O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do...

15
1 O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para Formação de Alianças Estratégicas: Um Estudo na Indústria Biofarmacêutica Brasileira Autoria: Walter Bataglia, Fabrício Simplício Maia, Tatiane Silva Tavares Maia Resumo O objetivo desta pesquisa foi analisar a relação entre o ambiente tecnológico e a motivação para formação de alianças estratégicas formais na indústria brasileira de biotecnologia. Os níveis de análise foram o ambiente tecnológico e as alianças. Coletaram-se dados primários a partir de entrevistas sistemáticas sobre três casos de alianças de P&D. A análise dos dados foi feita via a técnica de análise temática categorial com categorias definidas a priori. As categorias e casos foram cruzados, concluindo-se que o ambiente tecnológico deve ser considerado nas decisões sobre a estratégia cooperativa das empresas e nas decisões de financiamento público de inovação.

Transcript of O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do...

Page 1: O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular

1

O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para Formação de Alianças Estratégicas: Um Estudo na Indústria Biofarmacêutica Brasileira

Autoria: Walter Bataglia, Fabrício Simplício Maia, Tatiane Silva Tavares Maia

Resumo O objetivo desta pesquisa foi analisar a relação entre o ambiente tecnológico e a motivação para formação de alianças estratégicas formais na indústria brasileira de biotecnologia. Os níveis de análise foram o ambiente tecnológico e as alianças. Coletaram-se dados primários a partir de entrevistas sistemáticas sobre três casos de alianças de P&D. A análise dos dados foi feita via a técnica de análise temática categorial com categorias definidas a priori. As categorias e casos foram cruzados, concluindo-se que o ambiente tecnológico deve ser considerado nas decisões sobre a estratégia cooperativa das empresas e nas decisões de financiamento público de inovação.

Page 2: O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular

2

1 Introdução

Um sistema de inovação (SI) representa um conjunto de elementos ou instituições cuja interação determina o desempenho inovativo e “inovação”, que entendida de uma forma abrangente, é um processo no qual as firmas aprendem e introduzem novas práticas, produtos, desenhos e processos que são novos para elas (MALERBA, 2004). Destacam-se as principais características de um SI: seu caráter interativo e a aprendizagem. Um SI é interativo, na medida em que envolve um sistema de relações dentre diversos atores, dentre os quais se destacam como fundamentais: as universidades e centros de pesquisa, o Estado e as empresas. Os dois primeiros focados na realização de pesquisa básica, o quarto na pesquisa aplicada. Ao estado cabe o papel de agente coordenador do sistema, estimulando-o e direcionando-o pela demanda própria, gerando infraestrutura necessária para que ocorra a interação entre os agentes, e por uma política industrial adequada às diretrizes de desenvolvimento tecnológico do país, e de regiões e setores específicos. A aprendizagem não se dá apenas pela educação formal e atividade de P&D, mas também dentro da ambiente da firma (BATAGLIA; SILVA; KLEMENT, 2011). Aprender usando, a partir do aumento da eficiência do uso de sistemas complexos e das relações de mercado; aprender fazendo, com o aumento da eficiência das operações de produção; e aprender-interagindo, a partir do envolvimento dos agentes no desenvolvimento de produtos inovadores. No nível setorial, o sistema de inovação envolve três dimensões centrais: o ambiente tecnológico, constituído pelo conhecimento e tecnologias produtivas; atores e redes; e instituições.

A biotecnologia integra a base produtiva de diversos setores da economia, inclusive o setor farmacêutico, segmento de saúde humana. Refere-se à utilização de princípios científicos e/ou tecnológicos, baseados na microbiologia, genética, bioquímica, química e engenharia química, para transformar materiais com o auxilio de agentes biológicos para a obtenção de mercadorias, processos e serviços (OCDE, 1989). De acordo com Powell; Koput; Owen-Smith (1996) com o desenvolvimento da engenharia genética nos anos 80, o ambiente de competição do setor farmacêutico sofreu ampla transição paradigmática. Essas novas tecnologias originaram novos atores para o sistema de inovação da indústria: novas empresas especializadas em biotecnologia (NEBs), constituintes do novo setor de biotecnologia. A função das NEBs é mobilizar o conhecimento fundamental criado nas universidades e transformá-lo em potenciais técnicas e produtos comercializáveis. O crescimento das NEBs é limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular da falta de conhecimento e experiência para realização de testes clínicos, desenvolvimento de procedimentos relacionados à aprovação dos produtos finais nas agências reguladoras, manufatura, marketing e distribuição.

O SI de biotecnologia caracteriza-se pela elevada dependência da pesquisa em ciências básicas e exige uma forte base acadêmica e científica dos agentes pela multidisciplinaridade (Biologia, Ecologia, Direito, Administração de Empresas, Economia) e complexidade das atividades de P&D para desenvolvimento de aplicações comerciais. As características do setor fazem com que o desenvolvimento da biotecnologia exija um sistema complexo de interação entre diversos agentes. A partir da década de 80, os processos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) para criar novos produtos passaram a depender de conhecimentos pulverizados em diversos atores ambientais, como universidades, institutos de pesquisas, NEBs, fornecedores, clientes e outros atores ambientais. Com isso a complexidade e o dinamismo do ambiente tecnológico aumentaram expressivamente.

