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  • Para os meus pais

  • INTRODUO

    A ideia de escrever este livro surgiu na sequncia de uma falha de mercado. Ao longo dos anos,tenho vindo a ler as mais diversas obras que abordam a temtica do investimento e dos mercadosfinanceiros, constatando que algo faltava. Embora as questes relativas ao processo de investimentoe ao tema bolsa sejam extensamente abordadas em vrios livros, que alis cumprem bem o seupapel, a temtica mais especfica do sector dos cuidados de sade invariavelmente esquecida. Talpoderia at nem ser um problema, no fosse o caso de este sector, e algumas das indstrias neleinseridas, requererem uma abordagem particular.

    So tantas as questes que afectam estas indstrias de forma particular e nica, que s por si,justificam a criao de um livro, escrito em portugus, que as explique e contextualize. Mais do que aabordagem fundamental ou, por outro lado, a anlise tcnica de grficos, a indstria biofarmacutica particularmente influenciada por um conjunto de factores de natureza concorrencial, de produto, decariz regulatrio, de propriedade intelectual, de poltica de preos, entre outras. Todos esses factorestm um impacto decisivo na vida destas empresas e, em ltima instncia, na cotao das suas aces.A minha experincia, enquanto investidor privado e leitor assduo dos temas que envolvem aindstria, levou necessidade de condensar esse conhecimento num livro/manual que se propeauxiliar outros investidores no seu processo de investimento.

    A forma como o livro est estruturado obedece larga- mente ao ciclo de vida de um produtofarmacutico. Desde o momento da descoberta de uma molcula, passando por todo o processo deestudo e desenvolvimento, at ao ponto em que a patente perde vigor, tudo analisado.

    O primeiro captulo aborda o sector dos cuidados de sade de uma forma geral, apresentando ecaracterizando as indstrias que o constituem, bem como o impacto que o sector tem no contextoeconmico e social presente.

    O captulo seguinte focaliza-se exclusivamente na indstria biofarmacutica. Aqui, apresenta-setodo o processo de desenvolvimento de um frmaco, bem como os factores determinantes para oprocesso de investimento em cada uma das suas etapas de desenvolvimento. A fase regulatria tambm abordada, tanto no contexto norte-americano, como no europeu (e portugus, por inerncia).Analisa-se ainda a fase seguinte aprovao do frmaco e os condicionalismos que este momento dociclo de vida do frmaco implica.

    O terceiro captulo aborda a questo da avaliao de empresas, procurando explicar os mtodosgerais aplicveis a todo o tipo de empresas, e, num segundo momento, as alteraes a adoptaraquando da anlise de empresas da indstria biofarmacutica.

    Por fim, o ltimo captulo avana com 6 tendncias que se espera vir a influenciar a indstria naprxima dcada, avanando-se com questes concretas que o investidor dever colocar a si prpriono momento de deciso de investimento.

    Um dos objectivos primordiais a que me propus com a escrita deste livro foi faz-lo de umaforma to clara e directa quanto possvel, mantendo o carcter pedaggico, mas sem esquecer osaspectos prcticos do dia-a-dia de um investidor. Escrever mais um livro de 400 ou 500 pginassobre o que j havia sido escrito no faria qualquer sentido, ainda para mais no contexto dasociedade actual, onde o tempo um dos bens mais escassos. Os temas so abordados na suacomponente mais determinante, deixando contudo pistas para o leitor/investidor que pretenda ir mais

  • a fundo nas questes. Tendo tambm em conta a componente prctica, tomei a opo de utilizar asexpresses anglo-saxnicas sempre que possvel. Se nunca investigou sobre estas empresas,rapidamente perceber que 99.9% do que puder ler sobre a indstria vem escrito em ingls. Mesmoempresas europeias ou japonesas, estando em muitos dos casos cotadas nas bolsas norte-americanas,apresentam toda a informao em ingls. Sendo tantas as expresses e conceitos especficos indstria que sero encontrados em notas de imprensa ou relatrios de contas de empresasbiofarmacuticas, no faria nenhum sentido prctico apresentar estas expresses em portugus,acabando por dificultar a tarefa do investidor (especialmente o menos informado).

    Nenhum livro expe frmulas mgicas para o sucesso. Mesmo aqueles casos em que nos soapresentadas equaes ou algoritmos que aparentemente conseguem explicar e prever o movimentode uma aco, servem apenas para nos aproximar de uma maior probabilidade de xito. Este livropretende precisamente isso: aumentar a cada pgina, a cada nova informao especfica, a cada novarelao compreendida, as probabilidades de sucesso no seu processo de investimento. Aps a sualeitura, numa primeira fase comear a compreender o motivo por detrs de uma determinadaevoluo de preo na sequncia de um acontecimento especfico. Quedas de cotao emconsequncia de aprovaes de regulatrias, que partida poderiam parecer inexplicveis, seromais facilmente entendveis, por exemplo, no contexto de uma poltica de preos desvantajosa ou naincapacidade de autofinanciamento da empresa. Com o tempo, conseguir antecipar estesmovimentos, conhecendo antecipadamente o que analisar, sendo que nesse momento estarseguramente mais prximo de ser um bem-sucedido BioInvestidor.

  • CAPTULO1OSECTORDOSCUIDADOSDESADE

    O sector dos cuidados de sade o mais complexo, desafiante e interessante de todos sectoresde actividade actuais. Se pudesse considerar em uma s frase os motivos pelos quais se deve prestarateno e investir neste sector, talvez fosse esta a que escolheria dizer.

    Boa parte dos intervenientes de mercado (refiro-me aos no profissionais), quer sejaminvestidores activos, quer se tratem de meros curiosos, no raramente se retraem em investir nestarea. A complexidade da linguagem e da tecnologia envolvida, quase sempre envolta em conceitos etermos ligados s reas de biologia e qumica, tem impedido que muitos se aventurem nestasindstrias. O medo da volatilidade aparentemente inexplicvel ou o puro desconhecimento dosignificado exacto da actividade destas empresas, acabaram por tornar este sector num alvo deescolhas de investimento aleatrias, baseadas em apostas, ou simplesmente, tornaram-no invisvelperante muitos portflios. Ao longo deste livro procurar-se- desmistificar muitas das ideiasassociadas aos cuidados de sade, com particular nfase em duas das suas indstrias principais: afarmacutica e a biotecnolgica.

    A par de sectores como as utilities (empresas ligadas produo e distribuio elctrica, de gsou gua), do consumo bsico ou das telecomunicaes, os cuidados de sade tm sido encaradoscomo uma opo de investimento defensiva. Quer isto dizer que, em momentos turbulentos daeconomia ou mesmo em perodos recessivos, investir em um ou vrios destes sectores, consideradauma opo mais segura comparativamente com o investimento em qualquer outro dos restantessectores. Em linguagem econmica, diz-se que os sectores defensivos se caracterizam por ter umaresposta inelstica, ou menos elstica, s variaes de procura.

    Em termos mais simples isto significa que, por exemplo, quando nos encontramos numa fase deabrandamento econmico (ou mesmo, como mais recentemente, de reces-so), os agenteseconmicos, nomeadamente as famlias e as empresas, tendem a diminuir os seus gastos de consumo.Tal sucede, contudo, de uma forma no igualitria ao nvel de todos os consumos. Como natural, asdespesas que sofrem o primeiro impacto de corte so as consideradas no essenciais. A compra deum automvel novo ou daquela televiso LED de ltima gerao adiada, ao passo que o consumose centra em bens mais essenciais, como a alimentao, o consumo de energia ou os gastos na reaque no fundo permite que tudo o resto exista a sade.

    Naturalmente, que se a degradao do ambiente econmico for to extensa como a que se temvindo a assistir nos ltimos anos, mesmo a procura destes bens essenciais sofre uma retraco. Aindaassim, tal acontece em menor escala do que aquilo que sucede com bens no essenciais, da que aresposta destes sectores a variaes de rendimento no seja to extensa, ou por outras palavras, toelstica. Convm tambm frisar que o mesmo vlido para momentos de crescimento econmico,altura em que os rendimentos aumentam. Neste cenrio passa-se exactamente o oposto, isto , osconsumos de bens no essenciais so claramente aumentados, enquanto os bens bsicos poderosofrer uma maior procura, contudo com percentagens de crescimento mais marginais. Existem limitess necessidades alimentares e energticas de cada indivduo, da que no pelo facto de se ter maiscapital disponvel que a procura destes bens vai subir ilimitadamente. Pelo contrrio, e beneficiandoda sua maior elasticidade da procura, sectores como tecnolgico ou o dos bens de consumo

  • discricionrio (onde, por exemplo, a indstria automvel se insere) vero os seus nveis de procuracrescer da forma mais considervel. Normalmente consideram-se estes sectores como pr-cclicos.

    Este carcter mais defensivo do sector dos cuidados de sade no no entanto homogneo. Naverdade, quer do ponto de vista exgeno, quando comparado com os restantes sectores tidos tambmcomo defensivos, quer endogenamente, ao nvel das vrias indstrias que o compem, o sector doscuidados de sade acaba por ter caractersticas e factores de influncia bastante singulares. Estascaractersticas e factores fazem com que o seu grau de resilincia, e as razes pelas quais essaresilincia existe, sejam diferentes comparativamente aos restantes sectores. Arriscar-me-ia mesmoem dizer que, na sua essncia, este sector poder, em alguns casos, ser considerado como o maisdefensivo de todos, ao mesmo tempo que proporciona as mais espectaculares rentabilidades. Aolongo deste e dos prximos captulos, vamos tentar compreender as razes que me levam a ter estaafirmao e de que forma os investidores, particularmente os mais amadores, podero disso tirarmelhor partido.

    Em primeiro lugar vamos perceber como os cuidados de sade se estruturam enquanto sector, queindstrias o compem e que caractersticas tm. Mais tarde, iremos cingir-nos a duas das indstriasdo sector, que a meu ver, apresentam o melhor potencial de investimento.

    PORQUINVESTIRNOSECTOR?

    Alm do sector dos cuidados de sade, existem outros 8 sectores passveis de constituir o

    portflio de um investidor, nomeadamente os sectores industrial, tecnolgico, energtico, dasutilities, das matrias bsicas, consumo discricionrio, consumo no-cclico e financeiro. A opopelo sector dos cuidados sade deve-se, na minha opinio, a um conjunto de 4 factores: oenvelhecimento populacional previsto; o potencial dos novos frmacos; o carcter defensivo dosector e a volatilidade associada a algumas das suas indstrias.

