O agir e a ação humana

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Filosofia 10ºano Leia atentamente o seguinte texto de apoio: (…) As nossas acções são (algumas das) coisas que fazemos. Na realidade o verbo ‘fazer’ cobre um campo semântico bastante mais amplo que o substantivo ‘acção’. O latim distingue o agere do facere (aos quais corresponde em português agir e fazer). Ao substantivo latino actio, derivado de agere, corresponde o substantivo acção. Assim, até de um ponto de vista etimológico, ‘acção’ só carrega a carga semântica de ‘agir’ e não propriamente de ‘fazer’. Tudo quanto realizamos é parte da nossa conduta, mas nem tudo o que realizamos constitui uma acção. Enquanto dormimos realizamos muitas coisas: respiramos, suamos, damos voltas, apertamos a cabeça contra a almofada, sonhamos, talvez ressonemos alto ou falemos em voz alta ou andemos sonâmbulos pela casa. Todas estas coisas as realizamos inconscientemente, enquanto dormimos. Realizamo-las mas não nos damos conta delas, não temos consciência de que as realizamos. A estas coisas que fazemos inconscientemente não lhes vamos chamar acções. Vamos reservar o termo ‘acção’ para as coisas que realizamos conscientemente, dando-nos conta de que as fazemos. Há, no entanto, coisas que fazemos conscientemente, dando-nos conta delas, mas sem que à sua realização corresponda uma intenção nossa. Damo-nos conta dos nossos ‘tiques’ e de muitos dos nossos actos reflexos, mas realizamo-los involuntariamente, constatamo-los como espectadores, não os efectuamos como agentes. (A palavra ‘agente’ é outra das palavras derivadas do verbo latino agere.) Por algo que sentimos depois de comer damo-nos conta que estamos a fazer a digestão. Mas fazer a digestão não constitui uma acção. Pelos sorrisos dos que nos observam damo-nos conta que estamos a ser

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O agir e a ação humana (Mosterín).

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Filosofia 10ano

Leia atentamente o seguinte texto de apoio:

() As nossas aces so (algumas das) coisas que fazemos. Na realidade o verbo fazer cobre um campo semntico bastante mais amplo que o substantivo aco. O latim distingue o agere do facere (aos quais corresponde em portugus agir e fazer). Ao substantivo latino actio, derivado de agere, corresponde o substantivo aco. Assim, at de um ponto de vista etimolgico, aco s carrega a carga semntica de agir e no propriamente de fazer.

Tudo quanto realizamos parte da nossa conduta, mas nem tudo o que realizamos constitui uma aco. Enquanto dormimos realizamos muitas coisas: respiramos, suamos, damos voltas, apertamos a cabea contra a almofada, sonhamos, talvez ressonemos alto ou falemos em voz alta ou andemos sonmbulos pela casa. Todas estas coisas as realizamos inconscientemente, enquanto dormimos. Realizamo-las mas no nos damos conta delas, no temos conscincia de que as realizamos. A estas coisas que fazemos inconscientemente no lhes vamos chamar aces.

Vamos reservar o termo aco para as coisas que realizamos conscientemente, dando-nos conta de que as fazemos.

H, no entanto, coisas que fazemos conscientemente, dando-nos conta delas, mas sem que sua realizao corresponda uma inteno nossa. Damo-nos conta dos nossos tiques e de muitos dos nossos actos reflexos, mas realizamo-los involuntariamente, constatamo-los como espectadores, no os efectuamos como agentes. (A palavra agente outra das palavras derivadas do verbo latino agere.) Por algo que sentimos depois de comer damo-nos conta que estamos a fazer a digesto. Mas fazer a digesto no constitui uma aco. Pelos sorrisos dos que nos observam damo-nos conta que estamos a ser ridculos. Mas ser ridculo (praticar actos ridculos) no uma aco, mas uma reaco, algo que nos passa despercebido e que lamentamos (a no ser que o faamos de propsito, como provocao; neste caso j seria uma aco). Tambm no chamamos aco a esses aspectos da nossa conduta de que nos damos conta, mas que no efectuamos intencionalmente.

No presente estudo limitar-nos-emos s aces humanas conscientes e voluntrias, s que daqui em diante chamaremos aces (sem mais). Uma aco uma interferncia consciente e voluntria de um homem ou de uma mulher (o agente) no normal decurso das coisas, que sem a sua interferncia haveriam seguido um caminho distinto do que por causa da aco seguiram. Uma aco consta, pois, de um evento que sucede graas interferncia de um agente e de um agente que tinha a inteno de interferir para conseguir que tal evento sucedesse.MOSTERN, Jess,

Racionalidad y Accon Humana, Madrid, Alianza, 1987, p.141-142,In VICENTE, J. Neves, Razo e Dilogo, Porto, Porto Editora, 1997, p. 98Responda seguinte questo, de modo rigoroso, justificando sempre a sua resposta: 1. Clarifique o sentido da afirmao sublinhada no presente texto, estabelecendo a distino entre o que constitui e o que no constitui uma ao.

Leia atentamente o seguinte texto de apoio 2:() O homem inacabado e inacabvel e sempre aberto ao futuro. No h homem total e no o haver jamais. () Posso imaginar as situaes que vo ocorrer sem saber as respostas que lhes dar o homem, sem saber como, atravs delas, espontaneamente, ele se encontrar a si prprio. () O futuro, longe de ser o desenvolvimento de necessidades causais implicadas pela realidade dada, depende do que ser realizado e vivido em liberdade. As inmeras pequenas aces dos indivduos, todas as suas livres decises, todas as coisas que realizam tm um alcance ilimitado. [Assim,] procuro a fonte original que est na base da liberdade humana. Fao um apelo vontade. ()JASPERS, Karl,

Panorama das Ideias Contemporneas, Lisboa, Estdios Cor, 1961

In BAPTISTA, Joo M., Introduo Filosofia 10ano, Porto, Edies Contraponto, 1994, p. 108-109

Responda seguinte questo, de modo rigoroso, justificando sempre a sua resposta: 1. Explicite a dimenso humana da ao, tendo em conta os elementos que intervm na sua rede conceptual, bem como a noo de incompletude presente no texto.