Os laboratórios farmacêuticos estabelecidos passaram a encontrar dificuldades em desenvolver e conduzir internamente pesquisas que acompanhassem as constantes inovações e descobertas (EISENHARDT, 1989a; EISENHARDT; MARTIN, 2000; PISANO, 1991). Ficou claro que as competências requeridas das empresas não poderiam mais ser

Page 3: O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular

3

desenvolvidas isoladamente. A integração das NEBs com as grandes empresas farmacêuticas mostrou-se o caminho ideal para a sua sobrevivência (BOWER, 2001; BARLEY; FREEMAN; HYBELS, 1992). As NEBs passaram a se posicionar, em uma postura cooperativa, como fornecedores de serviços de pesquisa às grandes corporações, as quais precisam continuamente adquirir e desenvolver novo conhecimento. Por outro lado, as grandes corporações passaram a prover às NEBs os recursos financeiros necessários ao financiamento de P&D, a estrutura para o desenvolvimento, teste, produção e comercialização de novos produtos. As alianças estratégicas contratuais passaram a representar a nova forma organizacional das atividades inovativas passando o desempenho das empresas no setor a estar associado à centralidade na rede de alianças (POWELL; KOPUT; SMITH-DOERR; OWEN-SMITH, 1999; POWELL; WHITE; DOUGLAS; KOPUT; OWEN-SMITH, 2005).

Conforme explicado por Bataglia; Meirelles (2009), um dos fatores condicionantes do sistema de competição e seleção ambiental é o ambiente tecnológico vinculado ao sistema setorial de inovação (MALERBA, 2004). As relações e interações entre os atores, incluindo as alianças estratégicas, são influenciadas pelos fatores contextuais estabelecidos pelo ambiente tecnológico que cria demandas para a competição às quais as organizações precisam se ajustar para garantir sua sobrevivência e seus objetivos.

Este trabalho busca colaborar a partir do objetivo de entender como o ambiente tecnológico se relaciona com a motivação para formação das alianças estratégicas contratuais formais no setor de biotecnologia. A escolha da economia brasileira para seu desenvolvimento se vincula primeiramente à oportunidade para o estudo do problema de pesquisa proposto. O Brasil incluiu a indústria de biotecnologia em sua política industrial desde 2004 e laboratórios nacionais, prevendo retornos decrescentes com suas carteiras de medicamentos e, diante da impossibilidade de copiar medicamentos sob patente, iniciaram nos últimos anos um movimento para viabilizar suas iniciativas ligadas a PD&I (Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação). Completa a oportunidade para o estudo a expansão da indústria de biotecnologia e das alianças estratégicas formais no setor (ESTRELLA; BATAGLIA, 2013; BIOMINAS; PWC, 2011). A bioindústria brasileira já representava aproximadamente 3% do PIB em 2008. O conhecimento do impacto do ambiente tecnológico na motivação para criação de alianças estratégicas favorece tanto o aprimoramento da gestão das alianças e estratégia cooperativa no nível das firmas quanto no nível das políticas públicas.

Inicia-se o artigo se apresentando o construto ambiente tecnológico. A seguir se discute a motivação para formação de alianças estratégicas contratuais. Após os procedimentos metodológicos utilizados no trabalho são explicados. Na sequencia os resultados são apresentados e analisados, apresentando-se um modelo estrutural para teste da teorização proposta via proposições tentativas, não definitivas induzidas. Por fim, apresentam-se as considerações finais desse trabalho.

2 Ambiente Tecnológico

Malerba; Orsenigo (1993) propõem que o ambiente tecnológico pode ser caracterizado a partir de quatro dimensões: apropriabilidade, oportunidade, cumulatividade e base de conhecimento.

A apropriabilidade está relacionada com a proteção legal das inovações contra a imitação por meio de patentes, sigilo de novos produtos, inovações contínuas, eficiência na curva de aprendizagem e controle de ativos complementares. Quanto maior a possibilidade de proteção da tecnologia alcançada, maior será a desarticulação da concorrência e, com isso, menores serão as pressões para a emergência de um desenho dominante. Ambientes com elevada apropriabilidade incentivam inovações.

A oportunidade é refletida pela facilidade de inovação para um dado montante

Page 4: O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular

4

investido na pesquisa (MALERBA, 2002). As oportunidades para a inovação em alguns setores podem estar relacionadas a avanços em pesquisa em universidades, enquanto em outros com avanços em P&D, equipamentos e instrumentos. Há ainda setores em que a oportunidade vem de fornecedores e usuários. Contudo, as condições das oportunidades não permanecem constantes. Ela pode ser caracterizada a partir da intensidade e capilaridade. Um grau de intensidade elevado representa um poderoso incentivo para o empreendimento de atividades inovadoras e denota um ambiente econômico sem pressões funcionais. A capilaridade se relaciona à possibilidade de uma dada tecnologia poder ser utilizada em diversos mercados diferentes. Se relacionando com a natureza da tecnologia e das disciplinas científicas envolvidas no processo produtivo.

A cumulatividade está relacionada ao grau em que a geração de novos conhecimentos tem por base os conhecimentos atuais. A maioria do conhecimento aplicado pelas empresas em inovação é apropriado para aplicação específica, assim as inovações de hoje se tornam basilares para inovações futuras. Malerba; Orsenigo (1993) defendem que dimensão de cumulatividade pode ser analisada em três níveis: (a) no nível individual e tecnológico pode ser ligada às características tecnológicas específicas e à natureza cognitiva do processo de aprendizado; (b) no nível organizacional, pode ser relacionada às atividades de aprendizado na organização, ou seja, o que a firma aprende e o que pode esperar alcançar no futuro; (c) no nível da firma pode ser associada ao montante de recursos necessários ou reinvestidos em P&D.