    O historial de cada um de ns, primeiramente enquanto pessoas, e tambm enquanto investidores;o maior ou menor sucesso atingido e a capacidade de aprendermos com os erros passados, acabampor definir a forma como encaramos os mercados financeiros. Pessoalmente, considero que aperspectiva mais correcta (por certo uma decorrncia da minha experincia) passa por analisar omercado e as empresas individualmente no mdio/longo-prazo. Se me perguntarem como evoluir acotao de determinada empresa nos prximos dias, ou mesmo nas prximas semanas, salvo rarasexcepes, dificilmente poderei dar uma resposta que me convena. Uma das coisas que os mercadosme ensinaram que, em ltima instncia, o que realmente importa, e o que realmente ir afectar aevoluo de uma empresa, a qualidade dos produtos que vende e dos servios que presta, e aadequao dos mesmos ao mercado. Normalmente, para se conseguir ter uma ideia concreta daqualidade e adequao de um produto, necessrio tempo, de forma a perceber-se a reaco dosconsumidores e a perspectiva que o mercado tem do produto ou servio prestado. Este tempo mede-se em meses e anos, no em dias ou semanas. O investidor que melhor consiga prever o desencadearde acontecimentos futuros, e, que no fundo, consiga detectar as tendncias comportamentais domercado, estar no caminho certo para poder fazer as melhores escolhas. A aplicao destaperspectiva ao sector dos cuidados de sade consiste em perceber quais as tendncias que o irodefinir. Este livro fala de um conjunto de tendncias e parmetros de anlise, contudo, se tivesse que

  • escolher apenas uma delas, optaria pela escolha do envelhecimento populacional. O facto deestarmos perante sociedades, principalmente as ocidentais, cada vez mais envelhecidas, permite-nosvislumbrar um futuro em que a importncia deste sector ser cada vez mais notria. Uma populaomais envelhecida implicar que as necessidades de cuidados de sade tendero a aumentar, no sao nvel da manuteno da qualidade de vida, mas tambm devido maior incidncia que as maisdiversas patologias tero nesta populao. Que outro sector de actividade estar em melhorescondies de responder a este desafio?

    Os ltimos anos tm mostrado que a capacidade que o sector tem tido para dar respostas cada vez

    mais eficazes aos desafios com que se depara cada vez maior. Tal sucede, no apenas ao nvel dosnovos frmacos que disponibiliza, como tambm no que aos equipamentos mdicos diz respeito. Aconciliao de disciplinas, alicerada em gastos de investigao e desenvolvimento (I&D)avultados, permite perspectivar que o melhor ainda estar para vir. Doenas que h apenas algumasdcadas eram consideradas como mortais (como por exemplo a SIDA), podem hoje em dia serencaradas de outra forma por parte de quem delas padece. Os conhecimentos adquiridos a partir dosequenciamento do genoma humano s agora comeam a ser efectivamente aplicados na prtica, nosendo difcil prever que a prxima dcada trar consigo um conjunto de ferramentas de combatemuito mais personalizadas e eficientes.

    Um outro factor que me agrada particularmente neste sector, o seu carcter mais defensivo emcomparao a outros dos sectores acima referidos. Diria mesmo que, mais do que defensivo, estesector, e as empresas que o compem, respondem de uma forma por vezes independente ao que sepassa no restante mercado. O grfico seguinte ajuda a ilustrar esta viso. Nele podemos analisar aevoluo de um dos ETFsi mais representativos do sector (XLV) em comparao, quer ao ndiceS&P500 (SPX), quer ao ETF representativo do sector tecnolgico (XLK). A linha verde indica aevoluo do indce Amex Biotech, um dos principais ndices representativos da indstriabiotecnolgica. O perodo temporal em anlise decorre desde finais de Novembro de 2007ii (quandose iniciou o ltimo perodo recessivo nos E.U.A) at Setembro de 2014. Durante o perodo emanlise, o S&P500 registou uma valorizao de cerca de 31%, com o sector tecnolgico a valorizarem torno dos 43%. Em contrapartida, o sector dos cuidados de sade, valorizou-se em quase 80%,isto , mais do dobro em relao ao S&P. A indstria biotecnolgica, em larga medida constitudapor empresas de menor dimenso e mais expostas volatilidade dos mercados, conseguiu no mesmoperodo uma valorizao de 276%!

  • Fonte: YCHARTS.com

    O grfico seguinte compara os mesmos activos, contudo no perodo temporal correspondente

    ltima recesso. Ainda que todos os sectores tenham sofrido perdas durante este perodo, notria aresilincia do sector dos cuidados de sade em comparao aos restantes, em especial face ao ndiceS&P, especialmente nos momentos em que as quedas foram mais acentuadas.

    Fonte: YCHARTS.com

    Outra das caractersticas que considero atractivas neste sector, a volatilidade associada a

    algumas das suas indstrias, nomeadamente a farmacutica e biotecnolgica. A volatilidade estquase sempre associada ao conceito de risco, e, mediante as caractersticas especficas de cadainvestidor, a existncia de risco mais ou menos elevado poder determinar a participao dosmesmos em determinados mercados. A forma como algumas empresas deste sector reagem a umconjunto de parmetros, sejam eles notcias, resultados ou quaisquer outros, por vezes dramtica.

    No dia 9 de Janeiro de 2014, a biofarmacutica Intercept Pharmaceuticals (ICPT), presentemente

  • cotada no ndice Nasdaq, divulgou uma nota de imprensa que teve um impacto substancial na cotaodo seu ttulo. Nesta mesma nota, a empresa reportou que o ensaio clnico relativo ao uso de cidoobeticlico no tratamento de esteatohepatite no -alcolica (NASH) havia sido terminado antes dotempo, pois uma anlise intermdia havia demonstrado que o chamado primary endpoint tinha sidoalcanado.iii Por outras palavras, o principal intuito desejado do ensaio clnico, no s tinha sidoatingido, mas com resultados to positivos que no se tornava necessrio prosseguir com o mesmo.Este o gnero de notcias que qualquer empresa do sector sonha transmitir e as reaces no sefizeram esperar. No dia anterior, as aces da Intercept tinham fechado ao preo de 72,39 dlares.No dia 9, aps a divulgao da notcia, o preo disparou, fechando o dia nos 275,89 dlares. No diaseguinte, as aces continuaram a valorizar-se, atingindo os 445,83 dlares no final do dia. Emapenas dois dias, a cotao da Intercept tinha sextuplicado o seu valor!

    Fonte: YCHARTS.com

    Este livro procura ajudar o investidor a perceber que tipo de acontecimentos poder redundar em

    movimentos semelhantes, no deixando no entanto de clarificar que a volatilidade existe em ambosos sentidos. Os resultados de ensaios clnicos, a poltica de preos, os movimentos da concorrncia,as questes regulatrias, os resultados financeiros da empresa, entre outros, so aspectos que ditam ofuturo das empresas deste sector. Entend-los e, quando possvel, antecip-los, dar ao investidoruma probabilidade acrescida de fazer as escolhas mais acertadas, e talvez, quem sabe, encontraroutra Intercept. Os benefcios a ser colhidos neste sector so de facto bastante interessantes, contudotambm o risco elevado. Este exemplo, apesar de extremo, demonstra o potencial que reside emalgumas destas empresas. Embora no sejam comuns valorizaes to acentuadas em to curtosperodos temporais, no de todo invulgar assistir-se a rpidos movimentos de preos na sequnciade notcias deste gnero. Compete ao investidor estar informado relativamente aos parmetros quedeve ter em ateno, de forma a minimizar o risco inerente a esta volatilidade. Lembre-se que, porcada exemplo de sucesso, existe um conjunto de casos de insucesso e de resultado diametralmenteoposto.

  • 1.2-ASINDSTRIASDOSECTOR

    1.2.1-TECNOLOGIAMDICA

    Esta indstria caracteriza-se pelo espectro hete-rogneo dos modelos de negcio que a

    constituem. Desde produtos temporrios como cateteres, aos mais permanentes como stentscardacas; desde equipamentos implantveis, como rtulas metlicas at aos produtos mdicos maisavanados e dispendiosos, tais como, equipamentos de ressonncia magntica ou robs cirrgicos; aindstria das tecnologias mdicas procura dar resposta a todo o tipo de necessidades, seja no campode interveno cirrgica, seja no campo da anlise e diagnstico.

    Ao nvel do processo de distribuio, podem ser distinguidas diversas alternativas, tais como: avenda por grosso; a venda de acordo com as necessidades especficas do paciente; a vendacombinada de produtos que se completam; e, a venda associada a um determinado servio, aquiloque na linguagem anglo-saxnica se define como modelos razor/razor blade, isto , a venda de umequipamento com componentes descartveis que vo sendo substitudos a cada procedimentomdico-cirrgico.

    Um trao distintivo desta indstria, no contexto do sector dos cuidados de sade, passa pelo factode procurar solucionar problemas que na sua maioria so episdicos, ao passo que as restantesindstrias do sector baseiam o seu negcio no carcter crnico das doenas que afectam o seupblico-alvo. Isso no significa que no existam necessidades crnicas que so identificadas etratadas com recurso a equipamentos mdicos, tal como caso dos pacemakers usados no controlo dedoenas cardacas. Contudo, boa parte dos produtos resultantes da actividade desta indstria,procura fazer face a situaes relacionadas com o diagnstico e anlise de patologias ou aintervenes cirrgicas mais ou menos permanentes ou invasivas.

    Enquanto investidores, existe um conjunto de carac- tersticas ao qual deveremos prestarparticular ateno, e que, em ltima anlise, exerce uma influncia directa nas receitas das empresasenvolvidas, bem como na cotao das suas aces. Uma vez que o pblico-alvo desta indstria menor do que o do restante sector, quer ao nvel de doentes afetados, quer ao nvel de profissionaismdicos envolvidos na actividade mais especfica de anlise, diagnstico e cirurgia, tambm aestrutura de custos destas empresas diverge em relao s restantes, em particular no que a reacomercial diz respeito. Assim, o acompanhamento da dimenso e eficcia da equipa comercial,nomeadamente da sua capacidade de converter um investimento nela efectuado em vendas efectivas,ter de fazer parte do processo de anlise.

    Um outro aspecto prende-se com o ciclo de adopo do produto. Correndo o risco de generalizar,at porque tal no sucede em 100% dos casos, existe ainda assim uma tendncia clara relacionadacom o facto de que quanto mais complexo for o produto/equipamento, maior ser o tempo de adopodo mesmo pela comunidade mdica. Existe tambm um risco evidente associado ao perodo, porvezes particularmente longo, entre o momento em que se define o alvo da venda e o momento em quevenda realmente acontece. Contudo, como muitas vezes sucede, a este risco vem associada umaoportunidade. Ora, como a curva de aprendizagem relacionada com a utilizao de alguns destesprodutos muito extensa, como por exemplo no caso dos equipamentos mdicos inovadores de alta

  • tecnologia, tambm suceder que quando a adopo (venda) do mesmo acontecer criar-se-automaticamente uma barreira concorrencial entrada. Se uma equipa mdica ou um cirurgiodespenderem tanto tempo e esforo em aprender e adaptar-se ao uso de determinado equipamento,no ser muito provvel que estejam dispostos a substituir esse produto por outro, que exigir todoum novo processo de aprendizagem. Um bom exemplo disso o caso da empresa Intuitive Surgical(ISRG).

    Fonte: YCHARTS.com

    Existem ainda outros parmetros que exercem parti-cular impacto na actividade e nos resultados

    das empresas da indstria de tecnologia mdica. Alguns destes parmetros de anlise serodiscutidos em bastante mais profundidade mais frente neste livro, mas fica desde j uma refernciaaos mesmos.

