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O artista caminhante: deslocamento e barreira em Francis Alÿs Mônica Vaz da Costa Universidade Federal de Minas Gerais Pretendemos investigar o gesto de caminhar e deslocar-se como um ato político e estético que questiona e torna evidente a segregação imposta pelos Estados Unidos aos países do Sul global a partir de duas ações de Francis Alÿs (Bélgica, 1959). Em 1997, Francis Alÿs viaja de Tijuana a San Diego sem atravessar a fronteira entre os dois países. Partindo de Tijuana, o artista viaja de avião até Cidade do México, parte em direção à Cidade do Panamá, Santiago, Auckland, Sidnei, Singapura, Bangkok, Rangoon, Hong Kong, Shangai, Seul, Anchorage, Vancouver, Los Angeles e chega, finalmente, a San Diego. Uma distância de apenas 29 quilômetros entre uma cidade e outra, que poderia ter sido percorrida em aproximadamente 30 minutos, demorou seis semanas para ser alcançada. O nome da ação, The Loop, se dá pelo desenho de seu trajeto sobre o mapa, uma volta quase completa de escala global com resultado mínimo: chegar a um lugar a poucos quilômetros do local de partida. Nessa ação, o artista mostra que é possível ""trapacear"" a alfândega e chegar a San Diego, partindo de Tijuana, de maneira lícita. Contudo, a rota alternativa proposta por Alÿs somente é possível para aqueles que podem pagar por uma viagem longa e cara, e não é opção viável para os milhares de imigrantes que entram nos Estados Unidos via México de forma ilegal, em sua maioria pobres em busca do ""sonho americano"". Conhecidas como ""trampolins"", as cidades localizadas na fronteira México- Estados Unidos atraem pessoas de diferentes partes do México e das Américas Central e do Sul que têm expectativa de algum dia fazer a travessia. Ciudad Juárez, localizada na fronteira, já teve a maior taxa de homicídios do mundo. É nesse cenário dominado pela violência que, em 2013, Alÿs realiza a ação Paradox os praxis 5: Sometimes we dream as we live & sometimes we live as we dream. Por quase 7 minutos assistimos a um homem chutar uma bola de futebol incandescente. O aforismo contido no título e na abertura do vídeo que documenta a ação sugere duas condições: uma que determina o sonho e outra, a realidade. A bola de fogo, chutada ao longo de todo o percurso, metonímia para os crimes e assassinatos, aos poucos se desfaz até se decompor completamente. Tratar de viagem e deslocamento é também falar daquilo que os impede, das dificuldades, das barreiras e dos muros que devem ser transpostos. Brasília (on-line), Datas: 21-23 e 28-30 de Junho de 2021 Mesa 11: Artistas

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O artista caminhante: deslocamento e barreira em Francis Alÿs

Mônica Vaz da Costa

Universidade Federal de Minas Gerais

Pretendemos investigar o gesto de caminhar e deslocar-se como um ato político e estético que questiona e torna evidente a segregação imposta pelos Estados Unidos aos países do Sul global a partir de duas ações de Francis Alÿs (Bélgica, 1959).

Em 1997, Francis Alÿs viaja de Tijuana a San Diego sem atravessar a fronteira entre os dois países. Partindo de Tijuana, o artista viaja de avião até Cidade do México, parte em direção à Cidade do Panamá, Santiago, Auckland, Sidnei, Singapura, Bangkok, Rangoon, Hong Kong, Shangai, Seul, Anchorage, Vancouver, Los Angeles e chega, finalmente, a San Diego. Uma distância de apenas 29 quilômetros entre uma cidade e outra, que poderia ter sido percorrida em aproximadamente 30 minutos, demorou seis semanas para ser alcançada. O nome da ação, The Loop, se dá pelo desenho de seu trajeto sobre o mapa, uma volta quase completa de escala global com resultado mínimo: chegar a um lugar a poucos quilômetros do local de partida.

