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I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM PRISÃO
02 de outubro de 2015, SÃO PAULO- SP
FACULDADE DE DIREITO DA USP
GT 01: CIDADE E PRISÃO
O AGENTE PENITENCIÁRIO COMO ALVO DO ESTIGMA
ANDRÉA FERNANDA ANDRADE (SEJUC-SE)
O AGENTE PENITENCIÁRIO COMO ALVO DO ESTIGMA
Andréa Fernanda Andrade1 (SEJUC-SE)
RESUMO O presente trabalho busca compreender como o estigma afeta as identidades civil e social dos Agentes Penitenciários. Foram aplicadas entrevistas com 14 Agentes Penitenciários do Complexo Penitenciários Manoel Carvalho Neto entre concursados e não concursados. O estigma é definido por Goffman (1998) como a situação de impossibilidade de um indivíduo obter aceitação social plena. A prisão, produto da sociedade disciplinar/normatizadora, mobiliza efeitos na subjetividade das pessoas que ali estão. O indivíduo que tem pertencimento com as instituições de controle prisão arcam com um alto custo psicológico, identitário, levando a uma recodificação da sua existência. PALAVRAS-CHAVE: Agente Penitenciário; Estigma; Identidade
ABSTRACT This study seeks to understand how stigma affects the civil and social identities of Correctional agents. Interviews were held with 14 Correctional Agents Correctional Complex Manoel Carvalho Neto between gazetted and non-gazetted. Stigma is defined by Goffman (1998) as the impossibility of the situation of an individual obtain full social acceptance. The prison, a product of the disciplinary society / normative, mobilizes effects on the subjectivity of the people who are there. The individual who has belonging to the prison control institutions bear a high psychological cost, identity, leading to a recoding of its existence. KEYWORDS: Prison guard; stigma; identity
1. Introdução
O Agente Penitenciário é o responsável pela vigilância interna dos estabelecimentos penais.
Aplicam revista pessoal em presos, familiares e demais funcionários; revista de volumes e objetos
levados para dentro dos estabelecimentos; revista de celas, oficinas e outras dependências internas
e escoltam os presos. Esse tipo de trabalho faz com que os agentes penitenciários convivam com
uma situação ambivalente, pois eles têm por dever de ofício um contato mais próximo com os
presos, fato que cria a possibilidade de gerar algum tipo de intimidade.
1 Guarda de Segurança Prisional da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa ao Consumidor do Estado
de Sergipe – SEJUC-SE, Bacharela em Direito, aprovada na OAB-SE, Especialista em Segurança Pública e Democracia pela Universidade Federal de Sergipe- UFS em parceria com a RENAESP\MJ. E-mail: [email protected]
Trabalhar na prisão é comumente retratado de forma depreciativa e o estigma vivenciado pelos
agentes impacta intensamente a sua vida e nas suas possibilidades de interação social, 14
(quatorze) agentes penitenciários do Complexo Penitenciário Doutor Manoel Carvalho Neto
(COPEMCAN) foram entrevistados, entre concursados e não concursados, as indagações
envolveram questões sobre trajetória profissional, projetos profissionais, trabalho, sociabilidade e
estigma. Através das informações obtidas por meio das entrevistas foi possível identificar
justificativas que constroem esse estigma, a fim de perceber de que modo e em que intensidade os
aspectos da cultura penitenciária interferem na identidade civil e social do indivíduo.
O ingresso de Servidores Públicos Civis no Sistema de Segurança Prisional somente ocorre na
Carreira de Guarda de Segurança do Sistema Prisional, o que se dá nos cargos da Terceira Classe
(3ª Classe), que é a Classe Inicial da mesma carreira, e é feito mediante aprovação prévia em
concurso público de provas, realizado pelo Estado segundo as disposições constantes nas
Constituições Federal e Estadual, bem como na presente Lei Complementar e no Edital do
Concurso. É o que determina o art. 8º da Lei Complementar nº 72/2002. Com a entrada em vigor
da citada lei, a categoria de Agente Penitenciário foi extinta passando a receber a nomenclatura de
Guarda de Segurança Prisional. Sendo assim, mesmo com a mudança da nomenclatura
utilizaremos neste trabalho o termo Agente Penitenciário por ser o termo mais conhecido
culturalmente.
No entanto, os serviços relativos à segurança penitenciária, no Estado de Sergipe, já existiam antes
da citada Lei. Consequentemente, grande parte do efetivo ainda na ativa nos dias atuais não passou
por processo seletivo como determina a Lei Complementar nº 72/2002. Muitos deles não foram
submetidos a concursos públicos, alguns optaram pela função por enxergarem vantagens -
normalmente plantões de 24 horas por 48 horas -, o que permitiria o exercício de alguma outra
atividade paralela com o intuito de reforçar o seu orçamento pessoal, uma vez que os ganhos
enquanto funcionários públicos eram bastante reduzidos.
Em outros casos pode se constatar uma espécie de punição ao servidor, seja por alguma má
conduta ou algum tipo de perseguição política dentro do ambiente de trabalho. Em resumo, a quase
totalidade dos antigos servidores da atual Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa do
Consumidor do Estado de Sergipe –SEJUC, adentraram ao serviço público através de indicações
políticas. Outro fator que merece destaque é a escolaridade do servidor. Com base nos dados
colhidos através das entrevistas, que serão tratados em tópico específico, observou-se que os não
concursados têm pouca escolaridade diferentemente dos concursados apesar do concurso exigir
apenas ensino médio na época estes últimos afirmaram em entrevista que já estavam cursando
nível superior.
O interesse pelo tema parte do princípio de que exerço a atividade de Agente Penitenciário há mais
de dez anos na instituição prisional COMPECAN, localizada no município de São Cristóvão/SE.
Durante esse período foram possíveis vários contatos pessoais, em sua maioria informal, mas que
foram suficientes para despertar o interesse pelo tema, além de perceber e sentir as dificuldades
relativas a condições paradoxais de trabalho. As experiências vividas, compartilhadas e observadas
foram importantes para buscar um aprofundamento sobre como o Estigma afeta às identidades Civil
e Social do Agente Penitenciário.
2. O agente penitenciário e o cenário no interior do cárcere
Para compreender melhor os agentes penitenciários, é necessário considerar as características de
instituição total das penitenciárias, das quais nos fala Goffman (2008). Este conceito está presente,
direta ou indiretamente, em diversas teses e dissertações brasileiras que tratam de questões
relacionadas ao cárcere.
Segundo Foucault (2006)as prisões são locais de detenção, encarceramento e segregação de
pessoas que, suposta ou realmente, atentaram contra a ordem social estabelecida e que, depois
de condenados pela autoridade judicial competente, foram sequestrados da sociedade dos homens
livres e conduzidos para locais onde cumprirão suas sentenças. Nesses locais, dois grupos de
pessoas são obrigados a conviver diariamente em ambientes escuros e úmidos, em espaços
minúsculos, precários e a seguir regulamentos autoritários; aprendem e se acostumam com a
violência, com o isolamento e a distância social, assim como com a barbárie, a opressão e a morte.
Agentes Penitenciários e presos são esses dois grupos que mantêm entre si relações de sistemática
e limítrofe intimidades e conflitos.