    De cariz externo a cada empresa, quando analisada individualmente, questes relativas aoambiente regulatrio e poltica de comparticipaes exercem uma determinante influncia naindstria, embora a mesma no seja to fundamental, quer em grau, quer em abrangncia, como a quese faz sentir nas restantes indstrias do sector. A poltica de comparticipaes, nomeadamente asalteraes que tem vindo a sofrer face ao ambiente poltico-econmico global, e a forma como essasalteraes influenciam a actividade das empresas do sector, sero analisadas em maior detalhe mais frente. Contudo, no que ao ambiente regulatrio diz respeito, conveniente referir um pontoespecfico indstria das tecnologias mdicas.

    O processo regulatrio de aprovao de equipamentos mdicos diverge consoante o grau decomplexidade e sofisticao do equipamento em si. No caso dos E.U.A., entidade reguladoraresponsvel pela aprovao e controlo de equipamentos mdicos a Food and Drug Administration(FDA), existindo duas variaes do modo como a FDA exerce o seu poder regulatrio. A primeiraconsiste num processo mais complicado, precisamente indicado para equipamentos mdicos maiscomplexos e vitais (por exemplo, equipamentos directamente relacionados com suporte de vida).Estes equipamentos, designados de classe III, esto sujeitos a regras mais apertadas no que anlisede segurana e eficcia diz respeito. Para tal, a empresa necessita de solicitar uma aprovao prvia entrada no mercado pre-market approval (PMA) junto da FDA. Este processo semelhante ao

  • utilizado pelas empresas farmacuticas e biotecnolgicas para aprovao dos seus frmacosiv e serabordado em total detalhe em boa parte do segundo captulo. Importa reter neste momento que oprocesso de aprovao para esta classe de equipamentos (classe III) mais complexo, demorado eoneroso.

    Para os restantes equipamentos, menos complexos e no-vitais, inseridos nas classes I e II, a FDApermite que o processo de aprovao seja marcadamente mais simples. Designados de processos510(k), estes caracterizam-se pelo facto de bastar empresa que pretende ver um novo produtoaprovado (empresa patrocinadora ou sponsor) comparar o produto com equipamentos j existentesno mercado. Se tal comparao se demonstrar igualmente segura e eficaz, estaro abertas as portaspara aprovao e comercializao do mesmo. Naturalmente, todo este processo se torna mais rpido,bem menos dispendioso e com bastante menor risco de investimento para as empresas envolvidas.Tal como foi referido anteriormente, em boa medida devido a esta alternativa processual, o riscoregulatrio associado a esta indstria, pode em muitos dos casos ser menor do que no restante sector.Estas maiores facilidades de aprovao tm um lado negativo, tornando-se evidente, que osequipamentos de classe I e II possuem um valor inferior aos equipamentos que necessitam de umprocesso aprovativo com a utilizao de PMAs. Estes ltimos, sendo mais difceis de desenvolver ecomercializar, acabam por beneficiar de uma posio competitiva mais forte quando eventualmenteso aprovados.

    Alm destes dois parmetros de anlise, o ambiente regulatrio e a poltica de comparticipaes,existem ainda outros factores que definitivamente influenciam actividade desta indstria. Um dosquais, como no podia deixar de ser, passa pelo grau de inovao, no s da indstria em si, mas detodo o sector dos cuidados mdicos. Note-se, que o fim ltimo de todas as empresas das vriasindstrias deste sector passa pela necessidade mais bsica de proporcionar sade e bem-estar.Existem vrias formas de atingir este desgnio, umas complementam-se, como o caso da anlisegentica personalizada que auxilia as indstrias farmacuticas e biotecnolgicas a tornarem os seusfrmacos mais eficazes e seguros; ao passo que outras, acabam por competir entre si de forma direta.Um bom exemplo o caso de um novo frmaco que torna mais eficaz o combate a uma determinadapatologia cardaca, acabando por evitar a necessidade de uma interveno cirrgica futura. Estecarcter preventivo e competitivo de determinados frmacos pode constituir um risco para asempresas de equipamentos mdicos, que vero a necessidade de utilizao dos seus produtosdiminuda. A competio/canibalizao intra-sectorial constitui, sem dvidas, um parmetro a ter emconta aquando da escolha de uma empresa como meio de investimento.

    Embora existam autores que defendam que o risco de operador o nico risco especfico eparticular a esta indstria, no posso contudo partilhar tal viso to redutora1. Risco de operadordefine-se como as diferenas de resultados que um mesmo equipamento mdico pode ter empacientes diferentes. Estas diferenas radicam no facto de muitos destes equipamentos necessitaremde interveno de pessoal mdico especializado. O carcter heterogneo da interveno humana noprocesso, faz com que a qualidade e eficincia de determinadas intervenes sejam dspares,consoante sejam efectuadas por pessoas mais ou menos capacitadas para o fazer. Embora no negue aexistncia deste risco, considero que tal tambm verdade nas restantes indstrias. Alis, esteproblema assume uma diferente designao nas indstrias farmacuticas e biotecnolgicas, sendoapelidado de aderncia mdica, e tem vindo a ser cada vez mais estudado em especial num contextode diminuio dos custos globais de sade. Quando um mdico prescreve um determinado frmaco e

  • o paciente acaba por no seguir a prescrio risca, gera-se um desfasamento entre os resultadosdesse mesmo medicamento no ambiente controlado de um ensaio clnico e o contexto real. Estedesfasamento, origina diferenas de eficcia, ou mesmo de segurana, que podem ter um impactofortemente negativo na utilizao de determinado frmaco.

    Uma nota final para realar o papel mais especfico de algumas empresas desta indstria, que aocontrrio das restantes, no tm como clientes dos seus produtos o doente, mas sim, as prpriasempresas do sector. Trata-se de empresas envolvidas no desenvolvimento de equipamentosutilizados pelas restantes na sua actividade operacional. Exemplo disso o caso dos microscpioselectrnicos de nova gerao, que constituem uma parte vital do processo de desenvolvimento denovos frmacos. Em regra, estas empresas so menos influenciadas por procedimentos regulatriosou por polticas de comparticipao, mas ainda assim, e devido aos elevados custos de investimentoenvolvidos na aquisio dos equipamentos que vendem, vem factores macroeconmicos, como nveldas taxas de juro, terem um papel preponderante na sua capacidade de gerar receitas. Interessantenotar que este tipo de empresas costuma ser o primeiro a beneficiar de cada nova vaga de inovao.Anos aps a bolha da internet ocorrida no incio deste sculo, comeou a falar-se cada vez mais deempresas que viam a sua actividade associada nova buzzword da moda, a Nanotecnologia. Durantealgum tempo, at que os investidores se apercebessem que sem produtos, e consequentemente semreceitas, se torna muito difcil conseguir-se avaliaes permanentemente altas, toda e qualquerempresa que ao seu nome ou actividade tivesse associado prefixo nano, via a sua capitalizaobolsista disparar. Depois de um perodo de euforia, j com muitas destas nano-empresas fora domercado (ou com avaliaes mais consentneas com a realidade dos factos), tornou-se evidente quequem realmente ganhou com a moda foi o conjunto de empresas que lhes forneciam osequipamentos. Caso para relembrar o velho adgio do tempo da corrida ao ouro, quando oinvestimento mais slido passava pelas lojas que vendiam picaretas e material de prospeco e nopelos mineiros em si.

    Futuramente, continuo a ver esta indstria como uma aposta de menor risco no sector e,curiosamente, talvez com incrementadas possibilidades de aquisies extra-sectoriais. Aminiaturizao do hardware, mesmo escala nanomtrica, bem como as cada vez maiores sinergiasexistentes entre a indstria mdica e as novas tecnologias, dever levar a que a relativo curto-prazopossamos ter acesso a equipamentos que conjuguem estas duas vertentes. Actualmente, j no considerado utpico, ou algo retirado de um filme de fico cientfica, a possibilidade demonitorizar em tempo real vrias caractersticas fisiolgicas e mecnicas do corpo humano. Estainterseco de cincias, alicerada no facto de vrios gigantes tecnolgicos estarem literalmentesentados em pilhas de dinheiro, poder levar realizao de um cada vez maior nmero deaquisies dentro da indstria das tecnologias mdicas, criando novos gigantes no sectortecnolgico. Os investidores mais atentos, alm da contnua monitorizao dos parmetrosanteriormente referidos, devero tambm ter este novo paradigma em linha de conta, aquando dassuas decises de investimento nesta indstria.

    1.2.2-SERVIOSMDICOSDESADE

    A actividade dos servios de sade caracteriza-se, na sua generalidade, pelo apoio que presta s

  • indstrias que directamente lidam com o consumidor final, isto , doente. Trata-se de uma indstriadiversificada, tanto ao nvel da sua operacionalidade, quanto no que sua dimenso diz respeito.Nela se incluem as gigantescas seguradoras que dominam um mercado composto por dezenas demilhes de pessoas, especificamente nos E.U.A. Aqui, o actual debate em torno da reforma dosistema de sade promete trazer novidades que toda indstria dever sentir.

    -AREFORMADOSISTEMADESADE

    Ao contrrio do que acontece na Europa, nos E.U.A., o sistema de sade encontra-se alicerado

    na iniciativa privada, nomeadamente atravs da existncia de planos privados de sade mais oumenos abrangentes. Ao passo que no Sistema Nacional de Sade portugus compete ao Estadogarantir a proteco social generalidade da populao ao nvel dos cuidados de sade, deixando osplanos de sade para os mais abonados, no caso americano a realidade distinta. Boa parte dapopulao tem acesso aos cuidados de sade atravs de planos, ou seguros de sade, que umconjunto de entidades seguradoras de larga escala disponibiliza. Contudo, da o uso da expressoboa parte, uma ainda importante percentagem da populao encontra -se fora do mbito e alcanceda proteco privada, estimando -se que este nmero ultrapasse as 47 milhes de pessoas2. verdade que existem programas governamentais tais como Medicare e a Medicaidv que visam fazerface a esta falha de acesso, contudo tais programas no impediram que se tenha chegado a um pontoem que uma reforma de todo sistema no constitusse uma inevitabilidade.

    Alm do objectivo primordial de expandir a cobertura e o acesso a cuidados bsicos de sade atoda populao, a reforma denominada de PPACAvi (alis, j votada e em efeito) visa aindacombater uma segunda vertente do problema a dimenso (e diminuio) da despesa. Os CMS(centros para os servios Medicare e Medicaid) estimam que em 2021 as despesas de sade, empercentagem do PIB, se cifrem em 19,6%, sendo que este nmero se encontra actualmente prximodos 18%3. Tais percentagens, que se traduzem em despesas nominais na casa dos bilies de dlares,colocam um grave problema de sustentabilidade a todo o sistema. Se parte da lgica por detrs dareforma se prende com facto de se considerar que a assistncia mdica privada mais eficiente aonvel dos meios que emprega e nos resultados que atinge (algo ainda no consubstanciado porevidncias reais), o restante intuito da lei visa tornar a parte pblica da resoluo do problematambm ela mais eficiente e menos onerosa para o contribuinte.

