O Brasil está condenado a dar certo - ricamconsultoria.com.br · O que preocupa Amorim é como o...

1
DCI ESPECIAL DA SEMANA | Sexta-feira a segunda-feira, 6 a 9 de abril de 2012 B10 OBrasil está condenado a dar certo. Para dar errado vai ter de se esforçar”, afirma, com con- vicção, o economista e consultor Ricardo Amorim, 41, que, depois de duas décadas trabalhando no exteriordiretamentecomaseco- nomias emergentes, decidiu vol- tar para casa. “O mundo mudou mais do que percebemos, e a nosso favor. O Brasil está dando certo, apesar do Brasil”, acres- centa,ementrevistaao DCI . Na sua avaliação, a Índia será a China de amanhã e, na sequên- cia, a economia brasileira será o carro-chefe do processo de evo- lução dos emergentes, pois vai durar mais cerca de dez anos a conjunção de fatores externos favoráveisaoPaís,entreasquaisa demanda por commodities . “O que a gente vende ficou mais ca- ro e o que a gente compra ficou maisbarato”,comenta. O que preocupa Amorim é como o País vai alcançar esse novo pa- tamar — já é a sexta economia mundial — sem fazer a lição de casa, pois a pressão política para resolver os diversos gargalos existentes é muito pequena. Mas ele não acredita em desindus- trialização no País, embora reco- nheça que este seja o setor com osmaioresdesafios. Como faz em sua consultoria — a Ricam Consultoria Em- presarial —, nesta entrevista Amorim antecipa movimen- tos macroeconômicos globais e nacionais. DCI: O Brasil está se fortalecen- do de fato no cenário mundial ou é apenas uma fase passageira? Ricardo Amorim: Para mim, é clara a ascensão brasileira. Mas não é só por mérito do Brasil. O País não passou a dar certoporquede umahorapa- ra outra começou a fazer tudo certo. Costumo brincar que o Brasil estádando certo,apesar do Brasil. O sistema de saúde ainda é precário, assim como educação, infraestrutura, car- ga tributária, saneamento, burocracia. Não resolvemos nossos problemas. Mas, nos últimos oito anos, a média de crescimento do Produto In- terno Bruto [PIB] foi o dobro da média dos últimos 25 anos. Se a gente não mudou, mas o resultado ficou duas vezes melhor, alguma coisa aconte- ceu. Os dez anos que passei trabalhando lá fora direta- mente com os mercados emergentes me deu uma vi- são clara do que é o Brasil. Tendemos a achar que o que acontece aqui é resultado das ações feitas aqui. Via de regra, no longo prazo, o desenvolvi- mento de um país depende das medidas que ele toma. Mas no curto prazo, o que pe- saéaconjunturaexterna. DCI: Como asituação externa in- fluencia esse processo? Amorim: Quatro mudanças estruturais no mundo jogam a nosso favor e contra os ricos. A mais óbvia é a forte alta dos preços de matérias-primas, e somos exportadores. Os dois países que mais crescem são os mais populosos e pobres: ChinaeÍndia.Comrendame- lhor,comem melhor,saemdo campo e vão para as cidades. Hoje, a China está, em termos de urbanização, onde estáva- mos em 1950. Com seis déca- das de atraso. E a Índia está aindamaisatrasada.MasaÍn- dia, em dez anos, é a China de amanhã. Apesar das mesmas características, a Índia não tem tamanho suficiente para causar o mesmo impacto da China.Essesciclosdealtasdas commodities ainda sobrevi- verão a algumas décadas. E é um dos motivos pelos quais eu voltei para cá. O Brasil está condenado a dar certo. Para dar errado, vai ter de se esfor- çar. Os demais emergentes também. O que vendemos fi- cou mais caro, o que compra- mos, mais barato. Isso gera desafios setoriais, mas para o País é uma vantagem. O Brasil é importador de produtos in- dustrializados, principal- mente eletroeletrônicos, e es- tá havendo commoditi zação detecnologia,tudoéigual. DCI: Os preços desses produtos ficam mais baixos? Amorim: Sim, pois do contrá- rio a tecnologia não se disse- mina. Por que a Ap p l e vale o que vale? Porque conseguiu des commoditi zar um produ- to de informática. E a produ- ção é levada para onde tem mais oferta e menor custo de mão deobra, comoChina, Ín- dia.Opreço deproduçãodes- penca e o de venda também. Um aparelho de TV, hoje, cus- ta 20vezes menos doque cus- tava há 10 anos. Barril de pe- tróleo do mesmo período fi- cou 15 vezes mais caro. Com 300 vezes menos quantidade de petróleo você compra a te- levisão, com 200 vezes menos minério de ferro você compra computador, com 120 vezes menos café você compra ce- lular. Resultado: a gente ficou mais rico, e eles, mais pobres. Outra questão: dinheiro no mundo ficou mais barato. Es- seprocessode quedadospre- çosde produtosindustrializa- dos,queeuchamodeacelera- ção da globalização, fez a in- flação ao redor do mundo despencar. Em cima disso veio a crise para dar o golpe de misericórdia