O AGRONEGÓCIO COMO FATOR DE INFLUÊNCIA NA...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
O AGRONEGÓCIO COMO FATOR DE INFLUÊNCIA
NA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA: A DISPUTA
DO ALGODÃO ENTRE BRASIL E ESTADOS UNIDOS
(2002-2014)
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Cássia Caroline Cerezer Casarotto Faccin Carpenedo
Santa Maria, RS, Brasil
2015
O AGRONEGÓCIO COMO FATOR DE INFLUÊNCIA NA
POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA: A DISPUTA DO
ALGODÃO ENTRE BRASIL E ESTADOS UNIDOS (2002-2014)
Cássia Caroline Cerezer Casarotto Faccin Carpenedo
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Relações
Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS) como
requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Relações
Internacionais.
Orientador: Prof. Me. Günther Richter Mros
Santa Maria, RS, Brasil
2015
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Sociais e Humanas
Departamento de Economia e Relações Internacionais
Curso de Relações Internacionais
A Comissão Examinadora, abaixo assinada,
aprova o Trabalho de Conclusão de Curso
O AGRONEGÓCIO COMO FATOR DE INFLUÊNCIA NA POLÍTICA
EXTERNA BRASILEIRA: A DISPUTA DO ALGODÃO ENTRE BRASIL
E ESTADOS UNIDOS (2002-2014)
elaborado por
Cássia Caroline Cerezer Casarotto Faccin Carpenedo
como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Relações Internacionais
COMISSÃO EXAMINADORA:
Günther Richter Mros, Me.
(Presidente/Orientador)
Adriano José Pereira, Dr. (UFSM)
Rita Inês Paetzhold Pauli, Dra. (UFSM)
Santa Maria, 30 de novembro de 2015
RESUMO
Trabalho de conclusão de curso
Curso de Relações Internacionais
Universidade Federal de Santa Maria
O AGRONEGÓCIO COMO FATOR DE INFLUÊNCIA NA POLÍTICA
EXTERNA BRASILEIRA: A DISPUTA DO ALGODÃO ENTRE BRASIL
E ESTADOS UNIDOS (2002-2014) AUTORA: Cássia Caroline Cerezer Casarotto Faccin Carpenedo
ORIENTADOR: Günther Richter Mros
DATA E LOCAL DA DEFESA: Santa Maria, 30 de novembro de 2015.
As condicionantes das negociações agrícolas brasileiras sobre o processo decisório em
política externa são o tema do trabalho, que se direciona na pergunta de pesquisa: quais
fatores influenciaram a posição negociadora brasileira no contencioso do algodão contra os
Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio? Nesse sentido, por meio de um
trabalho analítico-descritivo de método dedutivo, objetiva-se analisar que fatores determinam
a posição brasileira em negociações agrícolas internacionais, tendo como estudo de caso o
contencioso do algodão contra os EUA na OMC. Os resultados caminham no sentido de
confirmação da hipótese do trabalho, de que a posição adotada pelo governo brasileiro no
contencioso do algodão contra os EUA é resultado tanto de fatores internacionais, como a
evolução do sistema de solução de controvérsias da OMC e o aumento do poder de barganha
do Brasil no cenário internacional, quanto de fatores domésticos, como o aumento da
participação de grupos de interesses ligados ao agronegócio brasileiro nas negociações
internacionais, que agem por meio do incremento de suas relações com o Ministério da
Agricultura, e desse com o Ministério das Relações Exteriores, assim como da criação de
fóruns e grupos técnicos para auxiliar tais negociações.
Palavras-chave: Política externa brasileira. Negociações internacionais. Grupos de interesse.
Agronegócio. Organização Mundial do Comércio.
ABSTRACT
Completion of Course Work
International Relations Course
Federal University of Santa Maria
AGRIBUSINESS AS INFLUENCER FACTOR IN BRAZILIAN
FOREIGN POLICY: THE COTTON DISPUTE BETWEEN BRAZIL
AND UNITED STATES (2002-2014) AUTHOR: Cássia Caroline Cerezer Casarotto Faccin Carpenedo
ADVISOR: Günther Richter Mros
Date and place of defense: Santa Maria, November 30, 2015
The conditions of Brazilian agriculture negotiations on decision-making in foreign
policy is the theme of this paper, that is directed by the question: what factors influenced the
Brazilian negotiating position on the cotton dispute against the United States in the World
Trade Organization? In this sense, through an analytical-descriptive study of deductive
method, the objective is to analyze what factors determine Brazil's position in international
agricultural negotiations, taking as a case study the cotton dispute against the United States at
the WTO. The results go towards confirming the hypothesis of the work, that the position
adopted by the Brazilian government in the cotton against the United States litigation is a
result of both international factors such as the evolution of the WTO dispute settlement
system and increased power bargaining of Brazil internationally, as domestic factors such as
the incremented participation of interest groups linked to Brazilian agribusiness in
international negotiations, which act through the improvement of its relations with the
Ministry of Agriculture, and relations between the last one and the Ministry of Foreign
Affairs, as well as the creation of forums and technical groups to assist the negotiations.
Keywords: Brazilian Foreign Policy. International negotiations. Interest groups.
Agribusiness. World Trade Organization.
LISTA DE ABREVIATURAS
- Associação Brasileira de Agribusiness (ABAG)
- Associação Brasileira de Produtores de Algodão (ABRAPA)
- Câmara de Comércio Exterior (CAMEX)
- Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
- Conselho do Agronegócio (CONSAGRO)
- Conselho Nacional de Comércio Exterior (CONCEX)
- Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP)
- Entendimento Sobre Solução de Controvérsias (ESC)
- Estados Unidos da América (EUA)
- General Agreement on Tariffs and Trade (GATT)
- Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE)
- Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)
- Ministério das Relações Exteriores (MRE)
- Organização Mundial do Comércio (OMC)
- Órgão de Solução de Controvérsias (OSC)
- Política Externa Brasileira (PEB)
- Tratamento Geral de Nação mais Favorecida (NMF)
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Evolução anual da balança comercial brasileira e do agronegócio
– 1989 a 2013 (em US$ bilhões) ................................................................................ 29
Gráfico 2 – Exportação e Importação do Algodão entre 1999 a 2015 ....................... 44
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Produto Interno Bruto: Agropecuária e Agronegócio .......................... 30
Quadro 2 - Principais programas de apoio dos Estados Unidos aos produtores
de algodão e as decisões do painel referentes aos programas .................................. 49
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................... 9
1 O BRASIL E O SISTEMA MULTILATERAL DE COMÉRCIO 11 1.1 Marco teórico ........................................................................................................ 11
1.1.1 O modelo dos jogos de dois níveis ...................................................................... 12
1.1.2 Regimes Internacionais ....................................................................................... 15
1.2 A Organização Mundial do Comércio ................................................................ 17
1.2.1 O Sistema de Solução de Controvérsias da OMC ............................................. 20
1.3 O Brasil na Organização Mundial do Comércio ............................................... 22
1.4 Evolução e maior poder de negociação............................................................... 25
2 O AGRONEGÓCIO NA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA . 26 2.1 A internacionalização do agronegócio brasileiro .............................................. 26
2.2 A formulação da Política Externa Brasileira .................................................... 30
2.3 A organização do agronegócio brasileiro .......................................................... 32
2.3.1 A transformação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(Mapa) .......................................................................................................................... 33
2.3.2 Os canais de diálogo entre governo e o setor do agronegócio ............................ 34
2.4 Crescimento, organização e novos canais de diálogo......................................... 38
3 ESTUDO DE CASO: O CONTENCIOSO DO ALGODÃO NA OMC ............ 39
3.1 As relações Brasil-Estados Unidos (2002-2014) ................................................ 40
3.2 O contencioso do algodão na OMC .................................................................... 42
3.3 Respaldo e influência positiva.............................................................................. 51
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 53
REFERÊNCIAS ....................................................................................... 55
INTRODUÇÃO
O Brasil, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA), encontra-se entre os principais produtores e exportadores de produtos agrícolas do
mundo. O Produto Interno Bruto do Agronegócio terminou o ano de 2014 em R$ 1,18
trilhões, representando 23% do PIB brasileiro (CEPEA, 2015). Além disso, com um volume
médio de produção de 1,7 milhão de toneladas, o Brasil está entre os cinco maiores produtores
mundiais de algodão, sendo o terceiro maior exportador e o primeiro em produtividade em
sequeiro, além de ser o quinto maior consumidor mundial, com quase um milhão
toneladas/ano (ABRAPA, 2015). Nesse contexto enquadram-se o tema e o problema de
pesquisa deste trabalho, sendo esses, respectivamente, as condicionantes das negociações
agrícolas brasileiras sobre o processo decisório em política externa, e os fatores que
influenciaram a posição negociadora brasileira no contencioso do algodão contra os Estados
Unidos na Organização Mundial do Comércio.
O período de estudo do trabalho relaciona-se à disputa do algodão na OMC, que teve
origem em 2002, prolongando-se até 2014, com um acordo firmando o seu fim. O estudo
desse caso justifica-se não somente pela importância do setor do agronegócio no país, ou pelo
valor econômico do algodão no setor agrícola. O Brasil é ainda um dos principais atores do
sistema multilateral de comércio, destacando-se por sua atuação no Sistema de Soluções de
Controvérsias da Organização Mundial do Comércio, utilizando este órgão como reclamante
em 27 casos, reclamado em 15 e como terceira parte em 99 (OMC, 2015), e também por seu
expressivo trabalho nas rodadas de negociação, especialmente a partir da Rodada Doha, em
que atuou buscando consolidar seus interesses de liberalização e regulamentação do comércio
agrícola mundial. O contencioso do algodão da OMC entre Brasil e Estados Unidos é
fundamental, nesse sentido, ao demonstrar o aumento da capacidade brasileira de negociação
diante do organismo e de atores tradicionais do comércio internacional, com a vitória obtida
pelo país no caso.
O estudo do contencioso do algodão é importante também na tentativa de compreender
a interação entre atores domésticos e tomadores de decisão na Política Externa Brasileira,
assim como os reflexos dessa interação na posição brasileira em negociações agrícolas.
Entende-se, neste sentido, que os grupos de interesse ligados ao setor do agronegócio
exerceram um papel fundamental nas negociações em torno do contencioso do algodão,
demandando maior representatividade de seus interesses políticos e econômicos junto ao
10
Estado. Assim caminha a hipótese do trabalho, de que a posição defendida pelo governo
brasileiro no contencioso do algodão contra os EUA é resultado de fatores internacionais,
como a evolução do sistema de solução de controvérsias da OMC e o aumento do poder de
barganha do Brasil no cenário internacional, assim como de fatores domésticos, como o
aumento da participação de grupos de interesses ligados ao agronegócio brasileiro nas
negociações internacionais, que agem por meio do incremento das relações com o Ministério
da Agricultura, e deste com o Ministério das Relações Exteriores, e da criação de fóruns e
grupos técnicos para auxiliar tais negociações.
Nesse sentido, o trabalho tem por objetivo geral analisar que fatores determinam a
posição brasileira em negociações agrícolas, tendo como foco o caso do contencioso do
algodão contra os EUA. Objetiva-se um trabalho analítico-descritivo, que ao mesmo tempo
que utilize de conceitos teóricos importantes para a explicação de determinado
comportamento, faça uso do contexto histórico internacional e doméstico para uma
abordagem mais detalhada e multicausal do caso em questão. Dessa forma, o método de
abordagem utilizado pelo trabalho é o dedutivo, uma vez que se pretende partir de um geral
abstrato, o modelo dos jogos de dois níveis, de Robert Putnam, que trata sobre as influências
recíprocas entre a política doméstica e as relações internacionais, para analisar um caso
particular, o do contencioso do algodão da OMC entre Brasil e Estados Unidos. Utiliza-se,
como método de procedimento, além do estudo de caso, para a análise do contencioso do
algodão, o método histórico, para explicar as conjunturas internacional e doméstica referentes
ao caso. Por fim, para a realização do estudo, as técnicas de pesquisa utilizadas foram as
pesquisas bibliográfica (artigos, dissertações, teses e livros) e documental (discursos,
documentos oficiais).
Para atingir tal objetivo, pretende-se, então, revisar o modelo dos jogos de dois níveis
de Robert Putnam e a Teoria dos Regimes Internacionais, apresentando a conjuntura externa
sobre a participação brasileira no sistema multilateral de comércio, no capítulo I; apresentar a
conjuntura interna sobre a participação do agronegócio na formulação da Política Externa
Brasileira, como uma linha evolutiva, a partir da redemocratização brasileira, no capítulo II;
por fim, no capítulo III, analisar o contencioso do algodão entre Brasil e Estados Unidos na
Organização Mundial do Comércio, aplicando e aprofundando o que foi tratado nos capítulos
anteriores.
1 O BRASIL E O SISTEMA MULTILATERAL DE COMÉRCIO
Para compreender a atuação brasileira em uma negociação comercial internacional é
necessário, primeiramente, conhecer o contexto sistêmico que envolve tais negociações. O
cenário externo, nesse sentido, corresponde à evolução da Organização Mundial do Comércio
(OMC) e à participação brasileira nesse sistema multilateral. É preciso também incluir alguns
conceitos teóricos importantes para a explicação da evolução da OMC e para introduzir a
participação de grupos de interesses domésticos na formulação da posição brasileira nas
negociações comerciais internacionais, que será tratada no capitulo seguinte.
Dessa maneira, este capítulo inicia com uma breve explicação a respeito do modelo
dos Jogos de Dois Níveis, de Robert Putnam, que trata sobre o processo de formulação de
política externa. Na segunda seção do marco teórico, trataremos da Teoria dos Regimes, que
tem como principal representante Stephen D. Krasner, para apresentar a importância de um
regime internacional como a Organização Mundial do Comércio, por exemplo, para as
relações entre os países no sistema internacional. Destaca-se aqui que tais modelos teóricos
não são únicos, nem suficientes quando utilizados individualmente, mas fazem-se importantes
para a explicação de algumas questões específicas a respeito do comportamento brasileiro nas
negociações internacionais.
Após a introdução teórica, inicia-se a descrição sobre a evolução do Sistema
Multilateral de Comércio, e o funcionamento da Organização Mundial do Comércio e do seu
Órgão de Solução de Controvérsias. Por fim, expõem-se alguns pontos principais acerca da
participação brasileira neste sistema, buscando demonstrar a evolução de um país que, apesar
de valorizar as instituições multilaterais, pouco poder de influência possuía sobre estas, para
um país com um relativo poder de barganha diante dos principais atores das negociações
comerciais internacionais da atualidade.
1.1 Marco teórico
Para tratar do processo de formação da Política Externa Brasileira, dois níveis de
análise devem ser feitos: um sistêmico, que trate sobre os constrangimentos que as regras,
princípios e normas do contexto internacional refletem nas possibilidades de negociação dos
Estados; e um doméstico, que leve em consideração os interesses e as preferências de grupos
organizados para demandar representatividade junto ao Executivo. Andrew Moravcsik (1997),
12
por exemplo, critica as teorias realistas clássicas por darem relevância apenas às capacidades
de poder dos Estados, afirmando que o mais importante na política internacional são as
preferências estatais, que são moldadas por ideias, interesses e instituições sociais.
