no Oriente

Médio, mas globalmente, apresentando novas possibilidades de atuação a muitos atores,

sejam internacionais, regionais e nacionais. Como resultado da Resolução do CSNU sobre a

Líbia e sua decisão de agir de forma rápida e oportuna, é possível afirmar que a

Responsabilidade de Proteger tornou-se norma aceita nas relações internacionais, ao

mesmo tempo que consolidou críticas à sua falta de delimitação. Já no caso da Síria, o

receio de uma intervenção militar nas proporções da que ocorreu na Líbia impediram países

de aderir ao conceito, não rechaçando-o de vez, mas, pelo contrário, incentivando-os a

analisar caso a caso as situações nas quais a RdP poderia se aplicar e a aprofundar as

reflexões a respeito de como implementa-la.

A RESPONSABILIDADE DE PROTEGER (RdP)

A Responsabilidade de Proteger (RdP) representa uma das evoluções mais

impressionantes para as normas internacionais no século XXI (DOYLE, 2011)3. Seu

fundamento está na ideia de que nas situações em que o Estado não é capaz de proteger

sua própria população de atrocidades em massa, ou não deseja fazê-lo, essa

2 THAKUR, R. International Authority and the Responsibility to Protect (Review Essay). European Journal of International Law, vol. 23, no. 1, March, 2012. 3 DOYLE, Michael. International Ethics and the Responsibility to Protect. International Studies Review, p. 76-78, 2011.

4

responsabilidade recai sobre a comunidade internacional4, ou seja, é uma tentativa de

conciliar a responsabilidade da comunidade internacional para tratar com as violações de

normas humanitárias e, simultaneamente, assegurar o respeito à soberania dos Estados. O

conceito foi elaborado pela Comissão Internacional de Intervenção e Soberania do Estado

(ICISS, sigla em inglês) no ano de 2001, mas apenas em 2005 foi adotado pelas Nações

Unidas, após reunião da Assembléia Geral, a partir de documento assinado na Cúpula

Mundial

O relatório da ICISS aponta quatro objetivos básicos aos quais as abordagens de

intervenção para a proteção dos direitos humanos devem obedecer, a saber: estabelecer

normas e regras que determinem quando e como é autorizada uma intervenção; legitimá-la

apenas depois que todas as outras abordagens para a resolução do conflito tenham falhado;

garantir que a intervenção, uma vez estabelecida, seja conduzida de acordo com seu

propósito, buscando minimizar os danos institucionais e a seres humanos; e ajudar a

eliminar, quando possível, a causa dos conflitos, buscando promover a paz durável e

sustentável.

Se é graças aos esforços de Kofi Annan que este conceito pode ser conhecido pela

comunidade internacional, é devido aos esforços de Ban Ki-Moon que a norma se

consolidou, o que indica que o Secretariado Geral têm trabalhado de forma construtiva e

determinada para proporcionar o aprofundamento e ampla aceitação da RdP pelo mundo5.

O tema da responsabilidade de proteger foi um dos poucos itens substanciais que

sobreviveram às difíceis negociações na Cúpula Mundial, em 2005, evento que marcou a

celebração so 60º aniversário das Nações Unidas, e no qual foram apontados os conflitos

políticos e burocráticos debilitantes que regularmente paralisam a organização (WEISS,

2012)6. Observa-se, no texto final resultante da Cúpula, uma ênfase na exigência de

autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) para o uso da força

para fins humanitários, o que viria a ser denominando: “RdP lite”. A linguagem do

documento final parece retórica, prolixa e muito mais vaga quando comparada a proposta

4 A adoção da RdP pela Cúpula Mundial de 2005 transformou a proposta da ICISS (apoiada por um número relativamente pequeno de Estados), em um norma internacional, aprovada por todos os membros da ONU. Ao ponderar sobre a transformação do conceito elaborado durante o ano de 2001 e sobre a norma consensual de 2005, não se desconsideram as influências que os eventos de setembro de 2001 e a invasão do Iraque em 2003 refletiram na falta de um amplo consenso sobre as propostas da ICSS. 5 Se os canadenses e os principais defensores do conceito mantiveram-no vivo de 2001 a 2005, certamente foi a decisão de Kofi Annan em adotar a RdP em seu relatório que garantiu seu devido lugar na agenda internacional. Ao inserir a RdP na agenda, Annan convidou Gareth Evans - o defensor mais ativo do conceito - para trabalhar no Painel de Alto Nível. Evans convenceu os painelistas em endossar a RdP e Annan adoptou essa proposta, levando-a a Cúpula. BELLAMY, Alex J. Realizing the Responsibility to Protect. International Studies Perspectives, 10.2, p. 111-128, 2009, p. 95. 6 WEISS, Thomas G. Humanitarian Intervention. Cambridge: Polity, 2012.

5

pela ICISS, que cunhou o termo. O documento final desta Cúpula Mundial foi aprovado por

unanimidade, e o princípio de RdP foi incorporado em seus parágrafos 138 e 139.7

O texto aprovado em 2005 representa o consenso possível a que chegaram os

Estados-membros, uma vez que, frente a questões tão sensíveis quanto à intervenção

internacional e a proteção humana, é necessário aceitar algumas mudanças importantes no

conceito para que a RdP pudesse ser aprovada. Conforme destaca Alex Bellamy (2006, p.

167)8, “o documento final da Cúpula Mundial de 2005 pouco contribuiu para resolver o

desafio de prevenir futuros Ruandas e Kosovos. O consenso de 2005 não foi produzido pelo

poder do argumento humanitário, mas pela negociação dos princípios fundamentais,

afastando-se da ICISS”. Em suma, o autor aponta para uma situação de trade off, não

deixando de ser uma barganha, entre os lados opostos para conseguir-se atingir um

denominador comum.

Ana Maria Bierrenbach (2011, 147)9 destaca que a RdP foi endossada “com duas

qualificações importantes: a especificação de que a proteção é contra genocídio, crimes de

guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade, ou seja, casos de extrema gravidade

e não simples casos isolados de violações de direitos humanos; e a restrição do uso do

conceito apenas em âmbito multilateral, preservando a legitimidade do CSNU, bem como a

responsabilidade primária e soberana dos Estados”.

