O Argumento Da Finitude Na Obra de Carl Schmitt -LIMA, D.
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XV ENCONTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
Universidade de Fortaleza 19 a 23 de outubro de 2015
O argumento da finitude na obra de Carl Schmitt
Deyvison Rodrigues Lima1* (PG)
1Doutorado em Filosofia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Rio de Janeiro.
Palavras-chave: ação política, racionalidade, norma, mediação, antagonismo, político.
Resumo
Nesta pesquisa investiga-se a relação entre racionalidade e ação política na obra de Carl Schmitt. Propõe-se
que as análises schmittianas sugerem uma solução ao paradoxo transcendência–imanência através do
argumento da finitude em teoria política. A ação política é analisada através da distinção entre político e
política como crítica à metafísica e da compreensão do conceito do político como antagonismo e diferença.
A conclusão da pesquisa é a elaboração de um paradigma interpretativo da obra schmittiana sob outra
chave que permite uma releitura de suas teses.
Introdução
As dificuldades encontradas ao tratar da relação entre poder e violência são as mesmas da questão
sobre o lugar da racionalidade na ação política. Um desses paradoxos refere-se ao seguinte: como a
unidade do poder surge da multiplicidade das vontades? Este se refere ao problema da representação que
pressupõe outra questão: qual o fundamento da autoridade? A política moderna estabeleceu como solução
genérica a estes problemas um paradigma transcendente: critérios normativos e universais para legitimação
do poder em distinção ao mero arbítrio e dominação. Neste contexto, surgem categorias como validade,
legitimidade e obrigação política, entre outras, que justificam a ação a partir da ordem e a constituição
teológico-política do soberano a partir da separação entre imanência e transcendência presente de várias
formas na política e metafísica modernas. Através desta cisão, a tradição moderna é exposta em sua lógica
interna pela necessidade de mediação entre poder e normas ou a racionalidade como condição da ação
política e, por conseguinte, neutralização da violência. Esta solução proposta pelo paradigma da mediação
racionalista aposta na existência de uma instituição política em conformidade com a exigência da ideia de
direito para realizar justiça, isto é, confirma-se em uma instância empírica e reforça a relação metafísica
entre validade do direito e faticidade do poder, demonstrando a transformação da potestas em auctoritas:
dá-se a violência autorizada. Esta é a forma de justificação do Estado moderno, por exemplo, nas teorias
contratualistas dos direitos naturais subjetivos que preservam a estrutura política da distinção metafísica
entre ser e aparecer ao partilhar a concepção de validade ante rem que implica tanto na permanência ou
estabilização (unidade) do poder dentro da estrutura do direito e da democracia quanto na separação ou
verticalização (transcendência) através dos conceitos de representação e soberania.
Metodologia
Propõe-se uma interpretação da teoria tardo-weimariana de Carl Schmitt como uma teoria finitista, isto
é, afirma-se que as condições de justificação da ação não são exteriores à própria ação e, por isso, exigem
uma validade in re. Para demonstrar esta leitura, apresenta-se (I) algumas nuances da solução schmittiana
ao problema da legitimidade através da passagem do seu peculiar normativismo de 1914 no texto Der Wert
des Staates und die Bedeutung des Einzelnen (O valor do Estado e o significado do indivíduo) para o
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decisionismo ou, mais especificamente, para o realismo fraco dos textos Die Diktatur (A ditadura) de 1921 e
Politische Theologie (Teologia Política) de 1922. Neste ponto, o conceito a ser considerado é o de mediação,
pressuposto metafísico que retira a autonomia do político e assegura tanto a relação entre racionalidade e
ação quanto a cisão entre transcendência e imanência que confirma o teorema da secularização. Após isso,
demonstra-se (II) a compreensão do político como crítica à metafísica e desconstrução da lógica da
transcendência da política moderna, bem como a tese da diferença política como antagonismo e da relação
entre político e política no texto Der Begriff des Politischen (O conceito do político) de 1927. Na reconstrução
proposta, utiliza-se os termos “normativismo”, “realismo fraco” e “realismo forte” para apontar os
deslocamentos na obra de Schmitt e o papel desempenhado pelo argumento cético diante de teorias
normativas. O argumento finitista na relação entre ação política e racionalidade é uma chave de leitura que
evita os inúmeros equívocos na interpretação do autor e permite a efetiva recepção de seu pensamento.