Na mesma linha, Gideon Rose (1998) também critica correntes realistas que explicam
a política externa unicamente a partir da arquitetura do sistema internacional, sem se
preocupar com as dinâmicas internas do processo de formação política. Ao mesmo tempo,
critica teorias que se baseiam exclusivamente em variáveis domésticas e apresentam a política
externa como um resultado direto da dinâmica interna. Assim, é fundamental partir de um
modelo teórico que unifique as visões sistêmica e doméstica acerca das relações
internacionais de um país. Extrai-se desta discussão, portanto, que abordagens simplistas,
monocausais e a-históricas devem ser evitadas e que deve-se olhar as teorias com senso
crítico, primeiro porque são epistemologicamente insuficientes e porque possuem sempre uma
perspectiva, formuladas por alguém e com algum propósito (CERVO, 2008).
Nesse sentido, parte-se do modelo teórico dos jogos de dois níveis, de Robert Putnam,
para analisar a hipótese do trabalho, de que o comportamento brasileiro é resultado da
interação entre os contextos internacional e doméstico, e faz-se o uso também da teoria dos
Regimes Internacionais, de Stephen D. Krasner, para demonstrar a importância da evolução
da Organização Mundial do Comércio para o contexto brasileiro.
1.1.1 O modelo dos jogos de dois níveis
Robert Putnam, cientista político e professor norte-americano, publicou o artigo
Diplomacia e Política Doméstica: A Lógica dos Jogos de Dois Níveis1, apresentando o seu
modelo dos jogos de dois níveis. Para ele, o debate em torno de qual política era determinante
(se a política doméstica teria maior influência nas relações internacionais, ou se ocorreria o
inverso), era infrutífero, uma vez que estas se influenciam reciprocamente, em graus
dependentes de cada caso. O autor busca, então, responder principalmente às questões quando
influencia e como influencia, a partir do estudo das interações políticas referentes à Cúpula de
Bonn de 1978.
Minha preocupação não é saber se o acordo foi inteligentemente construído, mas
como ele tornou-se politicamente viável. Em primeiro lugar, minha pesquisa sugere
que governos-chave em Bonn adotaram políticas diferentes daquelas que teriam
adotado na ausência de negociações internacionais e, em segundo lugar, o acordo só
1 Apresentado originalmente sob o título Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of the Two-Level Games,
na revista International Organization, de Boston, em 1988.
13
foi possível porque uma poderosa minoria no interior de cada governo apoiou
domesticamente a política demandada internacionalmente (PUTNAM, 2010, p.
148).
Para Putnam, uma abordagem adequada acerca dos determinantes domésticos da
política externa e das relações internacionais deve considerar não apenas os funcionários do
Executivo responsáveis pelas negociações e os arranjos institucionais, mas tudo aquilo que ele
chama de luta política: “os partidos, as classes sociais, os grupos de interesse (tanto
econômicos quanto não-econômicos), os legisladores e mesmo a opinião pública e as
eleições” (2010, p. 150). A ideia de que o comportamento do Estado deriva unicamente dos
seus interesses na arena internacional é, dessa forma, inconsistente, uma vez que a dinâmica
da luta política ocorre em duas esferas.
Os poderes executivos centrais têm um papel especial na mediação das pressões
domésticas e internacionais exatamente porque estão diretamente expostos a ambas
as esferas e não porque sejam unificados em todas questões ou porque estejam
insulados em relação à política doméstica (PUTNAM, 2010, p. 151).
Imagina-se, então, uma espécie de tabuleiro, em que coexistem as esferas nacional e
internacional. Na esfera ou nível nacional, o governo é pressionado por grupos domésticos
que atuam, principalmente a partir de coalizões políticas, para perseguir seus interesses. Já no
nível internacional, o Estado busca satisfazer as pressões dos grupos domésticos e, ao mesmo
tempo, minimizar as condições adversas do sistema internacional. Os negociadores ou líderes
nacionais estão presentes, e agem, simultaneamente, nos dois níveis.
Do outro lado do tabuleiro internacional sentam as contrapartes estrangeiras, ao lado
das quais sentam diplomatas e outros assessores internacionais. Em volta do
tabuleiro doméstico e atrás do líder nacional, sentam-se figuras partidárias,
parlamentares, porta-vozes das agências domésticas, representantes de grupos-chave
de interesses e os assessores políticos do próprio líder (PUTNAM, 2010, p. 151).
O processo de negociação, então, depende do poder de barganha entre os negociadores
internacionais para a constituição de um acordo provisório, o que Robert Putnam chama de
nível I, e das discussões com grupos domésticos a respeito da ratificação, ou não, de tal
acordo (nível II): “nenhum dos dois jogos pode ser ignorado pelos tomadores de decisão, pois
seus países permanecem ao mesmo tempo interdependentes e soberanos” (PUTNAM, 2010,
p. 151). Assim, Putnam define o que ele chama de win-set ou conjunto de vitórias, que é
afetado por três circunstâncias principais: as preferências e coalizões formadas no nível II, as
instituições do nível II e as estratégias desenvolvidas pelos negociadores no nível I. Em
relação à primeira circunstância, o autor afirma que
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[...] o tamanho do conjunto de vitórias (e, daí, o espaço de negociação do negociador
do nível I) depende do tamanho relativo das forças “isolacionistas” (que se opõem à
cooperação internacional em geral) e das forças “internacionalistas” (que oferecem
“apoio incondicional”) (PUTNAM, 2010, p. 157).
De acordo com Maria Izabel Valladão de Carvalho (2010, p. 410), os grupos de
interesse domésticos realizam papel fundamental no momento em que “atuam como
sinalizadores do grau em que o acordo que está sendo negociado tem respaldo doméstico e
dos óbices que o Executivo poderá enfrentar para aprová-lo”. Além disso, esse respaldo
doméstico influencia o nível de confiança das negociações:
Os vínculos entre as dinâmicas doméstica e internacional influenciam o grau de
credibilidade do processo de negociação externa. Ao indicar que suas propostas
possuem aprovação interna, o negociador tem sua credibilidade demonstrada – isto
é, a de que ele efetivamente fará o que está dizendo. Desse modo, o respaldo
doméstico contribui para aumentar a credibilidade do negociador e aumenta a
probabilidade de cooperação no contexto internacional, reduzindo a desconfiança e a
probabilidade de deserção involuntária (CARVALHO, 2010, p. 411).
O tamanho do conjunto de vitórias, de acordo com Putnam (2010, p. 163) depende
ainda das instituições políticas do nível II e da estratégia negociadora no nível I. Arranjos
institucionais que fortalecem os tomadores de decisão no plano doméstico podem enfraquecer
a posição negociadora internacional, assim como o inverso também é possível. Além disso,
em relação à estratégia negociadora, quanto maior for o conjunto de vitórias do negociador,
mais fácil é para ele concluir um acordo, mas também mais fraca pode se tornar sua posição
de barganha em relação a um outro negociador.
Um negociador experiente, familiarizado com os respectivos tabuleiros domésticos,
deveria ser capaz de maximizar tanto a relação custo-benefício (para si e para seus
grupos domésticos) das concessões que deve fazer para assegurar uma ratificação no
exterior como a relação custo-benefício de suas próprias demandas e ameaças, ao
mirar suas iniciativas com um olho sobre seus efeitos no nível II, tanto em casa
como no exterior (PUTNAM, 2010, p. 163).
Como afirmado anteriormente, o modelo dos jogos de dois níveis de Putnam pode ser
utilizado para explicar, em parte, o comportamento brasileiro nas negociações do contencioso
do algodão da Organização Mundial do Comércio contra os Estados Unidos. Isso porque
parte-se da ideia de que grupos ligados ao setor do agronegócio brasileiro foram fundamentais
tanto para a decisão do país de acionar a OMC no caso, quanto para o andamento do processo
de negociação, ao oferecerem respaldo e apoio técnico à posição brasileira. Como veremos no
estudo de caso do terceiro capítulo, um relatório realizado pelo Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento apenas identificou os subsídios dos Estados Unidos e sugeriu uma
15
ação em âmbito da OMC aos empresários. De acordo com Bruna Habka (2013, p. 105), o
governo precisava do apoio interno, sem o qual não teria condições de levar o caso à instância
multilateral, uma vez que o setor algodoeiro, além de patrocinar a ação, seria o responsável
por coletar informações necessárias para a comprovação dos danos causados ao país.
1.1.2 Regimes Internacionais
Outra teoria que pode ser utilizada, em parte, para a realização deste estudo de caso é a
dos Regimes Internacionais, que tem como principal defensor o professor de Relações
Internacionais Stephen D. Krasner. Seu trabalho, Causas Estruturais e Consequências dos
Regimes Internacionais: Regimes como Variáveis Intervenientes2, argumenta que, ao
contrário do que algumas visões das Relações Internacionais entendem, os regimes podem
influenciar resultados e comportamentos, sendo definidos como “princípios, normas, regras e
procedimentos de tomada de decisões de determinada área das relações internacionais em
torno dos quais convergem as expectativas dos atores” (KRASNER, 2012, p. 93).
Três correntes de pensamento que tratam sobre o assunto são identificadas pelo autor:
as teorias estruturais convencionais, que veem os regimes como ineficazes, com impacto nulo
ou dependente das variáveis causais básicas; as teorias estruturais modificadas, que enxergam
os regimes como importantes apenas em determinadas situações específicas, como, por
exemplo, “quando uma tomada independente de decisão leva a um resultado indesejado”; e as
teorias referentes à perspectiva grociana, que entende os regimes como “parte fundamental de
toda interação humana padronizada, incluindo os comportamentos no sistema internacional”
(KRASNER, 2012, p. 100). Esta última perspectiva é a que mais se alinha ao pensamento de
Krasner, que coloca o desenvolvimento dos regimes como resultado de cinco variáveis
causais básicas.
A primeira é identificada como autointeresse egoísta, definido pelo autor como o
“desejo de um ator maximizar sua função de utilidade sem incluir a utilidade de outro”
(KRASNER, 2012, p. 101). A segunda refere-se ao poder, “usado para fortalecer os valores
de atores específicos do sistema”, que podem incluir “tanto o aumento das capacidades de
poder quanto a promoção de objetivos econômicos ou ainda outros objetivos” (2012, p. 102).
A difusão de normas e valores, como soberania e propriedade privada, por exemplo, também
2 Apresentado originalmente sob o título Structural Causes and Regime Consequences: Regimes as Intervening
Variables, na revista International Organization, em 1982.
16
são variáveis que podem condicionar o desenvolvimento dos regimes. Por fim, os usos e
costumes e o conhecimento não são entendidos por Krasner (2012) como variáveis capazes de
criar os regimes, mas sim de sustentar e fortalecer os mesmos.
Ressalta-se, ainda, a importância das diferenças identificadas por Krasner entre
mudanças no interior de um regime, que incluem alterações de regras e procedimentos de
tomada de decisões; e mudanças de regimes, que envolvem alteração de normas e princípios,
e que podem ser interpretadas de diversas formas. O autor utiliza de uma situação referente à
Organização Mundial do Comércio para explicar:
Por exemplo, na área de comércio internacional, as recentes revisões nos artigos do
Acordo Geral de Tarifas e Comércio [General Agreement on Tariffs and Trade
(GATT), em inglês] buscam dar tratamento especial e diferenciado aos países menos
desenvolvidos (PMDs). Todos os países industrializados têm instituído sistemas de
preferências comerciais para os PMDs. Essas regras violam uma das normas básicas
da ordem liberal posterior à II Guerra Mundial: a cláusula da nação mais favorecida.
Entretanto, as nações industrializadas trataram essas alterações das regras como
mudanças temporárias necessárias, dadas as circunstâncias peculiares das áreas mais
pobres. Graças à insistência estadunidense, o conceito de “gradação” foi introduzido
formalmente nas cláusulas do GATT após a Rodada de Tóquio (1973-1979). A
gradação dispõe que, conforme os países tornam-se mais desenvolvidos, eles
aceitarão regras consistentes com os princípios liberais. Portanto, os representantes
dos países desenvolvidos decidiram interpretar o tratamento especial e diferencial de
países em desenvolvimento como mudança no interior do regime. Os porta-vozes do
Terceiro Mundo, por outro lado, argumentaram que as normas básicas da ordem
econômica internacional deveriam ser a redistribuição e a equidade, em vez da não-
discriminação e da eficiência. Eles viam a mudança das regras como mudanças do
regime porque as identificam como alterações básicas de princípios (KRASNER,
2012, p. 96).
Essa atuação na configuração de regras do sistema internacional, a partir de
negociações em instâncias multilaterais corresponde, de acordo com Amado Luiz Cervo, à
lógica da Política Externa Brasileira.
Seu objetivo consiste em distribuir responsabilidades entre as nações com o fim de
estabelecer a reciprocidade real na distribuição dos benefícios da globalização, tanto
na esfera comercial, quanto financeira, política e geopolítica. Resultados são
esperados dessa ação multilateral tanto quanto a guerra e a paz, mudanças
climáticas, desenvolvimento sustentável e combate à pobreza (CERVO, 2008, p.
112).
A Organização Mundial do Comércio e o seu Órgão de Solução de Controvérsias,
apesar de estarem imersos em um ordenamento global desigual permeado por interesses
divergentes das nações, contribuíram decisivamente para o aumento da juridicidade e da
confiança no sistema multilateral de comércio, assim como se espera de um Regime
Internacional.
17
Reconhecido como das áreas mais dinâmicas da Organização, o SSC permitiu, ao
longo dos anos, precisar o alcance dos Acordos que compõem o acervo normativo
da OMC, contribuindo dessa forma para definir, de maneira objetiva, os
compromissos assumidos pelos Países no âmbito internacional. Parte da
credibilidade granjeada pela OMC desde sua criação se deve à qualidade e
consistência da sua atuação nessa área. O funcionamento do SSC não só resultou na
consolidação de uma efetiva instância jurisdicional no sentido dado por Carlos
Santulli, como contribuiu, por meio dos sucessivos contenciosos iniciados ao
amparo do Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Soluções de
Controvérsias da OMC (ESC), para o paulatino adensamento da juridicidade do
sistema multilateral do comércio, na expressão do Professor Celso Lafer
(BENJAMIN, 2013, p. 32).
Percebe-se, então, a relevância dos conceitos de Krasner para se entender não apenas o
desenvolvimento e o funcionamento da Organização Mundial do Comércio (OMC), e de seu
órgão principal, o de Solução de Controvérsias (OSC), que serão estudados na próxima parte
deste capítulo, como também da valorização que os Estados empregam aos regimes como
uma tentativa de correção das assimetrias globais. De acordo com Amado L. Cervo (2008, p.
108), essa valorização ganhou nova forma com a política de Luiz Inácio Lula da Silva, que
inovou em estilo e metas durante o seu governo, baseando-se no pressuposto de necessitar o
país de uma grande política exterior, que não poderia repetir os conformismos do período
anterior em relação aos países tradicionais do sistema de comércio internacional.
1.2 A Organização Mundial do Comércio
Os primeiros passos para a constituição da Organização Mundial do Comércio
reportam a 1944, com o chamado acordo de Bretton Woods, nos Estados Unidos, que
consistiu no empenho dos países aliados para a criação de instituições capazes de reconstruir a
economia mundial, quais sejam, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a
Organização Internacional do Comércio, cujo documento de criação, a Carta de Havana, não
foi ratificado pelos Estados Unidos, sendo, assim, essa instituição a única das três a não ser
estabelecida (THORSTENSEN, 2003). Em 1947, no entanto, tal situação foi contornada, com
o estabelecimento de um acordo, firmado por 23 países e baseado no capítulo IV da Carta de
Havana, que tratava sobre política comercial.