James Pattison aponta, por sua vez, que há discrepância entre as ideias

apresentadas pela ICISS e aquelas aprovadas na Cúpula Mundial de 2005. Segundo o

autor, as discrepâncias entre os dois textos traz a tona uma questão bastante relevante para

7 §138 Cada Estado é responsável por proteger as suas populações contra o genocídio, os crimes de guerra, a limpeza étnica e os crimes contra a humanidade. Esta responsabilidade implica a prevenção dos referidos crimes, incluindo a incitação à prática dos mesmos, pelos meios necessários e apropriados. Aceitamos essa responsabilidade e agiremos em conformidade com a mesma. A comunidade internacional, quando necessário, deve incentivar e ajudar os Estados a cumprirem essa responsabilidade e devem apoiar as Nações Unidos na criação de um dispositivo de alerta rápido. §139. A comunidade internacional, através das Nações Unidas, deve igualmente usar os meios diplomáticos e humanitários apropriados, bem como outros meios pacíficos, em conformidade com os Capítulos VI e VIII da Carta das Nações Unidas, para ajudar a proteger as populações contra o genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade. Neste contexto, estamos dispostos a agir coletivamente, de uma maneira atempada e decisiva, através do Conselho de Segurança, em conformidade com a Carta, incluindo o Capítulo VII, numa base caso a caso e em cooperação com as organizações regionais pertinentes se for caso disso, se os meios pacíficos se revelarem insuficientes e as autoridades nacionais não estiverem manifestamente a proteger as suas populações contra o genocídio, crimes de guerra, depuração étnica e crimes contra a humanidade. Sublinhamos a necessidade de a Assembleia Geral continuar a examinar o dever de proteger as populações contra o genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade e suas repercussões, tomando em consideração os princípios da Carta e do direito internacional. Tencionamos igualmente empenhar-nos, conforme necessário e apropriado, em ajudar os Estados a reforçarem a sua capacidade para proteger as suas populações contra o genocídio, crimes de guerra, depuração étnica e crimes contra a humanidade, bem como em prestar assistência aos países onde existam tensões susceptíveis de levar à eclosão de uma crise ou de um conflito. 8 BELLAMY, Alex J. Whither the Responsibility to Protect? Humanitarian Intervention and the 2005 World Summit. Ethics and International Affairs, 20, p. 143-169, 2006. 9 BIERRENBACH, Ana Maria. O conceito de responsabilidade de proteger e o Direito Internacional Humanitário. Brasília: FUNAG, 2011.

6

a norma, como a pergunta: quem deve intervir? Nesse sentido, o autor ressalta que a

Cúpula de 2005 afastou-se do relatório da ICISS, já que esta admite a possibilidade de ação

fora do CSNU. Assim, volta-se ao debate da legalidade e da legitimidade. Segundo a ICISS,

a devida autorização legal é fator altamente significativo na legitimidade de um interveniente.

Embora isso deixe em aberto a possibilidade de que a intervenção humanitária ilegal

poderia ser justificada em casos excepcionais. Assim, a intervenção humanitária aprovada

pela ONU é vista como legítima, porque é autorizada por um órgão representativo

internacional. Por outro lado, a intervenção não autorizada é vista como ilegítima porque

seria uma ação de interesse particular do interventor. Desta forma, para Pattison, esta

questão poderia resultar em intervenções não autorizadas pela ONU e que, portanto, não

seriam conduzidas pelas razões corretas (PATTISON, 2010, p. 43-44).

Por outro lado, na visão de Marcelo Bohlke (2011), o texto é um marco na evolução

do princípio e delimita seu alcance, traçando um quadro de medidas a serem tomadas na

implementação da proposta, conferindo, ainda precedência à AGNU acerca da questão

(BOHLKE, 2011, p. 362.). O diplomata brasileiro considera que, de modo bastante

responsável, o documento excluiu a possibilidade de ações unilaterais, restringindo o uso do

“conceito” somente no âmbito multilateral, preservando a legitimidade do CSNU. Assim, o

ator destaca a legalidade à legitimidade da ação, de forma parecida àquela vista em 2004.

Como é possível notar, as diferentes interpretações da responsabilidade de proteger

têm um apelo maior por uma validade legal. De acordo com Pattison, as recomendações da

ICISS não são legalmente vinculativas, já que expressam forte visão com relação às

obrigações da comunidade internacional para intervir. Embora os Estados sejam legalmente

obrigados a agir em casos de genocídio (sob a Convenção de Genocídio), a questão é

saber se eles são obrigados a agir em outros casos de violação em massa dos direitos

humanos.

Por outro lado, o acordo alcançado na Cúpula Mundial de 2005 é, em parte,

juridicamente vinculativo. Isto porque o documento final da Cúpula rejeita, em grande parte,

a visão de que a comunidade internacional tem a obrigação legal em tais casos. Assim, de

acordo com Pattison, a validade jurídica deste acordo não é decorrente de uma mudança

dramática legal desde o desenvolvimento do conceito de responsabilidade de proteger. Pelo

contrário, é porque esta versão especialmente limitada da responsabilidade de proteger

reflete o estado atual dos princípios de direito internacional (PATTISON, 2010, p. 48).

Na verdade, mesmo admitindo que a norma da Responsabilidade de Proteger foi

estabelecida, uma questão que se levanta é até que ponto esta norma servirá para restringir

os Estados mais poderosos do sistema internacional de intervir nos assuntos internos de

Estados onde os crimes internacionais são perpetrados, mesmo quando os seus interesses

7

não estejam envolvidos. Ou ainda, até que ponto a RdP, tal qual como aprovada pelos

Estados-membros, será capaz de atingir os fins para os quais ela foi elaborada?

No que concerne a continuidade da evolução normativa da RdP, destaca-se o

importante papel do Secretário Geral das Nações Unidas (SGNU) Ban Ki-Moon, que, em

janeiro de 2009, lançou o relatório intitulado “Implementando a Responsabilidade de

Proteger” (A/63/677) – o primeiro amplo documento das Nações Unidas que trata

especificamente sobre a RdP –, que esclarece o princípio e define medidas e atores

envolvidos na operacionalização da norma. Com base no parágrafo 138-139 da Cúpula

Mundial, o Secretário-Geral sugeriu uma abordagem em três pilares: a) a responsabilidade

primária do Estado de proteger sua população de genocídios, crimes de guerra, limpeza

ética e crimes contra humanidade; (b) a responsabilidade da comunidade em assistir os

Estados no cumprimento da sua responsabilidade; (c) e a responsabilidade da comunidade

internacional em agir a tempo e de forma decisiva a fim de proteger e prevenir as

populações de atrocidades humanitárias caso o próprio Estado não o faça, em conformidade

com a Carta das Nações Unidas.