na inflação e na taxa de juros mundial. Para países que importam capital financeiro,como oBrasil,para financiar consumo e investi- mento,agentesaiganhando. DCI: Como nos beneficiamos disso? Amorim: Compramos di- nheiro barato. Ospaíses ricos estão vendendodinheiro ba- rato. Por conta dessas mu- danças, cresceram as opor- tunidades para o Brasil e de- mais emergentes, que antes perdiam talento. Agora a si- tuação se inverteu. Nos últi- mos quatro anos, 400 mil executivos brasileiros volta- ram dos EUA, da Europa e do Japão. Aqui tem emprego. Até estrangeiros estão vindo. Uma pesquisa com estudan- tes de MBA de Harvard per- guntou aos estudantes onde gostariam de trabalhar de- pois de formados. Por or- dem, as escolhas foram Ín- dia,China eBrasil.Consegui- mos dar esse salto vendendo matéria-prima mais cara, importando mais barato, tra- zendo dinheiro barato e re- cuperando talentos. Tam- bém contribuiu a entrada da China na Organização Mun- dial do Comércio em 2001. Explodiram a demanda por matéria-prima e a oferta de mão de obra barata. Outro ponto é a densidade demo- gráfica. O Brasil e demais emergentes, exceto a Rússia, vivem um boom demográfi- co: têm mais população na faixa de 15 anos a 65 anos, e trabalhando, do que o con- junto dos que precisam ser sustentados. Nesse período, o crescimento acelera. Nos ricos, esse ciclo já passou, es- tão em situação contrária — com mais aposentados e menos gente trabalhando. DCI: Até quando vai esse ciclo? Amorim: Pelo menos 10 anos. A política de filho único da Chinacausaráenvelhecimen- to acelerado.E daquia 10anos a Índia tomará o lugar da Chi- na. Teremos mais 30 anos de urbanização e industrializa- çãonessespaíses,eissovainos ajudar. A pedra no caminho é que, de tempos em tempos, teremos crises estourando no mundo rico, como em 2008, 2009. Mas o resumo é: a mu- dança do centro da gravidade, saindo dos países ricos e indo para os emergentes, particu- larmentepuxado pelaÁsia,vai durarmaisalgumasdécadas. DCI: Nãopreocupa adesacelera- ção da China? Amorim: Isso é temporário, a Chinaestá desacelerandofor- temente agora, por alguns as- pectos. Um deles é global. So- fre o fato de que os maiores mercados deles, Europa e EUA, estão desacelerando, e a China terá de focar mais o mercado doméstico, reforçar o consumo interno. Europa, EUA e Japão vão crescer pou- co, as exportações para lá vão cair. O modelo de crescimen- to chinês, que era focado em investimento público e ex- portação,cada vezmais vaiter que se voltar para o consumo doméstico. O que preocupa é como a gente vai dar relativa- mente certo sem fazer a lição de casa. A pressão política pa- ra resolver nossos gargalos é muito pequena. Tivemos uma geração perdida, com o baixo crescimento econômi- co. Temos agora uma geração com sorte. Infraestrutura e educação até podem melho- rar, só que se não avançarmos na estrutura de negócios, bu- rocracia, carga tributária, re- sultará outra geração perdida. Meus filhos deram sorte, meusnetoseunãogaranto. DCI: E qual é a sua avaliação so- bre a indústria brasileira nesse cenário? Amorim: Todos os países que ENTREVISTA Para Ricardo Amorim, o mundo mudou mais do que percebemos, e a nosso favor Divulgação O que a gente vende fi- cou mais caro e o que im- portamos ficou mais ba- rato. Isso é uma vantagem para o Brasil. Estudantes de MBA de Harvard querem traba- lhar na Índia, na China e no Brasil, de acordo com umapesquisarecente. chegaram ao nível de renda do Brasil hoje tiveram queda da participação da indústria no PIB. A demanda por servi- ços explode. Isso é um ponto. Outroé: oBrasil estápassando por um processo de desin- dustrialização?Não, sobqual- quer número. A participação da indústria no PIB nos últi- mos 10 anos aumentou, bem como a participação da in- dústria brasileira na mundial. Éramos a 10ª, em 2000, e ano passado fomos a quinta. O in- vestimento na indústria vem batendo recorde todo ano. E ninguém investe sem acredi- tarem crescimentono setor,o que acontece também com contratação de mão de obra na indústria. A indústria é o setor, disparado, com os maiores desafios no Brasil, e isto tem a ver com a ascensão chinesa. Nosso varejo está se beneficiando do efeito China edoefeitocâmbio,queéoutro problema estrutural — por- que a base monetária em dó- lar é quatro vezes a de quatro anos atrás. Qualquer produto cuja quantidade é quatro ve- zes maior no mercado vale menos. O governo pode fazer o que quiser, não vai impedir isso. E não há concorrência entre os serviços. O preço da energia em Xangai, se for me- nor doque aqui,não farádife- rença. Só que o Brasil importa máquinas, e essas estão mais baratas hoje. O setor de agro- negócio