A base do conhecimento do ambiente tecnológico é analisada a partir do conhecimento tácito (taciteness), relacionado ao grau de codificação e facilidade de acesso ao conhecimento e, da complexidade, definida a partir do grau de interconexão entre os vários conhecimentos (científicos ou tecnológicos) bem como da própria variedade de competências no que diz respeito ao processo produtivo, características da demanda, acesso a fornecedores, materiais e P&D externo. Zander; Kogut (1995) definiram a complexidade do ambiente tecnológico como o número de habilidades ou competências distintas de uma entidade ou atividade. Pode ser também entendida como múltiplas competências utilizadas no processo produtivo. Quanto mais complexa a produção, mais difícil a transferência ou imitação. 3 Motivação para Formação de Alianças Estratégicas Contratuais

Oliver (1990) identificou seis contingências que motivam as organizações a se engajarem em alianças: necessidade, assimetria, reciprocidade, eficiência, estabilidade e legitimidade. A necessidade se relaciona à formação de alianças para atender a requisitos legais ou regulatórios. Na assimetria a motivação está na manutenção de poder ou busca pelo controle sobre outras organizações. Escassez de recursos financeiros, tecnológicos ou de pessoal qualificado leva as organizações a buscarem exercer poder sobre outras organizações. Na reciprocidade as alianças buscam benefício mútuo e têm ênfase na cooperação e coordenação entre os participantes. A característica é de uma aliança balanceada, com suporte mútuo e harmonia. Há a perspectiva de abertura de novos mercados ou atividades, com benefícios mútuos para os participantes. Na eficiência a busca pela produtividade interna da organização leva à formação de alianças para redução de custos ou aumento de receitas. Na estabilidade a incerteza ambiental é o fator que motiva a formação de alianças. Na legitimidade as organizações desenvolvem alianças com outros agentes para obter a legitimidade social baseada em normas, regras, valores e expectativas.

Gulati; Singh (1998) e Kogut (1988) argumentam que a aliança estratégica é um conjunto de relações tanto horizontais quanto verticais no campo organizacional e que essas alianças são efetuadas para acessar recursos críticos, com complementaridade de ativos e para administrar incertezas ambientais. As fontes controladas por duas ou mais firmas são

Page 5: O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular

5

complementares, quando seus valores econômicos combinados são maiores do que o valor de cada firma em separado. Esses autores enumeram motivações para a formação de alianças estratégicas: acesso à informação, recursos, mercados e tecnologias; acesso a vantagens a partir do aprendizado, economia de escala e escopo; divisão de riscos, e terceirização dos estágios da cadeia de valor e funções organizacionais.

Barney e Hesterly (2004) relacionam sete motivações para o estabelecimento de alianças estratégicas: explorar economias de escala, entrada com custo reduzido em novos mercados, entrada com baixo custo em novos segmentos de um ramo, aprender com a concorrência, administrar incertezas estratégicas, administrar custos e partilhar riscos, facilitar a formação de cartéis tácitos. 4 Metodologia

O objetivo dessa pesquisa foi analisar como o ambiente tecnológico se relaciona com a motivação para alianças estratégicas na indústria de biotecnologia brasileira. Trata-se de estudar a relação processual entre os construtos propostos, o que levou à escolha da metodologia de pesquisa qualitativa (YIN, 2001). Buscou-se estudar profundamente o fenômeno de interesse, ou seja, a motivação para alianças, a partir da perspectiva dos próprios gestores envolvidos (GODOY, 1995), utilizando-se a estratégia de estudo de casos, com o objetivo de se preservar as características globais e significativas do evento real. Utilizou-se a estratégia de casos múltiplos, com o objetivo de alcançar maior robustez. O propósito é explanatório, gerando-se proposições explicativas tentativas, não definitivas, a serem testadas em trabalhos posteriores, sobre a relação entre a gestão de alianças e o desempenho da carteira de alianças. A natureza exploratória do estudo se refere à inexistência de trabalhos que explorem a motivação para alianças estratégicas na indústria de biotecnologia a partir da dimensão ambiente tecnológico do sistema de inovação que sejam de conhecimento dos autores. Os procedimentos metodológicos foram divididos em duas etapas. Na primeira, foram levantadas informações sobre o ambiente tecnológico da indústria de biotecnologia e identificadas as empresas pertencentes ao setor. A partir da revisão bibliográfica sobre a indústria de biotecnologia brasileira foram definidos a priori dois níveis de análise e suas categorias de interesse. O primeiro nível de análise é o ambiente tecnológico e as categorias de interesse são suas subdimensões: apropriabilidade, oportunidade, cumulatividade e base de conhecimento. O segundo nível de análise é aliança estratégica contratual formal e a categoria de interesse é a motivação para formação da aliança (Quadro 1).

Quadro 1: Construtos, categorias e fontes teóricas utilizadas na pesquisa.

Níveis da Análise Categorias de Interesse Fonte Apropriabilidade Oportunidade Cumulatividade

Ambiente tecnológico

Base de conhecimento

Malerba e Orsenigo (1993); Malerba (2002, 2004); Zander;

Kogut (1995).

Motivação para formação Gulati; Singh (1998); Oliver

(1990); Kogut (1988); Barney; Hesterly (2004).

Aliança estratégica

Fonte: Desenvolvida pelos autores

A segunda etapa envolveu a coleta dos dados primários de empresas de biotecnologia

brasileiras, escolhidas por conveniência. As empresas foram identificadas no diretório de empresas de biociências elaborado pela Biominas; WPC (2011). As empresas foram contatadas via fone e convidadas a participar por correspondência eletrônica contendo carta

Page 6: O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular

6

convite assinada. O critério para a escolha das organizações foi que tivessem desenvolvido alianças estratégicas contratuais formais nos últimos 3 anos. As primeiras empresas que atenderam ao critério e aceitaram participar foram escolhidas. O número de casos a serem estudados foi norteado pela lógica da saturação da informação, na qual novos casos foram desenvolvidos enquanto não se extinguiu novos assuntos (EISENHARDT, 1989b). Ou seja, foram acrescentados casos até que as informações comecem a se repetir. Estudou-se 3 casos de alianças estratégicas contratuais.

