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38 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 22, NOVEMBRO 2005 Recebido em 17/11/03; aceito em 4/11/05 Lixo, cidadania e ensino O ALUNO EM FOCO O lixo representa, hoje, uma grave ameaça à vida no Planeta por duas razões fundamentais: a sua quantidade e seus perigos tóxicos. Em toda parte do mundo, a mídia incentiva as pes- soas a adquirirem vários produtos e a substituírem os mais antigos por ou- tros, mais moder- nos, provocando a insensatez do uso indiscriminado dos recursos naturais. Este fato tem levado ao grande volume de lixo produzido no mundo, cujo aumen- to foi três vezes maior que o popula- cional, nos últimos 30 anos. No Brasil, cada pessoa produz cerca de um quilo de lixo por dia e são descar- tados, diariamente, mais de 125 mil toneladas de restos de comida, em- balagens e outros resíduos (Colavitti, 2003). Do material descartado no Brasil, 76% é abandonado a céu aberto em locais impróprios, permitindo a proli- feração de vetores capazes de trans- mitir várias doenças. A matéria orgâ- nica disposta de forma desordenada entra em processo de putrefação, formando uma outra mistura com- plexa de gases de metano, dióxido de carbono, sulfídrico, amônia, hidrogênio, mercap- tanas, indol e outros ácidos orgânicos vo- láteis, os quais, quando em contato com o sistema respi- ratório de seres humanos, podem causar lesões irrever- síveis e levar à morte. Um outro problema é a contaminação dos recursos hídri- cos devido à migração de chorume, líquido negro resultante também do processo descontrolado de putrefa- ção do lixo (Fadini e Fadini, 2001). A compreensão dos aspectos científicos que envolvem esse proble- ma é importante porque pode propor- cionar ao cidadão a reflexão sobre o seu papel como integrante desse contexto e embasar seus posiciona- mentos. O estudo das transforma- ções químicas que ocorrem no lixo, conforme ressaltam Rosa e Schnetzler (1998), além de propiciar aprendizagem desse conceito, pode auxiliar a compreensão de vários aspectos que envolvem os proble- mas ambientais. Este artigo relata um trabalho de- senvolvido em sala de aula, utilizando uma abordagem contextualizada, a partir do tema lixo, com o objetivo de levar os alunos a compreenderem as relações existentes entre o lixo, sua produção, seus impactos ambientais e os conceitos químicos envolvidos, como propriedades e transforma- ções da matéria. Desenvolvimento do trabalho Participaram 55 alunos (13 a 15 anos) da 8ª série do Ensino Funda- mental. Os dados sobre as concep- ções dos alunos antes e após a intervenção foram coletados através de dois questionários envolvendo 7 questões abertas e as respostas fo- ram categorizadas como pode ser visualizado no Quadro 1. O trabalho iniciou com pesquisas realizadas pelos alunos em Internet, livros, revistas e jornais sobre os Marilia Gabriela de Menezes, Rejane Martins Novais Barbosa, Zélia Maria Soares Jófili e Anna Paula de Avelar Brito Menezes Este artigo relata um trabalho desenvolvido em sala de aula com alunos da 8ª série do Ensino Fundamental sobre os aspectos sociocientíficos do lixo e descreve a análise das concepções dos alunos antes e depois do desenvolvimento das atividades. O tema lixo foi escolhido por ser considerado um dos maiores causadores da degradação ambiental e, portanto, de grande relevância social. Os resultados sugerem que o trabalho envolvendo temas sociais e atividades práticas contextualizadas pode propiciar uma evolução conceitual dos conteúdos abordados e uma postura mais comprometida com o ambiente. cidadania, ensino de ciências, lixo A seção “O aluno em foco” traz resultados de pesquisas sobre idéias informais dos estudantes, sugerindo formas de levar essas idéias em consideração no ensino-aprendizagem de conceitos científicos. O estudo das transformações químicas que ocorrem no lixo, além de propiciar aprendizagem desse conceito, pode auxiliar a compreensão de vários aspectos que envolvem os problemas ambientais