As prisões são as instituições que abrigam as pessoas ou grupos de pessoas que a sociedade
considera à sua margem, ou seja, delinquentes, bandidos ou, como denomina Foucault (2006), o
grupo de desviantes, ou ainda como afirma Goffman (2008), grupo de internados, juntamente com
outros grupos, responsáveis legais pelo primeiro, como os Agentes de Segurança Penitenciária que,
junto com a Equipe Técnica e Administrativa, têm a difícil senão impossível tarefa de ressocializar
os cativos, ou transformar as pessoas:
A prisão cria e mantém uma sociedade de delinquentes, o meio, com suas regras, sua solidariedade, sua marca moral de infâmia. A existência dessa minoria delinquente, longe se ser a medida estrondosa de um fracasso, é muito importante para a estrutura do poder da classe dominante (FOUCAULT, 2006, p. 156).
No entanto, é importante esclarecer o sentido de ressocialização neste contexto essa que a
sociedade almeja que tem o poder de transformar o indivíduo preso e livre de cometer outros delitos
e etc.., este entendimento de ressocialização não confere aos agentes penitenciários, agora
quando estes atendem a função social da lei de execução que é a ressocialização cumprindo o que
os dispositivos desta lei dispõem como os direitos e deveres dos presos eles estão exercendo o
seu papel ressocializador.
É nas prisões que grupos de funcionários irão empregar profissionalmente boa parte de suas vidas,
na maioria das vezes não por uma questão de escolha, mas de oportunidade e que, de forma
inerente a qualquer ser humano, busca constituir, desenvolver, consolidar e estabilizar sua vida. É
no intramuros das prisões onde esses funcionários buscarão construir suas próprias vidas enquanto
pessoas historicamente constituídas. Na luta diária pela sobrevivência física e psíquica, terão que
enfrentar barreiras constituídas pela sua atividade profissional, bem como originadas da instituição
prisão.
Os Agentes Penitenciários atuam na ponta, sendo o elo entre o Estado e o preso. Fazem a mediação
no dia a dia, entre os presos e a Administração da Unidade Prisional. E, ao mesmo tempo, exercem
uma função de fiscalização. Vive em constante perigo no interior das prisões.
A proximidade com os presos pode trazer, ainda, outras consequências. O fato de os agentes serem
os representantes do Estado mais presentes cotidianamente junto aos presos os transforma em
principais alvos de sua revolta (GOFFMAN, 1999), estando expostos cotidianamente à possibilidade
de algum tipo de violência, especialmente quando algum direito não é atendido. O que os agentes
destacam é que estes direitos muitas vezes são desassistidos, mas as consequências, quando de
uma rebelião, por exemplo, geralmente são atribuídas à ineficiência dos Agentes.
2.1 A estigmatização do agente penitenciário
Em toda sociedade há normas de identidade que definem os papeis dos indivíduos “normais” e dos
estigmatizados. Estigma é definido por Goffman (1998) como a situação de impossibilidade de um
indivíduo obter aceitação social plena. O estigma define um conceito conforme com o período
histórico e a maneira com que os homens se organizam em suas relações socioculturais. De acordo
com Goffman:
Os gregos, que tinham bastante conhecimento de recursos visuais, criaram o termo estigma para se referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava (GOFFMAN, 1988, p.11).
O autor aponta não somente a estirpe da palavra, mas também a sua função e reconhecimento
diante dos outros. O estigma era lançado sobre a pessoa que viesse a cometer algo contrário à
moral vigente ou por algum aspecto extraordinário. A marca no corpo seria uma forma de categorizar
a pessoa pelo o que ela fez e enquadrá-la em estereótipos devido aos atributos apresentados nas
relações sociais. Tais características estão relacionadas ao que Goffman (1988) chama de
“identidade social” ou “status social”, isto é, os atributos podem ser esboçados por meio dos
comportamentos e, também, por ocupação estrutural, como classe.
Goffman (1988) questiona sobre o ocultamento de suas perspectivas no convívio social, ao definir
o termo “estigma”. Distinguem-se, então, duas situações pertinentes ao estigma voltado ao
indivíduo: o descrédito e a “desacreditabilidade”. O primeiro faz menção à pessoa que sofre
preconceito devido aos sinais de estigma. Enquanto o outro está relacionado àquele que tenta
esconder os sinais de estigma para não sofrer preconceito. Ademais, o indivíduo “desacreditavel”,
ao tentar camuflar o estigma, pode se tornar indivíduo desacreditado, caso não consiga ocultar o
estigma.
Segundo Graziano Sobrinho (1980), o estigma estabelece uma relação interna muito grande com o
processo de criminalização, uma vez que o portador de um estigma criminal, concretizado pela
efetiva condenação ou com qualquer outro contato com o sistema penal (com a polícia, denuncia
pela imprensa, envolvido em algum processo penal etc.) aumenta sua vulnerabilidade e a
possibilidade de se tornar alguém criminalizável pelo sistema.
No entendimento de Goffman (1988), é a própria sociedade quem estabelece os meios de
categorizar as pessoas e dar-lhes o atributo considerado comum ou normal. Na mesma linha de
análise de Goffman (1988), Zaffaroni (1999) entende que os meios de comunicação de massa,
principalmente a televisão, são elementos indispensáveis para que o sistema penal exerça seu
poder e fabrique estereótipos do criminoso, catalogando-os a partir de uma descrição fabricada.
Os estigmas criados no indivíduo, principalmente pela ação da prisão, marcam-no de forma
constante e grave. Nessa perspectiva, em relação ao agente prisional estima-se a construção
deteriorada de sua imagem, pois o local de trabalho, a prisão, faz com que este carregue as mazelas
do sistema prisional no seu cotidiano.
Ao se empregar o termo “prisionização” primeiramente é necessário se analisar que o mesmo foi
instituído por Donald Clemmer (1970), na década de 1940, a partir de seus estudos em
penitenciárias estadunidenses sobre um diferente e específico processo de socialização que
acometia os presos ali reclusos.
A prisionização, ao final, pode ser percebida como um fenômeno que fornece meios de acomodação
para a subsistência prisional, mas também tem suas características pelos efeitos irreversíveis que
causa à personalidade do indivíduo. Estes efeitos ocorrem em virtude da protrusão que há entre a
vida civil e institucional, “evidenciando inconformismo com a experiência e decorrente estado de
alienação e apatia com tudo o que se relaciona a ele com indivíduo” ( GARCIATORO, 1982, p.66-
67).
Centurião assegura que o Agente Penitenciário “está em íntimo contato com os detentos” (1990, p.
47), e que tendo em vista as características de sua função, mesmo que quisesse, não poderia se
afastar desses enquanto está em seu período de plantão. O Agente Penitenciário é a todo tempo
“solicitado e procurado” pelos presos e mesmo durante a noite deve estar em vigilância permanente
a fim de detectar qualquer alteração que possa acontecer, ou seja, o trabalho é contínuo e intenso,
daí a ocorrência de uma “saturação de contatos”.
Thompson (2002) nota que a população carcerária – presos e demais funcionários – convivem em
uma área restrita e comprimida, onde a intimidade pode ser percebida. Assim, essas partes
observam e analisam uma as outras. Segundo Thompson (2002), os Agentes Penitenciários
também são afetados pelo fenômeno da prisionização, pois abandonam os padrões de suas vidas
fora da prisão para adotar os valores que estão estabelecidos nesta.