Nascia o General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), com o objetivo de
estimular o comércio por meio da redução e eliminação das tarifas alfandegárias. A
oposição que se formou contra a aprovação da Carta de Havana no Legislativo
norte-americano estava agora afastada porque o mandato concedido ao Executivo
dispensava a aprovação pelo Congresso do tratado que criou o GATT (AMARAL
JÚNIOR, 2008, p. 17).
18
O estabelecimento do GATT se guiou por algumas regras e princípios, entendidos
como a base das negociações referentes ao comércio internacional, quais sejam: Tratamento
Geral de Nação Mais Favorecida (NMF) ou a Não Discriminação entre as Nações, uma das
principais regras do sistema, que proíbe o tratamento diferenciado entre as partes; a lista de
concessões, em que os países determinam os produtos e as tarifas máximas a serem
praticadas; a regra da Não Discriminação entre Produtos, que proíbe a discriminação entre
produtos nacionais e importados; a regra da transparência, que obriga a publicação de todas as
leis, regulamentos, decisões judiciais e regras administrativas referentes ao comércio
internacional de qualquer uma das partes; por fim, a regra da eliminação das restrições
quantitativas, que proíbe a utilização das barreiras não tarifárias (THORSTENSEN, 2003).
O GATT, assim como a OMC hoje, organizou-se a partir de Rodadas Multilaterais
que, de modo geral, negociaram reduções tarifárias. A Rodada Uruguai (1986-1994), última
em âmbito do GATT, incluiu setores anteriormente excluídos das negociações, como o da
agricultura, dos têxteis, de serviços e de propriedade intelectual, e introduziu novas regras
liberalizantes para essas novas negociações. A determinação mais expressiva da Rodada, no
entanto, que envolveu a participação de 123 países, foi a criação da Organização Mundial do
Comércio (THORSTENSEN, 2003).
A criação da OMC, em 1995, foi o resultado de uma negociação marcada por alguns
fatores determinantes do atual cenário internacional. Dentre eles, o fim do modelo
bipolar das relações internacionais e a sua substituição por um modelo multipolar, a
nova reorganização econômica dos países em acordos regionais de comércio, o
papel das empresas transnacionais no comércio internacional, o fim das fronteiras
entre as políticas internas e de comércio internacional derivado do fenômeno da
globalização (THORSTENSEN, 2003, p. 21).
No preâmbulo do documento de constituição da OMC, aparecem os objetivos pelos
quais se guiaram os Estados: a condução do comércio e da atividade econômica visando a
“elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e um volume considerável e em constante
elevação de receitas reais e demanda efetiva, o aumento da produção e do comércio de bens e
de serviços”, que permita a maximização dos recursos mundiais “em conformidade com o
objetivo de um desenvolvimento sustentável e buscando proteger e preservar o meio
ambiente”, de forma que seja compatível com as necessidades e interesses dos diferentes
países membros, baseados em diferentes níveis de desenvolvimento econômico. Destaca-se
também a consecução de tais objetivos, que se faria a partir da conclusão de acordos
“destinados a obter, na base da reciprocidade e de vantagens mútuas, a redução substancial
19
das tarifas aduaneiras e dos demais obstáculos ao comércio assim como a eliminação do
tratamento discriminatório nas relações comerciais internacionais” (BRASIL, 1994, p. 1).
Ainda referente ao documento constitutivo, cinco funções da organização são
ressaltadas: facilitar a aplicação, a administração e a operação, além de promover a
consecução dos acordos estabelecidos; compor o foro para as negociações entre países
membros; administrar as normas e procedimentos referentes à solução de controvérsias;
administrar o Mecanismo de Exame das Políticas Comerciais; cooperar com o Fundo
Monetário Internacional, com o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento e
outros órgãos filiados a eles.
O processo decisório da Organização Mundial do Comércio, assim como era no
GATT, se dá por consenso, ou seja, é necessária a aceitação de todos os membros para
qualquer modificação referente ao Acordo da OMC. A Organização possui personalidade
jurídica reconhecida por todos os países que dela fazem parte, tem três línguas como oficiais
(o inglês, o francês e o espanhol), e se estrutura da seguinte maneira: seu órgão máximo é a
Conferência Ministerial, que se reúne pelo menos a cada dois anos, e é formada por
representantes de todos os países membros; é dirigida pelo Conselho Geral, integrado por
embaixadores dos países membros, que se reúne em ocasiões pré-determinadas, tendo como
apoio o Secretariado, que é chefiado por um Diretor Geral, designado pela Conferência
Ministerial (THORSTENSEN, 2003). Atualmente, o Diretor Geral da Organização é o
brasileiro Roberto Azevêdo. Fazem parte da estrutura da Organização, ainda, o Órgão de
Solução de Controvérsias, que será assunto da próxima seção deste capítulo, o Órgão de
Revisão de Política Comercial, o Conselho sobre o Comércio de Bens, o Conselho sobre o
Comércio de Serviços e o Conselho sobre os Direitos de Propriedade Intelectual, além de
comitês e grupos de trabalho subordinados aos Conselhos.
Em novembro de 2001, na Quarta Conferência Ministerial da OMC, em Doha, no
Catar, foi lançada a atual rodada de negociações, a Agenda de Desenvolvimento de Doha, ou
simplesmente Rodada de Doha. É a maior e mais longa rodada de negociações da organização
até o momento, com a participação dos 157 países membros. Além de temas tradicionais,
destacam-se as discussões a respeito da inclusão de regras sobre investimentos, concorrência,
meio ambiente e compras governamentais, assim como debates sobre a relação entre comércio
e dívida externa e comércio e transferência de tecnologia (BARRAL, 2002).
1.2.1 O Sistema de Solução de Controvérsias da OMC
20
O atual Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio já
encontrava correspondente na Carta de Havana, que regulou, em seu capítulo VIII, “a
realização de consultas de forma semelhante ao que viria a acontecer no GATT, com a
possibilidade de se submeter o caso à arbitragem na hipótese de se revelarem infrutíferos os
entendimentos diplomáticos” (AMARAL JÚNIOR, 2008, p. 93). Na verdade, tal
procedimento era mais elaborado do que o que o sucedeu:
Se a divergência encaminhada nos termos do artigo 93 não fosse resolvida
satisfatoriamente, caberia ao Conselho Executivo, integrado por dezoito países, oito
dos quais de grande expressão econômica, pronunciar-se sobre a questão. A parte
descontente com o julgamento do Conselho poderia pleitear a sua reapreciação pela
Conferência, órgão supremo da Organização, que se manifestaria pelo voto
majoritário dos membros. Admitiu-se a solicitação de parecer consultivo à Corte
Internacional de Justiça que, uma vez concedido, vincularia a OIC a seguir a
recomendação sugerida (AMARAL JÚNIOR, 2008, p. 93).
Em contraposição, o GATT dispensou pouca preocupação para o mecanismo de
solução de controvérsias, contendo apenas dois artigos que tratavam sobre o procedimento de
resolução de conflitos, pela via diplomática (BARRAL, 2004, p. 30). O antigo sistema previa,
para as partes contratantes, o processo de consultas e, posteriormente, o estabelecimento de
painéis, que produziam relatórios para as referentes disputas comerciais. Entretanto, alvo de
críticas foi o que se chamou de consenso positivo, que definia que “o relatório tinha que ser
aprovado pelo Conselho Geral, por consenso, dentro do sistema decisório do antigo GATT.
Assim, bastava a parte perdedora não aceitar o relatório para que todo o processo fosse
bloqueado” (THORSTENSEN, 2003, p. 371). Amaral Júnior resumiu os principais problemas
do sistema de solução de controvérsias do GATT em quatro pontos:
1. A demora e a incerteza intrínsecas ao procedimento, já que inexistia um direito à
constituição do painel, pois as partes contratantes deliberavam sobre sua criação de
forma discricionária. Não havia limites temporais para as várias fases em que o
procedimento se desdobrava, como as consultas, o pedido de instituição de um
painel e o julgamento final da disputa. 2. A ausência de rigor e clareza das decisões.
3. A dúvida relativa à adoção do relatório elaborado pelo painel, devido à
predominância da regra do consenso. 4. A lentidão em se adotarem as
recomendações constantes nos relatórios e o descumprimento parcial ou total da
decisão proferida (AMARAL JÚNIOR, 2008, p. 98).
O acordo de constituição da Organização Mundial do Comércio anunciou a criação de
um novo mecanismo de solução de disputas comerciais, baseado no Entendimento sobre
Soluções de Controvérsias (ESC), definido a partir da Rodada Uruguai, que modifica os
artigos XXII e XXIII do GATT. A substituição do antigo consenso positivo pelo consenso
negativo, que exige que todos os países sejam contra a constituição de um painel para que este
21
seja derrubado, torna o atual sistema mais fortalecido juridicamente. Outra questão importante
do novo sistema de solução de controvérsias é o Órgão de Apelação, composto por sete
pessoas, de reconhecido saber nas áreas de direito, comércio internacional e do tema em
questão, não vinculadas aos governos, que devem apresentar um relatório em 60 dias a partir
da decisão de apelação por uma das partes. O Órgão, “efetua, nessa condição, um controle de
legalidade ao verificar se o direito da OMC foi corretamente interpretado” (AMARAL
JÚNIOR, 2008, p. 102).
A inversão do consenso, se é verdade que mantém a chancela política dos
resultados, retira dos membros o controle do processo e de seus resultados. A
existência de um Órgão de Apelação cria tendência à maior uniformização dos
resultados e ao reforço da jurisprudência. A conjunção dos dois elementos faz com
que o sistema se torne nitidamente mais jurisdicional e previsível, com redução (mas
não eliminação) dos espaços de negociação no interior do procedimento. Os
resultados mais perceptíveis dessas mudanças na natureza do sistema foram o
aumento significativo do número de casos e o maior respeito aos resultados dos
contenciosos pelas partes envolvidas (CONZENDEY, 2013, p. 375).
O fortalecimento do sistema jurídico internacional, guiado por normas e regras, com
menor influência dos interesses de grandes potências, a resolução de disputas de forma mais
ágil e amigável, e a maior promoção das regras internacionais são alguns dos benefícios
gerados a partir da evolução do sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial
do Comércio, que tem ganhado “legitimidade por diferentes razões: a adoção constante dos
relatórios pelo OSC, uma análise jurídica densa e relativamente uniforme ao longo das
decisões, imparcial, um alto índice de efetividade das decisões, o que leva a uma maior
participação dos países em desenvolvimento no sistema” (VARELLA, 2009, p. 11).
A Diplomata e Coordenadora-Geral de Contenciosos do Itamaraty, Daniela Arruda
Benjamin, declara que são significativos os índices de implementação do Sistema de Solução
de Controvérsias, aferindo que em aproximadamente 90% dos casos levados à avaliação do
Órgão de Solução de Controvérsias, as resoluções são cumpridas pelos países, o que revela
um “certo consenso sobre o caráter vinculatório das decisões em benefício da consistência do
sistema” (2013, p. 578). Nesse sentido, a coordenadora entende que o SSC possibilitou a
promoção da legalização do sistema multilateral de comércio e contribuiu decisivamente para
fortalecer regras, condutas e o quadro institucional que dão base às relações comerciais
internacionais, conferindo maior eficácia das ações assumidas pelos países em âmbito da
Organização Mundial do Comércio, trazendo, assim, maior segurança e previsibilidade a esse
sistema (BENJAMIN, 2013, p. 575).
22
1.3 O Brasil na Organização Mundial do Comércio
As reformas no sistema de solução de controvérsias anteriormente descritas e o
consequente aumento da jurisdicionalização e da confiabilidade deste sistema têm
possibilitado ao Brasil um aumento da utilização do OSC. Como já mencionado na
introdução, até então, o país atuou como reclamante em vinte e sete casos, reclamado em
quinze e como terceira parte em noventa e nove (OMC, 2015). Carlos Márcio Conzendey,
diplomata de carreira, afirma que
[...] ao longo da história da OMC, o Brasil tem mantido constante confiança no
mecanismo de solução de controvérsias e tem procurado valorizá-lo, certo de que se
trata de peça-chave do sistema multilateral de comércio. Isso significa, como
demandante, utilizar o sistema em todas suas dimensões: procurar resolver o
problema por meio de consultas, solicitar um painel, defender o resultado ou
solicitar modificações junto ao Órgão de Apelação, realizar pressões pela
implementação dos resultados, solicitar painel para contestar falta de implementação
de resultados, buscar autorização para retaliar e mostrar-se disposto a implementar
retaliação em busca do cumprimento pela outra parte das recomendações do Órgão
de Solução de Controvérsias. Como demandado, esgotadas as etapas de defesa, em
caso de derrota, implementar os resultados (CONZENDEY, 2013, p. 382).
Essa valorização de instituições multilaterais é uma característica marcante da Política
Externa Brasileira. Amado Luiz Cervo a coloca entre o que ele chama de acumulado
histórico, ou seja, um conjunto de princípios, valores e padrões de conduta da política exterior
que moldam a conduta externa de um governo (2008, p. 26).
A va1orização do multilateralismo pela diplomacia brasileira conheceu dois
momentos importantes em sua gênese. O primeiro data dos anos 1960-70, quando o
país empenhou-se na construção da chamada Nova Ordem Econômica Internacional,
ao lado do terceiro Mundo, em confrontação ao esquema bipolar, considerado de
interesse das duas superpotências de então, Estados Unidos e União Soviética. O
segundo corresponde às expectativas de que a globalização do fim do século XX
daria origem a uma ordem internacional, cujas regras transparentes, justas e
respeitadas por todos seriam estabelecidas por meio da negociação multilateral. Em
razão desse interesse pelo ordenamento multilateral, as legações brasileiras contam
entre as presenças mais numerosas e ativas perante as organizações multilaterais
existentes desde a Segunda Guerra Mundial até os dias atuais (CERVO, 2008, p.
28).
Esse maior interesse pela participação em instituições multilaterais também é
entendido, por diversos autores, como decorrente do desejo de autonomia do país diante do
cenário internacional.
Por que o Brasil sempre deu importância às instâncias multilaterais e às reuniões
internacionais? Pela mesma razão que orienta a política exterior de todos os Estados
23
nacionais. Nenhum país do mundo, por mais autônomo que seja ou pretenda ser,
pode prescindir deste tipo de relacionamento fechando suas fronteiras e mantendo-se
isolado. [...] No caso brasileiro, quanto mais o governo tenha pretensão de assumir
importância nos negócios internacionais, cresce proporcionalmente seu grau de
participação nos organismos, tentando mostrar aos demais Estados que é um país
maduro, parceiro confiável e que todos só têm a ganhar se implementarem
intercâmbio mais amplo com ele (MIYAMOTO, 2000, p. 122).
Em 1947, na Conferência de Havana, o Brasil já atuava no multilateralismo comercial,
defendendo medidas específicas em benefício do desenvolvimento dos países de economia
jovem (AMORIM, 2007). De acordo com Flávia de Campos Mello, nos foros de natureza
econômica “a diplomacia multilateral brasileira encontrou espaço privilegiado para o
exercício de uma atuação protagônica, conferindo à política externa a missão de
complementar as políticas nacionais de desenvolvimento industrial” (2011, p. 9). Também
entendem essa preocupação brasileira com o multilateralismo como função do desejo de
autonomia Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni (2007), ao afirmarem que a partir do pós-
Guerra Fria acentuou-se o que se chama de autonomia pela participação, em que o país busca
fortalecer o multilateralismo para aumentar sua influência e poder de barganha nas
negociações políticas e econômicas internacionais.