No que diz respeito ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, as referências à

Responsabilidade de Proteger são também muito relevantes, uma vez que órgão, através de

suas decisões, recomenda ou decide sobre medidas necessárias a fim de manter a paz e

segurança internacionais. Ou seja, suas decisões possuem caráter de obrigatoriedade. Um

dos principais meios que o CSNU detém de conferir visibilidade e de endossar uma norma

emergente é por meio da inclusão de seu termo e da utilização da linguagem da norma ao

se referir às situações de conflito. Desta maneira, desde 2006, vinte e três resoluções do

CSNU e seis declarações presidenciais fizeram referências a RdP.10 Significativamente,

pode-se citar dezesseis dessas resoluções a partir de fevereiro de 2011, o que indica uma

tendência crescente na assimilação da RdP para a prevenção e resolução de conflitos, além

de uma maior disposição por parte do CSNU em incorporar os princípios da RdP em sua

estrutura operacional

Destacam-se a Resolução S/RES/1973/2001 que autorizou pela primeira vez o uso

da força sob os auspícios da norma da RdP e a Resolução S/2150/2014 acerca da

10 As resoluções que citam explicitamente a RdP ou que usam sua linguagem são: Região dos Grandes Lagos: S/RES/1653 (2006), Proteção de Civis em Conflito Armado: S/RES/1674 (2006), Sudão: S/RES/1706 (2006), Proteção de Civis em Conflito Armado: S/RES/1894 (2009), Paz e Segurança em África (Líbia): S/RES/1970 (2011), Líbia (S/RES/1973 (2011), Costa do Marfim: S/RES/1975 (2011), Relatórios do Secretário-Geral sobre o Sudão: S/RES/1996 (2011), Oriente Médio (Iêmen) S/RES/2014 (2011), Líbia: S/RES/2016 (2011), Líbia: S/RES/2040 (2012), Mali: S/RES/2085 (2012), Somália: S/RES/2093, Líbia: S/RES/2095 (2013), Mali: S/RES/2100 (2013), Sudão / Sudão do Sul: S/RES/2109 (2013), Armas Pequenas e Armamentos Leves: S/RES/2117 (2013), República Centro-Africana: S/RES/2121 (2013), República Centro-Africana: S/RES/2127 (2013), República Centro-Africana: S/RES/2134 (2014), A situação no Oriente Médio (Síria): S/RES/2139 (2014), República Centro-Africana: S/RES/2149 (2014), Prevenção e luta contra o Genocídio (S/2150/2014).

8

Prevenção e Luta contra o Genocídio. Aquela resolução versa sobre a resposta

internacional à crise humanitária na Libia em 2011, situação que atraiu a atenção do mundo

e tem sido rotulada como um caso típico da rápida e decisiva resposta em face à ameaça

iminente de atrocidades em massa sob os auspícios da RdP. Foi a primeira vez que o

CSNU autorizou o uso de medidas coercitivas contra um Estado no âmbito desta nova

norma. Contudo, a ação internacional gerou controvérsia tanto no que diz respeito às táticas

empregadas durante a operação militar, que buscava proteger a população, quanto ao seu

efeito na subsequente mudança de regime político no país.

Já em 16 de Abril de 2014, o Conselho de Segurança aprovou a Resolução 2150

sobre a Prevenção e Luta contra o Genocídio. Esta resolução foi uma marco para a RdP e

lembrou o importante papel dos conselheiros especiais do Secretário-Geral para a

Prevenção do Genocídio e para a Responsabilidade de Proteger e suas respectivas funções

de agir como um mecanismo de alerta antecipado na prevenção de genocídio, crimes de

guerra, crimes contra a humanidade, e limpeza étnica. Mais significativo, porém, foi a

redação do primeiro parágrafo operacional da resolução que exorta os Estados a “recommit

to prevent and fight against genocide, and other serious crimes under international law,

reaffirms paragraphs 138 and 139 of the 2005 World Summit Outcome Document (A/6O/L.

1) on the responsibility to protect populations from genocide, war crimes, ethnic cleansing,

and other crimes against humanity.”

O POSICIONAMENTO DOS PAÍSES BRICS ACERCA DA RdP

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, países membros do grupo BRICS, ainda

que expressem uma considerável diversidade em termos de demografia, geografia, cultura,

economia, situação política, entre outros aspectos, são peças chave para a manutenção da

paz e da segurança internacionais. Todos os países do BRICS buscam soluções

multilaterais para a resolução de conflitos internacionais, e consideram as Nações Unidas a

instituição legítima para adotar ações coletivas na manutenção da ´paz e segurança

internacionais. Conforme Haibin Niu, “tendo em vista a importância da ONU em lidar com

questões de segurança internacional, o BRICS busca um maior papel no âmbito das Nações

Unidas, seja por meio de maiores contribuições em recursos ou da promoção da reforma do

Conselho de Segurança”. (NIU, 2013).

China e Rússia são membros permanentes do CSNU. Entre os três outros países, o

Brasil11 o foi que mais vezes esteve presente no Conselho como membro não permanente,

11 Mandatos do Brasil como membro não permanente no CSNU 1946 – 1947 , 1951 – 1952 , 1954 – 1955 , 1963 – 1964 , 1967 – 1968 , 1988 – 1989 , 1993 – 1994 , 1998 – 1999 , 2004 – 2005 , 2010 – 2011.

9

dez mandatos, seguido pela Índia12, oito mandatos, e África do sul foi eleita somente duas

vezes.13 Estes três países não permanentes contribuem significativamente para as

operações de manutenção da paz da ONU, fornecendo tropas e treinamento e votando a

favor de mandatos de apoio às operações. (Niu, 2013).14

De modo geral, os BRICS mostram-se hesitantes em sancionar ações militares no

CSNU, incluindo questões relativas à Responsabilidade de Proteger. O grupo parece

possuir a mesma preocupação, ainda que por vezes os posicionamentos expressos sejam

diferentes: o de que o CSNU não se torne instrumento das potências ocidentais para ingerir

em países membros da Organização. Não raro, tais Estados expressam em seus discursos,

seja no CSNU ou na AGNU, defesas do princípio da soberania como pilar do sistema

internacional. Dessa forma, destaca-se a seguir, de forme breve, a posição de cada um

deles no que diz respeito ao conceito de RdP e suas aplicações, como nos casos da Líbia e

da Síria, discutidas no CSNU em 2011.