Sabe-se que os estabelecimentos penais são “instituições totais”. Tal denominação vem do fato de
romper as barreiras que separam as diversas atividades da vida cotidiana, como alimentação,
trabalho, descanso, lazer, além de outras, que acontecem em um mesmo ambiente sempre sob as
ordens de uma mesma autoridade, com horários pré-estabelecidos e na companhia de um grande
número de pessoas tratadas de modo igualitário.
Para Goffman “a instituição total é um híbrido social, parcialmente comunidade residencial,
parcialmente organização formal”, verdadeiras “estufas para mudar pessoas; cada uma é um
experimento natural sobre o que se pode fazer ao eu” (1992, p.22). Por sua vez Foucault (1987),
entende a prisão como uma “instituição completa”, a prisão toma a seu cargo todos os aspectos do
indivíduo, em uma ação ininterrupta de disciplina incessante a fim de impingir uma nova forma ao
“indivíduo pervertido”. Desta forma, a prisão apresenta um caráter de “reformatório integral” que vai
além da pura privação jurídica de liberdade (FOUCAULT, 1987, p.211).
Observa-se que ambos autores vê as prisões como instituições totais e fazem suas definições
voltadas para o intramuros, quando as instituições deveriam ser pensadas de uma forma mais
ampla envolvendo também a sociedade.
Porém, deve se observar que são os agentes penitenciários os responsáveis por transmitir a
tradição institucional aos que nela ingressam. São eles os que apresentam aos internados as
exigências da instituição, tornando-se, não raro, alvos de transferência da revolta dos internados,
que os tomam como representantes e símbolo de toda sua opressão (GOFFMAN, 1992; COELHO,
1987).
Já para Thompson (1991), a vida carcerária não é restrita apenas aos que se encontram atrás dos
muros e grades, nas celas e nas trancas. A prisão é “uma sociedade dentro de uma sociedade” cuja
característica central é seu “regime totalitário”, uma vez que dentro dela muitos aspectos da vida na
comunidade livre são alterados abruptamente (THOMPSON, 1991). É o mesmo que dizer que
dentro da prisão “há uma recodificação da existência” (FOUCAULT, 1987, p.211).
Partindo destes pressupostos podemos concluir que existe uma verdadeira sociedade intramuros,
ou em outros termos, uma verdadeira sociedade desvinculada da sociedade convencional, que vive
enclausurada atrás dos muros, formada não apenas pelos que se desviaram da lei, mas também
por aqueles que profissionalmente cuidam e os obrigam a manterem a ordem além de buscarem a
transformação desses, em seres humanos melhores.
Quem ingressa na sociedade penitenciária ou intramuros, seja interno ou agente, segundo
Thompson (1991), submete-se a um processo de “assimilação” ou, especificamente no caso das
prisões, submete-se a um processo de “prisionização”.
Sykes (2007) destaca cinco privações dos internos intramuros: privação de liberdade; privação de
bens e serviços; privação de relações heterossexuais; privação de autonomia; privação de
segurança. Ainda segundo a concepção de Sykes (2007), estas privações, exceto a privação de
relações heterossexuais, também atinge os agentes penitenciários.
O Agente Penitenciário é retratado em todas as obras como um funcionário mal remunerado, que
habita bairros de periferia das grandes cidades, tendo que se proteger caso o reconheçam,
escondendo o uniforme e omitindo a profissão.
Não expor a identidade não é um recurso apenas para evitar sofrer uma carga de estigma imposta
por outras pessoas, sendo julgado por pertencer ao sistema. Encobrir a verdade sobre a sua
profissão é estratégia de sobrevivência para a vida do agente e de seus familiares.
O prolongamento do ambiente da prisão para a vida pessoal e familiar se demonstra a partir de
ações cotidianas como evitar comentar seu trabalho, ou que parentes comentem. O sentimento de
desconfiança e de vigilância prolonga-se para além dos muros da prisão e das vinte e quatro horas
do plantão, pois em um conglomerado urbano de grandes dimensões é impossível conhecer todos
os rostos e índoles que circulam no espaço urbano.
Entretanto, o indivíduo que trabalha com o cárcere, mesmo após sair do espaço físico da prisão,
continua aprisionado a um rótulo estigmatizante e fragmentador de sua construção como sujeito,
pois tem sua biografia deteriorada pela invasão do estigma.
2.2 Consequência do estigma
Trabalhar na prisão é comumente retratado de forma depreciativa e o estigma vivenciado pelos
agentes impacta intensamente a sua vida e as suas possibilidades de interação social. O agente
possui um traço que o marca; ele é um elemento suspeito, que chama a atenção e desperta a
curiosidade de outros. Sua condição profissional tem o potencial de afastá-lo dos outros e de desviar
o foco da atenção alheia para outros de seus atributos, não diretamente vinculados ao seu exercício
profissional.
Segundo Goffman (2003), o encobrimento do estigma é utilizado por pessoas que despendem
esforços para passarem despercebidas, por terem alguma posição que não é gratificada
socialmente ou pelo fato de o estigma do indivíduo estar relacionado a fatores que não deveriam
ser divulgados a estranhos.
No entanto, a discrição dos agentes acerca do que praticam e do que presenciam no cotidiano da
prisão denota a possibilidade de encobrimento do estigma que carregam. Sua prática profissional
constrói a sua identidade e, diante do estigma a ela associada, não convém que seja compartilhada
em outros contextos sociais.
2.2.1 Saúde psicológica, Integridade física
No que se refere aos impactos à saúde do agente, dificuldades para dormir e a aversão ao contato
com multidões são exemplos de como as possibilidades de lazer, interação social e qualidade de
vida são influenciadas pela preocupação intensa e recorrente com a violência.
Lourenço (2010) diz que podemos classificar, por diversas razões, a categoria de Agente
Penitenciário como uma ocupação arriscada e estressante, pode levar a distúrbios de várias ordens,
tanto físicos quanto psicológicos.
Para Rumin (2006), os Agentes Penitenciários desempenham a função de vigiar e reeducar
indivíduos adultos, que são privados de sua liberdade, o que pode vir a tornar este grupo de
trabalhadores suscetível ao sofrimento psíquico. Com isso, o sofrimento no trabalho é praticamente
inevitável, uma vez que coloca o sujeito na presença do inesperado, podendo gerar uma sensação
de fracasso e incapacidade. É importante nessa dinâmica analisar quais são os destinos possíveis
para o sofrimento, podendo este ser transformado em prazer e criatividade ou resultar em frustração
e adoecimento (DEJOURS, 2007).
Os agentes penitenciários sempre têm em seu discurso a questão da valorização profissional que
constitui uma das suas grandes frustrações, devido à ausência de um plano de cargos e salários,
que lhes permita uma mudança qualitativa por meio de promoções asseguradas legalmente. Diante
dos fatos, é comum que o agente penitenciário não sinta prazer no trabalho.
2.3 - As identidades civil e social do agente penitenciário
A identidade é característica da personalidade. Como ensina Genival França (2004, p. 38), “é o
conjunto de caracteres que individualiza uma pessoa ou uma coisa, fazendo-a distinta das demais.”.
A identidade refere-se à personalidade, ou seja, a tudo àquilo com o qual o indivíduo se identifica
internamente (identidade subjetiva) e a tudo àquilo com o qual a sociedade o identifica (identidade
objetiva).