    No mbito da vertente privada, algumas das alteraes passam pela criao de incentivos sentidades empregadoras, de modo a que as mesmas possam cobrir as necessidades de sade dos seusempregados. Nos E.U.A. uma larga percentagem dos seguros de sade proporcionada pelosempregadores, muitas vezes inseridos no pacote global de remuneraes. Em simultneo, pretende-sealargar o acesso aos cuidados de sade, quer atravs da expanso da Medicaid, quer possibilitandoque os desempregados, ou quem no tiver qualquer tipo de cobertura, possam comprar seguros desade atravs de agncias estatais (as Health Insurance Exchanges).

    Do ponto de vista da conteno de custos pretende -se mudar o paradigma de pagamentos ecomparticipaes estatais. At agora, o Estado pagava por tratamentos mdicos ou comparticipava aaquisio de medicamentos segundo um sistema de pagamento por servio. Tal sistema levou a que

  • ao longo de dcadas se tenham criado incentivos para a prestao de um maior nmero de serviosde sade do que o efectivamente necessrio, com consequncias nefastas no que aos gastos globaisdiz respeito. O novo paradigma pretende alterar esta forma de actuar, colocando a nfase naperformance e eficincia efectivas, no s dos cuidados prestados, mas tambm no que aosmedicamentos e sua comparticipao concerne.

    A lei que regula a reforma do sistema de sade norte -americano um documento demasiadoextenso e completo para ser aqui minuciosamente explicado. O seu impacto no sector dos cuidadosde sade ser seguramente muito abrangente e, por enquanto, largamente desconhecido em todas assuas vertentes. Ao longo do prximo captulo sero identificadas e exploradas algumas das maisimportantes implicaes da PPACA, consoante se relacionem com as vrias indstrias que compemsector dos cuidados de sade.

    -ASSEGURADORAS

    As empresas de maior dimenso e capitalizao bolsista dentro da indstria dos servios de

    sade inserem -se precisamente na sub-indstria das seguradoras. Tal como anteriormente apontado,uma elevada percentagem da populao encontra-se protegida sob a forma de seguros ou planos desade, sendo estes, em larga medida, providenciados por parte de grandes seguradoras. De formasimples, a actividade destas empresas consiste em cobrar um prmio que proporciona um conjunto deservios de sade mais ou menos alargado (consoante o plano escolhido). Existem distintasmodalidades de prestao de servio, quer de forma mais direta, em que estas seguradoras recorrema pessoal mdico prprio, quer atravs de acordos externos como entidades prestadoras (mdicos,clnicas ou hospitais). As Preferred Provider Organizations (PPOs), isto , as entidades queprestam cuidados de sade de acordo com esta segunda modalidade, em regra acabam por praticartarifas inferiores, tanto para os pacientes como para as prprias seguradoras. Seja sob quemodalidade de prestao for, o objectivo final passa por receber um montante de prmios superioraos pagamentos efectuados, pagamentos esses consumados por via de comparticipaes/co-pagamentos feitos ao cliente final (paciente/doente).

    Esta actividade padece porm de alguns problemas, nomeadamente no que forma e constituioda populao segurada diz respeito. Uma das questes prende-se com as caractersticas dapopulao abrangida. Como expectvel, se um determinado plano oferecer condiesparticularmente benficas a um determinado conjunto de doentes, como por exemplo, para certosdoentes cardacos, poder correr o risco de ficar exposto a uma populao desequilibradamentedoente e mais idosa. Desta forma, a probabilidade de no receber prmios em valor suficiente parafazer face aos pagamentos em que incorre ao segurar tal populao ser mais elevada. Esta selecoadversa algo em que os especialistas em actividade actuarial trabalham de forma a evitar. Oinverso tambm verdade, encontrando-se tambm regulamentado. Elaborar um plano que acabe porficar constitudo por uma populao mais jovem e eminentemente saudvel certamente um sonho dequalquer seguradora, no entanto existem leis que o limitam.

    Outra das situaes que sucede e que a reforma do sistema de sade pretende mitigar, passa pelaexistncia de moral hazard, uma espcie de risco moral. Isto sucede devido ao anteriormentereferido paradigma de pagamento por servio. Actualmente, como boa parte da populao se

  • encontra debaixo da alada, seja de um seguro privado, seja de apoios pblicos, tanto da Medicare,como da Medicaid ou de outras modalidades de apoio governamental mais especficas (ex-combatentes); no existe a noo concreta por parte dos doentes, e mesmo das entidades prestadoras(mdicos e hospitais), dos reais custos de determinado tratamento. Assim, esta percepo enviesadada realidade faz com que acabem por ser utilizados e/ou solicitados cuidados mdicos que, emalguns casos, no seriam de todo necessrios. Um exame adicional ou o recurso a frmacos maisdispendiosos, mas que por si s no trazem valor clnico acrescido, acaba por originar despesasglobais de sade superiores. A PPACA visa corrigir estas situaes, por exemplo atravs de umareestruturao da poltica de comparticipaes da Medicare, tornando-as mais vocacionadas paratratamentos mais eficientes e chegando mesmo a penalizar os mais dispendiosos e os menosefectivos.

    Na verdade, o mercado de seguros de sade comeou j a sentir algumas destas alteraes,nomeadamente desde que a lei entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2014. Entre as quais se destaca aobrigatoriedade de garantir cobertura a todas as pessoas, independentemente das suas condies desade; a implementao de novas taxas e tarifas (incluindo tarifas anuais a serem pagas pelascompanhias de seguros); a criao das j referidas health insurance exchanges (possibilitando umamaior concorrncia); bem como a substancial expanso da populao elegvel para apoio daMedicaid. No esforo de conteno de custos tambm se prevem redues dos nveis decomparticipaes dos planos que oferecem seguros inseridos na Medicare.

    Todo este conjunto de medidas, entre outras, est j a influenciar a actividade destas empresas,constituindo certamente factores a ter em conta por parte dos investidores no momento de anlise indstria.

    Existem ainda assim oportunidades, de entre as quais a mais evidente passa pelo intuito dolegislador em ter uma maior percentagem da populao abrangida por seguros de sade. Contudo,est para se ver que percentagem desta populao no-segurada conseguir a sub-indstriaseguradora conquistar. Todavia, com uma populao alvo prxima das 50 milhes de pessoas, porcerto as empresas mais eficientes da conseguiro retirar os devidos dividendos.

    No momento de analisar uma empresa desta sub -indstria, compete ao investidor estar atento etentar perceber qual evoluo da composio da carteira de seguros, que populao tem, quecapacidade tem tido a empresa em reter os membros segurados, ou ainda, analisar de que forma seorganiza a sua estrutura de custos, tentando prever a sua capacidade de resposta aos desafiosanteriormente assinalados.

    1.2.3-TECNOLOGIASDEINFORMAOMDICA

    De importncia crescente no contexto do sector dos cuidados de sade, a indstria das

    tecnologias da informao (TIs) relacionadas com os servios de sade, constituda por umconjunto de empresas que tm como principais clientes os hospitais, clnicas e mdicos, bem comooutras empresas das indstrias farmacuticas e biotecnolgicas, e, em ltima instncia, o prpriodoente.

    Os produtos e servios disponibilizados por esta indstria divergem entre si de acordo com um

  • tipo de cliente alvo: desde software de gesto de registos clnicos, mais vocacionado para a rea doshospitais e clnicas; at prestao de servios de consultoria e pesquisa de mercado, no caso dasfarmacuticas e biotecnolgicas; passando pela criao de portais de internet de carcter informativovisando o utilizador privado. Regra geral, os servios so prestados sob a forma de subscriesplurianuais (por norma 3 anos), o que acaba por conferir a estas empresas um fluxo de receitasrecorrente, permitindo-lhes uma maior estabilidade financeira. Usualmente, estas empresasapresentam resultados positivos, com crescimento de recei- tas moderado e margens operacionaissaudveis, apesar da crescente competio.

    Ao longo da ltima dcada, a importncia e dimenso desta indstria tem vindo adquirir um novoestatuto, e se h 15 anos o panorama reflectia uma realidade pulverizada, com muitas empresas depequena dimenso a lutar por um mercado tambm de dimenso reduzida, hoje em dia, a realidade substancialmente diferente. A integrao das TIs na prtica da medicina mais do que umatendncia nos dias de hoje. Estas novas tecnologias so consideradas como um instrumento vital naconcretizao dos pilares tidos como essenciais reforma do sistema de sade, em especial no ques vertentes de controlo de custos e melhoria da qualidade diz respeito.

    Em 2009, foi aprovada uma lei nos Estados Unidos denominada de HITECH (Health InformationTechnology for Economic and Clinical Health Act ) que pretendeu proporcionar incentivosfinanceiros para que houvesse uma crescente adopo das tecnologias de informao no quotidianodos principais prestadores de cuidados de sade, nomeadamente atravs da utilizao de tecnologiasque permitam o registo eletrnico dos dados de sade (EHRs electronic health records ). Estesregistos so, na sua essncia, repositrios de informao relativa ao historial clnico de cadapaciente, num formato passvel de ser processado atravs de meios informticos. Todavia, no sepense que se trata de uma mera transformao de registos fsicos em registos electrnicos, pois ointeressante desta tecnologia a maior eficincia e qualidade de anlise que permite. Alm depossibilitar que os mdicos tenham um acesso mais rpido e completo informao de determinadopaciente, reduzindo--se a probabilidade de erros mdicos ou mesmo a solicitao de examesdesnecessrios (menores custos), possibilitar tambm uma diminuio da assimetria de informao,dando um acrescido poder e informao ao paciente acerca da sua condio clnica. Estima-se queos incentivos para a adopo dos EHRs por parte de prestadores de cuidados de sade, no mbitodo programa de incentivos associado Medicaid e Medicare, se possam cifrar nos 27 mil milhes dedlares4. Como natural, o conjunto de empresas que opera nesta indstria tudo ter a beneficiarcom esta crescente tendncia de integrao, ainda para mais sabendo-se que esta poltica deincentivos ser transformada numa poltica impositiva. A partir de 2015 passaro a existirpenalizaes para as entidades que no utilizem estas tecnologias e que no usem da formasignificativavii os sistemas de EHR. Em 2011 estimava-se que apenas 30% dos mdicos estivessema utilizar estes sistemas5, da que se espera uma expanso significativa da adopo dos mesmos, nos de modo a conseguir-se melhorias de qualidade e custos menores, mas tambm de forma a impediras referidas penalizaes.

    Outra tendncia que dever beneficiar as empresas que operam nesta rea passa pela mudana deum sistema de comparticipaes baseado em volume, onde se paga por servio prestado, para umsistema de pagamentos associados performance ou aos resultados efectivamente atingidos. Talalterao de paradigma implica a utilizao de ferramentas tecnolgicas que permitam melhordefinir, e, em ltima anlise, validar, o que dever ser considerado como uma boa prtica mdica ou

  • como um tratamento mais eficaz. Num contexto de reduo de custos pretende-se que aos melhorestratamentos, quer tem termos de eficcia clnica, quer no que eficincia financeira diz respeito,possam estar associadas comparticipaes mais elevadas. Ao invs, os tratamentos consideradoscomo sendo mais caros e ineficientes vero os seus nveis de comparticipao reduzidos ou mesmoanulados.