Com as mudanças internas e internacionais decorrentes do fim da Guerra Fria, seria
muito difícil para a política externa brasileira manter as mesmas diretrizes do
período anterior. Em meio às transformações em curso, passou-se a procurar uma
nova forma de dialogar com o mundo, por intermédio de estratégias formuladas em
áreas centrais do governo, especialmente pelos Ministérios da Fazenda e das
Relações Exteriores (VIGEVANI, CEPALUNI; 2007, p. 285).
Em âmbito da OMC, a partir dos anos 1980, destacam-se como preocupações
brasileiras os instrumentos protecionistas praticados por países desenvolvidos, que
dificultavam a exportação de produtos nacionais. A postura do governo brasileiro no
organismo foi, então, a de reivindicação de mudanças no comportamento desses países e de
maiores investimentos, empréstimos e transferência de tecnologia aos países em
desenvolvimento, para que estes pudessem “melhorar seu desempenho, habilitando-se a
competir em igualdade de condições com as demais nações” (MIYAMOTO, 2000, p. 126).
Neste momento, observa-se também uma posição brasileira mais orientada em objetivos de
liberalização do comércio internacional e abertura dos mercados, no sentido de ganhar
competitividade, ao passo que começa a demonstrar-se um fortalecimento da posição
negociadora brasileira no cenário internacional.
A partir da Rodada do Uruguai, vão ficar claros os limites negociadores da estratégia
brasileira. De um lado, os países desenvolvidos passaram a demandar maior abertura
24
dos mercados dos grandes países em desenvolvimento, de outro, o Brasil esboçava a
formulação de demandas em um setor que passava a integrar a agenda do GATT e
no qual o país desenvolvia de forma acelerada novas vantagens competitivas: a
agricultura (VEIGA, RIOS; 2012, p. 14).
A expansão da globalização e o fim da Guerra Fria propiciaram a ascensão de novos
atores no cenário internacional. Paulo Roberto de Almeida (1999) entende a presença
brasileira neste cenário como obrigatória, em razão de seu mercado, filosofia política,
orientação econômica e papel regional. No período que compreende o estudo de caso deste
trabalho (2002-2014), observa-se uma presença brasileira mais forte no cenário internacional,
especialmente no âmbito comercial, em que o país exerceu uma atitude mais ativa, o que se
observou com a política externa do governo Lula.
Em seu primeiro mandato, Lula alcançou resultados concretos de sua correção de
rumos. O multilateralismo passou pela maior transformação conceitual ao despir-se
da utopia, tornar-se realista e colocar em jogo a reciprocidade dos interesses a
realizar nas negociações comerciais. Por isso, na esfera política, sua diplomacia
contribuiu positivamente para a criação de coalizões ao sul entre países emergentes
que bloquearam as negociações comerciais sem reciprocidade entre o norte e o sul,
desde a Conferência Ministerial da OMC em Cancun, em 2003. É nesse momento
que o Brasil de Lula emerge como poder global, porque passa a determinar, ao lado
das estruturas hegemónicas, o ritmo e a natureza das regras e do regime do comércio
internacional. As negociações para criação da Alca e da zona de livre-comércio entre
o Mercosul e a União Européia foram travadas, pelas mesmas razões, visto que,
como as primeiras e do modo como estas se faziam, não atendiam ao interesse
estrutural do Brasil de preservar sua vocação industrial de fundo empresarial e
tecnológico (CERVO, 2008, p. 56)
Na OMC, o Brasil assumiu essa posição de destaque como um dos principais atores
nas negociações a partir da Rodada Doha. Essa maior projeção brasileira nas negociações
comerciais foi resultado também do papel de líder que o país exerceu na constituição do G203,
em 2003, que reuniu países em desenvolvimento para tratar de questões relacionadas à
agricultura.
O grupo de exportadores agrícolas, entre os quais Brasil, Argentina, Chile, China,
Índia, Paquistão, Tailândia, Indonésia, África do Sul, Egito e outros, formou, então,
o G20, que introduziu o multipolar nas negociações comerciais, doravante
destinadas a realizar a reciprocidade de benefícios nas trocas. Do contrário, não
avançariam (CERVO, 2008, p. 109).
O G20 constituiu-se, assim, em um instrumento legítimo dos países em
desenvolvimento para promover seus interesses nas negociações da OMC (MELLO, 2011) e
3 G20: grupo de países em desenvolvimento criado em 2003, por ocasião da V Reunião Ministerial da OMC,
com atuação voltada para o tema agricultura. Não se confunde com o G20 financeiro, criado em 1999, no
contexto das crises de balanço de pagamentos dos países emergentes (MRE, 2015).
25
colaborou, neste contexto, para aumentar o poder de barganha do Brasil no cenário comercial
multilateral (CARVALHO, 2010).
Sem nenhum triunfalismo, posso afirmar com convicção que o Brasil tem estado no
centro do processo negociador. Em 2003, criamos o G-20 em Cancún, quando os
Estados Unidos e a União Europeia tentavam impor um acordo injusto, que deixava
virtualmente intocados os subsídios agrícolas, e pouca ou nenhuma abertura oferecia
a produtos de interesse dos países em desenvolvimento, ao mesmo tempo em que
exigiam destes concessões desproporcionais. O G-20 mudou o padrão das
negociações no sistema GATT/OMC. Graças a um esforço constante de
coordenação e mobilização política e à busca permanente de entendimento com
outros grupos de países em desenvolvimento – países de menor desenvolvimento
relativo, países dependentes de preferências, economias pequenas e vulneráveis, etc.
– foi possível alterar o rumo das negociações (AMORIM, 2007, p. 15).
A política externa de Dilma Rousseff, no entanto, “embora tenha mantido a
continuidade no que tange à busca dos objetivos nacionais de autonomia e de
desenvolvimento, se tornou menos propositiva e menos ousada” (CORNETET, 2014, p. 140).
Acredita-se que tal política externa pode ter levado o Brasil a um declínio de seu poder de
influência global. De acordo com Cervo e Lessa (2014, p. 10), esse declínio seria um
resultado de fatores como o enfraquecimento de estratégias de motivação de investimento
externo e do diálogo com setores internos, na perda da capacidade indutora do Estado e da
ascensão protagonista de atores como China e Rússia nos BRICS, que deterioram a presença e
influência econômica, política e geopolítica do país no cenário global.
1.4 Evolução e maior poder de negociação
A evolução da Organização Mundial do Comércio e do Órgão de Solução de
Controvérsias conferiu uma maior juridicidade do Sistema Multilateral de Comércio,
adequando normas, princípios e padrões de conduta e proporcionando, assim, maior
confiabilidade e participação dos Estados neste sistema. O Brasil, que desde o princípio revela
sua valorização pelo multilateralismo, se insere neste contexto inicialmente de forma limitada.
No entanto, com o adensamento do processo de globalização, a ascensão de novos atores nas
negociações internacionais e o aumento da competitividade de alguns setores da economia
brasileira, o país passa a exercer um papel mais ativo neste sistema, favorecendo-se de um
maior poder de barganha diante de atores tradicionais especialmente no que diz respeito à
exportação de produtos primários.
2 O AGRONEGÓCIO NA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
Neste capítulo, pretende-se compreender as interações que ocorrem no âmbito
doméstico e que determinam a formulação da Política Externa Brasileira. Essa interação será
estudada aqui a partir de dois eixos principais: o comportamento de grupos ligados ao setor do
agronegócio em busca de maior poder e influência na definição da política exterior, e o
diálogo entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, representante dos
interesses desses grupos diante do Executivo, e o Ministério das Relações Exteriores,
principal órgão responsável pela formulação e execução da Política Externa Brasileira.
Nesse sentido, aborda-se, primeiramente, o processo de internacionalização do
agronegócio brasileiro, possível em meio a uma gama de transformações que marcaram as
três últimas décadas do país, período necessário para se compreender o atual cenário político-
econômico. Em seguida, trata-se da abertura do Ministério das Relações Exteriores e a
descentralização da formulação da Política Externa Brasileira. Por fim, expõe-se a evolução
institucional do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para aprimorar sua
participação na definição de política exterior, assim como a ampliação dos canais de
comunicação entre esse ministério e os grupos de interesse ligados ao setor do agronegócio,
pontos que refletem a evolução organizacional do setor, para então se buscar entender como
funciona hoje essa relação entre o setor e o processo de formulação da política exterior do
país.
2.1 A internacionalização do agronegócio brasileiro
Para tratar do processo de internacionalização4 do agronegócio
5 brasileiro é
necessário, primeiramente, compreender o contexto de transformações internas do país que
envolveu este processo. A partir da segunda metade dos anos 1980 assistiu-se, no Brasil, à
redemocratização política e, consequentemente, à modificação da política econômica exercida
até então.
Nessa década, apareceram as primeiras críticas ao desenvolvimentismo, ao qual
atribuíam-se desvios e vícios acumulados durante o longo curso anterior, tais como
4 Internacionalização: processo de diminuição dos custos transacionais que aumenta os fluxos de bens, serviços e
capital (KEOHANE; MILNER, 1996). 5 Agronegócio: conceito criado originalmente por John Davis e Ray Goldberg, em 1957, que refere-se à soma de
todas as operações que envolvem a agricultura, desde a pesquisa científica até o consumidor final, da produção e
distribuição de suprimentos agrícolas até a comercialização deles (ABAG RP, 2015).
27
o protecionismo exagerado concedido ao mercado e ao empreendimento interno, a
baixa competitividade sistêmica da indústria e dos serviços nacionais, a baixa
capacidade de investimento do Estado, a instabilidade monetária e a vulnerabilidade
financeira provocada pelo volume da dívida externa (CERVO, 2008, p. 50).
Esse desenvolvimentismo refere-se ao período de políticas econômicas, iniciado na
década de 1930, com Getúlio Vargas, que valorizavam o modelo de industrialização por
substituição de importações e afetavam o setor agrícola nacional.
A política de industrialização por substituição de importações, ao colocar o foco no
setor industrial como motor do crescimento, resultou em negligência em relação ao
setor agrícola. Além disso, o câmbio sobre-valorizado, que fazia parte da ISI,
prejudicava significativamente as exportações agrícolas. Isto porque a deterioração
dos termos de troca impedia um ganho significativo de renda por parte dos
agricultores nas exportações (MACHADO, 2009, p. 58).
Também neste período, marcado por forte intervenção do governo na economia,
ocorriam proibições de exportação de alguns produtos agrícolas, com o objetivo de garantir o
abastecimento interno, o que permite a conclusão de que
[...] até o final na década de oitenta, ou seja, enquanto perdurou o modelo
desenvolvimentista baseado na ISI, a agricultura permaneceu subordinada aos
objetivos industriais. As políticas governamentais para o setor concentraram-se, nas
décadas de 1960 e 1970, na concessão de créditos subsidiados para a agropecuária e,
a partir da década de 1980, na Política de Garantia dos Preços Mínimos (PGPM),
tendo em vista que os créditos subsidiados haviam diminuído significativamente
(MACHADO, 2009, p. 59).
Tal situação começou a se modificar no final da década de 1980. Em 1988, a resolução
nº 155 do Conselho Nacional de Comércio Exterior (Concex) permitiu a exportação de
produtos agrícolas.
Em 1990, o governo de Fernando Collor de Mello acabou com a política de
substituição de importações, abriu o mercado brasileiro a produtos estrangeiros com
a derrubada de tarifas de importação, impôs regras para a intervenção do governo no
mercado, relacionadas a vendas de estoques públicos, e passou a haver impostos
sobre produtos subsidiados importados pelo país (MANCINI, 2008, p. 88).
Além da liberalização comercial, outro fator do período influenciou o desempenho do
setor agrícola: a estabilização monetária, em 1994, com o Plano Real.
O Plano Real deve ser visto como um divisor de águas na análise das
potencialidades da agricultura no Brasil. Isso deve-se, essencialmente, ao sucesso no
controle da inflação e, portanto, ao fato de a agricultura não ser mais obrigada a
operar em um ambiente de inflação alta e instável. É verdade que, em sua fase
inicial, o Plano Real também levou crise à agricultura. De fato, assim como os
demais planos, e pelas mesmas razões, o Plano Real gerou um ciclo de euforia e
crise no setor agrícola no biênio 1994-1995, deixando em seu rastro o aumento do
28
endividamento agrícola. À diferença dos demais planos, entretanto, o Real
conseguiu acabar com a inflação, permitindo que a agricultura se livrasse do ônus de
ter de operar no ambiente macroeconômico anterior, em que arcava com
compromissos financeiros atrelados à taxa geral de inflação (GASQUES et al, 2004,
p. 19).
Com as reformas das décadas de 1980 e 1990, o agronegócio brasileiro ganhou força.
A liberalização comercial e a estabilização monetária, combinadas a outros fatores de
aumento da produção e produtividade, resultaram em um o setor muito mais competitivo no
mercado externo, possibilitando “uma maior integração da economia doméstica ao processo
de globalização em curso na economia mundial” (MACHADO, 2009, p. 62). Os dados do
Gráfico 1 demonstram a evolução do comércio exterior brasileiro total e agrícola, em que se
observa um crescimento das exportações de produtos agrícolas quase constante, com exceção
de pequenas quedas em alguns períodos.
Gráfico 1 – Evolução anual da balança comercial brasileira e do agronegócio – 1989 a 2013
(em US$ bilhões) Fonte: Agrostat Brasil (2015)
Em 2014, a exportação do setor do agronegócio foi de 99,97 bilhões de dólares e a do
primeiro semestre de 2015 foi de 43,26 bilhões, representando uma participação de 45,86%
em relação à exportação total (MAPA, 2015). O Quadro 1 representa a participação do
Produto Interno Bruto do agronegócio no PIB brasileiro total no período de 1994 a 2014, o
que revela a importância do setor para a economia do país.
Gráfico - Evolução anual da balança comercial brasileira e do agronegócio - 1989 a 2013 - (em US$ bilhões)
0
50
100
150
200
250
300
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
EXP. TOTAL IMP. TOTAL EXP. AGRONEGÓCIO IMP. AGRONEGÓCIO
Fonte: AgroStat Brasil, a partir de dados da SECEX/MDIC Elaboração: CGOE/ DPI/ SRI/ MAPA
US$ Bilhões
29
Quadro 1 – Produto Interno Bruto: Agropecuária e Agronegócio – Brasil – 1994-2014. Fonte: IBGE (2015)
Além das transformações políticas e econômicas domésticas destacadas até aqui, o
Gasques et al (2004) aponta outros três fatores que possibilitaram o bom desempenho do setor
do agronegócio nos últimos anos: os gastos com pesquisa e desenvolvimento, com destaque
para o papel da Embrapa, cuja contribuição “relacionou-se ao aumento da produção6 agrícola
e pecuária nos últimos anos, o que garantiu uma oferta crescente de produtos e matérias-
primas” (GASQUES et al, 2004, p. 23), a consolidação dos mecanismos de financiamento do
setor e, por fim, a organização do agronegócio, fator que será tratado em seguida, na terceira
parte deste capítulo. Nesse sentido também é o entendimento presente em relatório do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, de que o desempenho positivo do
agronegócio brasileiro é resultado da disponibilidade de terras agricultáveis e mecanizáveis e
de tecnologia, além do empreendimento dos produtores (VILELA; ARAÚJO, 2006, p.4).