Para Cuche (1999), a identidade social de um indivíduo se caracteriza pelo conjunto de suas
vinculações em um sistema social. Permite que o indivíduo se localize em um sistema social e seja
localizado socialmente.
Berger e Luckmann (2004) explicam que a formação e conservação das identidades são
condicionadas por processos sociais determinados pelas estruturas sociais. Portanto, a identidade
social não diz respeito apenas aos indivíduos. Assim, a identidade social é ao mesmo tempo
inclusão – pois só fazem parte do grupo aqueles que são idênticos sob certo ponto de vista – e
exclusão – visto que sob o mesmo ponto de vista são diferentes de outros.
Goffman (1988) argumenta que a identidade de um determinado indivíduo é construída a partir dos
parâmetros e expectativas estabelecidos pelo meio social.
Então, quando um estranho nos é apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever a sua categoria e os seus atributos, a sua “identidade social” – para usar um termo melhor do que “status social”, já que nele se incluem atributos como honestidade, da mesma forma que atributos estruturais como ocupação (GOFFMAN, 1988, p. 12).
O conceito de identidade social segundo Goffman está subdividido em identidade social virtual e
identidade social real. A primeira consiste nas exigências que o grupo social faz em relação àquilo
que o indivíduo, diante desse mesmo grupo, deveria ser; e a segunda refere-se à categoria e
atributos que o indivíduo prova ter. Contudo, na relação entre a identidade social virtual e a
identidade social real pode ocorrer discrepância. É, nesse momento, que surge o que se denomina
estigma:
Enquanto o estranho está a nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo que o torne diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo até, de uma espécie menos desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa ou fraca. Assim, deixamos de considerá-lo criatura comum e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é um estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande – algumas vezes ele também é considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem – e constitui uma discrepância específica entre a identidade social virtual e a identidade social real (GOFFMAN 1988, p. 12).
Paradoxalmente, a identidade social pode ser arruinada quando a discrepância, vinculada a um
indivíduo, torna-se conhecida ou manifesta, no entender do Goffman (1988), ela tem como efeito
afastar o indivíduo da sociedade e de si mesmo de tal modo que ele acaba por ser uma pessoa
desacreditada frente a um mundo não receptivo.
Por isso, Goffman (1988) identifica três tipos diferentes de estigma:
Em primeiro lugar, há as abominações do corpo – as várias deformidades físicas. Em segundo lugar, as culpas de caráter individual, percebidas como vontade fraca,
paixões tirânicas ou não naturais, crenças falsas a partir de relatos conhecidos de, por exemplo, distúrbio mental, prisão, vício, alcoolismo, homossexualismo, desemprego, tentativas de suicídio e comportamento político radical. Finalmente, há os estigmas tribais de raça, ação e religião que podem ser transmitidos através de linhagem e contaminar por igual todos os membros de uma família. (GOFFMAN, 1988, p. 14).
No entanto, no ambiente carcerário os três tipos diferente de estigma se faz presente no intramuros
a maioria é da raça negra, alguns homossexuais, desempregados, deficiente físico, ou seja, todas
as características passiveis de estigmatização está impregnada nos presos. Por esses e outros
motivos é inevitável trabalhar na prisão e não ser estigmatizado.
2.4 - A construção da identidade social estigmatizada
O processo de construção do indivíduo estigmatizado acontece na medida em que a identidade
social virtual, elaborada e atribuída socialmente a alguém, afasta-se de sua identidade social real.
Portanto, um indivíduo, ao se apossar de determinados atributos, poderá tornar-se estigmatizado
perante a sociedade, uma vez que o meio social a que pertence convencionou classificar o produto
daquele atributo como insuficiente para responder positivamente às expectativas estabelecidas
socialmente para os indivíduos vinculados a determinada identidade social virtual.
A identidade é vista como um meio para atingir um objetivo. Logo, a identidade não é absoluta, mas relativa. O conceito de estratégia indica também que o indivíduo, enquanto ator social, não é desprovido de uma certa margem de manobra. Em função de sua avaliação da situação, ele utiliza seus recursos de identidade de maneira estratégica. Na medida em que ela é um motivo de lutas sociais de classificação, que buscam a reprodução ou a reviravolta das relações de dominação, a identidade se constrói através das estratégias dos atores sociais (CUCHE , 1999, p. 186).
Ainda de acordo com Cuche (1999), na medida em que a identidade é o resultado da identificação
imposta pelos outros e do que o grupo ou o indivíduo afirma por si mesmo, um tipo extremo de
estratégia de identificação consiste em ocultar a identidade pretendida para escapar à
discriminação.
Goffman (1992) observou que a construção de identidades em instituições prisionais se daria a
partir da mortificação da identidade produzida no mundo livre, que, por sua vez, tem no trabalho, no
emprego e na profissão um forte referencial.
Da mesma forma que o preso, o Agente Penitenciário vive constantemente submetido a pressões,
precisam, muito rapidamente, entender a dinâmica da prisão. Sobretudo aprender, para fins de
manutenção da ordem, a pensar como o preso, trabalhando preso com o preso. Tal aprendizado
requer um enorme custo psíquico e identitário, uma vez que significa, para o Agente Penitenciário,
mimetizar, adotar gestos e formas daquilo que ele percebe como sua negação. Isso aconteceria
porque, no interior da prisão e no processo de vigilância dos presos, é muito mais fácil um grande
número de presos se colocarem para um número reduzido de Agentes Penitenciários de serviço,
do que o contrário.
No entanto, além das questões aqui já relatadas, sabe-se que a categoria dos Agentes
Penitenciários traz uma grande carga de preconceitos, tanto em relação à sociedade, pelos
equívocos e desconhecimento das reais atribuições desses servidores, como pelo próprio Agente
Penitenciário – muito embora, deve-se aqui relativizar a categoria. Por fim, o estigma está
intimamente ligado à questão da identidade do Agente Penitenciário.
3. Perspectivas, frustações e luta contra o estigma
Este tópico foi construído com base nos dados coletados através de entrevistas aos 14 Agentes
Penitenciários que trabalham no Complexo Penitenciário Doutor Manoel Carvalho Neto
(COPEMCAN), entre homens e mulheres sendo 07 (sete) agentes concursados e 07 (sete) não
concursados, com o intuito de entender o que leva o Agente Penitenciário ser estigmatizado pela
sociedade a ponto de suas identidades civil e social afetadas.
Durante o processo de coleta de dados percebeu-se que determinados temas têm maior relevância
que outros, um exemplo disso é no que diz respeito à falta de perspectiva de ascensão aliada à
desvalorização profissional, por dificuldade em conciliar a vida no trabalho e a vida extramuros.
Todas essas questões têm o agravante de serem permeadas pelo fenômeno da violência, pano de
fundo de toda atividade ligada à segurança nas prisões.
Como primeira abordagem nas entrevistas, indagou-se sobre a trajetória profissional, entenda-se
aqui como o Agente Penitenciário passou a fazer parte do sistema prisional. Com o desenvolvimento
da pesquisa foi compreendido que o ingresso na função de Agente Penitenciário obedece a fontes
de motivação de naturezas diversas. Razões de cunho pessoal, como por exemplo, aptidão,
vontade de seguir a carreira policial, ou aquelas que derivam de circunstâncias externas: falta de
opção, desemprego, facilidade em conseguir um emprego estável.