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 22, NOVEMBRO 2005

Recebido em 17/11/03; aceito em 4/11/05

Lixo, cidadania e ensino

O ALUNO EM FOCO

O lixo representa, hoje, umagrave ameaça à vida noPlaneta por duas razões

fundamentais: a sua quantidade eseus perigos tóxicos. Em toda partedo mundo, a mídia incentiva as pes-soas a adquirirem vários produtos ea substituírem osmais antigos por ou-tros, mais moder-nos, provocando ainsensatez do usoindiscriminado dosrecursos naturais.Este fato tem levadoao grande volumede lixo produzido nomundo, cujo aumen-to foi três vezes maior que o popula-cional, nos últimos 30 anos. No Brasil,cada pessoa produz cerca de umquilo de lixo por dia e são descar-tados, diariamente, mais de 125 miltoneladas de restos de comida, em-balagens e outros resíduos (Colavitti,2003).

Do material descartado no Brasil,76% é abandonado a céu aberto emlocais impróprios, permitindo a proli-

feração de vetores capazes de trans-mitir várias doenças. A matéria orgâ-nica disposta de forma desordenadaentra em processo de putrefação,formando uma outra mistura com-plexa de gases de metano, dióxidode carbono, sulfídrico, amônia,

hidrogênio, mercap-tanas, indol e outrosácidos orgânicos vo-láteis, os quais,quando em contatocom o sistema respi-ratório de sereshumanos, podemcausar lesões irrever-síveis e levar à morte.Um outro problema é

a contaminação dos recursos hídri-cos devido à migração de chorume,líquido negro resultante também doprocesso descontrolado de putrefa-ção do lixo (Fadini e Fadini, 2001).

A compreensão dos aspectoscientíficos que envolvem esse proble-ma é importante porque pode propor-cionar ao cidadão a reflexão sobre oseu papel como integrante dessecontexto e embasar seus posiciona-

mentos. O estudo das transforma-ções químicas que ocorrem no lixo,conforme ressaltam Rosa eSchnetzler (1998), além de propiciaraprendizagem desse conceito, podeauxiliar a compreensão de váriosaspectos que envolvem os proble-mas ambientais.

Este artigo relata um trabalho de-senvolvido em sala de aula, utilizandouma abordagem contextualizada, apartir do tema lixo, com o objetivo delevar os alunos a compreenderem asrelações existentes entre o lixo, suaprodução, seus impactos ambientaise os conceitos químicos envolvidos,como propriedades e transforma-ções da matéria.

Desenvolvimento do trabalhoParticiparam 55 alunos (13 a 15

anos) da 8ª série do Ensino Funda-mental. Os dados sobre as concep-ções dos alunos antes e após aintervenção foram coletados atravésde dois questionários envolvendo 7questões abertas e as respostas fo-ram categorizadas como pode servisualizado no Quadro 1.

O trabalho iniciou com pesquisasrealizadas pelos alunos em Internet,livros, revistas e jornais sobre os

Marilia Gabriela de Menezes, Rejane Martins Novais Barbosa, Zélia Maria Soares Jófilie Anna Paula de Avelar Brito Menezes

Este artigo relata um trabalho desenvolvido em sala de aula com alunos da 8ª série do Ensino Fundamental sobreos aspectos sociocientíficos do lixo e descreve a análise das concepções dos alunos antes e depois dodesenvolvimento das atividades. O tema lixo foi escolhido por ser considerado um dos maiores causadores dadegradação ambiental e, portanto, de grande relevância social. Os resultados sugerem que o trabalho envolvendotemas sociais e atividades práticas contextualizadas pode propiciar uma evolução conceitual dos conteúdos abordadose uma postura mais comprometida com o ambiente.

cidadania, ensino de ciências, lixo

A seção “O aluno em foco” traz resultados de pesquisas sobre idéias informais dos estudantes, sugerindo formas delevar essas idéias em consideração no ensino-aprendizagem de conceitos científicos.