Resultados e Discussão
A tese do Der Wert des Staates pode ser exposta na afirmação de que “o direito como norma pura
possui valor independentemente de qualquer justificação fática” (WSBE, p. 10). Nesta perspectiva, há o
primado do direito sobre o Estado (WSBE, p. 52), pois este ao se manifestar na esfera fática do poder
necessita qualificar-se como legítimo a partir da referência abstrata àquele, alcançando sua justificação
(Rechtfertigung) (WSBE, p. 57). Desde o texto de 1910 Über Schuld und Schuldarten (Sobre a culpa e tipos
de culpa), onde afirma que a culpa na sua concretude não se submete à dedução normativa, e do texto de
1912 Gesetz und Urteil (Lei e Julgamento), no qual sustenta que o problema central do direito é a relação
entre norma e caso concreto, cuja ligação não é estabelecida de imediato, Schmitt se aproxima da antítese
kantiana entre Sein e Sollen através da reflexão sobre o significado da decisão judiciária como uma
superação dialética no ato da práxis jurídica. Entretanto, o argumento da Rechtspraxis contido no escrito de
1910 passa ao centro em Der Wert des Staates sob a denominação da Rechtsverwirklichung (normas de
realização do direito) para demonstrar a articulação entre direito e Estado (cf. WSBE, p. 14). A partir disso,
Schmitt desenvolve a distinção entre Rechtsnorm (normas de direito) e Rechtsverwirklichung com o intuito
de uma legitimação racional do poder na qual o Estado como instância concreta possui a tarefa de captar a
ideia de direito e torná-la efetiva na realidade do mundo empírico. Na série de elementos proposta – Direito,
Estado e Indivíduo – o medium estatal articula aquelas outras duas esferas, o ideal jurídico e o empírico
individual (WSBE, p. 56), porém o autor ainda sustenta a tese do primado do direito sobre o Estado ao
definir esta instância – isto é, justificá-lo – se e somente se estiver em relação com a norma pura que o
precede (WSBE, p. 50). Desse modo, neste ponto de partida, Schmitt assume as problemáticas teses e
dualismos neokantianos vigentes no início do século XX, inclusive ao afirmar, por exemplo, que “entre cada
concreto e cada abstrato há um abismo insuperável” (WSBE, p. 80), entre norma pura e realização da
norma, entre direito e poder ou transcendência e imanência: esta é a cisão que estrutura a ordem política
moderna, pois mesmo como mediação realizadora do direito, o Estado não passaria de uma mera
organização fática da força que carece a priori da autorização (validade) da esfera jurídica.
Consequentemente, na fase pré-weimariana, há uma tese lógico-normativa segundo a qual não há Estado
que não se configure como Estado de direito, pois “ao conceito de Estado pertence o conceito de poder (die
Macht), assim como apenas o fenômeno empírico (empirische Erscheinung) pode vir a comprovar tal poder
(…) a autoridade do Estado reside, porém, não no poder, mas sim no direito, que o traz e o realiza
(Ausführung)” (WSBE, p. 71). Assim, embora haja uma adequação entre estas instâncias, a tarefa do poder
de realizar a norma de direito consiste em uma representação: a forma de direito ideal nunca é realizada por
completo e implica na impossibilidade, em última instância, da realização da justiça. A tese da separação
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entre universalidade da norma e particularidade do poder expõe o Estado como o instrumento da
secularização no sentido de uma mediação entre um elemento transcendente e o mundo (saeculum) ao
operar a introdução da ideia no mundo, isto é, a estrutura metafísica entre ser e aparecer que serve de
paradigma anterior, formal e abstrato da legitimação da ação política. Este é o teorema da secularização. O
que se procura efetivar a todo custo é a forma política por meio da qual o positivismo é rejeitado como mera
autoafirmação dos fatos, da subjetividade ou do arbítrio. Este movimento torna a instância da contingência
visível, instaura uma diferença entre ação e racionalidade (esta diferença desempenhará papel importante
em BP, porém, assumindo o plano da imanência como originário) e, por isso mesmo, mostra sua
incapacidade de validação da ação política: há uma separação resolvida apenas parcialmente pela
representação da forma ou ideia política através do Estado. Esta é uma tese dualista (não há efetivação do
ideal no real) e normativista (anterioridade e superioridade da forma) que, numa primeira leitura – como
problematização da ação racional legitimadora entre normas de direito e normas de realização de direito –
mostra-se estranha ao desenvolvimento posterior do seu realismo, mas que forma o contexto inicial da
compreensão dos argumentos da exceção e da decisão entre imanência e transcendência.