6 Baseada no crescimento da produtividade (IPEA, 2004).
30
2.2 A formulação da Política Externa Brasileira
A formulação e implementação da Política Externa Brasileira, até os anos 1990, era de
responsabilidade quase exclusiva do Ministério das Relações Exteriores (MRE), que era
fechado às demandas e interesses sociais, configurando o que Carlos Aurélio Pimenta de Faria
qualifica como insulamento burocrático7 do Itamaraty.
Até meados da década de 1990, prevalecia entre os analistas, bem como entre
diversos stakeholders da sociedade civil, a percepção do Itamaraty, agência estatal
responsável pela implementação da política exterior do país, mas que
frequentemente tem assumido também, nas últimas décadas, o encargo de
formulação dessa política, como instituição fortemente insulada, pouco transparente
e pouco responsiva às demandas e aos interesses dos demais atores políticos,
burocráticos e societários (FARIA, 2012, p. 312).
Para Ariane Roder Figueira, essa organização particular do Itamaraty começou a se
estruturar a partir da reforma de Estado de 1936, com a criação do Departamento
Administrativo do Serviço Público (DASP).
Dentre as características do novo modelo administrativo estavam: a tecnicidade, a
profissionalização, a neutralidade política, a centralização, a hierarquização, o
caráter meritocrático das carreiras, os critérios gerais e uniformes de classificação de
cargos, a racionalização geral dos métodos e ênfase nos procedimentos. Esse
segundo ciclo de reformas e ruptura na história da organização das instituições
públicas federais teve impacto significativo na organização do Ministério das
Relações Exteriores, pois foi durante esse período que a carreira diplomática tornou-
se unificada, possibilitando a constituição de um grande espírito de corpo. Além
disso, conquistou autonomia em relação às demais burocracias estatais na promoção
e execução de seu processo seletivo para a inserção na carreira, com a criação da
academia diplomática em 1945 (FIGUEIRA, 2010, p. 8).
Desde então, o insulamento e autonomia do Ministério na produção de política externa
só veio a ser reforçado. A partir da redemocratização política, entretanto, aumentou-se a
preocupação pela criação de canais de diálogo mais abertos e transparentes com a sociedade
civil, processo que, de acordo com Camila De’ Carli Cardoso Oliveira (2013, p. 7), envolveu
o Itamaraty, que “também passou a considerar essa interlocução como necessária na
constituição de uma política externa que refletisse o compromisso brasileiro com a
democracia e os anseios dos mais diversos setores sociais”. Assim, testemunharam-se no país
[...] (a) pressões no sentido de mudanças constitucionais que permitam um maior
equilíbrio entre Executivo e Legislativo na produção da política exterior; (b)
crescente ativismo do Congresso brasileiro no que se refere à política externa; (c) em
lugar de uma autolimitação do presidente na matéria, a progressiva intensificação da
7 Pimenta de Faria (2012) se utiliza do conceito de insulamento burocrático de Edson Nunes (1997), aplicando-o
ao Ministério das Relações Exteriores.
31
chamada diplomacia presidencial, ou uma maior “presidencialização” da política
externa (DANESE, 1999; CASON; POWER, 2009); (d) a superação do modelo de
desenvolvimento substitutivo de importações, substituído pelo paradigma da
inserção competitiva; (e) a ampliação do caráter conflitivo da atuação diplomática
brasileira, em função da maior assertividade do país no plano regional e sistêmico, a
despeito de uma postura internacional do Brasil predominantemente cooperativa e
de valorização do multilateralismo; e, finalmente, (f) a erosão, bastante visível
durante o governo Lula da Silva, da coesão da corporação diplomática,
testemunhada, entre outros fatores, pela acidez do posicionamento de segmentos da
corporação, notadamente diplomatas aposentados, amplamente veiculado pela mídia
nacional (FARIA, 2012, p. 320).
Diante dessas pressões, vem-se demonstrando maior abertura e interlocução do
Itamaraty com o poder Legislativo e o empresariado brasileiro (OLIVEIRA, 2013) e uma
multiplicação de atores interessados na formulação de política externa no Brasil, o que
promoveu um processo de politização dessa última (LIMA, 2009).
A interlocução com os demais Ministérios federais também tem sido mais freqüente,
resultados também da nova agenda de política externa brasileira, que incorpora
preceitos da agenda internacional pós-Guerra Fria, quais sejam: meio ambiente,
direitos humanos, crime organizado, fome, pobreza, desarmamento, biocombustíveis
etc; temáticas essas que muitas vezes pressupõe a sobreposição de competências,
obrigando os Ministérios a coordenarem ações na execução e planejamento de
tarefas em âmbito nacional e internacional. Desse modo, essa interdependência
vigente entre os ambientes doméstico e internacional bem como a incorporação de
temáticas transversais na agenda diplomática demandaram um diálogo mais estreito
entre as burocracias federais para definição de posicionamento do país em âmbito
internacional nas mais diversas temáticas (FIGUEIRA, 2010, p. 16).
Para José Flávio Sombra Saraiva,
[...] o novo paradigma da valorização dos entes subnacionais coincide com a
emergência do paradigma do Estado logístico no Brasil. O Estado logístico8, ao
procurar expor a vontade de fortalecer o núcleo nacional da ação externa do Brasil,
passa a operar diretamente na transferência à sociedade da responsabilidade
empreendedora, ajudando-a a atuar no ambiente externo. A busca por um melhor
modo de equilibrar os benefícios da interdependência por meio de uma inserção
madura no mundo globalizado é o elemento aglutinador das posições e opções
(SARAIVA, 2004, p. 139).
De fato, ocorreram modificações, no Brasil, no processo de produção de política
exterior, com a inclusão de novos atores, a maior interlocução do Itamaraty com outros
ministérios, setores, grupos de interesse e com o próprio poder Legislativo. A preocupação da
próxima seção deste capítulo, no entanto, é avaliar qual é, efetivamente, o grau de
participação que esses novos atores possuem na formulação da Política Externa Brasileira,
8 O conceito de Estado Logístico, criado por Amado Luiz Cervo, refere-se principalmente ao período do final do
governo Fernando Henrique Cardoso e de todo o governo Lula e designa uma política exterior voltada à
realização de diferentes interesses nacionais, dos agricultores, dos empresários, dos operários, dos consumidores,
etc.
32
buscando compreender como funcionam os canais de diálogo entre o MRE e o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), e desse com associações representantes do
setor do agronegócio. Nesse sentido, Paulo Roberto de Almeida, diplomata de carreira, afirma
que
[...] outras agências executivas podem estar ocasionalmente envolvidas em temas de
relações internacionais e de política externa do Brasil – como, por exemplo, o
ministério da Fazenda, para as questões financeiras internacionais, ou o próprio
Banco Central, além de outros ministérios setoriais, para temas específicos – assim
como outros poderes – o Judiciário para assuntos de cooperação em matéria criminal
ou de cooperação judicial – e mesmo organizações não governamentais, mas a
capacidade desses outros atores é necessariamente limitada. Com a ampliação da
abertura brasileira em relação ao mundo, diversas outras agências públicas, e
dezenas de entidades não-governamentais também passaram a praticar “política
externa” (ou pelo menos “internacional”), o que pode aumentar o número de atores
nesse contexto, mas é óbvio que o essencial, no plano oficial, é conduzido pelo
ministério especialmente dotado para o trato das relações internacionais do país em
seus diferentes aspectos e formatos (ALMEIDA, 2012, p. 26).
2.3 A organização do agronegócio brasileiro
Como visto anteriormente, o agronegócio brasileiro apresentou um crescimento
exponencial em termos econômicos e comerciais nos últimos anos, especialmente a partir da
década de 1990. Além disso, o processo de formulação de política exterior no Brasil tem
passado por transformações, com maior e mais ativa participação de novos atores, não se
isolando mais apenas no interior do Ministério das Relações Exteriores. Nesse sentido, nos
cabe analisar como o setor do agronegócio se organizou para fazer parte desse processo, com
o propósito de exercer maior influência e poder nas decisões de política externa brasileira
referentes a interesses agrícolas. Essa análise se apresenta em dois contextos principais: os
mecanismos criados pelo setor para dialogar de maneira mais eficiente com seus
representantes no Executivo e a relação do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento com o Ministério das Relações Exteriores.
É importante destacar nesse processo de organização do setor a aprovação da lei de nº
8.171 de 1991, conhecida como Lei Agrícola, que define os objetivos, competências, prevê
recursos e estabelece ações da política agrícola no país (BRASIL, 1991). De acordo com
Claudia Mancini, essa lei foi resultado da “pressão dos grupos de lideranças das associações
nacionais de produtores por maior participação na tomada de decisões de políticas” (2008, p.
89). Para Mancini, a desregulamentação do setor que se verificava até então gerou não apenas
maior participação do empresariado agrícola, mas também a uma reorganização das
instituições representativas do setor do agronegócio (2008, p. 90), contexto em que se
33
enquadram as transformações institucionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento.
2.3.1 A transformação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)
O Mapa tem origem em 1860, com a criação da denominada Secretaria de Estado dos
Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Em 1909, cria-se o Ministério da
Agricultura, Indústria e Comércio, que passa a fazer parte da estrutura governamental da
República apenas em 1930. Em 1990, uma nova pasta para agricultura foi criada com a lei nº
8.028, que determinava, além das tradicionais atribuições, que o Ministério assumisse a
coordenação política e de execução da reforma agrária e de irrigação e, em 1999, o ministério
também passou a responder pelas políticas do café, açúcar, álcool, atividades do setor
agroindustrial canavieiro, heveicultura e pesca, mas excluíram-se as atribuições referentes à
Reforma Agrária. Em 2001, a pasta passou a ter a denominação de Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento que buscou integrar todos os aspectos do setor produtivo, de
abastecimento, armazenamento e transporte de safras, assim como gerenciar a política
econômica e financeira do agronegócio (MAPA, 2015).
De acordo com Ana Paula Machado, até 1990, não havia qualquer menção às relações
internacionais no regimento do ministério, o que se alterou em 1992, em função de pressões
externas e internas, com a aprovação de um novo regimento que previa unicamente o
assessoramento em assuntos de cooperação internacional.
Com a evolução nos cenários interno e externo, mudou também a forma pela qual o
Ministério da Agricultura passou a ser demandado pelo setor privado agrícola. O
crescimento da produtividade e competitividade do setor agrícola brasileiro,
relativamente maior do que em outros países agrícolas, fez com que o mercado
externo se tornasse uma grande oportunidade de incremento de renda para o
agronegócio nacional. Isso representou um incentivo para que o setor se organizasse
e pressionasse o MAPA, seu tradicional interlocutor, para que auxiliasse no processo
de abertura de mercados e providenciasse os mecanismos formais necessários para a
efetivação das exportações (MACHADO, 2009, p. 77).
Em 1996, são adicionadas atribuições de acompanhamento e implementação de
políticas e acordos internacionais às secretarias de Política Agrícola e de Defesa Agropecuária
e em 1998 passa a constar como atribuição do Ministro da Agricultura a articulação com o
Ministério das Relações Exteriores e outros órgãos da administração pública. Em 2003, criou-
se o Departamento de Políticas e Acordos Comerciais Agrícolas, com os objetivos principais
34
de participar da negociação de acordos comerciais e analisar políticas agrícolas de outros
países (MACHADO, 2009).
Em decorrência da internacionalização do agronegócio – caracterizada notadamente
pela diversificação de sua pauta exportadora e dos mercados compradores - o setor
passou a demandar políticas voltadas à inserção dos produtos agropecuários no
exterior. As barreiras tarifárias representam um entrave a essa inserção e uma
postura mais contundente do governo nas negociações no âmbito da Rodada Doha
da OMC tornou-se necessária para satisfazer os interesses das coalizões domésticas
do setor agrícola. As negociações bilaterais para abertura e manutenção de mercado
também se tornaram mais frequentes e necessárias (MACHADO, 2009, p. 82).
Com a reforma administrativa do ministério, em 2005, criou-se então a Secretaria de
Relações Internacionais do Agronegócio, que representou um marco, uma vez que “pela
primeira vez na história da instituição, as negociações internacionais constaram como
atribuições da Pasta” (MACHADO, 2009, p. 79). De acordo com o próprio ministério, a
Secretaria de Relações Internacionais do Agronegócio (SRI) promove a área de interação do
MAPA com o mercado externo, sendo responsável pela elaboração de propostas para a
negociação de acordos que envolvam interesses do setor, articulando ações de promoção do
agronegócio brasileiro e da imagem do país como provedor de alimentos seguros e de
qualidade. Os representantes da secretaria, além de intermediar negociações em fóruns
bilaterais e multilaterais, acompanham decisões da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e
atuam em negociações do Mercosul (MAPA, 2015).
2.3.2 Os canais de diálogo entre governo e o setor do agronegócio
Simultaneamente ao processo de internacionalização do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento, com vistas a uma maior participação desse na formulação da
Política Externa Brasileira, assistiu-se também a uma democratização dos meios de
articulação política com a sociedade e representantes do setor do agronegócio.
A interlocução com a sociedade, uma das prioridades estratégicas do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, procura estabelecer diálogo e
organizar suas demandas, dando maior visibilidade e efetividade às políticas
públicas, valorizando o agronegócio e seus componentes perante a sociedade
(VILELA; ARAÚJO, 2006, p.4).
Nesse sentido, em 1998, foi criado dentro do MAPA o Conselho do Agronegócio
(CONSAGRO), composto de forma paritária por representantes dos setores público e privado,
que tem como finalidade, conforme o seu regimento interno, articular o planejamento e
implementação de instrumentos que promovam o agronegócio brasileiro, colaborando na
35
identificação de prioridades na Política Agrícola e nas metas socioeconômicas e auxiliando a
formulação dos Planos Anuais de Safra e o Ministro da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento na determinação de diretrizes do setor nos mercados interno e externo
(MAPA, 2015).
O CONSAGRO tem sua estrutura funcional disposta por Câmaras Setoriais e
Temáticas, por Grupos Temáticos, que fazem parte das Câmaras Setoriais e Temáticas, além
do Plenário, ao qual compete a apreciação e deliberação das matérias a ele submetidas, o
referendo à instituição de Câmara Setorial ou Temática e a homologação das propostas
apresentadas pelas Câmaras Setoriais ou Temáticas (MAPA, 2008). As Câmaras Setoriais e
Temáticas, por sua vez, atualmente em número de 31, são, de acordo com relatório do MAPA,
um mecanismo de extrema importância por representarem diretamente os interesses do setor.
As Câmaras Setoriais e Temáticas são foros de interlocução criados pelo Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA para a identificação de
oportunidades ao desenvolvimento das cadeias produtivas, definindo ações
prioritárias de interesse para o agronegócio brasileiro e seu relacionamento com os
mercados interno e externo. Este elo entre governo e setor privado resulta em um
mecanismo democrático e transparente de participação da sociedade na formulação
de políticas públicas. As Câmaras Setoriais – relacionadas à idéia de agrupamento
de segmentos da cadeia produtiva; e Temáticas – relacionadas com serviços, temas
ou áreas de conhecimento e atuação no agronegócio – têm seus princípios
fundamentados em seis conceitos básicos: eqüidade no tratamento entre os
diferentes elos das cadeias produtivas, qualidade nos serviços, garantia da segurança
alimentar, competitividade, harmonização entre os setores e paridade público e
privado na sua co-gestão. Constituídas por representantes de entidades de caráter
nacional, representativas de produtores, trabalhadores, consumidores, empresários,
autoridades do setor privado e representantes de órgãos públicos, parlamentares,
técnicos governamentais e instituições bancárias, as Câmaras atendem às exigências
de um setor em franco crescimento e que é responsável por uma parcela
representativa da economia nacional (VILELA; ARAÚJO, 2006, p. 10).