De todos os países BRICS, a África do Sul é o que menos participou do CSNU, mas

foi o único a votar a favor da Resolução 1973, acerca da situação na Líbia. Apesar disso,

percebe-se uma postura crítica à ideia de RdP, seguindo de certa forma seus parceiros no

IBAS. Se é possível verificar uma postura de aversão ao uso da força para fins

humanitários, também nota-se que, tanto por parte do CSNU quanto da África do Sul, há um

esforço para desmarginalizar a União Africana do debate de segurança, que passa, porém

pela afirmação da norma emergente. Contudo, exceto pela África do Sul, nenhum outro país

dos BRICS desempenhou um papel ativo na aplicação do conceito. 15

De acordo com o BRICS Policy Center16, a Rússia demonstra, desde 2005, um

posicionamento cambiante em relação à norma emergente, tratando as situações

levantadas no CSNU caso a caso e, além disso, nota-se uma alteração de discurso

decorrente da mudança de governo entre Putin e Medvedev. Em 2008, o governo russo

tentou justificar suas operações militares na Geórgia sob os auspícios da RdP, mas não

houve aceitação e respaldo da comunidade internacional.

A Índia, assim como outras potências emergentes, é tradicionalmente reticente às

intervenções armadas, devendo estas ocorrer em último caso. Desde 2005, o país é

favorável ao princípio da RdP, tecendo elogios à sua estrutura legal. De acordo com o

12 Mandatos da Índia como membro não permanente no CSNU: 1950 – 1951 , 1967 – 1968 , 1972 – 1973 , 1977 – 1978 , 1984 – 1985 , 1991 – 1992 , 2011 – 2012. 13 Mandatos da África do Sul como membro não permanente no CSNU: 2007 – 2008 , 2011 – 2012. 14 NIU, Haibin. A grande estratégia Chinesa e os BRICS. Contexto int. vol.35 no.1 Rio de Janeiro Jan./June 2013. 15 BELLAMY, Alex J. Global Politics and the Responsibility to Protect: From Words to Deeds. New York: Routledge, 2011. 16 BRICS POLICY CENTER — POLICY BRIEF. Responsabilidade de proteger e ao proteger, e o posicionamento dos BRICS. 2012.

10

relatório do BRICS Policy Center (2012), seria possível “notar que no contemporâneo debate

em torno da ‘responsabilidade de proteger’ a Índia não defende, tal qual como a Rússia,

uma real revisão do termo. O país está mais próximo da ideia de pleitear uma aplicação

mais estreita dos princípios basilares da “responsabilidade de proteger”, sem propriamente

alterá-los.

A China, por sua vez, mostrou-se receptiva ao conceito de “responsabilidade de

proteger” desde a sua criação em 2001. O governo chinês interpreta a RdP nos termos do

documento aprovado pela Cúpula em 2005. Entretanto, para o país, o órgão com maior

legitimidade para interpretar o princípio da RdP seria a AGNU, e não o CNSU. Mesmo

assim, “a preferência da política externa chinesa é de assegurar a responsabilidade da

sociedade internacional de defender os direitos humanos através da diplomacia preventiva,

em vez de adotar uma posição favorável à intervenção durante um conflito” (BRICS POLICY

CENTER, 2012).

Após a Cúpula de 2005, a China recuou, alegando que havia, em realidade,

acordado com os outros Estados membros, em dar continuidade ao debate acerca da RdP.

O Brasil adotou temporariamente uma posição semelhante (BELLAMY, 2011. p. 28). Por

fim, destaca-se que a o governo da China trata qualquer intervenção militar com a maior

cautela possível, uma vez que há uma grande margem para que uma “intervenção militar

acrescente combustível para o fogo, exacerbando as crises humanitárias”, que seria um

efeito oposto ao desejado, por definição, pela intervenção militar”. (BRICS POLICY

CENTER).

O Brasil, por fim, participou desde o início dos debates acerca do conceito da

“responsabilidade de proteger”. Apesar de defender os princípios basilares do princípio, o

país parece “não aprovar sua institucionalização no Conselho de Segurança” (BRICS

POLICY CENTER — POLICY BRIEF, 2012). O Brasil aparenta temer o mau uso da RdP por

parte das grandes potências com fins de objetivos particulares.

Após a Cúpula Mundial, o CSNU debateu intensamente durantes seis meses para

aprovar uma resolução que fez pouco mais do que reafirmar os conceitos já aprovados no

documento de 2005. Assim, em 28 de abril de 2006, o CSNU aprovou por unanimidade a

Resolução 1674 sobre a Proteção de Civis em Conflito Armado (POC, sigla em inglês).17

17 A proteção de civis em conflitos armados é uma política estruturante para a diplomacia e legislação, e está inserida no quadro dos direitos humanos e direito humanitário. O CSNU incluiu a proteção de civis como uma questão temática em sua agenda desde 1999, com um foco especial sobre os deveres dos Estados e do papel do Conselho de Segurança na resolução das necessidades das populações vulneráveis, incluindo refugiados, pessoas internamente deslocadas (IDP), mulheres e crianças. Assim, a discussões acerca deste tema buscam assegurar que todas as partes entendam que suas responsabilidades na proteção de civis devem ser traduzidas em ações, para que não fique somente na retórica.

11

Esta Resolução contém a primeira referência oficial do órgão referente à responsabilidade

de proteger, reafirmando as disposições da Cúpula de 2005 (S/RES/1674 (2006))18. Neste

momento, o Brasil, que até então frequentemente expressava certa oposição ao conceito,

havia deixado o Conselho.

Em 2007, segundo o Human Rights Center at the University of Berkeley, onze países

haviam recuado em suas posições em relação ao conceito de Responsabilidade de Proteger

desde o encontro de 2005, dentre eles China, India, Russia e África do Sul.19

Há importantes nuances sobre a relação que os BRICS possuem a respeito da RdP.

Os BRICS acordam com os princípios básicos da que sustentam o conceito, e apoiam

incondicionalmente os pilares I e II da doutrina. No entanto, quanto ao pilar III, o grupo tende

a divergir se comparados às posições das potências ocidentais. Os BRICS não negam a

norma, mas divergem de quando e como aplica-la (STUENKEL, 2014). Isto se torna

evidente pelo fato dos BRICS relativamente reagirem de maneira positiva ao relatório do

SGNU de 2009.

Bellamy argumenta que os debates acalorados em torno da RdP não versam acerca

de quando ocorre ou não um genocídio, limpeza étnica, crimes de guerra ou crimes contra a

humanidade, mas em como agir na prevenção destes crimes. Isto reflete-se em dois

posicionamentos distintos, o Norte Global pró-intervencionista, e o Sul Global que apega-se

mais à tradicional concepção de soberania.