As dimensões do construto ambiente tecnológico foram operacionalizadas a partir de Malerba (2004) e Malerba e Orsenigo (1993). O construto motivação para formação de aliança estratégica foi operacionalizado a partir de Oliver (1990), Gulati; Singh (1998), Kogut (1988) e Barney e Hesterly (2004). Os dados primários foram levantados mediante entrevista sistemática, cujo roteiro foi estabelecido gerando-se questões sobre as variáveis observáveis que operacionalizaram esses construtos. As questões abertas visaram captar a percepção dos gestores em relação aos construtos em estudo a partir das experiências de suas empresas. As entrevistas foram desenvolvidas com os gestores de nível hierárquico 1 ou 2, visando-se evitar vieses relativos às áreas funcionais. As áreas selecionadas para contato inicial nas empresas foram as áreas de novos negócios & inovação e pesquisa & desenvolvimento, responsáveis pelas alianças estratégicas contratuais nas empresas de biotecnologia. Os gestores foram solicitados a responder as questões sobre o ambiente tecnológico do setor. Posteriormente foram solicitados a escolher uma aliança estratégica para estudo e responder as questões do roteiro sobre a motivação para formação da aliança. O roteiro de entrevistas foi pré-testado em uma empresa de biotecnologia. Buscou-se reduzir a ocorrência de distorções e falhas se fixando a observação no período de 2010 a 2012 e via a elaboração de um sumário descritivo com a síntese da entrevista em cada organização para validação pelos gestores.

Os dados coletados foram transcritos e submetidos à análise temática categorial a partir das categorias definidas a priori e apresentadas no Quadro 1 (BARDIN, 2006). Os casos foram primeiramente analisados como um todo. Posteriormente foram analisados segundo as categorias de interesse. Na sequencia foi realizada análise cruzada das categorias entre casos para se identificar fatores de similaridade ou divergência entre as empresas estudadas a partir das categorias de interesse, a fim de extrair proposições tentativas, não definitivas, sobre o relacionamento entre a motivação para as alianças estratégicas e o ambiente tecnológico (EISENHARDT, 1989b). As proposições geradas em cada caso foram contrapostas isoladamente em cada um dos casos visando o melhor entendimento da dinâmica existente e a seguir refinadas pela literatura existente.

5 Resultados

As três empresas participantes da pesquisa atuam na indústria de biotecnologia brasileira, são de controle acionário nacional e possuíam pelo menos cinco contratos de alianças estratégicas ativos no período de 2010 a 2012. Os nomes das empresas e parceiros serão omitidos para se resguardar a confidencialidade dos dados. Algumas características sintetizadas no Quadro 2 revelam um breve perfil das empresas e dos gestores entrevistados.

Quadro 2: Características das empresas e entrevistados.

Empresa/ Estado

Num. Funcs

.

Faturam. Anual (US$)

Tempo Mercado (anos)

Tempo Experiência Gestor na Indústria

Biotecnologia (anos)

Cargo Nível Hierárquico

Tipo Aliança

A / MG 15 1 mi 35 20 Diretor P&D 2 P&D B / PR 12 0,5 mi 8 12 Presidente 1 P&D C / SP 12 0,5 mi 5 5 Presidente 1 P&D

Fonte: Dados da pesquisa

Page 7: O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular

7

Os gestores das empresas de biotecnologia conhecem as características financeiras e operacionais da indústria. Quanto ao nível hierárquico, conforme se observa no Quadro 2, todos os executivos entrevistados ocupam níveis hierárquicos 1 e 2, conforme a metodologia proposta. Na sequência serão apresentadas e discutidas as proposições geradas sobre a relação entre o ambiente tecnológico e a motivação para alianças estratégicas, organizadas pelas quatro dimensões do construto ambiente tecnológico: base de conhecimento, apropriabilidade, oportunidade e cumulatividade (MALERBA; ORSENIGO, 1993).

5.1 Base de Conhecimento do Ambiente Tecnológico

O acesso à informação fora da organização aliado à aprendizagem interorganizacional se mostrou relevante para as organizações estudadas. Existe uma variedade de competências, conhecimentos e disciplinas necessárias, as quais estão distribuídas e segmentadas por diversos agentes.

O core business nosso é inovação tecnológica, mestre, doutor é o que nós precisamos aí e é o que nós temos. Parceiro financeiro, quando falamos com fundos de investimentos, para aprofundar assinamos termos de confidencialidade. Para fazer parceria comercial também, quando fazemos alguns acordos de desenvolvimento tecnológico com a universidade e com profissionais também. Nossos cientistas de processos estão totalmente dedicados a olhar o processo biotecnológico. Os cientistas, com os que fazemos parcerias para aplicações do que desenvolvemos, são cientistas que não são empregados nossos, nós fazemos uma aliança com eles e eles estão aplicando isso na área de especialidade deles. Damos um valor muito especial para as universidades, porque algumas das áreas de pesquisa que nós queremos seguir vai ser muito importante fazê-las em parceria com algumas universidades. Existe uma série, existem hoje centenas de campos que detém conhecimento, que oferece conhecimento, que negocia conhecimento, licencia conhecimento. Existem milhões de formas de negociação a respeito disso. Nós praticamente dependemos muito do conhecimento deles. (Empresa B). A gente está trabalhando com gente que tem doutorado para cima, que tem esse conhecimento bastante específico. Não só dependemos de universidades, como também de laboratórios de análise, outras instituições de pesquisa. Também de consultorias. Pois às vezes, quando tem algum projeto que a gente precisa entender profundamente como é que funciona o organismo em alguma determinada área que a gente não conhece, fígado por exemplo. Que a gente não conhece detalhes do fígado, a gente conta com um médico ou alguém da faculdade como consultor para dar as orientações. Dependemos também dos fornecedores. É estranho dizer que dependo da concorrência, mas sim. Porque os meus parceiros são, ao mesmo tempo, meus concorrentes. Porque, assim, eu tenho parceria com determinado instituto ou laboratório de uma universidade. As empresas, na hora que elas estão com um projeto de pesquisa na mão, querem um parceiro para desenvolver, elas podem tanto acessar uma empresa, como a nós, como acessar a universidade. De consumidores a dependência é mais difícil. É extremamente caro a gente ter o acesso às informações de consumidores. [...] Quando a gente está trabalhando com uma empresa [fornecedor], é o seguinte: nós temos informações, nós temos um processo e eles têm um novo equipamento, por exemplo. Então, nós queremos ver se aquele nosso processo se adequa a esse novo equipamento. E eles querem ver se o equipamento que eles têm é bom para o processo. Todos apreendem. (Empresa A). A gente tem disponíveis essas assessorias e consultorias [...] Além de treinamentos, a gente tem acesso a essas consultorias.... (Empresa C).