Apesar disso, ainda na teoria schmittiana pré-weimariana, surge uma concepção de ação política
deslocada do paradigma da transcendência. A solução da mediação racionalista assegura apenas
formalmente a legitimidade e unidade da ordem a partir da concretização de uma instância externa ou
configuração de uma forma na realidade concreta, mas não dá conta da cisão entre instância da validade e
da faticidade, ou seja, mantém-se o problema da indeterminação entre universal e particular: Schmitt
assume a diferença entre as instâncias, o ideal como uma separação do real e neste, ausência e perda
irrecuperáveis – aliás, este diagnóstico seria um dos argumentos centrais na virada contra o neokantismo e,
posteriormente, a afirmação do político como finitude. A particularidade da ação na realidade não se mostra
a Schmitt como continuidade necessária entre racionalidade e existência, mas a ideia de direito, pelo
contrário, demonstra e realça a contingência e descontinuidade entre universalidade e particularidade. A
contingência da validade da ordem política vincula a ação política (quantidade de força) à exigência de
ordem para ser considerada autoridade e justiça (qualidade do direito). No entanto, cada vez que tenta
aproximar estas instâncias mais se arrisca na dissolução da segurança jurídica e da estabilidade
institucional ao perceber a diferença entre direito e decisão política ou entre racionalidade e ação. Neste
contexto, Schmitt sacrifica o conceito de político e lança mão de uma solução normativista segundo a qual o
Estado seria uma função da secularização, isto é, o meio pelo qual o direito pode ser realizado e, ao realizá-
lo, tornaria a ordem fática em ordem jurídica através da mediação racional como processo legitimador do
poder que passa a ser revestido com o atributo de soberania: uma progressiva concretização da matriz
teológica. Para ele, a ação válida exige a distinção entre forma e experiência, através da qual consegue o
critério da racionalidade do poder. Por isso, ao manter a distinção entre universal e particular, validade e
faticidade, Schmitt por um lado justifica o Estado a partir da ideia de direito mesmo ao preço de uma cisão
absoluta entre as instâncias; por outro, cai numa armadilha incômoda, pois considera a força ou a violência
(a ação política) – portanto um modo da faticidade – como determinante na realização da ideia e, ao
concretizá-la, força legítima. O critério para se tornar legítima ocorre quando a força nega-se como
faticidade e representa na experiência a dimensão ideal ao realizar o direito. Esta forma abstrata, no entanto,
depende de uma força contingente que se impõe para realização do direito, porém continua, mesmo
legitimada, como força ou violência autorizada: não soluciona, antes alarga ainda mais, a separação entre
realidade e ideia. Não há identidade entre ser e aparecer, pois a mediação do Estado não soluciona o
caráter contingencial da realidade, a cisão entre ideal e real prossegue, a mera quantidade de poder não se
torna legitimidade: a separação entre poder e direito não é solucionada pela mediação racionalista. Esta
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efetivação da ideia no mundo, da razão na ação revela o paradigma da secularização presente na obra de
Schmitt. Daí a importância da estrutura representativa da mediação-secularização, ou seja, da relação entre
metafísica e política. Esta transcendência garante unidade e legitimidade à ação política, ordena e
representa o universal no particular, mas deixa a realidade marcada pela negatividade.