inteiro está ganhan- do mais dinheiro. A indústria vai continuar a ser o setor que tem mais dificuldade para crescernoBrasil. DCI: Existe risco de o Brasil se tornar uma economia agrícola? Amorim: Não. O Chile é o país quemaisdeucertonaAmérica Latina, e seu desenvolvimento começoucom umaeconomia agrícola. Hoje exporta vinho, não uva. Nossa vantagem está voltada para matérias-primas, mas,se aolongo desseproces- so investirmos em pesquisa e desenvolvimento, e melhora de ambiente de negócios, tal- vez possamos ser competiti- vos em coisas que dependem de inovação. Hoje, tirando al- gunsfocos específicos,nãoso- mos. A Embraer é a terceira maior do mercado de produ- ção de avião. Tecnologia pura. Somos competitivos nisso porque antes de existir essa empresaexistia oITA[Instituto Tecnológico da Aeronáutica], referência mundial nesse tipo de tecnologia. Se não formos capazes de construir centenas de ITAs, não teremos centenas de Embraer. Os líderes globais hoje não são mais aqueles... A maior produtora de cerveja do mundoéa Ambev,enãopassa na cabeça dos estrangeiros que é uma empresa de capital brasileiro. O mundo mudou mais do que a gente percebeu. Eanossofavor. DCI:O quevocêindica parafazer dinheiro render? Amorim: É preciso conside- rar o prazo para investimen- to. Mais longo, recomendo sair da aplicação financeira em renda fixa. A tendência de renda fixa é baixa por cau- sa da queda estrutural dos juros — baixos para padrões brasileiros e altos para pa- drões internacionais. A taxa de juros será menor daqui cinco anos, daqui a 10 anos será menor ainda. Por causa de queda da taxa de câmbio, que barateia as importações e ajuda a reduzir a inflação no Brasil. Temos uma força estrutural para segurar a in- flação, que é o dólar, que saiu de R$ 4 e foi para R$ 1,50. O governo diz que vai ficar em R$ 1,80, eu duvido. Como te- remos mais crises, as multi- nacionais terão de repatriar capital para onde houver ga- nhos, basicamente nos emergentes. Para isso, terá de comprar dólar ou euro. No meio da crise, o dólar e o euro sobem, como em 2008 e 2009 e no ano passado. Ti- rando isso, os movimentos do governo duram uma se- mana. Se o governo real- mente quisesse fazer algu- ma coisa, mudaria sua men- talidade. A gente não acredi- ta que o Brasil mudou. Por que os estrangeiros inves- tem mais? Porque olham pa- ra o Brasil e se dão conta de já terem visto esse filme na Chi- na, Cingapura, Coreia, Chile. Brasileiro olha, desconfiado. Nossa legislação também é voltada para um país que dá errado. Por exemplo, todo exportador brasileiro é for- çado a trazer dólar na hora que exporta para o Brasil, não pode manter o dólar lá fora; ele tem que vender o dólar para o banco, e com is- so aumenta a oferta de dólar. Fundo de pensão brasileiro, na prática não pode investir no exterior porque perde um benefício tributário em toda carteira dele. Se nossos fun- dos pudessem investir seus recursos no exterior, era dó- lar saindo. No Brasil que dava errado faltava dólar. Igual à legislação trabalhista: o pro- blema hoje não é falta de gente, e simde pessoal quali- ficado. A legislação atual era adequada para quando fal- tava emprego. Teve mudan- ça estrutural, mas não de mentalidade. DCI: Quais setores da economia brasileiratêmmaiorpotencial? Amorim: Olhando para uma década, tudo em que China é demanda e não competição, como commodities e agrone- gócios. E no consumo, onde havia demanda reprimida, onde o crédito permitirá ex- pansão do consumo e onde houve aumento de renda. Construção civil, educação e saúde. Tudo o que for voltado ao consumidor de baixa e mé- dia renda. Mais de 35 milhões de brasileiros vão entrar no mercado de consumo nos próximos cinco anos. Tudo que está mais voltado para o interior também tem muito potencial, bem como para re- giõesmaispobres. DCI: O câmbio não ajudará a in- dústria? Amorim: O empresário que tomar uma decisão baseada na expectativa de que o câm- bio vai sermais favorável que- brará a cara. A apreciação do real é uma questão estrutural. Pode reduziro ritmo,mas não haverá reversão. Ele tem de voltar mais sua venda para o mercado doméstico, o con- sumo aqui vai aumentar. Nas exportações, terá de mudar de mercado, deixando de vender para EUA, Europa ou Japão. Se vender na América Latina, o real não se aprecia em relação a esses países. Te- mos de pensar no Brasil como centro de consumo, não mais como centro de produção. A produção brasileira ficou mais cara. roberto müller filho liliana lavoratti O Brasil está condenado a dar certo O Brasil está condenado a dar certo Ricardo Amorim: “Temos que pensar o Brasil como centro de consumo, não mais só como centro de produção”