Esse resultado demonstra o elevado nível de complexidade da base de conhecimento da

indústria de biotecnologia corroborando com as afirmações de Zander; Kogut (1995). Para

Page 8: O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular

8

esses autores, assim como para Malerba (2002), o ambiente tecnológico e as condições onde os agentes operam podem ser muito diferentes, implicando em diferentes especializações em relação à ciência e à tecnologia. Fica claro que a busca de conhecimento e recursos complementares (GULATI; SINGH, 1998; GULATI; GARGIULO, 2000; KOGUT, 1988) são fatores motivadores para alianças a partir da assimetria que caracteriza as empresas do setor em função das suas diferentes especializações. A motivação é por alianças cooperativas embasadas na reciprocidade e ganhos mútuos de eficiência (OLIVER, 1990). A partir dessas evidências e argumentos teóricos, argui-se que:

Proposição 1 (P1): As empresas da indústria de biotecnologia se especializam, aumentando a complexidade da base de conhecimento do ambiente tecnológico, e a partir da possibilidade parcial de codificação do conhecimento da área são motivadas à troca de conhecimentos via formação de alianças.

5.2 A Apropriabilidade do Ambiente Tecnológico

As empresas brasileiras de biotecnologia usam de estratégias deliberadas para garantir a apropriabilidade: o registro de patentes para proteção inicial, inovações contínuas, contratos de confidencialidade e o acesso restrito por parte dos parceiros ao conhecimento codificado sobre os projetos.

[Proteção Inicial via Patente] Se uma tecnologia é um breakthrough, provavelmente ela não vai patentear. Porque, se patentear, imediatamente perde a propriedade. O concorrente pega, lê aquilo lá, fala: “Ótimo, eu vou partir daqui. Já está pronto, eu vou melhorar isso daqui”. [Melhoria Contínua] Eu acho que é possível olhar o catálogo, o que existe e ir atrás de tentar fazer isso e superá-lo [...] Agora, é aí que é importante a inovação. Ele pode estar olhando o que eu tenho, mas não sabe que estou fazendo diferente hoje. [Codificabilidade e Acesso Restrito] Os fornecedores só sabem aquilo que a gente quer. Em princípio está tudo dentro de um sistema. [...]Eles vão ter acesso a algumas áreas do sistema [...] Isso viabiliza as alianças. (Empresa A) [Proteção Inicial via Patente] Quando você tem um diferencial enorme que ninguém tem é importante patentear por proteção inicial e porque a patente, é uma maneira de se promover, é chamar a atenção para algo novo. [Melhoria Contínua] Mas você tem que estar inovando para estar na frente da concorrência. A gente procura estar sempre além do que o mercado está fazendo. A equipe interna tem que adaptar, melhorar e baratear o nosso produto. [Confidencialidade e Acesso Restrito] Todo tipo de parceria que nós fazemos sempre nos protegemos assinando um termo de confidencialidade. Através de um software do mercado, temos tudo registrado, catalogado, mas, a verdade é que o parceiro, sabe tudo que precisa saber na parceria. Ninguém detém a linha toda tecnológica. (Empresa C)

Observa-se que essas estratégias associadas ao conhecimento tácito, à complexidade social dos projetos e ao volume de recursos financeiros necessários para novos investimentos preservam a assimetria das empresas e suas especializações na indústria (OLIVER, 1990), dificultando a imitação interorganizacional e motivando a formação de alianças estratégicas que permitam o acesso a conhecimento e recursos complementares (GULATI; SINGH, 1998; KOGUT, 1988) de forma embasada na reciprocidade e ganhos de eficiências dos parceiros (OLIVER, 1990).

Na patente, está lá uma descrição, nas informações técnicas e tal. Agora, o know how é aquilo que está na cabeça dos pesquisadores. Então, isso é importante não só

Page 9: O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular

9

pela proteção dos produtos da imitação [...] É uma maneira de garantir a competitividade, um segredo industrial que se usa no desenvolvimento de melhorias contínuas (Empresa A). O custo para desenvolver, produzir essa tecnologia ou produzir uma substância dessa, é um custo tão elevado que eu não sei se terá tantos candidatos a copiar... (Empresa B).

Assim argui-se que:

Proposição 2 (P2): As estratégias deliberadas de apropriabilidade utilizadas pelas empresas de biotecnologia, o Know-how desenvolvido ao longo da trajetória das empresas e o volume de investimentos financeiros necessários para novos projetos formam barreiras de apropriabilidade que dificultam a imitação interorganizacional, estimulando a formação de alianças estratégicas.