Nesse sentido, cabe às Câmaras Setoriais e Temáticas apresentar propostas e
acompanhar ações para o desenvolvimento dos segmentos associados ao agronegócio,
elaborar estudos e posicionamentos, assessorando o ministério em assuntos especializados,
encaminhar documentos indicativos de ações prioritárias setoriais ou temáticas, contribuindo
para a formulação das políticas públicas, além de propostas para o aprimoramento da
atividade agrícola, promover análise sobre os segmentos setoriais agropecuários no curto,
médio e longo prazos, estabelecer calendários e reuniões e acompanhar a implementação de
sugestões provenientes das Câmaras, assim como os resultados decorrentes das medidas
adotadas (MAPA, 2008).
Nesse contexto, duas câmaras setoriais são importantes para o nosso estudo: a Câmara
Setorial da Cadeia Produtiva do Algodão e Derivados, que será estudada no próximo capítulo,
36
quando trataremos do contencioso do algodão entre Brasil e Estados Unidos, e a Câmara
Temática de Negociações Agrícolas Internacionais, criada em 2003, em âmbito das
negociações da Rodada Doha, por Roberto Rodrigues, então Ministro da Agricultura, tendo,
no dia 02 de julho de 2003 sua 1° Reunião Ordinária. Na ocasião foi empossado Gilman
Viana Rodrigues como Presidente da Câmara e Carlos Nayro Coelho como Secretário-
Executivo (MAPA, 2015).
O número de participantes da câmara era amplo, com cerca de 50 membros. Foram
indicados ao ministro, a quem cabia o convite para participação. O presidente tinha
de ser um representante do setor. Desde sua criação, em julho de 2003, até o final de
2006, houve apenas dez reuniões ordinárias, convocadas em caso de maior
necessidade de debate ou exposição do desenrolar das negociações. Segundo um
negociador do Brasil na OMC, funcionava como mecanismo de transparência, com a
exposição em especial de fatos já ocorridos nas negociações. Nesse foro, o
negociador mostrava as propostas do Brasil, como foram negociadas e as razões
para tal, tentando indicar que buscou-se encampar as idéias dos membros da câmara.
Conforme observa o negociador, as propostas apresentadas eram, em geral,
previamente discutidas no grupo técnico informal que as definia e no qual havia
representantes do setor privado. Divergências maiores entre governo e setor privado,
que tendiam a não ser muitas devido ao interesse ofensivo dos empresários e do
governo, podiam ser levadas diretamente pelos empresários ao ministro, para que
esse tratasse das questões num nível superior, com seus pares em outros ministérios
(MANCINI, 2008, p. 142).
A Câmara, que desde 2008 estava parada, foi reinstalada no início de 2014, com vistas
a implementar o diálogo do governo com entidades representativas do agronegócio
interessadas no comércio exterior (PORTAL BRASIL, 2015). Em relação ao diálogo do setor
com o Itamaraty, destaca-se a criação do grupo técnico informal, também em âmbito da
Rodada Doha, pelo departamento do Ministério das Relações Exteriores encarregado da
OMC, como decorrência da avaliação de que a câmara do Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento “funcionava mais como um foro de transparência que de participação, sendo
inapropriada para a discussão de propostas técnicas detalhadas” (MANCINI, 2008, p. 143).
Os grupos de interesse do agronegócio, além de participar diretamente das
discussões e decisões da Câmara, também integraram o Grupo Técnico (GT). O GT
foi um grupo informal que se reuniu durante a rodada no Mapa, sendo coordenado
pelo chefe do Departamento de Agricultura e Produtos de Base (DPB), integrante da
Subsecretaria-Geral de Assuntos Econômicos e Tecnológicos (SGET), do MRE, e
responsável pelas negociações no contexto da OMC (Epsteyn, 2009). Compunham o
GT: a CNA, o Icone, o Mapa, a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura
(Contag), o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). As decisões sobre a
posição brasileira a ser encaminhadas ao governo nas negociações internacionais
ocorreram no GT. O grupo foi percebido por representantes do Mapa, do MRE e da
CNA como uma esfera efetiva de discussão e de tomada de decisão. Além do mais,
quase todas as propostas substantivas encaminhadas pelo G-20 foram feitas a partir
das posições discutidas no GT, o que revela um expressivo poder de agenda do GT e
37
a relevância do Brasil em influenciar as posições do G-20 (CARVALHO, 2010, p.
419).
Importante destacar também nesse cenário a participação de entidades de associação
representantes do setor. Três são fundamentais para esse trabalho: a Confederação da
Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Associação Brasileira de Agribusiness (ABAG),
além da Associação Brasileira de Produtores de Algodão (ABRAPA), que será estudada no
próximo capítulo. Criada em 1964, a CNA é a responsável por congregar associações e
lideranças políticas e rurais em todo o país, atuando na defesa dos interesses dos produtores
agrícolas brasileiros diante do Governo Federal, do Congresso Nacional e dos tribunais
superiores, organismos nos quais dificilmente um produtor, por si só, lograria respostas
eficientes para as suas demandas (CNA, 2015). Em relação às negociações internacionais, a
CNA é apontada como uma entidade com pouca capacidade técnica para o assunto, atuando
mais como uma representação política do setor (MANCINI, 2008).
A Associação Brasileira de Agribusiness, por sua vez, foi criada em 1993, buscando
ressaltar a importância do sistema agroindustrial brasileiro, fortalecendo-o junto ao governo, à
iniciativa privada e a entidades diversas (ABAG, 2015). A ABAG e a CNA estão entre as
responsáveis por duas iniciativas fundamentais na defesa dos interesses do setor nas
negociações agrícolas internacionais: a formação, juntamente com a Organização das
Cooperativas Brasileiras, em 1999, do Fórum Permanente de Negociações Agrícolas
Internacionais e a criação do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais
(ICONE). Para Maria Izabel Valladão de Carvalho, a atuação do Fórum foi relevante na
Rodada Doha.
As propostas contidas no documento do Fórum vieram a integrar a posição enviada
pela Coalizão Empresarial Brasileira (CEB) ao governo para a Conferência
Ministerial de Seattle (Fórum, 1999). Tais propostas se mantiveram na Ministerial
em Doha e balizaram as posições defendidas pelo Fórum em outras fases do
processo negociador da rodada. O Fórum se consolidou como um importante
instrumento de vocalização das demandas dos vários setores do agronegócio e de
interlocução do setor junto ao Mapa (CARVALHO, 2010, p. 418).
Criado em 2003, com o apoio de diversas entidades representativas do setor do
agronegócio, o ICONE também se transformou em um interlocutor essencial entre o
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e o Ministério das Relações Exteriores
para a posição brasileira nas negociações agrícolas da Rodada Doha, por integrar especialistas
em agricultura, política comercial e negociações internacionais (CARVALHO, 2010). No
entanto, apesar de todos os mecanismos de diálogo e concertação criados para aumentar a
38
participação do setor nas negociações internacionais, é importante destacar que essa
participação ainda se dá de forma limitada, em razão da atuação ainda centralizada e
autônoma do Itamaraty na formulação e execução da política externa brasileira. O setor
privado, participando de foros e auxiliando tecnicamente as negociações, possui uma
oportunidade de influenciar o governo, mas não garante com isso que todas as suas propostas
sejam acolhidas (MANCINI, 2008, p. 146).
2.4 Crescimento, organização e novos canais de diálogo
Como visto, o agronegócio brasileiro apresentou um notável crescimento econômico e
comercial nas últimas décadas, especialmente a partir dos anos 1990, com a abertura
comercial da economia brasileira. Além disso, observou-se no setor um aumento da sua
organização, com vistas a implementar sua participação na formulação da Política Externa
Brasileira, o que pôde ser analisado a partir das transformações institucionais pelas quais
passou o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a abertura do Ministério das
Relações Exteriores, com o surgimento de novos atores nesse cenário, e a criação de canais de
diálogo e concertação política do setor com esses ministérios, além de grupos técnicos
especializados para auxiliar nas negociações agrícolas internacionais do país. No próximo
capítulo, pretende-se analisar de forma mais aprofundada essa interação entre o setor privado
e o governo brasileiro a partir de um estudo de caso, o do contencioso do algodão entre Brasil
e Estados Unidos.
3 ESTUDO DE CASO: O CONTENCIOSO DO ALGODÃO NA OMC
Nesse capítulo, por fim, será feita uma revisão do que foi tratado até aqui, aplicando-
se o estudo a um caso específico, o do contencioso do algodão entre Brasil e Estados Unidos
na Organização Mundial do Comércio. Para tanto, faz-se necessário primeiramente um breve
relato a respeito das relações entre o Brasil e os Estados Unidos no período do caso (2002-
2014) e uma explicação mais aprofundada sobre quem são os atores envolvidos no processo
de produção da política comercial de um país, descritos no capítulo anterior, para buscar
compreender de que maneira eles influenciaram as posições dos dois países no caso específico
do algodão na OMC.
Quando se falou, no segundo capítulo, a respeito dos novos atores que influenciam ou
podem influenciar a tomada de decisão em política externa no país, fez-se referência a todas
as associações de produtores agrícolas no país, e ao próprio Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento, que atua como um mediador entre essas associações e o Executivo,
representado, no caso da política externa, pelo Ministério das Relações Exteriores. Como foi
visto, até a década de 1980, ministérios setoriais, como é o caso do Ministério da Agricultura,
possuíam pouco diálogo com o Itamaraty e, dessa forma, pouca participação no processo de
formulação da política de negociações agrícolas internacionais do Brasil, situação modificada
a partir das transformações ocorridas, especialmente nas últimas décadas de 1990 e nos
primeiros anos do novo milênio, no interior do Mapa, que já foram discutidas no capítulo
anterior.
No caso das associações, o processo de modificação na organização e participação
também é relativamente recente. A Confederação Nacional da Agricultura, como se sabe, é
um pouco mais antiga, com sua criação datando de 1964. A maioria das associações ligadas
ao setor do agronegócio, e a setores específicos no interior desse, são, no entanto, resultado do
período de transformações pós-redemocratização do país. Luiz Alberto dos Santos (2007), em
trabalho comparativo do lobby exercido nos Estados Unidos e no Brasil, aponta alguns dados,
de que até 1980, existiam apenas 358 associações de produtores rurais. No período de 1981 a
1990, tal número passou para 2.673, e de 1991 a 2001, ao impressionante número de 17.526
associações. Observando esses dados, assim como o estudo sobre o processo de
desburocratização do Itamaraty do capítulo anterior, pode-se afirmar que esses atores que hoje
concorrem para influenciar na formulação da política externa brasileira são, sim,
relativamente novos, como é o caso da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão,
criada em 1999, de importância fundamental ao caso estudado a seguir.
40
3.1 As relações Brasil-Estados Unidos (2002-2014)
O caso do algodão na OMC abrange o período de três governos presidenciais no
Brasil, compreendendo o final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-
2002), todo o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e o primeiro mandato da
presidente Dilma Rousseff (2011-2014). No que diz respeito às relações Brasil-Estados
Unidos, Cristina Soreanu Pecequilo divide esse período em três fases: Autonomia (1999-
2004), Diálogo Estratégico (2005-2010) e Brasil Global (2011 em diante) (LESSA;
OLIVEIRA, 2013).
Fernando Henrique Cardoso imprimiu forte teor pessoal a sua atuação nas relações
com os Estado Unidos, caracterizando o que se conhece por diplomacia presidencial9. De
acordo com Pecequilo (2013, p. 77), o presidente Cardoso optou por uma atitude autonomista,
sustentando-se na retórica da globalização assimétrica10
, sem, no entanto, alterar o eixo
preferencial da política externa do Norte-Sul para o Sul-Sul. Nesse momento, poucos foram
os resultados da relação bilateral, que se manteve sem grandes conquistas ou rupturas
(LESSA; OLIVEIRA, 2013, p. 77).
Diante desse contexto, durante seus dois mandatos, o presidente FHC (1995-2002)
procurou dar prioridade às relações com os Estados Unidos e a Europa Ocidental,
porém na base da “reciprocidade moderada” (ALMEIDA; BARBOSA, 2005) e da
cooperação bilateral. A expressão de discordância entre o Brasil e os Estados Unidos
limitou-se a alguns aspectos econômicos setoriais, sem que o Brasil tenha retirado
seu apoio constante à posição dos Estados Unidos na América Latina. O
multilateralismo moderado de FHC garantiu um bom relacionamento com as
administrações de Bill Clinton e Tony Blair – por exemplo, por meio de discussões
sobre a terceira via e a social-democracia –, embora houvesse diferenças sobre o
papel esperado dos Estados Unidos na América do Sul, nomeadamente em relação
ao Plano Colômbia (MILANI, 2011, p. 79).
A política externa de Lula, conforme visto anteriormente, se mostrou mais ativa no
cenário internacional, produzindo um aumento do poder de barganha do país. Em relação aos
Estados Unidos, acentuou-se o perfil autonomista, o que, aliado a esse poder e aos ganhos de
credibilidade anteriores, permitiu a elevação no perfil da relação bilateral, fase essa sem
quebras relevantes que Pecequilo (LESSA; OLIVEIRA, 2013, p. 80) chamou de Diálogo
Estratégico, em que se destaca o papel do Brasil como parceiro global dos EUA, maior
9 Diplomacia presidencial: conceito empregado por Sérgio Danese, em 1999, referindo-se à condução, pela
própria pessoa do presidente, de assuntos de política externa, fora da mera rotina ou das atribuições legais. 10
Globalização assimétrica: técnica de crítica, de maneira ponderadamente, aos desequilíbrios de poder do
sistema internacional do período pós-Guerra Fria (LESSA; OLIVEIRA, 2013).
41
proximidade política, permanência de divergências nas questões relacionadas à OMC e à
reforma das organizações internacionais multilaterais.
As orientações estratégicas da PEB mudam em 2003. Em função de seu passado
sindicalista e da história das reivindicações políticas do Partido dos Trabalhadores
(PT), Lula havia sido objeto, durante o processo eleitoral de 2002, de artigos da
imprensa norte-americana que levantaram suspeitas sobre o futuro econômico do
Brasil na eventualidade de uma vitória do PT (BANDEIRA, 2010). No entanto,
Lula, já presidente, manteve políticas comerciais e macroeconômicas que finalmente
ganharam a confiança dos investidores estrangeiros. Em paralelo, o ministro das
Relações Exteriores, Celso Amorim, restaurou a credibilidade à ideia de autonomia
política e inserção soberana do Brasil no cenário internacional. Em suas relações
com os Estados Unidos, o Brasil defendeu o multilateralismo e o bilateralismo com
base na “reciprocidade”: a manutenção do livre comércio deveria partir de
negociações bilaterais e multilaterais de acordo com as necessidades e os interesses
dos diferentes Estados. Na prática comercial, o Brasil se confrontou com resistências
que produziram inúmeros focos de atrito entre os dois governos – a integração das
Américas, a presença da Venezuela e da Aliança Bolivariana para as Américas
(Alba) na América do Sul, o papel do Estado no modelo brasileiro de
desenvolvimento econômico etc. (MILANI, 2011, p. 79).