O estudo dastransformações químicas

que ocorrem no lixo, alémde propiciar aprendizagem

desse conceito, podeauxiliar a compreensão de

vários aspectos queenvolvem os problemas

ambientais

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impactos do lixo no ambiente e nasaúde humana; os tipos de resíduos;alternativas existentes de tratamentoe possíveis soluções para o proble-ma. As informações foram organi-zadas e apresentadas na sala paraserem debatidas com a turma. Em se-guida os alunos visitaram o lixão deAguazinha (Olinda - PE) e o aterrocelular controlado da Muribeca(Jaboatão dos Guararapes - PE), sen-do este último o maior em operaçãono Estado.

Na sala de aula,os alunos em gruposrealizaram um expe-rimento (Mól et al.,2003, p. 32) com oobjetivo de observarocorrências que per-mitissem identificarreações químicas,discutindo questõesrelacionadas àstransformações queocorrem tanto no lixo como em outroscontextos.

Outras atividades (Mortimer e Ma-chado, 2003), envolvendo as proprie-dades organolépticas e físicas dosresíduos foram desenvolvidas objeti-

vando um olhar dos alunos para o lixode suas residências. Antes de iniciaras atividades, a professora reuniu-secom os pais para sensibilizá-los sobrea importância da participação dafamília. Os alunos observaram o lixode suas residências durante umasemana e fizeram um levantamentodos objetos encontrados. Na sala deaula, em grupos, os alunos organiza-ram as informações e construíram umquadro com as propriedades e os as-pectos dos materiais, discutindo

como utilizar as pro-priedades organo-lépticas para identi-ficar alguns tipos demateriais.

Depois de esta-belecidos os crité-rios para a separa-ção do lixo, os alu-nos, com a ajuda desuas famílias, reali-zaram durante três

semanas a coleta seletiva do lixo do-méstico. Essa atividade visoudespertá-los para a importância dacoleta seletiva na reciclagem, dimi-nuindo assim o volume final do lixo,e para introduzir o conceito de den-

sidade a partir do volume e massado lixo produzido em suas casas.Outra atividade procurou relacionara flutuação, ou não, de objetos emlíquidos, com sua densidade (Mól etal., 2003, p. 48). Ao final os alunosresponderam questões relacionadasaos conceitos trabalhados, calculan-do a densidade e construindo gráfi-cos estatísticos a partir dos dados demassa, volume e densidade do seulixo doméstico.

O que é lixo? E quais os seusimpactos?

Inicialmente, quando questiona-dos sobre o que é lixo, 21 alunos afir-maram que é aquilo que já usamos,mas pode ser reaproveitado, 3 alunosderam respostas evasivas e a maioria- 31 alunos - o concebeu como algoque não presta e não serve mais.

- Lixo é tudo que nós usamose jogamos fora, tudo que nãotem mais utilidade, que é sujoe que não presta. (A21)

Respostas como esta sugeriamuma não consciência do valor do lixoe da importância da sua reciclagem,retratando uma sociedade consumis-ta, desinformada e despreocupadacom a repercussão de suas ações nomeio ambiente. É importante que oconceito de lixo seja revisto, deixandode ser enxergado como uma coisasuja e inútil em sua totalidade.

Após a intervenção, a compreen-são de que o lixo é algo que já usa-mos, mas pode ser reaproveitado, foiapontado pela maioria (46 alunos).Esses alunos ressaltaram ser o con-ceito de lixo relativo - o que é lixo parauns pode ser útil para outros (A31) -,demonstrando uma nova percepçãodo lixo como material que pode serreutilizado ou reciclado. Apenas 9alunos continuaram afirmando ser lixoo que não presta.

Os problemas ambientais e desaúde causados pelo acondiciona-mento inadequado do lixo mais cita-dos antes e após a intervenção forama destruição do solo e da natureza eas doenças. Alguns alunos, após aintervenção, também fizeram referên-cia a problemas sociais como os daspessoas que sobrevivem nos lixões.

Quadro 1 - Categorias estabelecidas para análise dos dados.

Questões Categorias

O que é lixo? O que não presta e não serve mais;O que já usamos, mas pode serreaproveitado;Evasivas.

Quais os problemas Impactos na saúde humana;causados pelo lixo? Impactos no meio ambiente.

Qual o destino do lixo? Lixões;Aterro sanitário e reciclagem;Rios e canais.