Nessa ação, o artista mostra que é possível ""trapacear"" a alfândega e chegar a San Diego, partindo de Tijuana, de maneira lícita. Contudo, a rota alternativa proposta por Alÿs somente é possível para aqueles que podem pagar por uma viagem longa e cara, e não é opção viável para os milhares de imigrantes que entram nos Estados Unidos via México de forma ilegal, em sua maioria pobres em busca do ""sonho americano"".

Conhecidas como ""trampolins"", as cidades localizadas na fronteira México-Estados Unidos atraem pessoas de diferentes partes do México e das Américas Central e do Sul que têm expectativa de algum dia fazer a travessia. Ciudad Juárez, localizada na fronteira, já teve a maior taxa de homicídios do mundo. É nesse cenário dominado pela violência que, em 2013, Alÿs realiza a ação Paradox os praxis 5: Sometimes we dream as we live & sometimes we live as we dream. Por quase 7 minutos assistimos a um homem chutar uma bola de futebol incandescente. O aforismo contido no título e na abertura do vídeo que documenta a ação sugere duas condições: uma que determina o sonho e outra, a realidade. A bola de fogo, chutada ao longo de todo o percurso, metonímia para os crimes e assassinatos, aos poucos se desfaz até se decompor completamente.

Tratar de viagem e deslocamento é também falar daquilo que os impede, das dificuldades, das barreiras e dos muros que devem ser transpostos.

Brasília (on-line), Datas: 21-23 e 28-30 de Junho de 2021

Mesa 11: Artistas

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Putuq´si e a viagem em residência artística como método

Raísa Curty Carvalheira Sobral

Universidade de Brasília

P’utuqsi é como se escreve no idioma quechua Potosí, nome de um dos nove departamentos da Bolívia. A palavra significa o que sale de la tierra ou, em português o que sai da terra. Quechua é a língua indígena mais falada na Bolívia e seu povo se estendeu durante o império incaico por toda a região dos Andes e costa ocidental da América do Sul, território que inclui Colômbia, Peru, norte do Chile, Argentina e a Bolívia. Rodolfo Cerrón propõe o neologismo quechumara para afirmar o parentesco entre os dois principais idiomas andinos: quechua e aymara, que compartilham até 30% de seu léxico. É em território quechumara que essa pesquisa se desenvolve.

A viagem em residência artística é o método que utilizo para desenvolver meu trabalho. Nestas viagens, a partir das experiências que me atravessam, proponho ações com e para a comunidade na qual escolho me demorar. A ação que apresento aqui é Ushas/Ovelhas/Ovejas (2019), onde 70 ovelhas caminham pelo cerro Pocalla, localizado em Puca Mayu, na região de Potosí (Bolívia), vestidas de grafemas. Customizei roupas para as ovelhas, impressas com grafemas tanto utilizados apenas na escrita quechua como CH’, Q’, CHH e KH, quanto outros utilizados apenas na escrita em português, como E, B, C e O e tantos outros que se encontram em ambas.

A idéia de embaralhar os alfabetos e forjar letras andando soltas pelo cerro parte da sensação de interstício linguístico. O texto é um relato de viagem permeado por reflexões teóricas. Relato as tardes de pastoreio junto a minha anfitriã Basília. Basília falava quechua, eu português e ambas quase nada de espanhol. Trago reflexões sobre o processo, através de teóricas bolivianas como Elvira Espejo que nos aproxima do pensamento têxtil, tão importante para o entendimento da cultura andina e sobressalta a importância desta prática e sua potência de subversão a um modo de pensar logocêntrico. Tensiona-se aqui a relação entre o texto e têxtil.

Ao longo da trajetória também nos acompanham os pensamentos desenvolvidos por Maria Galindo, referência em ações independentes de políticas públicas feministas na Bolívia e Silvia Rivera Cusicanqui teórica com princípios anarquistas, aliada principalmente as cosmologias quechua e aymara. Trago também à cena, as idéias que orientam a exposição Princípio Potosí (2011) onde o um conjunto de curadores propõe o deslocamento da perspectiva do início da modernidade para a América do Sul.