Transcript of O Brasil está condenado a dar certo - ricamconsultoria.com.br · O que preocupa Amorim é como o...

DCIE S P E C I A L DA S E M A NA | Sexta-feira a segunda-feira, 6 a 9 de abril de 2012B10

OBrasil está condenadoa dar certo. Para dar errado vai terde seesforçar”, afirma,com con-vicção, o economistae consultorRicardo Amorim, 41,que, depoisde duas décadastrabalhando noexterior diretamente com as eco-nomias emergentes, decidiu vol-tarpara casa.“O mundomudoumais do que percebemos, e anosso favor. O Brasil está dandocerto, apesar do Brasil”, acres-centa, em entrevista ao DCI.Na sua avaliação, a Índia será aChina de amanhã e, na sequên-cia, a economia brasileira será ocarro-chefe do processo de evo-lução dos emergentes, pois vaidurar mais cerca de dez anos aconjunção de fatores externosfavoráveis ao País, entre as quais ademanda por commodities. “Oque a gente vendeficou mais ca-ro e o que a gente compra ficoumais barato”, comenta.O que preocupa Amorim é comoo País vai alcançar esse novo pa-tamar — já é a sexta economiamundial — sem fazer a lição decasa, pois a pressão política pararesolver os diversos gargalosexistentes é muito pequena. Masele não acredita em desindus-trialização no País, embora reco-nheça que este seja o setor comos maiores desafios.Como faz em sua consultoria— a Ricam Consultoria Em-presarial —, nesta entrevistaAmorim antecipa movimen-tos macroeconômicosglobaise nacionais.

DCI: O Brasil está se fortalecen-dode fatonocenário mundialoué apenas uma fase passageira?

RicardoAmorim: Paramim,éclara a ascensão brasileira.Mas não é só por mérito doBrasil.OPaís nãopassouadarcertoporquede umahorapa-ra outra começou a fazer tudocerto. Costumo brincar que oBrasil estádando certo,apesardo Brasil. O sistema de saúdeainda é precário, assim comoeducação, infraestrutura, car-ga tributária, saneamento,burocracia. Não resolvemosnossos problemas. Mas, nosúltimos oito anos, a média decrescimento do Produto In-terno Bruto [PIB] foi o dobroda média dos últimos 25 anos.Se a gente não mudou, mas oresultado ficou duas vezesmelhor, alguma coisa aconte-ceu. Os dez anos que passeitrabalhando lá fora direta-mente com os mercadosemergentes me deu uma vi-são clara do que é o Brasil.Tendemos a achar que o queacontece aqui é resultado dasações feitas aqui. Via de regra,no longo prazo, o desenvolvi-mento de um país dependedas medidas que ele toma.Mas nocurto prazo, oque pe-sa é a conjuntura externa.