    -RISCOS

    Numa actividade onde a propriedade intelectual um activo to importante, tudo o que envolva a

    sua apropriao indevida, a cpia no solicitada ou possveis acusaes de uso inapropriado,constitui um factor de risco inerente ao funcionamento destas empresas. Alm disso, a concorrncia feroz e diversificada. Tal sucede pois esta no provem apenas de concorrentes directos, inseridos namesma indstria, mas tambm de grandes tecnolgicas que h j algum tempo olham para estaindstria e para as oportunidades nela existentes como forma de aumentar o seu mercado.

    Por outro lado, graas consolidao crescente que se tem vindo a assistir ao nvel das entidadesprestadoras de cuidados de sade, o poder negocial das mesmas tem tambm aumentado, acabandopor erodir as margens das empresas de TI.

    Pesando todos os prs e os contras, acredito que esta indstria continuar a ser um alvopreferencial para os investidores, podendo mesmo algumas das suas empresas, nomeadamente asmais inovadoras, ser objecto de futuras aquisies por parte dos mais importantes players, quer dosector, quer de sectores prximos, tal como o tecnolgico.

    1.2.4-DISTRIBUIOFARMACUTICAEPBMS

    Historicamente considerada como um porto de abrigo no que a investimentos no sector diz

    respeito, a indstria da distribuio farmacutica encontra-se numa fase de rpida mutao.Alteraes da pirmide demogrfica, nomeadamente com um forte incremento da populao commais de 65 anos, oferecem hoje oportunidades de expanso de mercado que estas empresas notinham h uns anos atrs. A gerao do ps-guerra nos Estados Unidos, conhecidos pelos babyboomers, est neste momento a entrar na idade da reforma, altura em que as necessidades decuidados de sade geralmente aumentam. Ao mesmo tempo que ocorre esta alterao de mercado,sucede tambm, em especial devido ao acesso a novos meios de informao (internet), umadiminuio das assimetrias de informao previamente existentes. Se antigamente apenas os mdicospossuam informao acerca do estado de sade dos doentes e sobre os meios de como os tratar,actualmente, com o acesso generalizado informao, tambm o doente se comea a colocar nomesmo patamar. Tanto a introduo de sistemas de EHR, onde mais facilmente o doente consegueanalisar a evoluo da sua condio clnica, como tambm o acesso a portais de internetespecializados, acabaram por permitir uma passagem do poder de deciso das mos dos hospitais,clnicas e mdicos, para esfera de influncia do doente. Fica alis bem evidente neste caso a

  • interligao de efeitos entre as actividades de indstrias diferentes inseridas no mesmo sector, como o caso das tecnologias de informao mdica e a distribuio farmacutica. Esta tendncia deacrescido consumismo dever ser encarada como uma oportunidade por parte da indstria, facto quetem gerado interesse por concorrentes das indstrias adjacentes.

    Tradicionalmente, a indstria da distribuio tem-se dividido em duas categorias: asdistribuidoras tradicionais, com uma presena fsica no mercado, atravs de lojas e armazns; e,mais recentemente, pelo aparecimento das PBMs (Pharmacy Benefit Managers). Estas entidadesencontram-se a meio caminho entre as grandes distribuidoras e as seguradoras. Por um lado,competem com outras distribuidoras no sentido em que tambm elas distribuem produtosfarmacuticos. Fazem-no, certo, de forma diferente, nomeadamente atravs do recurso a meiospostais e com base nas novas tecnologias. Contudo a sua actividade no se esgota na simplesdistribuio farmacutica, prestando tambm um servio de gesto de opes teraputicas para osseus clientes.

    O modo como obtm as suas receitas passa por conseguirem descontos ao nvel da factura finalde despesas farmacuticas, internalizando parte desses descontos como receitas. A introduo nomercado de produtos genricos, e mais recentemente dos biossimilaresviii, tem ajudado prossecuo desse duplo objectivo de acesso a maiores descontos, e consequentemente, de geraode mais receitas. Actualmente, as PBMs inserem-se no grupo dos maiores defensores da difuso douso de genricos, algo que alis faz todo o sentido segundo o seu prprio modelo de negcio.

    Ao longo dos prximos anos prev-se que as modificaes nesta indstria permaneam, e que, emalguns casos, se intensifiquem. A cada dia que passa, fruto das oportunidades referidas, a linha quesepara empresas de distribuio, PBMs e outras empresas do sector, tais como as seguradoras, temvindo a tornar-se cada vez mais tnue. A consolidao no sector uma evidncia do quotidiano,veja-se o caso da aquisio da Medco Health Solutions por parte da Express Scripts (ESI), uma dasmaiores PBMs dos E.U.A.

    Alm da intensa competio, que advm tambm do facto de se tornar relativamente mais fcilingressar na indstria devido s baixas barreiras entrada, devero tambm os investidores manter-se atentos ao impacto da reforma do sistema de sade no negcio deste tipo de empresas. Ainda quede forma indirecta, quaisquer alteraes da poltica de comparticipaes devero influir no preodos frmacos, impactando a cadeia de valor de todo sector, e afectando, quer a jusante, quer amontante, os principais clientes e fornecedores das empresas de distribuio. A sua capacidade deobter descontos poder ser assim diminuda, implicando importantes consequncias no que geraode futuras receitas concerne.

    1.2.5-ASRESTANTESINDSTRIAS

    As sub-indstrias que compem o remanescente da indstria dos servios de sade, embora

    constituam pedras basilares de todo sistema, so do ponto de vista dos investidores opes menosatractivas de investimento.

    Podem-se aqui incluir as empresas responsveis por diagnsticos e pesquisas laboratoriais,instituies de apoio a idosos, empresas envolvidas na gesto de detritos clnicos, e, como

  • evidente, as prprias clnicas e hospitais, tenham eles como fim o lucro ou no. Regra geral, todasestas empresas tm em comum pequenas capitalizaes bolsistas (em relao ao restante sector) euma expanso geogrfica mais ou menos circunscrita, que acaba tambm por colocar algumaslimitaes aos investidores que procuram alguma dimenso nos seus investimentos. Segundo umestudo do CMS, mais facilmente visvel no grfico seguinte, o tratamento hospitalar representa maisde 30% do total dos gastos anuais de sade, sendo que se a estes adicionarmos os gastos relativosaos servios mdicos e clnicos, rapidamente se percebe que cerca de metade dos gastos anuais comsade nos Estados Unidos provm destas trs reas. interessante notar que, ao contrrio do quemuitas vezes se pensa, os gastos anuais com frmacos (com prescrio mdica) representem apenasuma fatia diminuta do total, cerca de 10%.

    Fonte: CMS; PhRMA

    Num contexto de reforma, onde um dos objectivos bsicos da mesma, passa pela reduo de

    custos, ser uma inevitabilidade que estas sub-indstrias sejam das mais afectadas. A razo pordetrs de to elevado peso relativo na estrutura global de gastos de sade, advm do facto de estassub-indstrias, nomeadamente os hospitais, se situarem no fim da linha de toda a cadeia de valor dosector. Todos os diagnsticos falhados, todos os frmacos utilizados de forma desajustada, ou nosuficientemente efectiva, e toda a carncia de medicina preventiva, acaba inevitavelmente porredundar em estadias e tratamentos mais prolongados em instituies hospitalares, ou mesmo emintervenes cirrgicas comparativamente mais dispendiosas.

    A PPACA prev um conjunto de medidas que visa mitigar o peso destes custos e evitar que sechegue fase em que a interveno cirrgica seja o nico recurso, nomeadamente atravs daintroduo dos j mencionados sistemas EHR, para que se possa aumentar a eficincia e,desejavelmente, diminuir os erros mdicos/hospitalares. Pretende-se tambm incentivar os hospitaiscom melhores resultados no tratamento de doenas cardacas e preveno de infeces hospitalares,ao passo que se penaliza, atravs das redues das comparticipaes da Medicare, as unidadeshospitalares com piores resultados. Estas medidas tm como consequncia uma limpeza destasub-indstria, prevendo--se uma crescente consolidao, em que as mais pequenas unidadeshospitalares, sem fins lucrativos, acabaro por ser adquiridas pelas mais versteis e eficientescadeias hospitalares com fins lucrativos6.

    Embora este conjunto de medidas, entre outras, deva causar uma diminuio de margens e,

  • consequentemente, tornar a indstria menos atractiva para os investidores, no deixam de existirfactores que podero de alguma forma equilibrar este cenrio. Em particular o objectivo de alargar oacesso a cuidados de sade a um conjunto ainda importante de populao no-segurada, deverpermitir que se abram oportunidades de mercado para estas instituies. Quase de forma simultnea,continua a assistir-se a um incremento do nmero de pessoas que chega a idade da reforma, os jreferidos baby boomers. Populaes mais idosas necessitaro de cuidados mdicos mais frequentes,o que aliado a uma esperana mdia de vida em constante expanso, implicar que a necessidade detais cuidados se possa alargar por um maior perodo de tempo. A crescente onda de fuses eaquisies surge como resposta, no s s novas exigncias regulatrias, como tambm a estas novasoportunidades.

    1.2.6-INDSTRIAFARMACUTICA

    De um modo geral, as maiores e mais antigas empresas de todo sector podem ser encontradas no

    seio da indstria farmacutica. A heterogeneidade, o risco e a oportunidade caracterizam-na, emboratodos estes itens se encontrem em constante mutao, influenciando-se mutuamente e tornando aindstria farmacutica, a par da indstria biotecnolgica, um local particularmente interessanteenquanto destino de investimento.

    Ao longo de centenas de anos, com referncias que remontam Grcia antiga, a farmacologia,enquanto ramo mais bsico do que mais tarde redundaria na actual indstria farmacutica, erapraticada de uma forma amadora e casustica. Cada pequena farmcia ou laboratrio (na sua forma eessncia mais bsica) constituam o local onde se poderia ter acesso a alguma forma de tratamentofarmacolgico. A farmacologia, que na poca no poderia ser entendida como uma cincia, mascomo uma prtica que estudava as alteraes produzidas em animais vivos por substncias qumicas(excepto alimentos), baseava -se em boa parte em magia, supersties, religio ou em mera tentativae erro7. E assim permaneceu, durante vrios sculos, at meados do sculo XIX. S a partir destaaltura que a utilizao estruturada do termo farmacologia pode ser aplicada, poca em que aqumica j tinha evoludo ao ponto de permitir o isolamento de algumas substncias, tais como, porexemplo, a atrofina, a morfina e a quinina. Neste contexto, a indstria qumica alem, nomeadamentea indstria de corantes, teve um papel fundamental, permitindo atravs da sua actividade e pesquisa asintetizao de variados compostos, eventualmente dando origem no s ao primeiro laboratriofarmacolgico com caractersticas cientficas, bem como tambm a um conjunto de produtoresfarmacuticos. Se numa fase inicial esta actividade se circunscrevia a algumas regies da Alemanhae Sua, a melhoria que se fazia sentir ao nvel dos sistemas de transporte tornou possvel a expansoda actividade farmacutica a outros pontos da Europa. Esta expanso, ao invs de ocorrer de formaatomizada, passou a ser feita tendo por base a uniformidade dos produtos farmacuticos quepoderiam agora ser vendidos em vrios mercados diferentes, mantendo as suas caractersticasinalteradas. Empresas como Bayer, na Alemanha, e a Burroughs Wellcome & Company, emInglaterra8, entre outras, permitiram que se pudesse associar o conceito de marca a um produtofarmacutico, dando-se assim incio a uma nova era de interseco entre cincia e marketing. Nestesentido, o conceito de representante foi criado no final do sculo XIX pela Burroughs Wellcome &

  • Company, em que pessoas pertencentes empresa eram pagas para promover os produtosfarmacuticos por ela concebidos, algo que analisado em retrospectiva, no difere assim tanto do quehoje sucede.