Com base nos depoimentos dos entrevistados se observou que a questão do emprego é um dos
fatores determinantes para que as pessoas aceitassem assumir a função de Agente Penitenciário,
mais especificamente nos casos dos concursados atraídos pela estabilidade do serviço público.
Diferentemente dos não concursados cujo maior atrativo era o regime de plantão. Porém, tanto os
concursados quanto os não concursados têm um ponto em comum, todos almejavam outras
profissões.
Verifica-se nas falas dos agentes penitenciários a questão da insatisfação seja com as condições
de trabalho, com sua segurança e dos familiares e principalmente pela falta de reconhecimento. Um
exemplo dessa problemática é que a função de Agente Penitenciário é construída sobre uma
espécie de negatividade, ou seja, lidar com a chamada escória da sociedade, ser responsável pela
tutela de pessoas colocadas à sua margem, diferentemente de outras funções também ligadas à
segurança pública, a exemplo do Corpo de Bombeiros que representa o sonho de muitas crianças
em virtude de sua atuação positiva, considerada heroica, contrapondo-se com a dos agentes
penitenciários.
Foi possível perceber nas respostas às indagações das entrevistas, uma certa frustação, uma vez
que a quase totalidade buscaram outras atividades, porém por motivos alheios às suas vontades
não puderam concretizar seus projetos pessoais. Isso tem influído diretamente tanto no seu modo
de atuar dentro da função que exerce, como em sua vida pessoal.
A importância de entrevistar os guardas prisionais (concursados) e agentes penitenciários (não
concursados) foi para poder traça um ponto de partida no intuito de encontrar fatos que aponte ou
faça entender a construção do estigma diante dos profissionais dos cárceres e assim compreender
como esse estigma afeta a identidade civil e social do agente penitenciário. Relembro que os
agentes penitenciários e os guardas prisional passaram a fazer parte do sistema prisional em época
diferente.
Observou-se também que os agentes penitenciários (não concursados) ingressaram no sistema
prisional antes da Constituição Federal de 1988 quando ainda não era exigido concurso público e
sem contar que muitos não faziam parte da Secretária de Justiça do Estado, alguns eram oriundos
de outras Repartições. Exerciam funções como: vigilante, porteiro, serviços gerais, motorista dentre
outras ocupações. O primeiro concurso para o cargo de Guarda Prisional (Agente Penitenciário) de
Sergipe ocorreu no ano de 2001, exigia o nível médio, porém, vários candidatos estavam cursando
faculdade ou já eram graduados, demonstrando o interesse de pessoas mais qualificadas em
ingressar na função, motivadas talvez, pela falta de opção do mercado de trabalho, ou mesmo pela
estabilidade oferecida pelo setor público.
É ilustrativo o depoimento de um Agente Penitenciário (não concursado), que hoje desempenha a
função no pavilhão, a respeito dessa alteração que, sem dúvida, vem modificando sobremaneira a
composição dos quadros atuais do Sistema Prisional. Segundo suas palavras: “o nível intelectual
do pessoal melhorou muito, mas em termos de trabalho, abrir e fechar cadeado, caiu muito pois as
pessoas só querem entrar no estado e depois tentar ir para outro órgão, pois aqui não têm muito
futuro”.
A expressão "abrir e fechar cadeado" sintetiza, na visão de alguns agentes penitenciários, a
essência do que vem a ser o cotidiano do trabalho, ou seja, é estar dentro da cadeia propriamente
dita executando seu trabalho. Percebe-se nessa fala uma tendência a achar que os agentes mais
antigos se dedicavam mais à tarefa, demonstrando aptidão, ao mesmo tempo em que justifica a
frustração daqueles que já concluíram um curso superior ou estão cursando uma faculdade,
levando-os a almejar outras funções dentro dos quadros do Departamento do Sistema Penitenciário
(DESIPE) que lhes retirem dessa rotina de custodiar homens presos.
Analisa-se, com grande relevância, que a consciência das dificuldades sociais, desemprego e,
sobretudo aquelas pelas quais suas famílias passam, aparece como estímulo para que a maioria
dos agentes tenha optado por fazer o concurso, como garantia de um trabalho que lhes desse o
mínimo de segurança social e estabilidade.
Mesmo aparecendo diversas críticas à impossibilidade de ascensão da categoria, sentimentos
contraditórios são observados, reforçados muitas vezes pela dificuldade de inserção no mercado
de trabalho. Essa dificuldade conduz, em alguns à necessidade de exercerem uma atividade alheia
à sua formação.
Por outro lado quando perguntado aos Agentes Penitenciários se aconselharia alguém ter o mesmo
emprego que o seu, as respostas por unanimidade dos concursados foi que não, já entre os não
concursados apenas 02 (dois) disseram que aconselhariam.
Outro agente revelou que não gosta de conversar com pessoas desconhecidas e que uma das
dificuldades é com relação ao transporte quando necessita ir ou voltar do trabalho utilizando o
transporte coletivo. Segundo ele se sente inseguro ao entrar em um ônibus. “Fico apreensivo como
algo de ruim fosse acontecer”, afirma.
Foi abordada nas entrevistas sobre a questão uso do uniforme fora do ambiente de trabalho. A
maioria respondeu que não, embora alguns tenham ressaltado que quando vão trabalhar já
costumam sair de casa uniformizados, isso porque utilizam seu próprio veículo para se deslocar até
o local de trabalho. Porém relatam casos de colegas que saem do plantão e costumam frequentar
bares localizados em regiões periféricas da cidade, utilizando uniforme, às vezes até arma e
algemas.
Outro questionamento das entrevistas foi sobre se já havia escondido a profissão ou local de
trabalho a pessoas desconhecidas. Aí notamos uma diferença entre o comportamento dos
concursados e dos não concursados. Todos os concursados responderam que não gostam de
revelar onde trabalham e o que fazem. Já com relação aos não concursados, apenas dois revelaram
que não gostam de falar onde trabalham, os demais responderam que não têm problemas com
relação a isso.
Aqui surge uma grande dúvida, alguns entrevistados comentaram sobre como a atuação dos
agentes penitenciários pode chegar ao conhecimento da sociedade, a ponto das pessoas criarem
uma visão negativa a respeito dos mesmos. Atribuíram a diversos fatores como a mídia que busca
diariamente notícias e que para manter sua audiência não hesitam em fazer sensacionalismo e
transformar pequenos fatos em grandes acontecimentos com grande repercussão, aliado a isso,
vem a questão dos familiares dos internos, estes, amparados por uma série de dispositivos legais
exigem que seus direitos sejam respeitados.
Outro fator relevante que deve ser levado em consideração, refere-se aos impactos causados à
saúde do Agente Penitenciário, como se sabe, as condições de trabalho são as mais adversas,
além disso, não se conhece qualquer descrição de atividades que permita aos legisladores
constatarem as adversidades na execução das atividades de segurança prisional.
Durante a realização das entrevistas em conversa com os agentes penitenciários selecionados para
esta pesquisa os sintomas mais comuns relatados foram dificuldade para dormir, a ansiedade, a
angústia e evitação de contato com multidões entre outros. Portanto, esta é uma profissão
considerada arriscada e estressante, marcada pelo risco à integridade física e moral, bem como
pela vulnerabilidade, já que esses sujeitos podem ser reconhecidos pelos seus nomes e rostos,
tanto dentro quanto fora dos muros do presídio.