Por outro lado há morosidade nas decisões dos órgãos reguladores que diminuem a apropriabilidade do ambiente tecnológico:

Temos um produto novo que nós entramos com o pedido na Anvisa [Agência de Vigilância Sanitária] e no Conep, [Conselho Nacional de Ética e Pesquisa]. No Conep, depois de uns seis meses, eles voltaram fazendo exigências extras, nós nos enquadramos e eles aprovaram. Daí, a Anvisa, depois de um ano, não tinha nem mexido, você é obrigado a ter as duas aprovações, infelizmente. Então, depois de um ano, a técnica da Anvisa, totalmente acadêmica, fez 35 exigências sobre um negócio que já estava aprovado pelo Conep. Quer dizer, então, inclusive se eu mudar, vai ter que voltar [para o Conep]. Não sei como é que vai ser isso, até. Mas, de qualquer forma, 35 exigências. Nós preparamos, respondemos uma por uma das exigências e tivemos uma reunião lá com eles. Então, só para dar um exemplo. Tinha uma exigência que dizia assim, que nós devíamos ter usado chimpanzé em vez de cão na pesquisa pré-clínica. E daí, nós estivemos lá com ela e tal, e o nosso professor mostrou para eles que, na verdade, 99% das pesquisas do mundo são feitas com cão, para essas coisas. Daí, ela disse assim: “-Não, mas vocês podiam fazer com chimpanzé.” Quer dizer, então, umas coisas assim, desse tipo. Aí, falamos: “-Não, mas por que chimpanzé?”, “-Não, porque tem uma multinacional que fez.” Eu falei: “-Olha, acontece o seguinte...” Daí, ele que estava respondendo sempre que era a parte técnica. Aí, eu disse: “-Olha, agora, eu, como empresa, vou dizer para você. Primeiro, está acabado de comprovar que não precisa ser, então isso já mostra que não é necessário. Segundo, que nós não vamos fazer isso. Porque, se formos obrigados a fazer isso, quebra a empresa, porque vai demorar mais dois anos para a gente chegar onde nós já estamos. Quer dizer, para quê? Qual é a razão?” Daí, o médico que estava com ela assessorado: “-Não, eu acho que eles têm razão.” Quer dizer, só para dar uma ideia. Então, a Anvisa, para nós, é um bicho papão, porque nós, como microempresa, não temos capital para ficar esperando anos até eles soltarem um produto nosso que está pronto. Quando soltam, inclusive, às vezes nem é mais novidade, porque, nesse meio tempo, alguém mais já andou nesse campo, ninguém para. Mas, além disso, as exigências são completamente malucas. E ainda, os prazos, porque a Anvisa vai, cada vez mais, absorvendo novas atividades, eles têm uma instalação excelente lá em Brasília. [...] É o único fator fora de controle da gente né [o governo] , eles demoram, não tomam as decisões e não deixam você fazer, você só pode fazer com a autorização dele e ele nem começa a analisar o projeto. Não é que ele esteja achando alguma coisa ruim que você tenha que corrigir, é que ele nem analisa. Eles demoram, não tomam as decisões aumentando o tempo para desenvolvimento dos produtos. Temos vários parados que não andam. Eles atrasam a entrada dos produtos no mercado e travam o setor. (Empresa B).

Page 10: O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular

10

[...] de todas as nossas vinte solicitações de patentes, só uma não foi processada. E adivinha qual? A do Brasil. [...] Então, isso é um desestímulo enorme, na realidade [...] esse é o meu relacionamento com o INPI [Instituto Nacional de Patentes Industriais], a gente depositou uma patente lá e nada. O pior é que via o registro [de depósito] outras empresas podem estar nos copiando. Desse jeito fica difícil financiar projetos. O risco aumenta muito. O jeito é financiar com dinheiro público a custo baixo e arrumar parceiros para dividir o risco. (Empresa A).

Essa situação desestimula a transferência de conhecimento do meio acadêmico para o

comercial, criando-se obstáculos para o financiamento privado (RYAN; FREEMAN; HYBELLS, 1995). Ao mesmo tempo motiva o financiamento público e a realização de alianças para anulação e compartilhamento de risco (BARNEY; HESTERLY, 2004). Assim argui-se que:

Proposição 3 (P3): A morosidade nos órgãos reguladores diminui a apropriabilidade do setor e obstrui o financiamento privado, estimulando o financiamento público e a realização de alianças como estratégias para diminuição e anulação do risco.

5.3 A Oportunidade do Ambiente Tecnológico

A fonte de oportunidades na indústria de biotecnologia parece vir da ciência e dos mercados consumidores.

Essa tecnologia, uma vez transferida em um outro conceito de produto pode ser utilizada em uma variedade de produtos e mercados. Basta descobrir um parceiro que tenha interesse e conhecimento do mercado. (Empresa A). O projeto de pesquisa é uma descoberta [...] Conforme foi avançando, descobrimos novas coisas... também podemos derivar dessa droga para saúde humana uma aplicação para o mercado de cosméticos. Nesse caso desenvolvemos uma nova aliança para atuar nesse mercado (Empresa B).

Há alta distributividade da aplicação das tecnologias em mercados variados estimulando

a formação de alianças para entrada em novos mercados (BARNEY; HESTERLY, 2004). Para Powell; Brantley (1992, p. 367), “... a biotecnologia é um conjunto de tecnologias que estão transformando um enorme número setores da economia”. Corroborando com esses autores Reis; Pieroni; Souza (2010) destacam que a biotecnologia terá pleno aproveitamento, caso competências multidisciplinares, por vezes difíceis de reunir em uma única organização, trabalhem em conjunto. Assim, argui-se que:

Proposição 4 (P4). A distributividade da aplicação da tecnologia em mercados variados cria um ambiente de oportunidade elevada que favorece e motiva a formação de alianças para atuação em novos mercados.

Por outro lado, na percepção dos gestores entrevistados as universidades têm um papel

fundamental no aproveitamento da oportunidade do ambiente tecnológico. Como ocorre em países desenvolvidos, as empresas têm aumentado sua participação em pesquisa por meio de alianças estratégicas empresa-universidade. Contudo, os entrevistados percebem que as empresas não conhecem o funcionamento das universidades e vice-versa.