    Fonte: Wellcome Library, Londres

    A primeira metade do sculo XX marcou o incio da era da verdadeira indstria farmacutica.

    Um nmero crescente de empresas foi surgindo e a concorrncia entre elas agudizou-se. Embora sejacomum pensar-se que o perodo entre guerras no trouxe grande evoluo indstria, tal noconstitui uma viso verdadeira da realidade9. De facto, foi nesta poca que algumas das descobertasmais importantes ocorreram, nomeadamente a insulina, as vitaminas e a penicilina, que acabariampor fundar as bases da moderna farmacologia. A par destas descobertas, tambm os mtodosfarmacolgicos evoluram, atingindo-se novos padres ao nvel da pureza e padronizao doscompostos qumicos.

    A indstria continuou a expandir-se rapidamente no perodo ps-guerra, sendo que os anos 60notabilizaram -se por alguns acontecimentos que acabaram por marcar, de forma determinante, oactual ambiente cientfico -econmico das indstrias e do sector. A FDA aumentou a regulao nosector, numa tentativa de controlar as ligaes entre as companhias farmacuticas e os mdicos queprescreviam os seus produtos. Em meados da dcada de 60 sucedeu o escndalo associado utilizao da talidomida, em que o uso de um novo tranquilizante em mulheres grvidas originou onascimento de um considervel nmero de bebs com graves deficincias. No decorrer destesacontecimentos, passou a exigir-se que as companhias farmacuticas provassem no s a eficcia dosprodutos que pretendiam comercializar, como tambm a segurana em torno da utilizao dosmesmos. O advento massificado dos ensaios clnicos teve ento incio.

    Maior interesse passou tambm a ser prestado a ques- tes como a forma como os produtosfarmacuticos eram apresentados e publicitados. Iniciava-se uma poca em que a regulamentaoconstitua um factor primordial a ter em conta no quotidiano do sector. Este factor hoje em diaainda mais importante do que o era na poca.

  • As dcadas finais do ltimo sculo caracterizaram-se por transformaes constantes no negciofarmacutico. Os anos 80 consistiram numa poca de fortssimo crescimento da indstria, onde aselevadas margens de lucro, associadas a uma competio ainda relativamente exgua, pautavam odia-a-dia das empresas. A mdia das margens de lucro das empresas farmacuticas pertencentes aoS&P 500 era cerca do dobro da mdia das restantes empresas do mesmo ndice10. Barreiras entradaextremamente elevadas permitiam, e justificavam, tais margens. Os custos de I&D de um frmacotornaram-se substanciais, tanto ao nvel do capital necessrio, como tambm devido ao tempodespendido. Alm disso, os riscos associados a todo processo, nomeadamente investir-se centenasde milhes de dlares no desenvolvimento de um frmaco para se ver a entidade reguladora recusara aprovao do mesmo, faziam (e fazem) com que muitas empresas no se aventurem neste espao.

    Todo este poder de mercado alicerava-se ainda no fraco poder de negociao que osfornecedores de matrias -primas tinham, uma vez que existiam bastantes empresas a competir porum grupo restrito de clientes. Alm do mais, a assimetria de informao existente na relaodoente/mdico era poca enorme. No fundo, quem no gostaria de fazer parte de uma indstria emque o cliente estivesse apenas parcialmente informado sobre produto e fosse razoavelmenteinsensvel ao preo do mesmo?

    Todos estes factores redundavam numa competio escassa, em que as empresas, at pelo factode terem margens e lucros assinalveis, acabavam por no se sentir aliciadas a competir por novosmercados. A fragmentao de mercado era a regra, com empresas a focarem-se em nichos demercado, tais como as patologias cardiovasculares ou as doenas associadas ao sistema nervosocentral. Perante tal cenrio, a poltica de preos estava nas mos dos participantes da indstria,sendo que os restantes agentes, particularmente os Estados e os doentes, acabavam por estar suamerc. Como seria espectvel este status quo no poderia permanecer por muito tempo e, tanto omercado, como as entidades reguladoras, reagiram.

    No que ao mercado diz respeito, confrontados por uma indstria to apetecvel, novos players

    entraram em aco. Cientistas e a comunidade de capital de risco passaram a prestar particularateno indstria, surgindo ento as primeiras empresas de carcter biotecnolgico, com novosprocessos que se revelaram um sucesso, no s cientfico como tambm comercial.

    A indstria dos servios de sade comeou tambm a ganhar um papel mais importante nocontexto de todo o sector, exercendo uma crescente influncia directa na forma como os frmacospassaram a ser prescritos e afectando indirectamente a poltica de preos das farmacuticas.

    Por esta altura, j as entidades reguladoras tinham agido, nomeadamente atravs aplicao denova legislao que visou facilitar o acesso de medicamentos genricos ao mercadoix, reduzindo asbarreiras entrada no mesmo. O sucesso dos genricos foi facilitado pela utilizao dos formulriosmdicos por parte das Health Maintenance Organizations (HMOs)x. Estes formulrios consistemem listagens de medicamentos onde so comparados os seus custos e benefcios. Se determinadofrmaco no for aprovado pela HMO, os mdicos que a ela estiverem associados no poderoprescrever esses mesmos frmacos. Naturalmente, que tendo estas entidades fins lucrativos, acabampor dar primazia aos medicamentos genricos, que apresentam nveis de eficcia idnticos aosmedicamentos de marca, por uma fraco do seu custo.

    J mais prximo do final do sculo, o advento das tecnologias de informao, em especial a

  • enorme facilidade de acesso informao que a internet permitiu, deu origem a que ainda outro dosanteriormente considerados factores de atractividade da indstria se esbatesse. A assimetria deinformao diminuiu, a sociedade tornou-se mais conhecedora, quer das diversas patologiasexistentes, quer dos tratamentos disponveis, dando ao consumidor um maior poder ao nvel das suasescolhas e contribuindo para uma acrescida presso de descida dos preos dos frmacos11.

    A indstria transformou-se assim num espao de maior competio, com margens menores, ondeas principais empresas tiveram de alargar o leque de produtos oferecidos, no podendo maispermanecer agarradas a um determinado nicho de mercado. A presso para procurar novosmercados, no s atravs do crescimento orgnico baseado em cada vez mais I&D, como tambmatravs de fuses e aquisies, tornou-se ento o novo paradigma vigente.

    1.2.7INDSTRIABIOTECNOLGICA

    Quando h 60 anos, James Watson e Francis Crick fizeram a revolucionria descoberta da

    estrutura do ADN, por certo no tinham a completa percepo do quo influente esta se tornaria. Nos esta descoberta marcou a gnese de uma nova disciplina cientfica, como tambm se veio ademonstrar que a amplitude do seu impacto se estendeu alm do que originalmente se antevia. Hojeem dia, para l da fortssima influncia que a Biotecnologia tem na forma como se combatem as maisdiversas doenas, tambm a comida que nos alimenta, os bens que produzimos, e at, a energia quemove a sociedade moderna, so por ela influenciadas. certo que o domnio deste livro secircunscreve rea dos cuidados de sade, contudo, no contexto do actual mundo globalizado, no sna forma como nos movemos, comunicamos e nos relacionamos, mas tambm no que cincia dizrespeito, tornou-se evidente o carcter aglutinador da biotecnologia. Trata-se de uma cincia quesintetiza um conjunto de disciplinas das quais a biologia, a qumica, a farmacologia e a engenhariagentica so apenas alguns exemplos.

    Os avanos cientficos alcanados nos anos 70, nomeadamente atravs da utilizao da tcnica doADN recombinante e a descoberta dos anticorpos monoclonais, esto na base da grande maioria dasactuais aplicaes biotecnolgicas. A primeira sucedeu atravs da extraco de ADN de uma r quefoi posteriormente inserido numa bactria. medida que as bactrias se reproduziam, cada novabactria produzia uma protena onde o cdigo gentico original da r se encontrava. Esta tcnica,ento apelidada de recombinao de ADN, um mtodo ainda hoje utilizado para a produo deprotenas. A insulina humana foi um dos primeiros exemplos.

    Quanto aos anticorpos monoclonais, estes foram obtidos atravs da fuso entre clulas produtorasde anticorpos e clulas cancergenas. A combinao da resultante (hibridoma), consegue produzirquantidades elevadas de anticorpos idnticos, basicamente fazendo-o de forma ilimitada. A primeirainiciativa de mbito comercial proveniente destas descobertas consubstanciou-se na criao em 1976da empresa Genentech, que iniciou a sua cotao em bolsa em Outubro de 1980.

    Alm da insulina humana, a utilizao de hormonas humanas de crescimento e a emergncia dointerfero enquanto forte possibilidade de cura de doenas cancergenas, ajudaram a aumentar oentusiasmo e o investimento em torno da indstria biotecnolgica. O alastramento do VIHxi nos anos80 potenciou tambm a investigao na rea, nomeadamente no que ao mercado dos testes dediagnstico dizia respeito.

    A dcada de 90 ficou intimamente ligada corrida pelo sequenciamento do genoma humano. Esta

  • meta era vista como o santo graal de toda a indstria, sendo muitas vezes percepcionada como apanaceia que viria resolver todos os problemas. No obstante o facto de muitas das descobertasdesta disciplina no se conseguirem traduzir, pelo menos no imediato, em produtos (frmacos) de usoprtico, assistiu -se ainda assim a uma euforia por parte da comunidade de investidores. O foco dosmdia recaiu sobre a indstria, o que a par do acrescido interesse dos investidores, levou a quemuitas empresas vissem as suas avaliaes subir exponencialmente. A biotecnologia parecia poderfinalmente alterar o paradigma vigente. At ento, apenas as maiores e mais tradicionais companhiasfarmacuticas obtinham os maiores benefcios, prevendo-se que a nova realidade permitisseredistribuir a riqueza ao longo da cadeia de valor, para as pequenas empresas que actuavam naindstria biotecnolgica12.

    Contudo, a realidade no era to linear, e chegado o fatdico ano 2000 (momento em que a bolhatecnolgica implodiu), tambm a indstria biotecnolgica sofreu a sua prpria imploso. Osinvestidores comearam ento a aperceber-se que o cu no era o limite e que, por detrs do seuenorme potencial, escondiam-se tambm importantes obstculos e riscos.