Assim, de acordo com Oliver Stuenkel (2014), “it is here where established powers

and the BRICS most strongly disagree. The question of how to protect civilians is a highly

complex matter, and the lack of disagreement would probably be more worrisome than the

debates that are currently taking place between established powers and emerging powers.”

Para ele, os BRICS estão alinhados com as potências ociedentais em diversos aspectos da

Responsabilidade de Proteger.

A POSIÇÃO DOS BRICS NAS RESOLUÇÕES DO CSNU SOBRE LÍBIA E SÍRIA E

A RESPONSABILIDADE AO PROTEGER

O ano de 2011 foi decisivo para o desenvolvimento da RdP como norma emergente

das resoluções acerca das situações na Líbia e na Costa do Marfim, que fizeram referência

explícita à norma. Os debates, autorizações e mandatos de intervenção ocorreram numa

18 É interessante notar já no início da resolução a evolução da compreensão sobre segurança internacional no seio do CSNU. Assim, o Conselho reconhece “que a paz e a segurança, o desenvolvimento e os direitos humanos são os pilares do sistema das Nações Unidas e as bases para a segurança coletiva e bem-estar, e reconhecendo a este respeito que o desenvolvimento, a paz e a segurança e os direitos humanos estão interligados e se reforçam mutuamente” (S/RES/1674 (2006)). Tradução livre. 19 Human Rights Center, The Responsibility to Protect. Moving the Campaign Forward, 2007, Introduction.

12

configuração ímpar: durante o ano de 2011, todos os países membros dos BRICS tiveram

representação no CSNU. Verficando-se que tais países ou apoiaram ou não obstruíram

importantes resoluções do CSNU que afirmavam e implementavam a norma a RdP durante

o ano de 2011: Resoluções 1970 e 1973 sobre a Líbia; Resolução 1975 e 2000 sobre a

Costa do Marfim; Resolução 1991 sobre a República Democrática do Congo; Resolução

1996 sobre a República do Sudão do Sul. 20

Porém, a polêmica ação militar da OTAN na Líbia sob os auspícios da RdP gerou

profundas consequências para o avanço da norma no CSNU. A questão Síria é emblemática

em relação a isso. Assim sendo, nesta seção do artigo procurar-se-á tratar das posições dos

países BRICS especificamente nesses dois casos.

LÍBIA

A crise na Líbia atraiu a atenção da comunidade internacional e foi rotulada como um

caso típico da rápida e decisiva resposta em face de uma ameaça iminente de atrocidades

em massa sob os auspícios da RdP. Foi a primeira vez que o CSNU autorizou o uso de

medidas coercitivas contra um Estado no âmbito desta nova norma. Apesar de a norma ter

sido citada, sua aplicação e os resultados decorrentes apresentaram-se controversos,

colocando em cheque o uso da força invocado em nome da RdP em situações posteriores.

O Conselho respondeu à solicitação da Liga Árabe, da União Africana, da

Organização da Conferência Islâmica, e do CDH, e aprovou, em 26 de Fevereiro, a

Resolução 1970 por unanimidade21, cujo texto afirmou a "responsabilidade de proteger" e

marcou a primeira vez que o CSNU se referiu ao quadro RdP desde a resolução de 2006

acerca da situação no Darfur. A Resolução 1970 também impôs um embargo de armas22,

congelou os bens23 e proibiu à família Kadafi e aos principais membros do governo o direito

de viajar24 e remeteu a situação ao Tribunal Penal Internacional (TPI)25 para a investigação

20 Anne Orford, ‘From Promise to Practice? The Legal Significance of the Responsibility to Protect Concept’, Global Responsibility to Protect, 3/4: 400–424 (2011), p. 401. 21 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Documento S/RES/1970 (2011) 22 “Decide que todos os Estados Membros deverão tomar imediatamente as medidas necessárias para impedir o fornecimento, venda ou transferência, diretos ou indiretos, para a Jamahiriya Árabe da Líbia - a partir ou através de seus territórios ou por seus nacionais, ou utilizando suas embarcações ou aeronaves de bandeira - de armamento ou material conexo de todo tipo, inclusive armas e munição, veículos militares e equipamento, equipamento paramilitar e respectivas peças de reposição, bem como de assistência técnica, treinamento, assistência financeira ou outra para atividades militares ou para o abastecimento, manutenção ou utilização de qualquer armamento e material conexo, inclusive o fornecimento de pessoal mercenário armado, originário ou não de seus territórios” (S/RES/1970 (2011)). 23 “Decide que todos os Estados Membros deverão congelar sem demora todos os fundos, outros ativos financeiros e recursos econômicos que estejam em seus territórios - e que sejam de propriedade ou controlados, direta ou indiretamente, pelos indivíduos ou entidades listados no Anexo II desta resolução (...)” (S/RES/1970 (2011)). 24 “Decide que todos os Estados Membros deverão tomar as medidas necessárias para evitar a entrada ou trânsito, em seus territórios, de indivíduos listados no Anexo I desta resolução, ou designados pelo Comitê estabelecido nos termos do parágrafo 24 abaixo (...) “(S/RES/1970 (2011)).

13

de denúncias de crimes contra a humanidade26. Também foi primeira vez que o CSNU, por

unanimidade, referiu-se uma situação envolvendo violações de direitos humanos ao Tribunal

(ICRtoP, Crisis in Libya). Destaca-se que mesmo os países que não são membros do TPI,

incluindo os Estados Unidos, Rússia e China, apoiaram o encaminhamento da questão.

A escalada da violência e a política de intransigência do regime de Kadafi,

combinadas com o impacto limitado da Resolução 1970, arruinaram as chances de

possíveis mediações. Com as forças de Kadafi nos arredores de Benghazi, o risco de

massacres de civis parecia altamente provável27.

Assim, após uma série de tentativas para implementar medidas pacíficas, o CSNU

aprovou a Resolução 1973, em 17 de março de 2011, que aprovou a criação de uma zona

de exclusão aérea. O Conselho autorizou ainda os Estados membros que tinham notificado

o SGNU a tomarem, a nível nacional ou por meio de acordos ou organizações regionais e

em cooperação com este e com os Estados membros da Liga dos Estados Árabes, todas as

medidas necessárias para proteger os civis e as zonas da Líbia com população civil sob

ameaça de ataque, excluindo a presença de toda e qualquer força de ocupação estrangeira

seja em que parte for do território líbio. A resolução condenou o governo líbio por não

respeitar o direito internacional e por permitir graves violações dos direitos humanos e

ataques que podem equivaler a crimes contra a humanidade.