Após a elaboração de um normativismo fraco nos primeiros escritos, Schmitt propõe uma teoria da
decisão em Die Diktatur e Politische Theologie, porém ainda no contexto da mediação entre ideia de direito e
realidade concreta: sustenta a tese da mediação do poder político pela instanciação do direito e, por
conseguinte, a separação entre validade e faticidade. O que está em jogo para Schmitt durante a década de
1910 não é tanto a resolução do gap entre quaestio facti e quaestio iuris, mas sim a proposta de uma
mediação que torne possível a organização do poder como ordem racionalmente legítima. A
Trennungsthese apresentada acima caracteriza a realidade empírica por um desamparo normativo
originário, isto é, pelo domínio da contingência e da não-juridicidade ao mesmo tempo que a considera,
paradoxalemente, como a instância determinante da ordem. Neste momento, porém, apesar de ainda
conservar a categoria da representação da ideia de direito que garante a legitimidade da ordem, sobretudo a
partir do argumento teológico-político, o autor acentua o papel da finitude na determinação da ação. Assim,
algumas modificações marcam a passagem do normativismo mitigado de 1914 para outro paradigma
político: o argumento da finitude desloca a investigação da norma de direito e da norma de realização do
direito para a consideração das situações fáticas que possibilitam tal realização, apoiando-se em uma
concepção voltada ao contexto da ação e apenas posteriormente ao contexto da justificação. Esta, todavia,
refere-se ainda à estrutura normativa que, afinal, empresta sua legitimidade à ação empírica, constituindo
uma tese denominada aqui como realismo fraco ou moderado ao apostar em uma validade ou perspectiva
externa (ante rem) da ordem como a seguir é exposto.
O problema do texto de 1914 (WSBE) ao justificar o Estado como mediador entre as normas de
direito e as normas de realização do direito resultou no texto de 1921 (DD) na solução de que o ditador
soberano encerra a discussão entre direito e poder na diferença entre normas de realização de direito e as
normas de ação técnicas. Percebe-se a relação entre 1914 a 1921 (da legitimidade normativa do Estado em
Der Wert des Staates para a organização ou ordenação fática do poder Die Diktatur) que dá origem à
Politische Theologie e a sua específica teoria da soberania como decisão sobre o estado de exceção. Esta,
porém, sob um viés normativista, pois ainda sustenta uma validade ou perspectiva externa da ordem que
caracteriza ainda um realismo fraco ou moderado trazido por sua peculiar teologia política que sustenta a
forma política. A tese fundamental da Politische Theologie é a relação que se estabelece entre abertura do
estado de exceção (decisão) e forma (ordem normativa) através do conceito de soberania com o objetivo de
solucionar o problema da constituição e legitimidade da ordem: “Soberano é aquele que decide sobre o
estado de exceção” (PT, p. 13). Assim, a teoria da soberania é desenvolvida como outra estratégia na
solução do problema da mediação: estabelece uma cisão entre determinação concreta e justificação
normativa, ação e racionalidade acerca da estrutura e origem da ordem a partir da decisão. Esta concepção
decisionista ressalta o aspecto fático da exceção, paradoxalmente fora da ordem jurídica, mas constitutiva,
pois desempenha a função originária de mediação entre forma jurídica e realidade concreta. Há aqui mais
uma intensificação do finitismo da teoria schmittiana, apesar da proposta do vínculo teológico-político e da
diferença entre mediação e imediação. A exceção torna-se condição de possibilidade da ordem jurídica,
ainda mais precisa do que a ação do ditador do texto de 1921, uma vez que a ação do soberano é a
expressão da ação como instaurador da ordem na faticidade a partir da qual possam valer normas jurídicas,
ou seja, o jurídico é constituído pela ação (decisão) política que assume seu papel fundamental de
mediação. Para Schmitt, a figura da exceção contrapõe-se à normatividade abstrata e formal, refere-se à
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situação de fato que nem subsumível nem previsível perturba a unidade e a ordem do esquema racionalista.