A análise dos depoimentos coletados demonstra que o estigma não difere agentes penitenciários
(concursados ou não), para a sociedade todos são iguais, exercem as mesmas atividades na
mesma instituição, porém pode se constatar algumas diferenças, principalmente no comportamento
extramuros. Enquanto alguns agentes (não concursados), com pouca escolaridade, e que segundo
alguns deles por terem mais tempo de serviço acreditam que têm mais aptidão para o exercício do
cargo do que os concursados, demonstram algum tipo satisfação pelo que fazem, alguns costumam
usar seus uniformes fora do local de trabalho. É uma forma de ostentar a sua condição de
autoridade. Já os concursados tentam serem mais discretos, na maioria das vezes, não revelam o
seu local de trabalho nem tampouco a atividade que exercem.
Por fim, o estigma é algo negativo, leva o outro a lhe enxergar de forma tal. Para que seja quebrado
esse estigma é necessária uma soma de fatores, não depende apenas do Estado nem do próprio
agente penitenciário, ambos têm sua parcela de contribuição para a estigmatização dessa profissão,
é necessário investir na formação física, psicológica e intelectual dos profissionais do cárceres,
como também o agente penitenciário precisa aceita a sua profissão passando para a sociedade
sua importância dentro e fora do contexto do sistema prisional.
4. Considerações finais
O presente trabalho procurou mostrar de forma breve como o estigma afeta as identidades civil e
social dos Agentes Penitenciários, embora seja pertinente ressaltar que estas considerações aqui
descritas sofrem interferências, pois não é fácil fazer pesquisa de campo em instituições de controle.
Sabe-se que muitas profissões são anônimas para a sociedade, e dentre elas se enquadram os
agentes penitenciários, que de fato de exercerem sua função em instituições, prisões, muitas vezes
são vistos também como pessoas desacreditadas.
Percebeu-se que a partir dos dados levantados na pesquisa o pouco reconhecimento da função do
Agente Penitenciário principalmente pela sociedade, contribui bastante para que os profissionais
desta área não se sintam valorizados, mas estigmatizados. Assim vivem os agentes penitenciários
com os estigmas que já estão impregnados em sua história, pensamentos, crenças e ações.
Essa imagem não positiva do agente penitenciário são marcas que já ultrapassaram diversas
gerações e atinge ambos profissionais dos cárceres. Observa-se que os efeitos da prisionização
demonstrou-se visíveis nos entrevistados em maior ou menor proporção, nas linguagens,
comportamentos etc.
Os antigos agentes, em sua maioria desviados de função, ao compor o quadro no sistema prisional
não passaram por um programa seleção, formação, orientação, para o exercício da função,
diferentemente dos agentes concursados que passaram por todo processo para exercer a função
embora não foram suficientes para assumir as suas atividades dentro do cárcere. No entanto, os
concursados relatam como o curso de formação não foi suficiente para exercer a prática,
aprenderam como os agentes penitenciários (antigos) que já estavam no sistema prisional.
Deve se ressaltar que isso não é um problema recente, é algo histórico. Sabe-se que as áreas de
segurança pública são as mais complexas, se lida com o elemento humano e para tanto não se
pode simplesmente designar alguém para desempenhar determinada função sem antes acontecer
uma preparação, as pessoas deveriam ter um mínimo de conhecimento sobre a função que iriam
desempenhar e dos métodos mais eficazes para melhor executá-las.
Ficou claro nas falas dos entrevistados que um dos grandes desafios do Agente Penitenciário é
assumir a função sem a devida capacitação, treinamento e a sonhada profissionalização, sem isso
sentem a falta do reconhecimento como funcionário público, como profissional e como ser humano.
Alguns setores da sociedade não enxergam os Agentes Penitenciários aos outros profissionais da
área de segurança, como as polícias, por exemplo. Estes profissionais dos cárceres são submetidos
durante todo o tempo a efeitos dessocializadores, visto que são obrigados a outra socialização
devido a sua escolha profissional.
Assim pode-se identificar uma série de transtornos a que são acometidos por esta prisionalização,
como os sentimentos de inferioridade, empobrecimento psíquico, regressão, infantilização, uso
abusivo de substâncias psicoativas, perda de identidade, dificuldades para dormir ou respirar,
frustração profissional, alta insatisfação nas tarefas, assim como comprometer sua concepção
sobre cidadania tornando-os estigmatizados. Os feitos da prisionização foram confirmados em
alguns entrevistados, como a dificuldade para dormir, a maioria afirmaram.
Para os estigmatizados, a sociedade reduz as oportunidades, esforços e movimentos, não atribui
valor, impõe a perda da identidade social e determina uma imagem deteriorada, de acordo com o
modelo que convém à sociedade. O social anula a individualidade e determina o modelo que
interessa para manter o padrão de poder, anulando todos os que rompem ou tentam romper com
esse modelo.
Esse sujeito é estigmatizado socialmente e anulado no contexto da produção técnica, científica e
humana. Assim acontece com os agentes penitenciários que são vistos apenas como aqueles que
cuidam dos presos e que para manter a ordem usam da violência e da coação, implantam uma
espécie de terror psicológico, que agem à margem da lei. Portanto, atrás dos muros ou das grades
de uma prisão, todos são estigmatizados.
Então, como visto ao longo deste trabalho, o agente penitenciário que presta seus serviços em
instituições penais sofre a desaprovação da sociedade, essa situação atinge a todos os agentes
indistintamente, independentemente de serem concursados ou não, compreende-se que o estigma
também é uma marca institucional ligada a função.
Pode-se relacionar que há um conflito quanto ao estigma existente em relação ao Agente
Penitenciário, pois a sociedade imprime suas marcas em acordo com suas concepções e critérios.
Por outro lado, essa “impressão” é transferida ao profissional que, destarte, em vez de refutar
poderá ratificá-la, internalizando e potencializando esse estigma. Isto foi observado, quando
verificamos as falas dos Agentes Penitenciários entrevistados.
Mesmo nos dias de hoje sendo exigido o ingresso para a carreira de agentes penitenciários através
de concurso público ainda recai sobre os Agentes Penitenciários o mesmo estigma que carregavam
os antigos carcereiros: de serem pessoas más, violentas e também bandidas. O cárcere tem uma
propriedade contaminante que afeta os Agentes Penitenciários e que estar perto de pessoas
desacreditadas socialmente faz com que o outro também seja desacreditado.
Por fim, não resta dúvida que o sistema prisional vive em constante turbulência, tal situação tem se
agravado ano após ano, necessitando, portanto de uma maior atenção por parte das autoridades
constituídas. A condição caótica em que se encontram nossas instituições prisionais acaba por
transformar as pessoas e os grupos que lá vivem ou trabalham, sejam presos ou Agentes
Penitenciários, em indivíduos estigmatizados. Portanto, o estado não deve medir esforços no
sentido de se promover políticas preventivas para os trabalhadores do sistema prisional, é
necessário investir na formação física, psicológica e intelectual dos agentes, qualificando-os.