DCI: Como asituação externa in-fluencia esse processo?

Amorim: Quatro mudançasestruturais no mundo jogama nosso favor e contra os ricos.A mais óbvia é a forte alta dospreços de matérias-primas, esomos exportadores. Os doispaíses que mais crescem sãoos mais populosos e pobres:China e Índia. Com renda me-lhor,comem melhor,saemdocampo e vão para as cidades.Hoje,a Chinaestá, emtermosde urbanização, onde estáva-mos em 1950.Com seis déca-das de atraso. E a Índia estáainda mais atrasada. Mas a Ín-dia,em dezanos,éa Chinadeamanhã. Apesar das mesmascaracterísticas, a Índia nãotem tamanho suficiente paracausar o mesmo impacto daChina. Esses ciclos de altas dascommodities ainda sobrevi-verão a algumas décadas. E éum dos motivos pelos quaiseu voltei para cá. O Brasil estácondenado a dar certo. Paradar errado, vai ter de se esfor-çar. Os demais emergentestambém. Oque vendemosfi-cou maiscaro, oque compra-mos, mais barato. Isso geradesafios setoriais, mas para o

País éuma vantagem.O Brasilé importador de produtos in-dustrializados, principal-mente eletroeletrônicos, e es-tá havendo commoditizaçãode tecnologia, tudo é igual.

DCI: Os preços desses produtosficam mais baixos?

Amorim:Sim, poisdocontrá-rio a tecnologia não se disse-mina. Por que a Ap p l e vale oque vale? Porque conseguiudescommoditizar um produ-to de informática. E a produ-ção é levada para onde tem

mais oferta e menor custo demão deobra, comoChina, Ín-dia.Opreço deproduçãodes-penca e o de venda também.Um aparelho deTV, hoje, cus-ta 20vezes menos doque cus-tava há 10 anos. Barril de pe-tróleo do mesmo período fi-cou 15 vezes mais caro. Com300 vezes menos quantidadede petróleo vocêcompra a te-levisão, com200 vezesmenosminériode ferrovocêcompracomputador, com 120 vezesmenos café você compra ce-lular. Resultado: a gente ficoumais rico, e eles, mais pobres.Outra questão: dinheiro nomundo ficoumais barato.Es-seprocessode quedadospre-çosde produtosindustrializa-dos, que eu chamo de acelera-ção da globalização, fez a in-flação ao redor do mundodespencar. Em cima dissoveio a crise para dar o golpe demisericórdia na inflação e nataxa de juros mundial. Parapaíses que importam capitalfinanceiro,como oBrasil,parafinanciar consumo e investi-mento, a gente sai ganhando.

DCI: Como nos beneficiamosdisso?

Amorim: Compramos di-nheiro barato. Ospaíses ricosestão vendendodinheiro ba-rato. Por conta dessas mu-danças, cresceram as opor-tunidades para o Brasil e de-mais emergentes, que antesperdiam talento. Agora a si-tuação se inverteu. Nos últi-mos quatro anos, 400 milexecutivos brasileiros volta-ram dos EUA, da Europa e doJapão. Aqui tem emprego.Até estrangeiros estão vindo.

Uma pesquisa com estudan-tes de MBA de Harvard per-guntou aos estudantes ondegostariam de trabalhar de-pois de formados. Por or-dem, as escolhas foram Ín-dia,China eBrasil.Consegui-mosdar essesaltovendendomatéria-prima mais cara,importando mais barato, tra-zendo dinheiro barato e re-cuperando talentos. Tam-bém contribuiu a entrada daChina na Organização Mun-dial do Comércio em 2001.Explodiram a demanda pormatéria-prima e a oferta demão de obra barata. Outroponto é a densidade demo-gráfica. O Brasil e demaisemergentes, exceto a Rússia,vivem um boom demográfi -co: têm mais população nafaixa de 15 anos a 65 anos, etrabalhando, do que o con-junto dos que precisam sersustentados. Nesse período,o crescimento acelera. Nosricos, esse ciclojá passou, es-tão em situação contrária —com mais aposentados emenos gente trabalhando.