A abertura da exceção é o argumento finitista que o autor traz contra as teorias normativistas, pois mesmo
tratada como conceito jurídico é o aspecto não normativo que passa a caracterizar a ação política. O
conceito de exceção desempenha um papel central como o pressuposto fático da ordem: Schmitt introduz
na ordem jurídica a figura da exceção não como algo apenas referido à noção de necessidade como no
texto de 1921, mas sim como algo mais originário: a relação entre racionalidade (excesso ou
transcendência) e ação política (exceção ou imanência) é considerada da outra margem que ao invés da
forma ou ideia afirma a contingência e ausência como origem.
Na origem, não há uma norma, mas sim uma decisão. Este argumento de finitude provoca outro
deslocamento: a constituição da ordem refere-se ao caso concreto ao invés da relação de adequação para
um paradigma racional de cunho universalista. Paradoxalmente, se a vigência do direito está vinculada às
condições concretas que ele denomina como ordem (não normativa), então o fundamento de validade da
ordem jurídica consiste nestas condições fáticas a partir das quais a decisão – que deixa de ser meramente
instituto jurídico ou aplicação do direito para tornar-se a condição política concreta – cria a ordem a partir de
um grau zero de direito, ou seja, no estado de exceção a ordem jurídica (abstrata e formal) não se aplica
devido à relação sui generis entre normatividade abstrata e normalidade fática que exige a decisão soberana
como fator ordenativo. A tese pode ser resumida no seguinte: a decisão que abre o estado de exceção
constitui a ordem a partir da situação concreta necessária para que o jurídico possa ser aplicado, visto que a
normatividade pressupõe uma normalidade fática para sua vigência, pois nenhuma validade normativa se
faz valer a si mesma, mas depende de instâncias concretas para ser efetivada. Além de não normativo,
outro atributo da ação política soberana é ser uma vontade, mais especificamente, uma decisão que se
torna a condição de validade da ordem. Diante da impossibilidade da validade de uma ordem normativa a
partir de si mesma ou de uma racionalidade intrínseca, a derradeira opção que se apresenta para Schmitt ao
rejeitar critérios normativos e universalistas ou qualquer tipo de consenso sobre valores e normas é adotar o
argumento finitista do decisionismo de que a ação política constitui a ordem concreta.
No que importa destacar, esta argumentação implica três momentos: (i) a decisão de abertura da
exceção, a rigor, a ação fora-da-lei, violência constitutiva, torna-se o principal atributo da soberania; (ii) a
ordem é determinada através da ação política imediata que nesse modelo surge como arbitrária, irracional e
ilimitada; (iii) a ação política perde o referencial legitimador, isto é, não existe mais normatividade ou critérios
a priori ou ante rem, mas apenas a própria ação na determinação da ordem. Destas características típicas
de um realismo político, apenas (i) e (ii) são aceitas por Schmitt. Ao negar (iii), Schmitt enfraquece seu
realismo, pois a ação política ainda teria estruturalmente uma matriz normativa. A exceção ainda pressupõe
um excesso, isto é, a ação política precisaria de uma metafísica da legitimidade ou de uma teologia política
tal como no mecanismo de representação: Schmitt ainda não conseguira livrar-se da indeterminação entre
ação e racionalidade política e apesar de mostrar a origem da ordem, ato contínuo lança mão da tese do
político como mediação. Evidentemente, o conceito de representação desta época em Schmitt é bastante
peculiar e pode ser analisado paradigmaticamente no texto Römischer Katholizismus und politische Form
(Catolicismo romano e forma política) de 1924 como a última defesa do político como mediação
exemplificado no modelo institucional e jurídico da Igreja católica, ou seja, é a maneira de transcender a
realidade imediata e propor uma racionalidade normativa-institucional. Assim, para justificar o decisionismo
baseado numa ordem política não normativa, o autor propõe a tese da secularização ao afirmar que “todos
os conceitos concisos da teoria do Estado moderno são políticos são conceitos teológicos secularizados”
(PT, p. 43). Isto significa que mesmo rejeitando a soberania da norma na constituição da ordem, ele vincula
a ação política à racionalidade metafísica, afirmando que a origem e a medida do poder são determinadas
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pela ordem teológica, afinal, sua racionalidade última, pois o paradigma da ordem através da representação
que mais uma vez impede a afirmação da ação imanente. Se, por um lado, a ordem jurídica pressupõe a
decisão política como constituição; por outro lado, a política seria uma mediação ou tradução da ordem
teológica. Neste sentido, a ordem é alcançável apenas como mediação do teológico pelo político, daí a
justificação da ordem e da decisão. A ação política ainda é vista por meio das categorias de mediação e
representação, pressupõem a distinção metafísica entre ser e aparecer e cerram a política no âmbito
institucional. A estratégia da finitude será efetivada plenamente apenas em Der Begriff des Politischen.