Por fim, Pecequilo (LESSA; OLIVEIRA, 2013, p. 86) entende como Brasil Global a
fase referente ao início do governo de Dilma Rousseff, em que se observou um cenário
positivo deixado por Lula, continuidades nas dimensões interna e externa da política anterior
e validação da presença global do Brasil. Já o biênio 2013-2014, no entanto, é visto como um
período caracterizado por distanciamento, repensamento e estagnação:
As relações bilaterais de 2011 a 2014 expressam as contradições tradicionais desta
interação e de seu peso na política nacional, como as da potência hegemônica
estadunidense na busca pela preservação de seu poder regional e global. O
fortalecimento do Brasil acentuou a autonomia do país, o que levou a uma nova
percepção estadunidense sobre as possibilidades de cooperação ou ameaças
derivadas deste crescimento. Isso aumentou os contatos, o que elevou os conflitos.
Os Estados Unidos recuaram internacionalmente devido à crise econômica e
reforçaram a utilização de mecanismos estratégico-militares na pressão sobre o
Brasil e emergentes. Instrumentos ideológicos e a reafirmação de zonas de
influência no Pacífico e na Europa, assim como a criação de novos espaços de
projeção de poder na Eurásia e na África oferecem um contraponto às potências
regionais. E se mantém preocupações sobre terrorismo e drogas. Desta forma, está-
se diante de um quadro complexo de considerações político-sociais, econômicas e
estratégicas, que balizam as relações bilaterais Brasil-Estados Unidos em termos
regionais e globais. Relações estas que se inserem, ainda, em quadro mais amplo de
transformação do equilíbrio de poder mundial (PECEQUILO, 2014, p. 30).
Interessante destacar, ainda, que para Roberto Azevêdo, que no período do
contencioso do algodão ocupava o cargo de Coordenador Geral de Contenciosos do
Ministério das Relações Exteriores, as relações entre os dois países não apresentaram rupturas
ou enfraquecimento em função das questões comerciais litigadas em âmbito da Organização
Mundial do Comércio.
42
O relacionamento Brasil-EUA, do ponto de vista político, não pode ser influenciado
por uma questão jurídica. Não se pode ficar aborrecido porque um país fez uma
defesa de seus interesses diante de árbitros neutros e imparciais. E esses árbitros
neutros e imparciais julgaram objetivamente que o Brasil tinha razão. Como é que se
vai reclamar do país que tinha razão? E não se pode deixar que as relações com esse
país se deteriorem por causa disso. De fato, não há qualquer indício de que as
relações entre os dois países tenham sido afetadas pelo contencioso. Na verdade,
Brasil e EUA têm de encontrar parcerias e maneiras de reduzir os subsídios, que são
generalizados. Em alguns setores, os próprios EUA são prejudicados por subsídios
dados por outros países. A redução ou, mesmo, a eliminação das distorções
comerciais na área agrícola, a longo prazo, será benéfica tanto para o Brasil como
para os EUA. Se encontrarmos o espaço para as parcerias nessa direção, tanto
melhor. (COSTA; BUENO, 2004, p. 96)
3.2 O contencioso do algodão na OMC
As negociações do caso do algodão da Organização Mundial do Comércio ocorreram,
conforme o Modelo dos Jogos de Dois Níveis de Robert Putnam, estudado no primeiro
capítulo, em dois tabuleiros: o internacional, em que se vislumbraram as posturas adotadas
por Brasil e Estados Unidos em relação aos subsídios agrícolas, e o doméstico, em que o
Ministério das Relações Exteriores e grupos de interesse ligados ao setor agrícola discutiram,
por intermédio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, as posições e as
atitudes a serem tomadas ao longo do contencioso.
A hipótese desse trabalho consiste em que a motivação brasileira para o
encaminhamento de um painel na Organização Mundial do Comércio contra os Estados
Unidos não derivou apenas da política de apoio do governo aos produtores locais
estadunidenses, prática essa considerada contrária às regras do sistema de comércio
internacional. Ao contrário, a abertura do painel foi motivada principalmente por elementos
de caráter doméstico. Silvana Schimanski (2006) identifica entre esses fatores o crescimento
do setor cotonicultor, tanto em termos econômicos quanto de organização e participação na
política.
Seguindo a lógica do crescimento do agronegócio de forma geral, transformações
ocorridas a partir da década de 1990 fizeram com que o Brasil passasse de importador de
algodão, para um dos maiores produtores e exportadores do produto no mundo, como
expressa o Gráfico 2. Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2015)
demonstram que o país figura hoje como o terceiro maior exportador do mundo, tendo como
maiores compradores do produto Indonésia, Coréia do Sul, China, Estados Unidos e União
Europeia.
43
Gráfico 2 – Exportação e Importação do Algodão entre 1999 a 2015 Fonte: ALICEWEB-MDIC
De acordo com a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA), Brasil
e Estados Unidos sempre foram grandes concorrentes no mercado algodoeiro mundial. Os
subsídios empregados pelo governo estadunidense geraram graves prejuízos ao setor
brasileiro, o que levou o país a procurar a Organização Mundial do Comércio.
A deslealdade da concorrência subsidiada é facilmente demonstrada por números. O
custo médio de produção no Brasil é de US$ 1,01 por quilo da fibra. Nos Estados
Unidos, o valor passa para US$ 1,41. O preço médio no mercado internacional está
em US$ 1,21, menos do que o custo do algodão americano. Mas o governo dos
Estados Unidos assegura o pagamento de US$ 1,59 por quilo. Calcula-se que esta
prática tenha causado aos produtores brasileiros um prejuízo de quase US$ 480
milhões, entre 1999 e 2002. De acordo com números do próprio Departamento de
Agricultura dos EUA, os subsídios ao algodão americano atingiram a expressiva
cifra de US$ 12,5 bilhões, entre agosto de 1999 e julho de 2003. No mesmo período,
o valor da produção americana foi de US$ 13,9 bilhões, o que significa que os
subsídios corresponderam a 89,5% do total. Calcula-se que, sem o auxílio do
governo, a produção americana cairia 29%, as exportações diminuiriam 41% e os
preços internacionais subiriam 12,5%. O Brasil decidiu, então, recorrer ao foro
internacional indicado para dirimir tais questões, a Organização Mundial do
Comércio (OMC) (COSTA; BUENO, 2004, p. 32).
Desde o início, até mesmo antes de o caso ser encaminhado oficialmente à OMC,
demonstrou-se a importância do respaldo de grupos domésticos, principalmente associações,
com destaque para a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA), para levá-
lo adiante.
44
Os primeiros passos desse processo foram dados em 2002, quando o então ministro
da Agricultura, Pratini de Moraes, convidou o presidente da Abrapa, Jorge Maeda,
para discutir a possibilidade de a associação apoiar o governo em uma ação, na
OMC, contra os subsídios americanos ao algodão. Maeda concordou com a idéia,
mas precisava da aprovação da diretoria da associação, que a concedeu. Em seguida,
no mês de julho do mesmo ano de 2002, o diretor-executivo da Abrapa, Hélio
Tollini, fez contato com o chefe da Coordenadoria Geral de Contenciosos do
Ministério das Relações Exteriores, Roberto Azevêdo, com o objetivo de tomar
providências para dar prosseguimento ao processo (COSTA; BUENO, 2004, p. 35).
A Associação Brasileira dos Produtores de Algodão foi criada em abril de 1999, e
representa 99% de toda a área plantada, 99% da produção e 100% da exportação de algodão
no Brasil, apresentando como propósitos a garantia e o incremento da produtividade do setor,
unindo agentes públicos e privados, atuando política, social e economicamente na busca da
sustentabilidade estratégica, e fomentando o aperfeiçoamento da produção, sempre com
preocupações sociais e ambientais. Busca promover a competitividade e o reconhecimento da
cotonicultura brasileira, tanto no cenário nacional quanto no externo (ABRAPA, 2015)..
Uma das formas de atuação junto ao setor público da Associação se dá por meio da
Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Algodão e Derivados, instalada em agosto de 2005
em Cuiabá, Mato Grosso, pertencente ao Conselho do Agronegócio e vinculada ao Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Composta por representantes de produtores,
consumidores, trabalhadores, entidades empresariais, organizações não governamentais e
órgãos públicos relacionados aos arranjos produtivos, a câmara busca, dentre outras
atribuições, estimular maior eficiência das negociações internas e internacionais, além de
maior diálogo e aproximação coordenada entre os setores público e privado (ABRAPA,
2015). A ABRAPA atua também por meio de grupos de trabalho. De especial importância
para o caso é o grupo de trabalho Relações Institucionais, que tem dentre seus propósitos o
acompanhamento dos desdobramentos do contencioso do algodão na OMC (ABRAPA,
2015).
Após o primeiro contato do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento com
a ABRAPA, o Ministério das Relações Exteriores foi procurado para dar prosseguimento ao
caso, uma vez que, sendo o “responsável pela gestão dos contenciosos comerciais brasileiros,
deve anuir com a decisão de submeter um caso à OMC, até porque todo o acompanhamento
da questão será feito por ele” (HABKA, 2013, p. 131). Hélio Tollini, na época Diretor
Executivo da ABRAPA, relatou a reunião:
Poucas semanas depois, fizemos uma visita à Coordenação de Contenciosos do
Itamaraty, ao conselheiro Roberto Azevêdo, chefe do setor, e começamos a discutir
detalhes. Ele queria ter a segurança de que a Abrapa não iria esmorecer. A ação não
45
podia começar e, de repente, o setor decidir parar, por julgar que estava custando
caro. Ele lembrou que não seria bom, para o Brasil, começar e desistir. Disse ainda
que seria difícil para o Brasil dar a partida na causa sem o apoio do setor, em termos
de análise jurídica, legal e econômica. Eles não têm gente para fazer todos os
estudos e análises que seriam necessários para termos sucesso. Naquele momento, a
Abrapa comunicou ao Roberto Azevêdo que iria até o fim. Essa era a decisão, levar
a questão adiante pelo menos até o fim do painel. A Abrapa daria um jeito de
conseguir os recursos. Era uma associação nova, mas que, de algum jeito iria juntar
esforços, e seguir adiante (COSTA; BUENO, 2004, p. 61)
Na mesma reunião, Hélio relata que foi discutida a assessoria a ser contratada. Oito
escritórios de advocacia do Brasil e do exterior foram ouvidos e analisados: “A escolha foi
precedida por um rigoroso processo de seleção, que assegurasse a contratação de profissionais
do mais alto nível, condição essencial para as partes brasileiras serem bem-sucedidas no
contencioso” (COSTA; BUENO, 2004, p. 36). Ao final, foram contratados os escritórios
Sidley Austin Brown & Wood LLP, de Genebra, e os economistas Daniel Sumner e Bruce
Babcock.
Em setembro de 2002, o governo dos Estados Unidos foi oficialmente solicitado pelo
governo brasileiro para consultas informais a respeito da questão dos subsídios do algodão.
Tentou-se um acordo, mas a cooperação estadunidense foi muito pequena. Entre os meses de
dezembro de 2002 e março de 2003, então, o Brasil pediu oficialmente a abertura de um
painel contra os Estados Unidos na OMC, questionando a Farm Bill11
de 2002 e subsídios à
exportação e de apoio doméstico ao setor do algodão, no período de 1999 a 2002. Tal
questionamento foi, de acordo com relatório produzido pela Abrapa, pioneiro em vários
aspectos:
Pela primeira vez, levantou-se controvérsia sobre: Subsídios agrícolas domésticos
não apenas à produção de algodão, mas para qualquer commodity agrícola.
Subsídios norte-americanos específicos à exportação de produtos agrícolas
(pagamentos Step 2 e garantias de crédito à exportação). Subsídios agrícolas sob a
forma de garantias de crédito à exportação. O Brasil questionou os subsídios
concedidos pelos EUA à exportação de todos os produtos agrícolas e não apenas do
algodão. Subsídios agrícolas antes do fim da Cláusula da Paz12
, que eximiu de
contestações, sob certas condições, até o fim de 2003, os subsídios domésticos
concedidos à agricultura. A classificação, pelos Estados Unidos, de determinados
subsídios como Caixa Verde (Production Flexibility Contract e Direct Payments). E
subvenções agrícolas como causa de “prejuízo grave”, nos termos dos artigos 5 e 6
do Acordo sobre Subsídios. Sabia-se que a decisão do painel quanto a este item
11
Farm Bill: legislação estadunidense, geralmente renovada a cada quatro anos, que busca consolidar em um
único documento os programas de política agrícola do Departamento de Agricultura dos EUA (ICTSD, 2015). A
Farm Bill de 2002 reinstituiu os pagamentos diretos aos produtores de algodão dos Estados Unidos, funcionando
como uma garantia de preço ao produtor, para manter a competitividade no mercado internacional (HABKA,
2013, p. 149). 12
Cláusula da Paz: estabelecia, pelo artigo 13 do Acordo sobre Agricultura, que os países contratantes não
poderiam ser acionados no sistema de solução de controvérsias por um período de nove anos, a contar de 1995,
para que pudessem se adequar às regras referentes aos subsídios (BRASIL, 1994).
46
serviria de base para futuros questionamentos sobre subsídios domésticos. É a
primeira controvérsia na OMC, envolvendo o conceito de prejuízo grave, a usar
análise econométrica para quantificar o montante de tal prejuízo decorrente de
subsídios domésticos ou subsídios à exportação de produtos agrícolas (COSTA;
BUENO, 2004, p. 37).
Roberto Azevêdo, que na época era o coordenador-geral de contencioso do MRE,
também exprime a importância e grandiosidade do contencioso para o Brasil:
O contencioso não era apenas inédito, era também complexo. Do ponto de vista
político, o Brasil estaria questionando nada mais, nada menos do que o cerne da
estrutura de apoio à agricultura norte-americana, enraizada, desde pelo menos a
década de 30 do século 20, no cenário político e no imaginário do povo norte-
americano; programas que se aplicam não só ao algodão, mas também a várias
outras commodities, de grande relevo na pauta das exportações agrícolas norte-
americanas. Talvez mais importante ainda: o Brasil estaria questionando privilégios
de um dos lobbies mais bem estruturados e mais poderosos dos EUA – os chamados
“barões do algodão” (COSTA; BUENO, 2004, p. 91).
Como dito anteriormente, o contencioso só foi possível em função da parceria firmada
entre o governo brasileiro e setor privado ligado ao algodão. O Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento, ao mesmo tempo em que negociava com empresários e
associações do setor, reivindicava junto ao Ministério das Relações Exteriores as ações a
serem propostas em âmbito da OMC. Jorge Maeda, na época presidente da ABRAPA e Lino
Colsera, na ocasião diretor do Departamento de Políticas e Acordos Comerciais Agrícolas da
Secretaria de Política Agrícola do MAPA, confirmam essa hipótese, de que durante todo o
contencioso, o Executivo e os empresários trabalharam de forma conjunta:
Conseguimos juntar a vontade do governo federal e a competência do setor privado.