    Desde ento a indstria tem-se readaptado, continuando a crescer em importncia, em volume de

    investimentos e em nmero de produtos comercializados, sendo cada vez mais encarada como umadisciplina em fuso com a restante farmacologia mais tradicional. Esta , no entanto, uma matriacontroversa, dado que alguns autores no concordam com a mistura de conceitos, de prticas emodelos de negcio que ultimamente tem sido advogada. Um dos poucos autores que pretendedesmistificar algumas ideias tidas como certezas Ronald Rader, que num artigo publicado em 2008na revista Nature Biotechnology, procura esclarecer acerca de um conjunto de erros de definioactualmente de uso generalizado13. Segundo este autor, existe uma guerra de lobbies na indstria deforma a co-adoptar, ou expandir, o conceito de biofarmacutica, mais por questes de imagem, doque propriamente por motivaes tcnicas ou cientficas. Tal se deve em parte devido imagemmenos boa que a indstria farmacutica tem, nomeadamente as grandes empresas. Os escndalosrecentes, os produtos retirados do mercado por motivos de segurana e as prcticas comerciais nocompletamente transparentes, fizeram com que a opinio pblica ficasse de p atrs em relao indstria. Assim, os grandes players do mercado procuram por vezes utilizar expressobiofarmacutica, em especial prefixo bio, como forma de colocar a sua indstria ou empresaentre as mais inovadoras, distanciando-se assim das conotaes mais polmicas associadas indstria farmacutica tradicional. Por norma, a justificao oficial que dada avana que a recenteonda de fuses e aquisies (entre grandes farmacuticas e as mais pequenas biotecnolgicas)acabou por transformar a indstria, tornando-a na grande indstria biofarmacutica. Rader consideraque esta fuso um mito, no sendo as tcnicas de produo, o tipo de I&D ou os departamentos derelaes pblicas que definem uma indstria, mas sim a natureza do produto final. O autor deixacontudo uma porta aberta para utilizao do termo na sua essncia mais generalizada (isto , sendoconsideradas como biofarmacuticas as empresas de toda indstria, seja elas farmacuticastradicionais ou biotecnolgicas) no caso das anlises econmico-financeiras de empresasindividuais.

    Ora, precisamente por essa porta que este li-vro procura entrar, ficando associado aoconceito de biofarmacutica, e de indstria biofarmacutica, no seu aspecto mais lato e abrangente.Enquanto livro dirigido ao mercado de investidores, no pareceria vital o foco em distines tcnico

  • -cientficas, que embora sejam absolutamente relevantes no contexto cientfico em obras dessecarcter, pouco trazem de fundamental discusso financeira aqui pretendida. Devo contudoressalvar que a distino de conceitos no ser de todo esquecida, em especial quando tal distinofizer sentido, como sucede em determinados aspectos regulatrios.

    Na sua essncia uma empresa biotecnolgica visa a produo de frmacos com origem numafonte biolgica ou orgnica, ao passo que a farmacutica tradicional o faz atravs da sintetizao desubstncias qumicas. Enquanto os frmacos tradicionais so compostos por molculas pequenas, osbiotecnolgicos (ou biolgicos) compem-se por grandes molculas. Os frmacos derivados deprocessos qumicos sintticos so compostos por estruturas mais simples e com um menor nmero detomos, sendo mais facilmente representados e podendo ser produzidos de uma forma maisconsistente, utilizando processos relativamente padronizados. Por outro lado, os frmacos de origembiolgica so estruturalmente mais complexos, tendo uma representao atmica menos linear. A suaproduo no pode ser padronizada com igual facilidade, sendo que um mesmo frmaco, produzidopor empresas diferentes, pode ter nveis de eficcia e segurana dspares. Talvez isso tenhadificultado que durante muito tempo se pudesse chegar a um consenso acerca da existncia debiossimilares, o equivalente (no caso dos biolgicos) aos medicamentos genricos.

    Processo de produo de um frmacousando tecnologia recombinante

    Fonte: BIO.org

    Alm da relevncia cientfica destas diferenas, o facto que na prctica isto tem um importante

    impacto na forma como estes frmacos so produzidos e como actuam no organismo. Um bomexemplo que distingue estes dois tipos de frmacos reside na forma como se processa a absorometablica dos mesmos. A composio qumica e o tamanho dos produtos provenientes de molculasgrandes implicam que, de uma forma geral, estes no possam ser absorvidos na corrente sanguneaatravs do trato gastrointestinal. Algo que sucede, por exemplo, com os comprimidos originrios depequenas molculas. Assim, de forma de garantir a sua eficcia, este tipo de frmacos tem de serinjectado ou infundido no corpo, algo que implica que na maioria das vezes seja necessria ainterveno de um profissional de sade em instalaes mdicas especializadas.

    Todos estes parmetros devem ser levados em linha de conta por parte dos investidores, poisiro influenciar, entre outras coisas, o custo final de produo e desenvolvimento dos frmacos, e,em ltima anlise, os preos de venda e as cada vez mais importantes polticas de comparticipaes.

    1.3-IMPACTOSCIO-ECONMICO

  • 917 mil milhes de dlares era o valor estimado em 2011, s nos Estados Unidos, como sendo o

    impacto econmico global da indstria biofarmacutica. S a escala do mesmo seria suficiente paraevidenciar importncia que a indstria adquiriu nos ltimos anos. Alm do mais, apenas nos EstadosUnidos se estima que quase 4 milhes de pessoas trabalhem, directa ou indirectamente, na indstria14.Em parte devido a estes empregos, na sua maioria bastante bem pagos, bem como cadeia de valorassociada indstria, com interdependncias extensas, considera-se que a indstria biofarmacuticatem um efeito multiplicador significativo na restante economia. Num estudo de 2009, estimou-se queesse efeito se situaria em torno do valor de 2,4, significando isto que por cada dlar de output/vendasgerado pela indstria, outros 1,4 dlares adicionais eram gerados na restante economia15. Esteimpacto cerca de 50% superior quando comparado, por exemplo, com um evento de carcteridntico ao nvel dos gastos gerais de consumo.

    Contudo, to ou mais importante do que estes valores, interessa perceber a importncia relativaque a indstria biofarmacutica tem no tecido scio-econmico das sociedades modernas. Umaindstria que tem como propsito a criao de bens servios que visam no s a melhoria, mas emmuitos casos, o salvamento de vidas humanas, tem necessariamente que se caracterizar por umafortssima componente de inovao, alicerada em elevados nveis de I&D. Apenas com um enormeesforo tcnico, cientfico e financeiro, perante obstculos to desafiadores, como o conjuntoheterogneo de doenas do foro oncolgico, cardiovascular, patologias associadas actual epidemiade diabetes, ou as ainda largamente desconhecidas doenas neurodegenerativas (Alzheimer,Parkinson), que se poderiam atingir as vitrias que tm sido alcanadas, em especial na ltimadcada.

    Uma nota do Departamento Oramental do Congresso Norte Americano defendia mesmo que, emcomparao com o seu volume de vendas, a indstria farmacutica investe cerca de cinco vezes maisem I&D do que a mdia das restantes indstrias nos E.U.A16. O mesmo sucede na Unio Europeia,onde a indstria apresenta a maior intensidade de I&D em comparao s restantes indstrias.

  • Fonte: EFPIA.eu

    A tendncia para que o peso relativo destes custos (investimentos) se eleve na estrutura geral de

    custos da indstria. Por um lado, as empresas focalizam cada vez mais os seus esforos na pesquisade tratamentos para patologias mais complexas, que inevitavelmente acabam por ter associadas taxasde sucesso inferiores. As doenas no mbito do sistema nervoso central so disso um exemplo. Aacrescer a isto esto factores regulatrios, em que as entidades decisrias (FDA, EMA, etc) exigemcada vez mais ao nvel do processo de desenvolvimento de um frmaco. Isto especialmente notriono que aos ensaios clnicos diz respeito.

    Importa assim deixar claro que a I&D desempenha um papel primordial nesta indstria e que estase destaca dos restantes sectores enquanto plo aglutinador de inovao, cincia e investimentofinanceiro. O significado que tudo isto tem a nvel comercial tambm de relevar. Entre 2005 e 2010os Estados Unidos exportaram mais de 232 mil milhes de dlares em produtos biofarmacuticos, oque correspondeu a uma taxa de crescimento global superior 60%17. Como termo de comparao, sno ano de 2010 esse valor cifrou -se nos 46,7 mil milhes de dlares, ultrapassando o volume deexportaes das indstrias automvel, telecomunicaes e computadores.

    Na Europa, o peso desta indstria assume propores ainda maiores, sendo inclusivamente a

  • Unio a 27 o maior exportador mundial de produtos farmacuticos18. Ao contrrio do que sucede nosE.U.A, a Europa um exportador lquido, tendo tido um saldo comercial positivo acima dos 48 milmilhes de euros em 201119. Curiosamente, o principal destino das exportaes europeias precisamente os Estados Unidos. Ainda assim, em termos de volume global de vendas, o mercadonorte-americano representava, no mesmo ano, 41,8% do mercado, cifrando-se peso da Europa em26,8%20.

    Isto d-nos uma perspectiva mais clara das dinmicas comerciais da indstria, em que apesar daEuropa constituir o centro de produo farmacutica mais importante, pertence aos Estados Unidos ottulo de mercado farmacutico principal. Este facto, quando conjugado com a importncia domercado accionista norte-americano no contexto financeiro global, ajuda a perceber porque asempresas cotadas nas bolsas de valores dos E.U.A. constituem a mais abrangente oportunidade deinvestimento no sector. Esta alis uma das teses principais defendidas ao longo deste livro.

    Por detrs destas estatsticas, sem dvida relevantes, est a essncia de existir da indstria

    biofarmacutica, e, em ltima anlise, aquilo para o qual ela foi criada a proteco e melhoria dasade humana. Os ltimos 100 anos ficaram marcados por avanos civilizacionais marcantes, a queno alheio o facto de ser tambm o perodo em que a indstria farmacutica ganhou uma superiorrelevncia. Alm do acesso aos cuidados de sade ter sido consideravelmente melhorado, tambm aeficcia dos prprios frmacos evoluiu em conformidade. As trs ltimas dcadas foramparticularmente prolferas em novas descobertas e melhorias na capacidade de dar resposta aalgumas das mais mortferas e incapacitantes doenas que afectam a humanidade.