Nós temos uma longa experiência positiva nessa área. E olha que mesmo assim a grande dificuldade é a relação com a universidade. São mundos muito diferentes o

Page 11: O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular

11

mercado e a universidade. As empresas e as universidades precisam se conhecer melhor. (Empresa A) Eu acho que é muito difícil o diálogo da empresa com o pesquisador. Porque cada um está olhando com um prisma diferente. [...] uma fundação intermediária, ajuda nesse aspecto porque consegue dar uma certa equilibrada. [...] com uma universidade pública aliada foi uma experiência muito complicada [...] Eu acho que acaba tendo necessidade do pesquisador ter o mínimo de espírito prático, porque senão, o negócio voa e não chega a nada. (Empresa B)

Assim argui-se que: Proposição 5 (P5). As dificuldades de relacionamento entre universidade-empresa pela falta de conhecimento recíproco desmotiva a formação de alianças estratégicas na indústria.

Na percepção dos gestores nos últimos anos o governo tem estabelecido políticas

públicas de inovação para o País, desenvolvendo um grande esforço para fortalecer e consolidar o sistema de inovação, com diversos programas de financiamento público, motivando a formação de alianças para se aproveitar a oportunidade do ambiente tecnológico.

Nunca se teve tanto financiamento público para novos projetos na indústria de biotecnologia. (Empresa B). Muitas agências exigem alianças principalmente com universidades para acesso ao fnanciamento (Empresa C).

Argui-se que:

Proposição 6 (P6). O financiamento público estimula o aproveitamento da oportunidade do ambiente tecnológico, motivando a criação de alianças estratégicas.

5.4 Cumulatividade do Ambiente Tecnológico

Diferentemente dos trabalhos anteriores (EISENHARDT, 1989a; BAUM; WALLY, 2003), na percepção dos gestores, a tecnologia na indústria de biotecnologia não é instável e disrruptiva.

Radicalmente diferente fizemos nos anos 90 quando se utilizava uma tecnologia de extração de órgãos animais e passou a se usar a tecnologia de DNA recombinante, aí sim houve mudança radical, mas, no ambiente atual não há inovações tecnológicas radicais na indústria (Empresa A). Não há mudanças radicais nas biotecnologias. Elas são relativamente estáveis. Por isso a demora nos reguladores se torna crítica. Porque se você pensar no financiamento público disponível hoje em dia, a imitação dos produtos é facilitada. Mesmo que o concorrente não entre no seu mercado. Ele pode copiar com base no seu registro de depósito, mudar alguma coisa e avançar em outro mercado. Pronto é só registrar o novo produto e você fica para trás (Empresa B).

Assim argui-se que:

Proposição 7 (P7): A cumulatividade e a oportunidade do ambiente tecnológico de biotecnologia associadas à disponibilidade de

Page 12: O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular

12

financiamento público e à morosidade das agências reguladoras desestimula a formação de alianças para criação de novos produtos e estimula o uso da estratégia de inovação incremental e imitação pelas empresas.

6 Modelo Estrutural para Teste da Teorização Proposta

O modelo causal exploratório baseado na teoria (WILLIAMS; EDWARDS; VANDENBERG, 2003) apresentado na Figura 1, exibe a relação lógica proposta entre os construtos: ambiente tecnológico e motivação para alianças estratégicas na indústria de biotecnologia. O construto ambiente tecnológico foi modelado de forma reflexiva e é composto pelas variáveis latentes de primeira ordem base de conhecimento, apropriabilidade, oportunidade e cumulatividade (MALERBA; ORSENIGO, 1993; MALERBA, 2004). O construto motivação para a aliança estratégica foi modelado como uma variável latente de primeira ordem (OLIVER, 1990; GULATI; SINGH, 1998; KOGUT, 1988; BARNEY; HESTERLY, 2004).

Figura 1: Modelo estrutural para teste da teorização proposta.

Fonte: Desenvolvido pelos autores.

7 Considerações Finais

A presente pesquisa teve como objetivo levantar exploratoriamente como ocorre a relação entre o ambiente tecnológico e a motivação para formação de aliança estratégica contratual na indústria de biotecnologia brasileira. Esse objetivo foi alcançado. Sua principal contribuição está na teorização desenvolvida que propõe que o ambiente tecnológico influencia na motivação para formação de alianças conforme as proposições tentativas, não definitivas, induzidas a partir dos dados. O trabalho apresenta um modelo estrutural para teste

Page 13: O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular

13

dessa teoria (Figura 1). A aplicação do modelo na indústria de biotecnologia brasileira é promissora uma vez que essa é uma indústria estratégica para a política industrial e que vem apresentando desenvolvimento expressivo na economia brasileira, se caracterizando por um grande número de alianças estratégicas contratuais formais.

A teorização gerada nessa pesquisa propõe que o ambiente tecnológico é um fator antecedente à motivação para o engajamento dos agentes de um setor de atividade empresarial na forma organizacional de alianças estratégicas, podendo explicar o porquê determinadas indústrias e setores se caracterizam pela elevada incidência de alianças enquanto outros não. A expectativa é que o modelo estrutural exploratório proposto nessa pesquisa seja testado futuramente a partir da técnica estatística de modelagem por equações estruturais em diversos setores de atividade empresarial caracterizados pela centralidade das alianças estratégicas na dinâmica da competição, como nos setores aeronáutico e de aviação e de software.

Do ponto de vista metodológico o artigo contribui com a possibilidade de que o ambiente tecnológico seja utilizado como uma proxy para a mensuração da motivação para formação de alianças estratégicas contratuais nos setores de atividade empresarial.