Instigados pela Liga Árabe, dez membros do CSNU apoiaram a Resolução 1973

(Bósnia-Herzegovina, Colômbia, França, Gabão, Líbano, Nigéria, Portugal, África do Sul,

Reino Unido e Estados Unidos) e cinco se abstiveram (Brasil, China, Alemanha, Índia e

Rússia). Embora a UA, relutante neste momento acerca de aplicações de medidas mais

robustas, não tenha solicitado uma zona de exclusão aérea, todos os três membros

africanos do CSNU votaram a favor28. Nota-se, portanto, que a África do Sul foi o único país

dos BRICS que votou a favor da Resolução no Conselho de Segurança.

25 “Decide remeter a situação na Jamahiryia Árabe da Líbia, a partir de 15 de fevereiro de 2011, ao Promotor do Tribunal Penal Internacional” (S/RES/1970 (2011)). 26 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. (S/10187/Rev.1). 27 Já em 4 de março, o Centro global e a Coalizão Internacional para RdP haviam publicaram uma carta aberta ao CSNU apontando que a Resolução 1970 não conseguiu parar os ataques e solicitaram que o Conselho tomasse outras medidas protetivas. Embora o Reino Unido e a França se mobilizassem para atingir o apoio necessário para empreender uma ação militar, esta decisão só seria tomada com o apoio dos EUA. Estas duas instituições da sociedade civil que participaram amplamente dos diálogos informais e outros debates acerca da RdP nas diferentes instâncias da ONU. Ver: International Coalition for the Responsibility to Protect and the Global Centre for the Responsibility to Protect, Open letter to the Security Council on the Situation in Libya, 4 March 2011. Disponível em: < http://globalr2p.org/advocacy/index.php >. Acesso em5/9/2011. 28 Essa votação foi inteiramente de acordo com o artigo 4 (h) do Ato Constitutivo da União Africana, que defende uma política de "não-indiferença", ao invés de não-interferência nos assuntos soberanos de outros Estados quando "circunstâncias graves", incluindo crimes contra a humanidade, estão em causa. Ver: On the issue of the regime’s previous experience with sanctions, see, Dirk Vandewalle, A History of Modern Libya, (Cambridge University Press, New York, 2011), 152-161.

14

Para uns, a intervenção na Líbia havia sido instrumentalizada por aqueles que

buscavam a “mudança do regime”, ou seja, a simples retirada de Muammar Kadafi do poder.

Já, para outros, o uso de "todas as medidas necessárias" fora acionado para evitar as

anunciadas atrocidades humanitárias e proteger os civis. Por conseguinte, as questões

levantadas sobre a proporcionalidade dos meios empregados e as motivações que levaram

o emprego da força começaram a minar a unanimidade, expressada no consenso de 2005,

que incialmente existia acerca da RdP. Somado ao exposto acima, os desafios encontrados

no processo de reconciliação nacional e reconstrução do país inserem a questão Líbia no

centro das discussões acerca da RdP.

Porém, mais preocupante para o debate acerca da evolução e consolidação da

norma que estas poucas vozes contrárias às Resoluções acimas destacadas, foi o fato de

que três membros do BRICS – que haviam aceitado o novo principio – também se

manifestaram fortemente, posteriormente, contra a ONU e as ações do da OTAN na Costa

do Marfim e na Líbia.

Em reunião de 10 de maio de 2011 sobre a proteção de civis em conflitos armado, há

importantes declarações acerca do assunto (S/PV.6531, 10 May 2011). De acordo com

Valerie Amos, Subsecretária-Geral para Assuntos Humanitários e Coordenadora de Ajuda

de Emergência, a resolução 1973 (2011) suscitou preocupações acerca do potencial

enfraquecimento da política de proteção de civis e seu importante papel na criação de um

enquadramento legal para tratar de crises futuras.

A China29, membro permanente do CSNU argumentou que a responsabilidade de

proteger civis é primordialmente uma responsabilidade do governo soberano e que a

“comunidade internacional e as organizações externas podem fornecer assistência

construtiva, mas devem observar os princípios de objetividade e neutralidade, e respeitar

plenamente a independência, soberania, unidade e integridade territorial do país em

questão”. Assim, o representante da China enfatizou que “não deve haver nenhuma

tentativa de mudar o regime ou o envolvimento em uma guerra civil por qualquer das partes,

sob o pretexto de proteger civis”.

Na mesma ocasião, o Brasil concordou com a posição chinesa, mas lembrou do

dever que os Estados possuem em proteger a população. Assim, em evidente contraste ao

que havia sido aceito, inclusive por parte do Brasil, a embaixadora, representante

permanente, Maria Luiza Ribeiro Viotti (S/PV.6531, 10 May 2011) aponta que

29 Importante recordar que o governo chinês se opôs a todo processo desenvolvido pela ICISS, temendo a legitimação de intervenção não expressamente autorizada pelo CSNU, apesar de aceitar que as enormes crises humanitárias eram uma legítima preocupação da comunidade internacional. (Position Paper of the People’s Republic of China, p. 10-12.).

15

Devemos evitar interpretações excessivamente amplas da proteção de civis, que poderiam ligá-las à exacerbação dos conflitos, comprometer a imparcialidade das Nações Unidas, ou criar a percepção de que ela está sendo usada como cortina de fumaça para uma mudança de regime ou uma intervenção. Para este fim, devemos garantir que todos os esforços para proteger os civis estejam em estrita conformidade com a Carta e sejam baseados em uma rigorosa e não-seletiva aplicação do direito humanitário internacional.

De acordo com o representante russo, Mr. Churkin, “The noble goal of protecting

civilians should not be compromised by attempts to resolve in parallel any unrelated issues.

In that regard, we share the concern expressed today by Ms. Amos with regard to the

situation in Libya. The statement by a representative of the coalition with regard to resolution

1973 (2011) is not in line with the reality.”

Manjeev Singh Puri, representante da India, por sua vez, ressaltou que

When applied as a basis for Security Council action, efforts to protect civilians must respect the fundamental aspects of the United Nations Charter, including the sovereignty and integrity of Member States. Any decision to intervene that is associated with political motives detracts from that noble principle and needs to be avoided. Also, the response of the international community must be proportional to the threat, involve the use of appropriate methods and make adequate resources available. It is important that the principle of protecting civilians be applied in a uniform manner. In the case of conflict, all sides need to abide by it. We must also be clear that the United Nations has a mandate to intervene only in situations where there is a threat to international peace and security. Any decision of the Council to intervene must be based on credible and verifiable information, which in turn requires much greater information flows when the Council is seized of a situation.