O que fazer com o lixo? Reciclar;Desprezar ou queimar;Reduzir, reutilizar e reciclar;Reciclar, incinerar e transportar para aterrossanitários;Evasivas.

Quais as transformações que ocorrem Aspectos macroscópicos; com o lixo com o passar do tempo? Aspectos microscópicos.

Como utilizar as propriedades Compreensão da propriedade;organolépticas para Não compreensão da propriedade.identificar substâncias?

A propriedade densidade pode ser Compreensão da propriedade;utilizada na escolha de um método Não compreensão da propriedade.de separação de cacos de vidroe serragem? Justifique.

O levantamento inicialsugeriu uma não consciência

do valor do lixo e daimportância da sua

reciclagem, retratando umasociedade consumista,

desinformada edespreocupada com a

repercussão de suas açõesno meio ambiente

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O que fazer com o lixo?Antes da intervenção, na questão

que envolvia o conhecimento sobreo destino do lixo na cidade, a maioria(40 alunos) referiu-se aos lixões apa-rentando conhecer o contexto socialem que estão inseridos, mas nãodemonstrando uma clara consciênciadas consequências do tratamentoinadequado do lixo. Os outros alunos(15) apontaram os aterros sanitáriose a reciclagem como destino final dolixo. Após as atividades e, princi-palmente, após as visitas, 53 alunosdemonstraram entender que a maiorparte do lixo da cidade vai para oslixões e para o aterro celular,ressaltando que o aterro celular é omais adequado, pela impermea-bilização do solo e pelo tratamentodo chorume, evitando a contami-nação dos recursos hídricos e a des-truição do solo. Também apontaraminúmeras desvantagens dos lixões,como mau cheiro,proliferação de do-enças, poluição daságuas do solo, po-luição do ar atmos-férico e problemassociais geradospelas pessoas quesobrevivem nesseslocais. Os 2 alunosrestantes relataramque uma parte do lixo é jogada nosrios e canais.

Quanto ao que deveria ser feitocom o lixo, inicialmente 49 alunossugeriram a reciclagem. Os outros 6deram respostas descomprometidascom o problema e revelaram nãoconhecer os impactos ambientais detais ações, como por exemplo: Fazernada; Jogar o lixo para o espaço;Queimar. Entretanto, no questionáriofinal, foram citadas várias soluçõespara o problema, como: reduzir, reu-tilizar e reciclar (22 alunos) ou reciclar,incinerar e transportar para aterrossanitários (31 alunos). A indicaçãodos 3R pode sugerir uma cons-cientização dos alunos quanto àimportância da redução do lixo. Ape-nas 2 alunos deram respostas eva-sivas.

As transformações que ocorrem nolixo são...

Todas as respostas dos alunossobre as transformações que ocor-rem no lixo com o passar do tempo,antes da intervenção, se situavam nonível macroscópico:

- O lixo como qualquer outra coi-sa apodrece, desgasta; (A39)- O lixo vai desaparecendo co-mo o vento, a água e a terra. (A28)

Durante a atividade prática as ex-plicações da maioria dos alunos eramdirecionadas para as mudançasvisíveis que ocorrem com as substân-cias, sem fazer referência às mudan-ças microscópicas. Também confun-diam transformação química commudança de estado (mudou o estadofísico formou então novas substân-cias), além de recorrerem a uma es-pécie de ‘transmutação irreversível’1

para explicar as transformaçõesquímicas. Tais resul-tados corroboram arevisão de literaturarealizada por Rosa eSchnetzler (1998), naqual constataramque as explicaçõesdos alunos sobretransformações quí-micas concentram-se no nível macros-

cópico. Contudo, após as atividades(experimentos e exercícios), 36 alunosfocaram suas explicações no nívelmicroscópico. Apesar de não utili-zarem termos científicos como áto-mos e moléculas, demonstraramcompreender as modificações queocorrem no nível atômico-molecularnas transformações químicas, comopode ser visto nos depoimentos:

- Transformação química équando há alteração na cons-tituição da substância do ma-terial utilizado. Transformaçãofísica não altera a constituiçãoda substância do materialutilizado. (A16)

Os outros permaneceram com avisão macroscópica (11 alunos) oucontinuaram com o modelo da trans-

mutação irreversível (8 alunos).