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I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM PRISÃO
02 DE OUTUBRO DE 2015 – SÃO PAULO
Grupo de Trabalho: 1) CIDADE E PRISÃO
Divisão sexual do trabalho e o papel da mulher no tráfico
internacional de drogas
Isabela Rocha Tsuji Cunha
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Programa de Pós-Graduação
2
Resumo
A partir de pesquisa em andamento realizada com mulheres estrangeiras em conflito com a
lei na cidade de São Paulo, Brasil, no ano de 2015, propõe-se investigar a inserção e o papel
da mulher dentro das redes do tráfico internacional de drogas. Atualmente, há mais de 400
mulheres estrangeiras em privação de liberdade nesta cidade, das quais cerca de 90% são
acusadas de cometer crimes relacionados ao tráfico de drogas, sobretudo em sua modalidade
transnacional. Enquanto a população feminina em privação de liberdade corresponde a cerca
de 6% da população prisional total do Brasil, mais de 20% das pessoas estrangeiras nos
cárceres paulistas são mulheres, levando a crer que haja certa diferença nas relações tecidas
por nacionais e estrangeiras dentro da criminalidade bem como no tratamento conferido a
cada categoria por parte do sistema de justiça criminal. Por meio da metodologia de pesquisa
da história de vida, que prioriza o ponto de vista do sujeito, busca-se ouvir as experiências e
trajetórias de algumas destas mulheres estrangeiras. Desenvolve-se e questiona-se a
hipótese de que ao mesmo tempo em que o envolvimento com a realidade criminal representa
um rompimento com ideais de feminilidade e docilidade impostos às mulheres pela ordem
patriarcal, as relações tecidas dentro das organizações reproduzem os valores, poderes e
desigualdades vigentes na sociedade, impondo às mulheres papéis subalternos e
reprodutivos, de acordo com a divisão sexual do trabalho.
Palavras-chave: mulher, trabalho, tráfico.
Introdução
Este trabalho pretende apresentar o desenvolvimento de projeto de pesquisa de
Mestrado em Direitos Humanos ainda em andamento que tem por objetivo investigar os
processos de criminalização de mulheres e de sua inserção em relações criminais a partir da
abordagem das histórias de vida de mulheres estrangeiras que estão ou estiveram em
privação de liberdade na cidade de São Paulo.
No começo do ano de 2012, a população feminina em privação de liberdade ao redor
do mundo somava cerca de 625.000 pessoas (ICPS, 2012). Apesar de ainda ser
numericamente pouco representativa em relação à população prisional total que, em julho de
2011, era composta por mais de 10,1 milhões de pessoas (ICPS, 2011), trata-se de uma
população em crescimento em todos os cinco continentes. Em comparação com a contagem
anterior datada de 2006 (ICPS, 2006), a somatória da população de mulheres aprisionadas
no total de 187 países que constam em ambos os cálculos indica um aumento de 16% desta
parcela específica de pessoas em situação de prisão. Igualmente, em estudos realizados
separadamente em diversos países, verifica-se a elevação da taxa de encarceramento
feminino que, em muitos casos, chega a superar a taxa masculina (Bastick, Townhead, 2008;
Morash, Bynum, Koons, 1998; Olmos, 2002).
3
O crescimento da população feminina privada de liberdade em período mais recente
e, ainda assim, a grande diferença numérica entre as populações masculina e feminina no
cárcere geram questionamentos a respeito da relação de homens e mulheres com o crime e
com o poder punitivo e têm ocasionado a produção de diversas pesquisas, ligadas a
diferentes áreas do saber, a respeito do aprisionamento de mulheres (Lemgruber, 1983;
Breitman, 1999; Moura, 2002; Soares e Ingenfritz, 2002; Ribeiro, 2003; Espinoza, 2004;
Padovani, 2010). A compreensão acerca do aumento do número de mulheres nas prisões
demanda o entendimento acerca das relações históricas e atuais da mulher na sociedade,
embasadas nas relações de gênero e provavelmente atreladas a outros marcadores sociais
de diferença. De que forma o gênero influencia no processo de criminalização de mulheres?
O que leva as mulheres à situação de criminalidade? Por que há muito mais homens presos
do que mulheres? A que se deve o aumento considerável da população feminina encarcerada
ao redor do mundo? Qual seria o envolvimento das mulheres com o crime na
contemporaneidade? São algumas das questões que emergem a partir da constatação deste
fenômeno e ensejam a pesquisa em questão.
Com base na afirmação de que o gênero é uma forma primeira de significar as relações
de poder com base nas diferenças percebidas entre os sexos (Scott, 1995), a hipótese
formulada para o desenvolvimento da pesquisa é de que a desigualdade de gênero se
constitui no principal fator para a (não) criminalização das mulheres, ao mesmo tempo em que
define a maneira como se dá o envolvimento delas nas economias criminais, entendidas como
os mundos sociais constituídos ao redor de atividades criminalizadas (Teixeira, 2012, p. 200).
Neste sentido, a desigualdade de gênero estaria manifesta quando da (não) seleção das
mulheres pelo poder punitivo bem como no contexto das articulações criminais, onde imporia
às mulheres posições mais baixas e subalternas hierarquicamente, subordinadas a um
superior homem, além de as deixar mais sujeitas aos mais diversos tipos de violência em meio
a este universo. Igualmente, porém em sentido inverso, esta distribuição desigual do poder
geraria estratégias de resistência mobilizadas pelas mulheres, o que poderia determinar a sua
agência a respeito das relações e funções criminais.
Os dados relativos ao aprisionamento de mulheres no Brasil não são exceção à
tendência geral de crescimento. Mais recentemente, segundo dados do Departamento
Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça, entre 2000 e 2013, enquanto a
população prisional masculina no país apresentou crescimento de 145%, a população
feminina na mesma situação aumentou em 248%, triplicando de 10.112 para 35.218 mulheres
privadas de liberdade (Ministério da Justiça, 2000 e 2013).
Apesar de o grupo de mulheres estrangeiras em situação de prisão em São Paulo ser
quantitativamente pouco relevante em comparação ao número total de pessoas encarceradas
no estado e no Brasil, a importância da seleção destas mulheres como sujeitos de pesquisa
4
deste trabalho remete primeiramente à discrepância dos dados sobre elas em relação aos
dados sobre o aumento do encarceramento em geral. No final do ano de 2005, havia no
estado um total de 50 mulheres estrangeiras presas provisoriamente ou em cumprimento de
pena privativa de liberdade. Em dezembro de 2012, este número saltou para 557 mulheres, o
que representa um aumento de 1114%. No mesmo período, a população feminina
encarcerada cresceu cerca de 157% no Brasil e cerca de 68% em São Paulo, e a população
masculina estrangeira aprisionada no estado de São Paulo se elevou em 336% (Ministério da
Justiça, 2005 e 2012).
Para além da questão estatística, por outro lado, a escolha pelo estudo de determinado
público reflete também a experiência de trabalho da pesquisadora junto a estas mulheres, por
meio da atuação no Projeto Estrangeiras, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), que
desde 2001 realiza o acompanhamento dos casos de mulheres estrangeiras em conflito com
a lei no estado de São Paulo. A rotina de atendimentos realizados com estas pessoas permite
perceber a sobreposição de estigmas vivenciados por elas, que são mulheres, negras,
oriundas de famílias de baixa renda de países com baixo índice de desenvolvimento e amplas
taxas de desigualdade social, que se tornam imigrantes no Brasil e, por fim, selecionadas pelo
sistema de justiça. Constata-se uma sobrecarga de opressões que acarreta em uma situação
de extrema vulnerabilidade potencializada pelo aprisionamento em território estrangeiro e
enfrentada cotidianamente por seus esforços de resistência.