    A PhRMA (Pharmaceutical Research and Manufacturers of America ) publicou recentemente21uma resenha que evidencia os progressos e o impacto que um conjunto de novos frmacos teve nocombate a algumas das mais complicadas doenas da actualidade:

    CANCRO Desde o seu pico em 1991, a taxa de morte devido a doenas cancergenas baixou em 20%. A probabilidade que um doente consiga viver 5 anos ou mais aumentou em 36% na generalidadedos cancros. A probabilidade de uma criana sobreviver com cancro aumentou dos cerca de 50% nos anos70, para valores prximos dos 80%, na actualidade. DOENAS CARDIOVASCULARES Nos E.U.A., as mortes em resultado de doenas cardiovasculares baixaram em 30% entre 1998e 2008. O uso de medicamentos que combatem a hipertenso arterial impediu cerca de 86.000 mortesprematuras (2001) e cerca de 833.000 hospitalizaes devido a ataques cardacos (2002). ARTRITE REUMATIDE

  • Total remisso clnica agora possvel em mais de metade dos casos. DOENAS RARAS Desde a promulgao da Orphan Drug Act (1983), mais de 400 frmacos foram aprovados parao tratamento das chamadas doenas raras. HIV/SIDA O uso de novas terapias e protocolos de tratamento permite que um doente infectado com o vruspossa ter uma esperana de vida prxima do normal. A introduo de terapias antirretroviraispermitiu uma queda das taxas de mortalidade superior a 75%

    Fonte: PhRMA. 2011 PhRMA chart. p.6

    i* ExchangeTraded Fund fundo de investimento que segue a cotao de sectores, obrigaes, matrias-primas, indces, moedas, etc.ii** O National Bureau of Economic Research (NBER) a entidade norte--americana que define, entre outras coisas, os cicloseconmicos nos E.U.A. Neste caso, a ltima recesso ocorreu entre Dezembro de 2007 e Junho de 2009.iii A anlise e relevncia dos ensaios clnicos sero abordadas no captulo seguinte.iv Envolvendo ensaios clnicosv Medicare sistema de seguros estatal destinado a pessoas com idade igual ou superior a 65 anos.Medicaid programa destinado a famlias ou indivduos com recursos financeiros limitados.vi PPACA Patient Protection and Affordable Care Actvii Nota do autor Traduo da expresso meaningful use.viii Ver ponto 2.5.4.3 deste livro.ix Lei Hatch-Waxman (1984)

  • x Empresas inseridas na indstria dos servios de sade.xi Vrus da Imunodeficincia Humana, que eventualmente pode originar a Sndrome da Imunodeficincia Adquirida (SIDA).

  • CAPTULO2ASFASESDEDESENVOLVIMENTOFARMACOLGICO

    Tal como nos restantes sectores de actividade, tambm na rea dos cuidados de sade,nomeadamente na indstria biofarmacutica, o produto e a sua aceitao no mercado definem osucesso das empresas envolvidas. Contudo, arriscar-me-ia em afirmar que as semelhanas entre estaindstria e as restantes residem apenas no acto da compra final. Em tudo o resto, existe um conjuntoalargado de parmetros, dificuldades, barreiras e oportunidades, to especficas e influenciadoras,que, em ltima anlise, justificam a existncia deste livro.

    A sade, mais do que um desejo ou capricho, um bem to essencial que torna nica a relaoentre os consumidores da indstria biofarmacutica (os doentes) e as empresas que fornecem oproduto final (frmacos). Regra geral, em qualquer um dos outros sectores de actividade, a decisode compra encontra-se do lado do consumidor, quer seja por necessidade mais elementar, aquandoda aquisio de energia ou alimentao, ou por gosto ou mesmo capricho, quando se trata de umapea de vesturio nova, uma televiso de ltima gerao ou aquelas frias desde sempre sonhadas.Existe uma mirade de possibilidades e motivaes que nos levam a comprar um determinadoproduto ou servio, mas, quase sempre, essa deciso acaba por estar nas nossas mos. O emprego dapalavra quase acontece porque existem algumas situaes em que a deciso de aquisio foge donosso controle, sendo a necessidade to bsica e a forma de satisfazer to especializada (e, por vezesto complexa), que temos de recorrer a terceiros para tomar essa deciso por ns. Trata-seessencialmente de uma questo de confiana. precisamente da necessidade de confiarmos a nossasade nas mos de outros, sejam eles mdicos ou enfermeiros, seja num determinado frmaco, quefaz com que este sector seja to fortemente regulado e fiscalizado.

    As prximas pginas tentaro evidenciar, em primeiro lugar, a importncia que a regulao temsobre todo sector, desde que se inicia a pesquisa bsica de determinada molcula, at ao ponto emque existe um frmaco no mercado. Alm dos aspectos regulatrios, procurar-se- apresentar osvrios problemas e desafios com que se deparam as empresas biofarmacuticas a partir do momentoem que conseguem obter aprovao para comercializar um frmaco. Questes como a necessidade deparcerias, em importncia das pipelines, o impacto da perda de patentes, a influncia da poltica decomparticipaes nas receitas, entre outras, sero tambm discutidas.

    Todos estes desafios e barreiras constituem ao mesmo tempo ferramentas e oportunidades paraquem pretenda investir nesta indstria. Cada um deles deve ser encarado como um passo ou pedaode informao a ser analisado ao longo do processo de investimento. Mais do que rcios deactividade, indicadores de ndole fundamental ou grficos passveis de serem interpretados atravsde anlise tcnica, todos estes factores especficos, que sero abordados neste captulo, constituemparmetros primordiais de anlise. Todos e cada um deles exercem uma influncia determinante naactividade das empresas biofarmacuticas e, ultimamente, no valor dos seus ttulos cotados em bolsa.

    2.1-PESQUISAEDESENVOLVIMENTODEUMFRMACO

    Longo, e por vezes tortuoso, o caminho para se conseguir comercializar um frmaco. Mais do

    que um processo linear, absolutamente previsvel, trata-se em muitos dos casos de uma sucesso de

  • tentativas, a grande maioria das quais revelando-se infrutfera. Ainda que a cincia e tecnologiasenvolvidas sejam extremamente avanadas, o conhecimento que se tem, por exemplo, dosmecanismos de aco de determinados vrus ainda largamente desconhecido, o que faz com que noraras vezes se consigam resultados positivos atravs de momentos eureka e nem sempre por factoscompletamente explicveis e compreendidos. Serve isto para tornar evidente o carcter complexo doprocesso de descoberta e a dificuldade com que a comunidade cientfica ainda se depara emfrequentes ocasies. Ora, se aqueles que trabalham diariamente na indstria ainda so constantementesurpreendidos pelo carcter aleatrio de algumas conquistas, como se h-de sentir o investidor quedispe de conhecimentos tcnicos bem mais limitados?

    At ao momento em que um frmaco finalmente chega ao mercado, podemos definir como sendocinco as fases pelas quais este passa. Seguidamente tentar-se- defini-las, tanto ao nvel dos seusobjectivos e mecanismos, como no que aos custos, tempo despendido e probabilidade de sucesso decada uma diz respeito.

    2.1.1ADESCOBERTA

    O passo inicial de todo o processo que culminar na produo e comercializao de um frmaco,caracteriza-se pela pesquisa e teste a um conjunto de compostos que se julga terem a promessa deajudarem no tratamento, ou mesmo na cura, de determinada patologia. Tais compostos podero serprotenas, RNA, DNA ou quaisquer outras molculas de alguma forma envolvidas na mecnica dadoena em estudo. Esta pesquisa envolve, nesta fase, milhares de compostos e tem por objectivofiltrar todo este elevado conjunto com vista a chegar-se a um (ou vrios) que se julgue oferecer asmelhores possibilidades e probabilidades de sucesso (lead compound). Por enquanto, a anlise apenas farmacolgica, usando modelos in vitro, onde se procura obter dados iniciais de segurana eefectividade de um frmaco potencial. No caso de se tratar de compostos de origem biotecnolgica,o desenvolvimento de terapias pode ser feito de trs formas distintas22:

    - trabalhando com clulas;- trabalhando com um tipo especfico de molculas encontradas nas clulas - as protenas;- trabalhando com genes, que so basicamente as molculas responsveis pelos traos de

    hereditariedade.Para tal, os cientistas recorrem, quer ao corpo humano, nomeadamente ao ADN, quer a animais e

    plantas. No pri- meiro dos casos, com ajuda da terapia gentica, procura -se introduzir genescorrigidos dentro das clulas, quer seja para se corrigir um deficiente funcionamento celular; paraatribuir uma nova funo a clula ou para adicionar um gene, que tenha como consequncia a morteda prpria clula (como sucede no caso do combate ao cancro).

  • Fonte: BIO.org

    Aos compostos que emergem do processo de descoberta atribudo o nome de Novas EntidadesQumicas ou Novas Entidades Moleculares (new chemical entities - NCEs; new molecular entities- NMEs). Segundo um estudo publicado em 200623, estima-se que a fase da descoberta representecerca de 23% do total de custos em I&D envolvidos em todo processo de descoberta,desenvolvimento e produo de um frmaco. Para se ter uma ideia da taxa de sucesso nesta fase,estima-se que a cada 100.000 compostos inicialmente analisados, apenas 250 passem da fase dedescoberta para a fase seguinte. Uma baixssima taxa de sucesso de 2,5%!24

    2.1.2-FASEPR-CLNICA

    Assim que uma NCE ou NME for considerada suficientemente interessante para merecer um

    estudo mais aprofundado, inicia-se ento uma nova fase, ainda prvia a testes em humanos, onde oscientistas realizam anlises laboratoriais e estudos em animais (regra geral em ratos e ces).Pretende-se ento determinar se o composto poder ser aconselhado ao uso em humanos. Para tal,procede-se anlise de um conjunto de parmetros, tais como a toxicidade do composto e a suasegurana, bem como a algumas caractersticas farmacolgicas importantes (farmacocintica efarmacodinmica)xii.

    Por farmacodinmica (pharmacodynamics) entende -se do estudo dos efeitos bioqumicos efisiolgicos dos medicamentos, bem como os seus mecanismos de aco, no organismo. Pretende-se

  • determinar de que forma o corpo responde a uma determinada dose de um frmaco.Outro dos propsitos desta fase passa por tentar discernir qual ser a dose recomendada e a

    forma de administrao do frmaco aquando dos ensaios clnicos em seres humanos. Ambas asquestes tm um impacto que vai muito alm do teraputico, acabando por exercer uma importanteinfluncia na adopo e aceitao do frmaco pelo mercado.

    Quanto farmacocintica (pharmacokinetics-PK), esta visa perceber o oposto, ou seja, a acodo organismo no frmaco administrado. O acrnimo ADMET sumariza as principais caractersticasfarmacolgicas a serem analisadas:

    Absoro a forma como o organismo absorve um frmaco, que varia consoante as

    caractersticas farmacolgicas do mesmo, local onde aplicado e a sua formulao; Distribuio refere-se forma como o frmaco distribudo no organismo, nomeadamente

    quanto sua solubilidade; Metabolizao a actividade de um frmaco, assim que entra no corpo, sofre alteraes. Um dos

    aspectos analisados prende-se com as alteraes, seja de perda ou de atenuao, que a actividadefarmacolgica sofre face ao processo metablico, quer no fgado, quer em outros rgos, como ospulmes ou rins;

    Excreo forma como os resduos (neste caso os frmacos) so eliminados pelo organismo.

    Esta eliminao procede-se geralmente atravs da urina e das fezes; Toxicologia visa estudar os efeitos adversos (secundrios) que o frmaco produz. Este estudo

    particularmente importante, at porque permite identificar e avaliar qual o nvel de dosagem maisapropriado.

    Uma das situaes a levar em linha de conta, mesmo numa fase to inicial de um processo que

    pode demorar mais de uma dcada, perceber de que forma se processa a administrao do frmaco.O impacto da forma de administrao de tal ordem importante que, em muitos casos, algumasNCEs no continuam o seu processo de desenvolvimento devido forma como frmaco final seradministrado. Regra geral, sempre prefervel que a forma de admini