Por fim, o representante da África do Sul destacou que seu país estava preocupado

que a implementação das Resoluções 1973 e 1975 do CSNU poderia ter ido além do seu

estrito mandato. Assim, para a África do Sul, os atores envolvidos na crise deveriam prestar

uma assistência construtiva, cumprindo “as disposições da Carta das Nações Unidas,

respeitando plenamente a vontade, soberania e integridade territorial do país em questão, e

se abstendo de promover agendas políticas que vão além do mandato de proteção,

incluindo a mudança de regime”.

A ação internacional na Líbia é um caso proeminente de uma operação com base no

terceiro pilar da norma da RdP. Contudo, destaca-se que a Resolução 1973 poderia ser

mais taxativa em relação maneira do emprego da forca. Para James Pattison (2011), a crise

na Líbia “é provável que seja vista como o primeiro grande caso e, talvez, o caso de teste da

doutrina” da RdP.

O BRICS criticou a forma pela qual a intervenção ocorreu, sob o comando da

Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), afirmando que o princípio da

16

responsabilidade de proteger foi violado com os bombardeios aéreos à Líbia.

Consequentemente, com vistas a evitar futuros abusos ao redor da autorização do uso de

meios militares em casos de responsabilidade de proteger, o Brasil propôs a

"responsabilidade ao proteger".

Em setembro do mesmo ano, a presidente Dilma Rousseff, em seu discurso de

abertura da 66ª sessão da AGNU, reinseriu o Brasil nas discussões, levando a comunidade

internacional a refletir sobre a necessidade de não somente dialogar sobre a

Responsabilidade de Proteger, mas também sobre a Responsabilidade ao Proteger30.

Diversas reuniões formais e informais foram organizadas desde então, entre Estados-

membros da ONU, organizações da sociedade civil e especialistas internacionais de

universidades e think tanks.

Conforme a ideia da RwP expressada no concept paper formulado pelo Brasil,

deveriam ser adotadas algumas medidas para redução dos riscos de abuso da norma, como

mecanismos de supervisão para a interpretação e implementação da RdP. Em uma

interpretação mais ampla da RwP, poder-se-ia afirmar que este conceito busca “excluir

mudanças de regime, a não ser que essas estejam endossadas com clareza na resolução”

(Quinton-Brown, 2013). Contudo, tal interpretação ainda não apareceu no discurso daqueles

que apontaram a mudança de regime como a principal falha da ação internacional na Líbia

em 2011.

Contudo, tal interpretação ainda não apareceu no discurso daqueles que apontaram

a mudança de regime como a principal falha da ação internacional na Líbia em 2011. E,

nesse sentido, vale notar a posição dos demais países BRICS.

A Rússia ainda não se posicionou oficialmente acerca do conceito de RwP, como

aponta o BRICS Policy Center, em 2012. Já a Índia, em princípio não se opôs ao conceito

proposto pelo Brasil, mas também não é claro um apoio oficial do país. Para a China,

igualmente, não houve contraposição, nem pronunciamentos de apoio com relação ao

conceito, mas a posição perceptível aponta a uma “defesa do conceito de soberania

conjugada ao posicionamento contrário a intervenções”. (BRICS POLICY CENTER, 2012).

Por fim, a África do Sul foi o primeiro país a posicionar-se oficialmente a favor da RwP,

apoiando a expansão do conceito de RdP (Idem).

SÍRIA

30 “Muito se fala sobre a responsabilidade de proteger; pouco se fala sobre a responsabilidade ao proteger. São conceitos que precisamos amadurecer juntos. Para isso, a atuação do Conselho de Segurança é essencial, e ela será tão mais acertada quanto mais legítimas forem suas decisões. E a legitimidade do próprio Conselho depende, cada dia mais, de sua reforma”. Excerto do discurso da presidenta Dilma Rousseff na abertura da 66ª sessão da Assembleia Geral da ONU.

17

Em mais um importante episódio da política mundial em 2011, no mês de agosto o

CSNU se viu frente a uma situação desafiadora ao conceito de RdP, como foi a questão da

Síria. Desta vez, os países BRICS, ao contrário do que indicaram as agências de notícias

como o China Daily31 e o RIA Novosti, não votaram com unanimidade para barrar a

discussão de uma resolução. Do BRICS, apenas China e Rússia rejeitaram a Resolução

66/253B32 da AGNU, ao que foram responsabilizados pela falha do CSNU em agir

prontamente frente a uma crise de tamanha proporção.

A resolução seguia a demanda de Koffi Annan de que o primeiro passo para a

cessação da violência deveria ser dado pelas autoridades sírias, o que levou a Índia a se

abster na votação, sob o argumento de que o texto mal mencionava o papel da oposição

armada, a qual favorecia uma situação perigosa devido ao uso de armas de alta

sofisticação(DIKSHIT, 2012).33. Brasil e África do Sul, por sua vez, apoiaram o debate de

uma resolução.

Em outubro do mesmo ano, China e Rússia novamente vetaram um rascunho de

resolução, proposto por França, Alemanha, Portugal e Reino Unido no CSNU, que

condenava os ataques aos manifestantes sírios. Brasil, Índia e África do Sul se abstiveram

na votação. Foram diversas rodadas de negociação para suavizar a linguagem do texto da

resolução a fim de que ao CSNU fosse permitido agir caso o regime sírio falhasse em

implementar as medidas propostas na resolução, mas fortemente influenciados pela

experiência negativa da intervenção na Líbia, meses antes, Russia e China vetaram

qualquer oportunidade de intervenção.

Quanto às abstenções de Brasil, Índia e África do Sul, muitos analistas consideraram

a atitude “desapontante, mas previsível” 34, ao que Stewart Patrick (2011) chamou de “sad

example of the failure of the world’s large emerging democracies to live up to their domestic

values and assume the responsibilities of power.” E mesmo a decisão destes países em

incentivas os diálogos e engajar emu ma missão em Damasco para pressionar o regime de

Bashar al-Assad regime a cessar a violência contra seus próprios cidadãos e pedir à

oposição que interrompesse o conflito, não foi suficiente para convencer os críticos.35

31 Zhao Shengnan, ‘BRICS nations to vote against Syria resolution,’ 02 August 2012, www .chinadaily.com.cn/world/2012-08/02/content_15639447.htm, accessed 22 July 2013. 32 A/66/L.57, 31 July 2012. 33 Sandeep Dikshit, ‘No mention of opposition violence in Syria resolution,’ 5 August 2012, www.thehindu.com/news/international/no-mention-of-opposition-violence-in-syria -resolution/article3728284.ece, accessed 22 July 2013. 34 Stewart M. Patrick, ‘No Profile in Courage: Syria, BRICS, and the UNSC’, 5 October 2011,http://blogs.cfr.org/patrick/2011/10/05/no-profile-in-courage-syria-brics-and-the -unsc/, accessed 18 February 2013. 35 SPEKTOR, Mathias. Humanitarian Interventionism Brazilian Style? Americas Quarterly, 2012.