DCI: Até quando vai esse ciclo?Amorim:Pelo menos10anos.A política de filho único daChina causará envelhecimen-to acelerado.E daquia 10anosa Índiatomará olugar daChi-na. Teremos mais 30 anos deurbanização e industrializa-ção nesses países, eisso vai nosajudar. A pedra no caminho éque, de tempos em tempos,teremos crises estourando nomundo rico, como em 2008,2009. Mas o resumo é: a mu-dança do centroda gravidade,saindo dos países ricos e indopara os emergentes, particu-larmentepuxado pelaÁsia,vaidurar mais algumas décadas.

DCI: Nãopreocupa adesacelera-ção da China?

Amorim: Isso é temporário, aChinaestá desacelerandofor-temente agora, poralguns as-pectos. Um deles é global. So-fre o fato de que os maioresmercados deles, Europa eEUA, estão desacelerando,e aChina terá de focar mais omercado doméstico, reforçaro consumo interno. Europa,EUA e Japão vão crescer pou-co, as exportações para lá vãocair. O modelo de crescimen-to chinês, que era focado eminvestimento público e ex-portação,cada vezmais vaiterque se voltar para o consumodoméstico. O que preocupa écomo a gente vai dar relativa-mente certo sem fazer a liçãode casa. Apressão política pa-ra resolver nossos gargalos émuito pequena. Tivemosuma geração perdida, com obaixo crescimento econômi-co. Temosagora umageraçãocom sorte. Infraestrutura eeducação até podem melho-rar, só que se não avançarmosna estrutura de negócios, bu-rocracia, carga tributária, re-sultaráoutra geraçãoperdida.Meus filhos deram sorte,meus netos eu não garanto.

DCI: E qual é a sua avaliação so-bre a indústria brasileira nessecenário?

Amorim: Todos os países que

ENTREVISTA Para Ricardo Amorim, o mundo mudou mais do que percebemos, e a nosso favor

Divu

lgaç

ão

O que a gente vende fi-

cou mais caro e o que im-

portamos ficou mais ba-

rato. Isso é uma vantagem

para o Brasil.

Estudantes de MBA de

Harvard querem traba-

lhar na Índia, na China e

no Brasil,de acordocom

uma pesquisa recente.

chegaram ao nível de rendado Brasil hoje tiveram quedada participação da indústriano PIB. A demanda por servi-ços explode. Isso é um ponto.Outroé: oBrasil estápassandopor um processo de desin-dustrialização?Não, sobqual-quer número. A participaçãoda indústria no PIB nos últi-mos 10 anos aumentou, bemcomo a participação da in-dústria brasileira na mundial.Éramos a 10ª, em 2000, e anopassadofomos aquinta. Oin-vestimento na indústria vembatendo recorde todo ano. Eninguém investe sem acredi-tarem crescimentono setor,oque acontece também comcontratação de mão de obrana indústria. A indústria é osetor, disparado, com osmaiores desafios no Brasil, eistotema vercomaascensãochinesa. Nosso varejo está sebeneficiando do efeito Chinae do efeito câmbio, que é outroproblema estrutural — por -que a base monetária em dó-lar é quatro vezes a de quatroanos atrás. Qualquer produtocuja quantidade é quatro ve-zes maior no mercado valemenos. O governo pode fazero que quiser, não vai impedirisso. E não há concorrênciaentre os serviços. O preço daenergia em Xangai,se for me-nor doque aqui,não farádife-rença.Só queo Brasilimportamáquinas, e essas estão maisbaratas hoje. O setor de agro-negócio inteiro está ganhan-do mais dinheiro. A indústriavai continuar a sero setor quetem mais dificuldade paracrescer no Brasil.

DCI: Existe risco de o Brasil setornar uma economia agrícola?