- A transformação química éuma transformação que alteraquimicamente o seu produtonão sendo possível ‘destrans-formá-la’. A transformação físi-ca é uma transformação que sómuda fisicamente, como umasubstância separada, mas quese juntar volta a ser a mesmaque era antes. (A55)

No questionário final, tal resultadofoi confirmado quando os alunos, aoclassificarem as transformações ocor-ridas com o lixo, utilizaram justifica-tivas envolvendo o nível microscópi-co, como, por exemplo, a descriçãode alterações na constituição dassubstâncias:

- Química, porque mexe na es-trutura da matéria e física por-que não mexe com a estruturadela. (A21)

Investigando o lixo domésticoDurante a separação do lixo do-

méstico os alunos fizeram uso daspropriedades organolépticas e per-ceberam que, em muitas ocasiões,essas propriedades não servem paraidentificar os materiais. Por exemplo,quando questionados se é possívelutilizar as propriedades organolép-ticas para identificar duas substânciasaparentemente iguais, a maioria (42alunos) disse que não.

- Poderia identificá-la atravésdas propriedades específicasde cada substância. Não po-deria usar as organolépticas,pois as substâncias são apa-rentemente iguais e desco-nhecidas, podendo ser perigo-sas. (A43)

Na atividade prática sobre densi-dade, grande parte dos alunos atri-buiu a ordem da disposição dosmateriais à sua massa: quem é maispesado desce. Ao serem confronta-dos com uma situação onde um pe-daço de madeira flutuava na água eum alfinete afundava, os alunos per-ceberam que a flutuação dos objetosestá relacionada com o material de

Durante a separação dolixo doméstico os alunos

fizeram uso daspropriedades

organolépticas eperceberam que, emmuitas ocasiões, essas

propriedades não servempara identificar os materiais

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que são formados e com a relaçãoentre sua massa e volume. Ao respon-derem qual a propriedade específicada matéria que os catadores do lixãode Aguazinha podem utilizar para se-parar cacos de vidro que estão mis-turados com serragem, a maioria (31alunos) apontou a densidade ou,mesmo não utilizando o termo densi-dade, demonstraram em suasexplicações a compreensão dessapropriedade (13 alunos); apenas 11alunos não citaram a propriedadedensidade.

- Vai ser usada a densidade,pois a serragem vai ser menosdensa em relação ao vidro, en-tão se soltarmos os cacos devidro com a serragem dentroda água, os cacos vão afundare a serragem vai subir (flutuar),pois o vidro é mais denso quea água e a serragem é menosdensa que a água. (A19)

A comparação dos gráficos esta-tísticos sobre a com-posição do lixo do-méstico possibilitouaos alunos percebe-rem as diferençasnos padrões de con-sumo das suas famí-lias; identificarem osprodutos mais con-sumidos; refletirem sobre os im-pactos ambientais que esses pro-dutos acarretam e sobre as possibili-dades de minimizar os resíduos, co-mo pode se observar no diálogo en-tre dois alunos:

A20 - Na minha casa utiliza-mos muitas embalagens de vi-dro.

A23 - Por quê?A20 - Porque bebemos muito

suco, principalmente no almo-ço.

A23 - E vocês não fazem sucoda fruta?

Abstract: Garbage, Citizenship and Teaching: Interwinding Paths - This paper reports on a work carried out in the classroom with 8th-grade students on the socio-scientific aspects of garbage anddescribes the analysis of students’ conceptions before and after the activities. The theme garbage was chosen for being considered one of the greatest causers of environmental degradation and,hence, having great social relevance. The results suggest that work involving social themes and contextualized practical activities can lead to a conceptual evolution of the treated themes and to aposture more engaged with the environment.Keywords: citizenship, science teaching, garbage

Referências bibliográficasCOLAVITTI, F. O que fazer com o

lixo? Revista Galileu, n. 143, p. 39-50,2003.