18

Um representante russo fez referência às tentativas dos países do BRICS em

desenvolver uma proposta de resolução alternativa, argumentando que a proposta original

estava escrita de acordo com uma filosofia de confrontação, que revelava uma atitude

unilateral e acusatória à Síria. Ainda mais, ele referiu à irritação acerca da forma como a

intervenção na Líbia ocorrera meses antes36, ao que pareceram concordar Índia e África do

Sul37. O representante chinês se limitou a argumentar que naquele momento, sanções e

ameaças não ajudariam na resolução da questão síria. O Brasil, por fim, explicou sua

abstenção como protesto pela postura e divisão entre os membros permanentes do CSNU.

A então embaixadora do Brasil junto às Nações Unidas, Maria Luiza Viotti afirmou que o

Brasil se solidarizava com as aspirações das populações em diversos países árabes por

maior participação política, oportunidades econômicas, liberdade e dignidade, mas que o

país condenava as violações aos direitos humanos em todas as suas formas38. O

representante indiano, Singh Puri, afirmou que a resolução não condenava a violência

perpetrada pela oposição síria, nem a enconrajava a engajar em diálogos com o governo do

país em um processo político pacífico.39 Para o embaixador sul-africano, Baso Sangqu, a

trajetória e as medidas necessárias a uma solução não estavam evidentes, de forma

análoga à Líbia. Em outras palavras, Índia, Brasil e África do Sul não estavam de acordo

com os crimes de Assad, mas estavam tentando evitar uma brecha para uma intervenção

militar.40

Há que se considerar a frequencia com que os países BRICS apoiaram resoluções

em acordo com a RdP em 2011, quando todos estavam no CSNU, portanto, o

comportamento de China e Rússia com relação à situação na Síria não simboliza uma

posição consolidada do BRICS a respeito da RdP. Na verdade, após a intervenção na Líbia,

em um período de um ano, o Conselho fez referência à RdP mais vezes do que nos cinco

anos anteriores à resolução 1973. Tomando o histórico de votações do BRICS no CSNU,

não é possível afirmar, apenas pelo caso da Síria, que o tempo da intervenção humanitária

e da RdP chegou ao fim.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista a análise apresentada, nota-se que, a articulação política dos BRICS

já ocorre, mas ainda é incipiente, como mostra o fato de que os países do grupo não

36 S/2011/612, 4 October 2011 37 STUENKEL. Oliver. Source: Global Responsibility to Protect, Volume 6, Issue 1, pages 3 – 28, 2014. 38 S/PV.6627, 4 October 2011. 39 S/2011/612, 4 October 2011. 40 ADAMS, Simon. Emergent Powers: India, Brazil, South Africa and the Responsibility to Protect. Global Centre for the Responsibility to Protect. September 14, 2012

19

apoiaram o conceito de responsabilidade ao proteger (RwP) lançado pelo Brasil, por não

concordarem com o terceiro pilar da RdP. Não obstante, os países BRICS são importantes

para os trabalhos do CSNU e para a gestão de crises de segurança. A maioria dos países

do bloco não endorsa uma visão ampla de segurança, evitando o tratamento de assuntos

fora do entendimento estratégico, militar e político no CSNU; a ampliação do escopo da

segurança, em termos da multiplicidade de atores referentes, é evitada na visão desses

países, Contudo, eles contribuem para uma noção equilibrada de segurança e da própria

RdP, considerando o equilíbrio de poder mas também a segurança coletiva, dando

importância ao aspecto da cooperação.

A proposta do conceito RwP é uma tentativa de refinamento, de manutenção do foco

estratégico na resolução de conflitos, mas simultaneamente traz o indivíduo como centro da

segurança, contrariando as visões mais pragmáticas de Russia e China com referência ao

ator referente da ação da ONU. A proteção dos civis, para estes, é um papel do Estado, e o

foco das operações da ONU, portanto, deve privilegia-lo.

Ademais, deve-se considerar que o comprometimento de Rússia e China nos

trabalhos do CSNU e na reflexão da ideia de RdP é limitado, visto o interesse destes em

privilegiar o tratamento das crises de segurança de uma perspectiva regional, como nos

indicam os vetos de ambos países na situação da Síria. Os interesses em jogo, para ambos

países, são inúmeros e falam mais alto.

Com relação a implementação da RdP na Líbia, houve falhas, que inclusive minaram

a atuação das Nações Unidas no caso posterior, da Síria, mesmo assim, o conceito não foi

rejeitado pelos países membros, no entanto, são evidentes os clamores por uma reforma da

organização, e ela de fato passa por uma reflexão profunda a respeito do conceito de RdP,

entre outros. A proposta brasileira do RwP foi uma tentativa nesse sentido. Porém parece-

nos que falta força política, ou mesmo vontade, para promover sua aceitação, a começar

pelos outros BRICS. Além disso, nos anos de 2011 e 2012, como apontam os dados do

BRICS Policy Center (2012), a iniciativa brasileira não impactou as discussões acerca da

RdP e intervenções em geral. Parte da razão é o fato de que o Brasil parece ter abandonado

a empreitada de se consolidar enquanto um ator normativo na questão do uso da força para

fins humanitários, o que esvaziou os debates acerca da responsabilidade ao proteger.

Essa falha, ou falta de vontade política, do Brasil em difundir e consolidar o conceito,

bem como a não continuidade das discussões em torno da RwP, ressaltou a falta de uma

convergência dos BRICS a respeito da questão, expressando a heterogeneidade do grupo,

principalmente na questão da crise síria. Conclui-se que, apesar de apoiarem a

Responsabilidade de Proteger como uma norma emergente, os BRICS não somente

convergem, opondo-se de forma passiva às iniciativas das potências ocidentais, como

20

divergem entre si quando impera a tentativa de propor regras mais específicas para a

aplicação da norma.