Brasília (on-line), Datas: 21-23 e 28-30 de Junho de 2021

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Deslocamento, justaposição e suspensão: considerações iniciais sobre a apropriação na poética de Rosana Paulino

Maíra Vieira de Paula

Universidade de São Paulo

A comunicação objetiva propor uma reflexão inicial acerca de como a estratégia de apropriação é utilizada pela artista paulistana Rosana Paulino na constituição de suas obras e as alterações de sentido que tal estratégia confere às imagens apropriadas pela artista. Em especial, objetiva-se analisar as produções de Paulino nas quais foram inseridas fotografias produzidas pelos viajantes europeus (em sua maioria) durante o século XIX no país, como a instalação Assentamento (2013). Segundo Walter Benjamin, a apropriação e a montagem são procedimentos de caráter alegórico que, associados à fotografia (e ao cinema), caracterizaram a produção artística moderna. Em estudo mais recente, o estudioso José Luis Brea pontuou que o deslocamento espaço-temporal, a justaposição de imagens e a suspensão seriam as novas estratégias alegóricas da arte, que começaram a ser incorporadas amplamente por artistas, sobretudo a partir dos anos 1970. Considera-se que esses três procedimentos sejam centrais para compreender as alterações de sentido que Rosana Paulino conferiu às imagens apropriadas em suas obras, e como a partir de tal estratégia artística, Paulino foi capaz de resgatar a história e a experiência da população negra escravizada (em especial das mulheres) que foi invisibilizada nos registros fotográficos originais.

Brasília (on-line), Datas: 21-23 e 28-30 de Junho de 2021

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Transe e trânsito através da janela do carro

Yasmin Santos Da Silva Fernandes Adorno

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Proponho uma conversa sobre hipnose, paisagem e estrada. Há dois anos eu pesquiso a paisagem da BR-040 no mestrado, viajando de carro. Nas longas distâncias percorridas alcancei um estado de consciência alterado, dirigindo e respondendo a eventos externos da maneira esperada e segura, sem lembrar de trechos da paisagem ou gestos do corpo de forma consciente. O estado hipnótico se dá quando o corpo começa a agir como um autômato. Apoiada em pesquisas sobre experiências com imagens em movimento e estados alterados de consciência busco uma aproximação entre o fenômeno hipnose de estrada através da janela do carro como uma moldura para a paisagem e as diferentes telas que contemplamos cotidianamente.

A alteração da percepção na contemporaneidade, a experiência da temporalidade e os regimes de atenção estão vinculados ao desenvolvimento de novas tecnologias. A abertura da BR-040 e o desenvolvimento dos automóveis torna a viagem mais rápida de um ponto a outro do que na época dos tropeiros, por exemplo. Com a revolução industrial dos transportes no Brasil na década de 60, mesmo período da inauguração da Brasília e conclusão da BR-040, há uma idealização no país de um progresso ilimitado. Desse período em diante, a organização industrial do tempo compensa insensivelmente o esvaziamento dos territórios rurais. Atualmente, para se deslocar no espaço medimos a distância a partir do tempo que vamos nos defasar. No contexto brasileiro, a rodovia possibilita a experiência entre diferentes paisagens; a rural e urbana de forma mais acelerada e menos distante.

Jonathan Crary, em seu livro Suspensões da percepção: atenção espetáculo e cultura moderna versa sobre o que podemos estar nos tornando atualmente, no que diz respeito às alterações dos modos de perceber em tempos que vivemos uma dispersão hiperconectada. A mudança na forma de perceber é inseparável do desenvolvimento e disseminação de transportes mecanizados e da invenção de novas tecnologias de produção e reprodução de imagens. O autor faz um estudo sobre os processos de “industrialização dos regimes de contemplação” – expressão de Crary – como um conjunto de transformações pelas quais passou a percepção no século XIX.

Pretendo lançar luzes sobre como a percepção da paisagem através da janela do carro acontece entre a revelação e o encobrimento do espaço, por meio de estados de consciência alterados pela velocidade e pelo movimento. Acredito que a forma como vemos a paisagem funda diferentes relações com o espaço, tanto em termos políticos como subjetivos.

Brasília (on-line), Datas: 21-23 e 28-30 de Junho de 2021

Mesa 11: Artistas