FADINI, P.S. e FADINI, A.A.B. Lixo:Desafios e compromissos. Em: GIOR-DAN, M. e JARDIM, W.F. (Eds.). Ca-dernos Temáticos de Química Nova naEscola (Química Ambiental), n. 1, p. 9-18, 2001 (disponível no endereço:http://sbqensino.foco.fae.ufmg.br/caderno_quimica_ambiental).

MÓL, G.S. e SANTOS, W.L.P. (Orgs.).Química e sociedade: A ciência, osmateriais e o lixo. São Paulo: Nova Ge-ração, 2003.

MORTIMER, E.F. e MACHADO, A.H.Química para o Ensino Médio. São Pau-lo: Scipione, 2003. p. 50-53.

MORTIMER, E.F. e MIRANDA, L.C.Transformações: Concepções de estu-dantes sobre reações químicas. Quí-mica Nova na Escola, n. 2, p. 23-26,1995.

ROSA, M.I.F.P. e SCHNETZLER, R.P.Sobre a importância do conceito detransformações química no processode aquisição do conhecimentoquímico. Química Nova na Escola, n.8, p. 31-35, 1998.

Para saber maisBRAGA JR., B.P.F.; HESPANHOL, I.;

CONEJO, J.G.L.; BARROS, M.T.L. dee VERAS JR., M.S. Introdução à Enge-nharia Ambiental. São Paulo: PrenticeHall, 2002.

SANTOS, W.L.P. e SCHNETZLER,R.P. Educação em Química: Compro-misso com a cidadania. 2ª ed. Ijuí: Ed.Unijuí, 2000.

A20 - Não dá tempo, tem queser suco de garrafa.

A23 - Lá em casa fazemos di-reto da fruta; é melhor e nãojoga fora tanto vidro.

Ao final, 50 alunos passaram aacreditar que é possível reduzir aquantidade de lixo. Quanto à melhorforma de proceder, 29 alunos sugeri-ram a reutilização e reciclagem dosmateriais, 13 alunos chegaram aapontar os 4R (recusar produtos in-dustrializados que apresentam riscosao ambiente; pensar em todas as ma-neiras de reduzir o lixo; reaproveitar oque for possível e enviar materiaispara reciclar) e 8 alunos sugeriramreciclar o que for possível e incineraro restante.

O trato pedagógico utilizado nestetrabalho promoveu um maior envol-vimento dos alunos nas aulas de Quí-mica, constatado pela professora, ea evolução dos conceitos químicos,podendo assim contribuir para o sur-gimento de uma postura mais res-

ponsável diante dasquestões sociais,tecnológicas e am-bientais do lixo.

Nota1. Segundo Mor-

timer e Miranda(1995), uma trans-

mutação irreversível acontece quandouma substância pode ser transfor-mada em outra sem que ocorra re-versão do processo.

Marilia Gabriela de Menezes ([email protected]), bacharel em Química e mestre emEnsino das Ciências pela Universidade FederalRural de Pernambuco (UFRPE), é professora deCiências no Ensino Fundamental e no EnsinoMédio. Rejane Martins Novais Barbosa([email protected]), bacharel em Quí-mica e mestre em Bioquímica pela UniversidadeFederal de Pernambuco (UFPE), doutora emEducação Química pela Universidade EastAnglia (Inglaterra), é docente do Departamentode Química e do Programa de Pós-Graduaçãoem Ensino de Ciências da UFRPE. Zélia Maria

Ao final, a maioria dosalunos passou a acreditarque é possível reduzir aquantidade de lixo, seja

reutilizando-o, reciclando-oou mesmo adotando o

princípio dos 4R

Soares Jófili (jó[email protected]), bacharel emSociologia pela UFPE, mestre em Tecnologia daEducação pelo INPE-CNPq e doutora em Edu-cação (Ensino das Ciências) pela Universidadede Surrey (Inglaterra), é docente do Departa-mento de Educação da Universidade Católicade Pernambuco e professora associada aoPrograma de Pós-Graduação em Ensino deCiências da UFRPE. Anna Paula de Avelar BritoMenezes ([email protected]), psicóloga,mestre em Psicologia e doutoranda em Edu-cação pela UFPE, é docente do Departamentode Educação da UFRPE.