O ambiente tecnológico deve ser considerado nas decisões sobre a estratégia cooperativa das empresas. Traços de codificabilidade do conhecimento, segmentação das empresas em atividades específicas, existência de barreiras de apropriabilidade e a distributividade da tecnologia produtiva em mercados variados sugerem o emprego de estratégias cooperativas via alianças contratuais com o objetivo de melhoria da assimetria em conhecimentos e recursos via relações baseadas em reciprocidade e aumento de eficiência dos agentes.

Essas características devem também apoiar as decisões de políticas de investimento público em inovação. Decisões sobre solicitações de financiamento público dos agentes para investimento em P&D devem incentivar o uso de alianças estratégicas em setores caracterizados dessa forma.

Vale destacar que as proposições e implicações resultantes deste trabalho devem ser utilizadas com cautela e ser entendidas como proposições tentativas, não definitivas, a serem confirmadas em pesquisas futuras. Referências BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2006.

BARLEY, S. R., FREEMAN, J., HYBELS, R.C. Strategic alliances in commercial biotechnology. In NOHRIA, N.; ECCLES, R.G. (Eds), Networks and Organizations, Harvard Business School Press, 311-47, 1992.

BARNEY, J. B.; HESTERLY, W. Handbook de Estudos Organizacionais. In: Economia das Organizações, Ed. Atlas. v.3, 2004.

BATAGLIA, W.; MEIRELLES, D.. Population ecology and evolutionary economics: towards an integrative model. Journal of Management Research, v.7:2, 87-101. 2009.

BATAGLIA, W.; SILVA, A. A.; KLEMENT, C. As dimensões da imitação entre empresas. RAE. Revista de Administração de Empresas, v.51:2, 160-174. 2011.

BAUM, J. R.; WALLY, S. Strategic decision speed and firm performance. Strategic Management Journal, v.24, 1107-1129, 2003.

BIOMINAS; PWC A indústria de biociências nacional. Belo Horizonte: Fundação Biominas Brasil, 2011.

Page 14: O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular

14

BOWER, J.L. Not all M&As are alike. Harvard Business Review, v.79, 93-101, 2001.

EISENHARDT, K. M. Building theory from case study research. Academy of Management Review, v.14:4, 532-550, 1989b.

EISENHARDT, K. M.; MARTIN, J. A. Dynamic capabilities. Strategic Management Journal, v.21, 1105-1121, 2000.

EISENHARDT, K.M. Making fast strategic decisions in high-velocity environments. Academy of Management Journal, v.32:3, 543-576, 1989a.

ESTRELLA, A; BATAGLIA, W. A Influência da Rede de Alianças no Crescimento das Empresas de Biotecnologia de Saúde Humana na Indústria Brasileira. Organizações & Sociedade, v.20:64, 2013.

GODOY, Arilda S. A Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. RAE - Revista de Administração de Empresas, v. 35:3, 20-29, 1995.

GULATI, R.; GARGIULO, M. Where do interorganizational networks come from? American Journal of Sociology, 1439-1493, 1999.

GULATI, R.; SINGH, H. The architecture of cooperation. Administrative Science Quarterly, v.43:4, 781-814, 1998.

KOGUT, B. Joint Venture. Strategic Science Journal, v.9, 319-332, 1988.

MALERBA, F. Sectoral systems of innovation and production. Research Policy, v.31, 247-264, 2002.

MALERBA, F. Sectorial systems of innovation. Cambridge University Press. 2004.

MALERBA, F.; ORSENIGO, C. Technological Regimes and Firm Behavior, Industrial and Corporate Change, v.2:1, 1993.

OCDE - ORGANIZAÇÃO DE COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO – OCDE. Biotechnology. Paris: OCDE. 1989.

OLIVER, C. Determinants of interorganizational relationships, Academy of Management Review, v.15:2, 241-265, 1990.

PISANO, G. The governance of innovation. Research Policy, v.20, 237-249, 1991.

POWELL, W. W.; WHITE, D. R.; KOPUT, K. W.; OWEN-SMITH, J. Network Dynamics and Field Evolution. The American Journal of Sociology, v.110:4, 1132-1205, 2005.

POWELL, W.W. BRANTLEY, P. Competitive cooperation in biotechnology In: NOHRIA, N; ECCLES, R. Network and Organizations. Boston: Harvard Business Press, 1992.

POWELL, W.W; KOPUT, K.W.; OWEN-SMITH, J. Interorganizational collaboratrion and the locus of innovation. Administrative Science Quarterly, v.1, 116-145, 1996.

POWELL, W.W; KOPUT, K.W.; SMITH-DOERR, L.; OWEN-SMITH, J. I. Network Position and Firm Performance. In BARCHARACH, S. B.; ANDREWS, S. ; KNOKE, D. Research in the Sociology of Organizations. Stanford, Press Inc., 1999.

REIS, C.; PIERONI, J. P.; SOUZA, J. O. B. Biotecnologia para saúde no Brasil. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, v.32, 193-230, 2010.

RYAN, A.; FREEMAN, J; HYBELS, R. Biotechnology firms. In CARROLL, G. R.; STUART, T. E. Network Positions and Propensities to Collaborate. Administrative Science Quartely, v.43, 668-698, 1998.

Page 15: O Ambiente Tecnológico como Antecedente da Motivação para ... · limitado pela ausência do domínio das competências envolvidas nas várias etapas do processo inovativo, em particular

15

WILLIAMS, L. J.; EDWARDS, J. R.; VANDENBERG, R. J. Recent Advances in Causal Modeling Methods for Organizational and Management Research. Journal of Management, v.29:6, 903–936. 2003.

YIN, R.K. Case Study Research: Design and methods. London: Sage, 1994.

ZANDER, U.; KOGUT, B. Knowledge and the Speed of the transfer and imitation of organizational capabilities. Organization Science, v.6:1, 76-92, 1995.