Na escolha de um escritório de advocacia competente e de econometristas, fomos
buscar os que julgamos os melhores do mercado; quando precisamos de
testemunhos, fizemos o mesmo; demos as respostas em tempo hábil e com a maior
rapidez e prontidão. Quando os juízes solicitavam alguns dados aos americanos, eles
sempre tentavam dificultar. Diziam que não tinham conhecimento ou não estavam
tabulados. Algumas vezes, nós encontramos no mercado informações decisivas. Por
exemplo: informações sobre arroz nos Estados Unidos. Ora, se existem informações
sobre arroz, hão de existir sobre algodão. E tiveram que mostrar o que tinham. Acho
que essa habilidade de escolher profissionais da maior competência possível foi o
que nos levou à vitória. Na minha opinião, se o assunto tivesse ficado apenas por
conta de um escritório, teríamos jogado dinheiro fora e não teríamos tido sucesso.
Esse exemplo de união dos produtores nos deixa muito orgulhosos de lutar por uma
causa justa e transparente (COSTA; BUENO, 2004, p. 91).
Nós, do Ministério da Agricultura, participamos muito do processo, trabalhamos em
todas as petições elaboradas pelos advogados. Fizemos um documento
extremamente difícil, de 350 a 400 páginas, muito grande e minucioso, de leitura
cansativa. Foi um processo bem interativo e um bom exemplo de colaboração não só
do Ministério da Agricultura com o Itamaraty, mas também do governo com o setor
privado (COSTA; BUENO, 2004, p. 103).
47
O ex-diretor da ABRAPA, Hélio Tollini, enfatiza a importância nesse processo do
reconhecimento e apoio de outros países à ação brasileira na OMC:
Treze países se juntaram ao Brasil como terceiras partes. Demonstraram interesse no
assunto e acompanham o desenrolar dos fatos. Também ajudaram, como foi o caso
do embaixador de Benin. Ele apresentou um trabalho que auxiliou o Brasil. Este
trabalho causou impacto no painel, ao mostrar a miséria do país dele, dependente
das exportações de algodão e prejudicado pelos subsídios (COSTA; BUENO, 2004,
p. 66).
Após três reuniões, em âmbito da OMC, em que se discutiram as submissões do Brasil
e as réplicas dos Estados Unidos, em abril de 2004, anunciou-se a decisão preliminar do
painel, confirmada em resolução em junho, favoravelmente ao Brasil. Assim, o painel
reconhecia os danos sofridos pelo país e a distorção no mercado internacional, ocorridos
devido aos subsídios empregados pelos Estados Unidos, no período de 1999 a 2002
(HABKA, 2013). O Quadro 2, retirado do livro O Brasil e o Contencioso na OMC, de Maria
Lúcia L. M. Padua Lima e Barbara Rosenberg (2009), resume os principais programas de
apoio dos Estados Unidos aos produtores de algodão e as decisões do painel referentes aos
programas:
48
Quadro 2 - Principais programas de apoio dos Estados Unidos aos produtores de algodão e as
decisões do painel referentes aos programas Fonte: Lima e Rosenberg (2009)
49
A vitória conquistada no painel, em 2004, foi considerada por todos os envolvidos no
processo um marco na história da Organização Mundial do Comércio e do próprio país. Além
de gerar maior segurança jurídica no sistema internacional, a decisão do painel, conforme
entendimento presente no relatório da ABRAPA, limitou posturas intransigentes de potências
como Estados Unidos e União Europeia, abriu precedentes para outros países em situações
similares e reforçou a imagem de grandiosidade do Brasil no comércio internacional. Lino
Colsera, Roberto Azevêdo, Celso Amorim, na época Ministro das Relações Exteriores, e
Roberto Rodrigues, na ocasião Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, expressam
suas opiniões sobre a vitória nesse sentido:
O impacto nas negociações da OMC vai se dar em dois sentidos. Primeiro, os
Estados Unidos vão estar enfraquecidos, pois será difícil sustentar algo que já foi
condenado no painel. Segundo, o Brasil e os outros países que brigam pelo fim dos
subsídios vão ter queimado algumas etapas no painel, naquilo que já foi condenado,
embora não se possa tomar uma decisão como essa de painel como parte do
processo negociador. Mas, inevitavelmente, uma coisa contamina a outra. Isso vai
ser um marco na história da OMC (COSTA; BUENO, 2004, p. 103).
Quem contribuiu para a consecução do objetivo de colaborar com o governo
brasileiro, oferecendo-lhe assessoria jurídica e econômica do mais alto gabarito,
pode estar certo de que prestou um serviço inestimável não só à cotonicultura
brasileira, mas sobretudo ao Brasil e a todos os países que defendem o fim das
distorções do comércio agrícola. O resultado do painel do algodão já vem tendo
impactos nas negociações da Rodada de Doha, impactos de monta, que legitimam as
reclamações dos países em desenvolvimento, em especial os do G20. O resultado do
painel deu também impulso para que os EUA e a UE adotassem postura mais
construtiva nessas negociações (COSTA; BUENO, 2004, p. 93).
Cria um clima mais tranquilo, menos angustiante e menos inseguro, para nós e para
outros também. Faz com que percebam que é melhor negociar ou, mais cedo ou
mais tarde, vão começar a perder esses casos nos painéis. [...] A nossa vitória, neste
caso, criou para eles uma situação de insegurança jurídica, que é uma indução para
negociarem. E a imprensa do mundo inteiro, inclusive jornais americanos, disse que
a vitória do Brasil permite pensar o impensável: o fim dos subsídios agrícolas. E
foram os produtores que bancaram isso, porque o governo brasileiro ainda não tem,
infelizmente, instrumentos suficientes. Espero que tenhamos em breve. Eu acho que
foi uma demonstração de coragem dos produtores. (COSTA; BUENO, 2004, p. 129)
Esta é uma vitória a ser lembrada. Transcende a questão agrícola nacional e
transcende a OMC. Vale para a paz universal. É um acontecimento de suma
importância, que, no caso do Brasil, vai viabilizar o crescimento da produção rural.
Vamos poder aumentar empregos, renda e riqueza, vamos ter mais excedentes
exportáveis, que permitirão investimentos em outras atividades econômicas, nas
quais o Brasil será competitivo algum dia. Portanto, contribuirá para reduzir a
distância entre ricos e pobres. Isto, é claro, inclui o Brasil (COSTA; BUENO, 2004,
p. 143).
O ganho de causa no painel, no entanto, não teve implicações imediatas para o Brasil.
Isso porque as negociações para a implementação das medidas a serem adotadas pelos
Estados Unidos duraram dez anos. O painel, e também o Órgão de Apelação confirmando
50
essa decisão, solicitaram que as medidas de apoio ao produtor de algodão nos Estados Unidos,
consideradas ilegais, fossem retiradas. Em relação aos subsídios, determinou-se as opções de
retirá-los ou então de pagar ao Brasil uma compensação pelos prejuízos causados (HAKBA,
2013). Um ano após o término do prazo para o cumprimento das medidas, o Brasil solicitou a
abertura de um painel de implementação:
Por meio de procedimento arbitral, retomado pelo Brasil em 2008, e com decisão
divulgada em agosto de 2009, estabeleceram-se o montante e as medidas de
suspensão de concessões via decisão arbitral. O Brasil foi autorizado a adotar
contramedidas em um montante que é composto de duas parcelas: i) um valor fixo
de US$ 147,3 milhões ao ano, relativo aos subsídios que causam prejuízo grave na
forma de supressão dos preços internacionais do algodão, subsídios “acionáveis”; e
ii) com relação aos subsídios proibidos, uma quantia variável que deverá ser
calculada a cada ano, atualizada com base em dados relativos a exportações norte-
americanas de vários produtos que tiverem se beneficiado do programa GSM-102,
de garantias de crédito à exportação. No que tange à forma das contramedidas
autorizadas, a decisão dos árbitros não as limitou ao comércio de bens e abrangeu
outras áreas, como direitos de propriedade intelectual. Autorizou-se, pois, a
retaliação cruzada. O instrumento da retaliação cruzada, além de juridicamente
adequado, justificou-se à luz da natureza e da gravidade das violações feitas pelos
EUA, inclusive pela insistência em manter os programas acionados apesar da
decisão contrária na OMC. Pode-se, assim, constatar que esta ação contribui para
fortalecer o mecanismo de solução de controvérsias da OMC, ao demonstrar que o
sistema é capaz de reconhecer as assimetrias existentes entre os países
desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento, fornecendo, pela via do direito
internacional, meios de compensação aos prejuízos causados (OLIVEIRA, 2010, p.
23).
O setor privado brasileiro, no entanto, não via vantagens na imposição de retaliações,
em função do temor de uma contrarretaliação:
Embora houvesse essa apreensão, os atores não-estatais, mormente os
cotonicultores, entraram em consenso com o governo de que, muito pior do que
retaliar e sofrer ameaças, seria a decisão de não retaliar, pois esta fatalmente
inviabilizaria a efetividade da vitória na OMC. Além disso, como ponderado por
Azevêdo com os negociadores norte-americanos, estavam em jogo a própria
credibilidade do sistema multilateral de comércio e a “retidão de intenções do Brasil
ao levar adiante por tantos anos o caso do algodão” (HABKA, 2013, p. 164).
Em abril de 2010, uma delegação estadunidense foi enviada ao Brasil para propor um
diálogo que trouxesse resultados efetivos para as partes (HABKA, 2013). Firmou-se nesse
ano um Memorando de Entendimento, adiando-se a aplicação das contramedidas com
esforços para avançar nas negociações da implementação da decisão da OMC. Por esse
memorando, criou-se um Fundo de Assistência Técnica e Fortalecimento da Capacitação
relativo ao Contencioso do Algodão na OMC (MdE), pelo qual os Estados Unidos obrigaram-
se a repassar um valor anual de pouco mais de cento e quarenta e sete milhões de dólares ao
51
setor cotonicultor brasileiro. Para receber tais verbas, o Brasil criou o Instituto Brasileiro do
Algodão (IBA) (MDIC, 2014).
No final de 2013, os Estados Unidos suspenderam os pagamentos destinados ao
Instituto Brasileiro de Algodão, motivando a edição da Resolução da Camex nº 81/2013, que
instruiu a criação de um Grupo Técnico que identificasse, avaliasse e formulasse propostas de
implementação das contramedidas autorizadas (CAMEX, 2013). A retaliação foi preparada e
a abertura do painel de implementação autorizada pela CAMEX. No entanto, em outubro de
2014, Estados Unidos e Brasil assinaram outro Memorando de Entendimento, encerrando o
contencioso. Em informe publicado no site do Ministério das Relações Exteriores sobre o fim
do contencioso, declara-se o comprometimento dos Estados Unidos de efetuar ajustes no
programa de crédito e garantia à exportação, que deve operar em consoante com as
negociações bilaterais e propiciar condições adequadas de competitividade da agricultura
brasileira no mercado internacional, além de pagar adicionalmente um valor de trezentos
milhões de dólares (MRE, 2014).
Em coletiva disponibilizada no canal do Ministério das Relações Exteriores no
youtube, o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento da época, Neri Geller, afirmou
que o fim do contencioso se mostrou uma conquista importante para os dois países, primeiro
porque não era interessante para a produção de algodão do Brasil a continuidade do litígio, e
segundo, porque tal acordo se deu com o respaldo do setor cotonicultor, contemplando suas
demandas, com a flexibilização na utilização dos recursos a serem pagos pelos Estados
Unidos, que podem ser por meio de pesquisa, infraestrutura, qualificação profissional,
sustentabilidade, e até mesmo por parcerias com terceiros países (MRE, 2014).
3.3 Respaldo e influência positiva
O caso do algodão na Organização Mundial do Comércio exemplifica de forma clara a
maneira como grupos de interesse, representados aqui por associações do setor agrícola,
podem influenciar a formulação da política exterior de um país. Observou-se, pela explicação
do caso, que o respaldo e o apoio da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão foi
fundamental para o encaminhamento, por parte do governo brasileiro, de uma ação contra os
subsídios estadunidenses na OMC, processo que não seria assumido somente pelo Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e o Ministério das Relações Exteriores. Além disso,
durante toda evolução do caso, a ABRAPA e os produtores de algodão estiveram presentes,
52
providenciando não apenas ajuda financeira, mas também técnica e testemunhal, que se
mostraram essenciais para a vitória concedida ao Brasil no painel.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pudemos entender, conforme a teoria dos regimes internacionais descrita no capítulo I,
que princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisões em que convergem as
expectativas dos atores internacionais são fundamentais para o atual sistema multilateral de
comércio. A evolução da Organização Mundial do Comércio (OMC), adequando essas
normas, princípios e condutas, proporcionou maior confiabilidade e participação dos Estados
nesse sistema. Em um ambiente em que sempre se demonstrou maior atuação e representação
de interesses de países ditos tradicionais, assistiu-se, especialmente no período de
adensamento da globalização no pós-Guerra Fria, à emergência de países até então
considerados em desenvolvimento e com menor potencial de barganha, como o Brasil. A
partir de transformações econômicas, políticas e sociais internas, o país passou a exercer um
papel mais ativo no sistema comercial, demandando reciprocidade de países desenvolvidos e
liderando movimentos como o G-20 comercial, fundamental para as negociações da Rodada
Doha em favor dos emergentes.
Essa atuação mais pró-ativa do Brasil foi marcante em relação à liberalização e
regulamentação dos produtos agrícolas. Como visto, o agronegócio brasileiro não apenas
apresentou notável crescimento econômico e comercial a partir dos anos 1990, mas também
passou por um processo de organização institucional, com vistas a implementar sua
participação na formulação de políticas públicas. Nesse cenário, observaram-se
transformações no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que buscou
influenciar efetivamente as discussões a respeito das negociações agrícolas internacionais
junto ao Ministério das Relações Exteriores. Também assistiu-se ao surgimento de novos
atores, como associações de empresários ligados ao setor agrícola, que puderam implementar
seus interesses no meio internacional por intermédio do Ministério da Agricultura, com a
criação de grupos técnicos especializados para auxiliar nas negociações agrícolas
internacionais do país, por exemplo.
Nesse contexto baseia-se a hipótese do trabalho, que está ligada ao modelo dos jogos
de dois níveis de Robert Putnam, que assume, como vimos, uma relação de reciprocidade
entre a política doméstica de um país e as relações internacionais em que esse se insere. Isso
significa dizer que a política externa do Brasil recebe influências tanto do meio externo
quanto do ambiente doméstico que, no caso das negociações do contencioso do algodão
contra os Estados Unidos na OMC, mostrou-se fundamental para a vitória. De fato, o caso só
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foi levado a uma instância internacional em função do respaldo e apoio que o governo
brasileiro recebeu do setor privado doméstico. A interação entre produtores de algodão e setor
público, que ocorreu durante todo o processo na OMC, se deu não apenas por meio de
financiamento econômico, mas também de forma técnica e testemunhal.
Nesse sentido, pôde-se confirmar a hipótese do início do trabalho, de que não apenas
fatores do sistema internacional, ou somente da estrutura doméstica estão presentes em uma
decisão de política externa. A partir do estudo desse caso do algodão e de outros citados
durante o trabalho, observou-se que, em relação às negociações comerciais internacionais em
que o Brasil se insere, os cenários externo e interno estão interligados e influenciam
simultaneamente os negociadores. Importante destacar, no entanto, que isso se observa, de
forma geral, especificamente nas questões comerciais do Brasil, o que significa dizer que não
deve ser aplicado como uma verdade universal, para explicar uma questão política ou de
segurança do país, por exemplo. Assim como as teorias utilizadas pelo trabalho que devem ser
encaradas com senso crítico, servindo, apenas em parte, para explicar determinadas situações,
também assim deve ser encarado esse estudo.
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