Amorim: Não.O Chile éo paísque mais deu certo na AméricaLatina, eseu desenvolvimentocomeçoucom umaeconomiaagrícola. Hoje exporta vinho,não uva.Nossa vantagemestávoltada paramatérias-primas,mas,se aolongo desseproces-so investirmos em pesquisa edesenvolvimento, e melhorade ambiente de negócios, tal-vez possamos ser competiti-vos em coisas que dependemde inovação. Hoje, tirando al-gunsfocos específicos,nãoso-mos. A Embraer é a terceiramaior do mercado de produ-ção de avião. Tecnologia pura.Somos competitivos nissoporque antes de existir essaempresaexistia oITA[InstitutoTecnológico da Aeronáutica],

referência mundial nesse tipode tecnologia. Se não formoscapazes de construir centenasdeITAs, nãoteremoscentenasde Embraer. Os líderes globaishoje não são mais aqueles... Amaior produtora de cerveja domundoéa Ambev,enãopassana cabeça dos estrangeirosque é uma empresa de capitalbrasileiro. O mundo mudoumais doque agente percebeu.E a nosso favor.

DCI:O quevocêindica parafazerdinheiro render?

Amorim: É preciso conside-rar o prazo para investimen-to. Mais longo, recomendosair da aplicação financeiraem renda fixa. A tendênciaderendafixa ébaixaporcau-sa da queda estrutural dosjuros — baixos para padrõesbrasileiros e altos para pa-drões internacionais. A taxade juros será menor daquicinco anos, daqui a 10 anosserá menor ainda. Por causade queda da taxa de câmbio,que barateia as importaçõese ajuda a reduzir a inflação

no Brasil. Temos uma forçaestrutural para segurar a in-flação,que éodólar, quesaiude R$ 4 e foi para R$ 1,50. Ogoverno diz que vai ficar emR$ 1,80, eu duvido. Como te-remos mais crises, as multi-nacionais terão de repatriarcapital para ondehouver ga-nhos, basicamente nosemergentes. Para isso, teráde comprar dólar ou euro.No meio da crise, o dólar e oeuro sobem, como em 2008 e2009 e no ano passado. Ti-rando isso, os movimentosdo governo duram uma se-mana. Se o governo real-mente quisesse fazer algu-ma coisa,mudaria suamen-talidade. A gente não acredi-ta que o Brasil mudou. Porque os estrangeiros inves-tem mais? Porque olham pa-ra o Brasile se dão contade játerem visto esse filme na Chi-na, Cingapura,Coreia, Chile.Brasileiro olha, desconfiado.Nossa legislação também évoltada para um país que dáerrado. Por exemplo, todoexportador brasileiro é for-çado a trazer dólar na horaque exporta para o Brasil,não pode manter o dólar láfora; ele tem que vender odólar parao banco, ecom is-so aumenta a oferta de dólar.Fundo de pensão brasileiro,na prática não pode investirno exterior porque perde umbenefício tributário em todacarteira dele. Se nossos fun-dos pudessem investir seusrecursos no exterior, era dó-lar saindo. No Brasil que davaerrado faltava dólar. Igual àlegislação trabalhista: o pro-blema hoje não é falta degente, e simde pessoal quali-ficado. A legislação atual eraadequada para quando fal-tava emprego. Teve mudan-ça estrutural, mas não dem e n t a l i d a d e.

DCI: Quais setores da economiabrasileira têm maior potencial?

Amorim: Olhando para umadécada, tudo em que China édemanda e não competição,como commodities e agrone-gócios. E no consumo, ondehavia demanda reprimida,onde o crédito permitirá ex-pansão do consumo e ondehouve aumento de renda.Construção civil, educação esaúde.Tudo oque forvoltadoao consumidor de baixa e mé-diarenda. Maisde 35milhõesde brasileiros vão entrar nomercado de consumo nos

próximos cinco anos. Tudoque está mais voltado para ointerior também tem muitopotencial, bem como para re-giões mais pobres.

DCI: O câmbio não ajudará a in-dústria?

Amorim: O empresário quetomar uma decisão baseadana expectativa de que o câm-bio vai sermais favorável que-brará a cara. A apreciação doreal é umaquestão estrutural.Pode reduziro ritmo,mas nãohaverá reversão. Ele tem devoltar mais sua venda para omercado doméstico, o con-sumo aqui vai aumentar. Nasexportações, terá de mudarde mercado, deixando devender para EUA, Europa ouJapão. Se vender na AméricaLatina, o real não se apreciaem relação a esses países. Te-mos de pensar no Brasil comocentro deconsumo, nãomaiscomo centro de produção. Aprodução brasileira ficoumais cara.

roberto müller filho

liliana lavoratti

O Brasil estácondenadoa dar certo

O Brasil estácondenadoa dar certo

Ricardo Amorim: “Temos que pensar o Brasil como centro de consumo, não mais só como centro de produção”