Conclusão
Na medida em que a secularização apontou a solução da mediação racionalista, também revelou a
diferença entre forma política e realidade contingente. Schmitt progressivamente abandonou durante a
década de 1920 o teorema da secularização e realizou uma political turn: a diferença entre política e politico,
entre a instituição-forma e relação-conflito instituidora. O argumento da finitude torna-se uma chave
fundamental para compreender a transição da obra de Schmitt entre o início da República de Weimar e o
final da década de 1920. Como a decisão do soberano enquanto decisão pela realização de um ideal
(secularização) é descartada no final da década de 1920 pelo politische Existentialismus, a contingência da
realidade, exposta por esta mesma decisão, passou a ser considerada o único locus da ação política
situando-se fora da estrutura moral ou jurídica, afastando-se do caráter transcendente, quase afirmando a
contiguidade entre ação política e violência e, dessa forma, arquitetando um exuberante realismo politico. O
problema é retomado ao perguntar-se “o que torna uma ação válida”. Se o argumento do finitismo recusa a
relação entre transcendência e ação política e, por conseguinte, a noção de reconhecimento moral ou
consentimento via deliberação racional, então se torna necessário demonstrar como a instância não
normativa, irracional, tecida por relações de conflito, precária e contingente consegue determinar o corpo
político. No final das contas, passa a considerar como condição da ação política algo existencial, no caso,
aquela relação ou afecção mais polêmica e intensa que ao mesmo tempo move e dá medida à ação. Neste
contexto, para seguir o percurso de suas investigações e abandonar o normativismo e o realismo fraco dos
textos iniciais, Schmitt descontroi os conceitos de mediação e representação, soberania e decisão, teologia
política e exceção ao intensificar, sobretudo em Der Begriff des Politischen, um finitismo em política: assume
uma postura pragmática ou imanentista, na qual afirma que a validade da ordem é in re, uma constituição do
político como diferença e antagonismo ininstitucionalizável. Esta pesquisa, portanto, propõe um novo
paradigma interpretativo da obra do jurista alemão, qual seja, o argumento de que a finitude desempenha
uma chave hermenêutica importante no desenvolvimento da sua obra.
Referências
SCHMITT, Carl. Der Wert des Staates und die Bedeutung des Einzelnen (1914). 5. Aufl. Berlim: Duncker &
Humblot, 2004. [WSBE]
______Die Diktatur. Von den Anfängen des modernen Souveranitätsgedankes bis zum proletarischen
Klassenkampf (1921), 7. Aufl. Berlim: Duncker & Humblot, 2006. [DD]
______Politische Theologie. Vier Kapitel zur Lehre von der Souveränität (1922), 8. Aufl. Berlim: Duncker &
Humblot, 2004. [PT]
______Der Begriff des Politischen (1932). Berlim: Duncker & Humblot, 2002. [BP]
Agradecimentos
Agradecimentos à UFRJ-PPGF e à CAPES.