A análise das informações colhidas em relação a estas mulheres por fontes diversas
é um importante instrumento para formular um panorama a respeito da influência que todos
estas cargas conjugadas, e sobretudo o gênero, desempenham na dinâmica das relações
sociais enquanto marcadores de diferença e operadores de vulnerabilidades. E é no
aprofundamento deste estudo que se pretende checar a hipótese de pesquisa que questiona
se de fato o gênero é o fator transversal e primeiro que determina a colocação social destas
mulheres e a sua situação de criminalização.
A proposta metodológica escolhida para o desenvolvimento da pesquisa também é
reflexo dos acúmulos trazidos pelo trabalho no Projeto Estrangeiras. Este Projeto conta com
um histórico de 15 anos de atendimento direto com mulheres estrangeiras em privação de
liberdade e, portanto, tem um importante conhecimento acumulado a respeito da trajetória
destas mulheres antes e depois da prisão e sobre toda a situação que enfrentam no Brasil.
Ao longo de todo este período, o Projeto entrevistou, atendeu e acompanhou quase a
totalidade de mulheres estrangeiras que foram detidas na cidade de São Paulo e
encaminhadas às unidades prisionais. Durante estas entrevistas, o Projeto tem aplicado um
questionário social (Anexo I) que tem o objetivo a priori de apresentar o Projeto às mulheres
recém-chegadas e ouvir suas demandas iniciais para controle interno e aprimoramento do
5
atendimento. Estes questionários não têm um caráter de pesquisa, embora possam gerar
dados relevantes sobre as mulheres acompanhadas pelo Projeto principalmente em relação
ao seu perfil.
O que ora se apresenta no presente trabalho são os resultados obtidos por um primeiro
levantamento analítico realizado a partir destes questionários sociais do Projeto Estrangeiras.
Contudo, a constatação de um perfil específico de mulheres estrangeiras que chegam
às prisões e nelas permanecem enseja a necessidade de explorá-lo de forma qualitativa, para
que seja possível extrair elementos que por vezes ficam omitidos nas abordagens baseadas
em questionários com perguntas semiestruturadas e na análise de processos criminais. A
tomada das mulheres enquanto sujeitos contadores de suas próprias histórias torna possível
averiguar se e como a presença de opressões e vulnerabilidades são espontaneamente
mencionadas por elas como estruturantes de suas trajetórias e abre a oportunidade para que
novas variáveis, novas questões e novos processos sejam sugeridos e construídos no âmbito
da pesquisa (Haguette, 1992, p. 82). Desta forma, reconhece-se a importância da
reconstrução oral da história de vida como um dos métodos de investigação a ser adotado em
um segundo momento, apoiado pela análise de questionários do arquivo do Projeto
Estrangeiras, de prontuários do sistema prisional e de autos de processos criminais enquanto
métodos acessórios.
De forma a expor o exercício realizado para a elaboração do projeto de pesquisa, este
trabalho apresenta um caminho lógico, que propõe explorar brevemente o histórico da
criminalização das mulheres, discutir a divisão sexual do trabalho em relação às economias
criminais e, por fim, apontar dados referentes às mulheres estrangeiras em conflito com a lei
em São Paulo, na tentativa de elaborar conclusões a respeito de sua inserção nas relações
criminais.
A mulher e o poder punitivo: breve histórico
Historicamente, a delinquência é tratada como um fenômeno típico do universo
masculino. De fato, o crime cometido por homens é muito mais frequente na história da
sociedade do que o crime cometido por mulheres e, desde sempre, a taxa de homens
encarcerados superou consideravelmente a taxa de mulheres na mesma situação,
contribuindo para a invisibilidade da mulher dentro dos estudos e debates sobre a
criminalidade.
A baixa representatividade numérica da população feminina aprisionada, contudo, não
retira a relevância do tema e não reduz a importância de abordá-lo. Conforme elabora
Zaffaroni (1992), quando há uma omissão nos discursos sobre um dos aspectos do poder
punitivo, caracterizado pela concentração de poder e pela verticalidade na solução dos
6
conflitos, ela é suspeita por ocultar uma das vertentes de sua perversidade. Os números
absolutos, quando examinados por si só, não são capazes de refletir a complexidade da rede
de relações sociais que permeia a criminalidade e menos ainda a influência que o gênero,
enquanto marcador de diferenças, manifesta nestes contextos.
A abordagem do tema da relação da mulher com o Direito Penal ganhou ênfase ao
redor do mundo e adquiriu novos padrões sobretudo a partir dos anos 1970, com a ascensão
da Criminologia Feminista, que passou a enfocar a questão com base em uma nova
perspectiva. Alessandro Baratta (2000), a partir da leitura dos estudos de Sandra Harding,
cuida da abordagem do novo paradigma sobre o qual se funda esta perspectiva, denominado
como paradigma do gênero.
A ciência moderna é erigida principalmente sobre bases androcêntricas, e seu
paradigma historicamente se presta a garantir a dominação masculina, justificada pela
sustentação de que o ser masculino é referência de dureza, de ser racional e objetivo,
características que seriam intrínsecas a seu sexo biológico. Nos anos 70, então, para
contrapor o paradigma biológico, surge o paradigma do gênero, baseado, basicamente, em
três argumentos essenciais: o gênero não é atributo natural e não depende do sexo biológico,
pelo contrário, é resultado de uma construção social; a oposição entre o masculino e o
feminino e a atribuição de características e qualidades distintas a estes gêneros construídos
consistem em instrumentos de justificação da distribuição desigual de recursos entre homens
e mulheres e em fundamentos para as relações de poder entre eles; de outro lado, as
instituições de nossa sociedade são influenciadas pela dicotomia criada por esta oposição de
gêneros (Ibidem).
O sistema penal, compreendido enquanto o amplo conjunto de agências que exercem
o controle da criminalidade ou o controle penal e que abarca diversas instituições como a Lei,
a Polícia e o Sistema Penitenciário (Andrade, 1996, p. 42), atua de forma seletiva, escolhendo
seus alvos principalmente de acordo com o papel social que ocupam – na sociedade
capitalista, por exemplo, os alvos são justamente os excluídos de sua lógica, marginalizados
economicamente. O reconhecimento do gênero enquanto fator de promoção de desigualdade
permitiu o aprofundamento desta abordagem nos estudos criminológicos, incorporando
principalmente à vertente Crítica o elemento gênero como mais um dentre aqueles capazes
de influenciar a seletividade do poder punitivo.
De acordo com um discurso naturalista, retomado no século XIX, a diferença entre os
sexos biológicos tornou-se argumento para justificar a continuação da desigualdade entre
homens e mulheres em pleno período de consolidação de uma Declaração de Direitos e de
uma suposta igualdade universal. Tal diferenciação, que coloca o homem como modelo de
inteligência e razão e a mulher como a emoção e a sensibilidade, servia como pretexto para
uma organização política e social que situava os homens no espaço público, de decisão, e as
7
mulheres no espaço privado do lar e da família (Perrot, 2006, pp. 177, 178). No âmbito da
economia política, em uma elaboração que posteriormente se passou a denominar de divisão
sexual do trabalho, a inferioridade biológica da mulher a conferiria as funções de consumir e
reproduzir o que é produzido pelo homem no auge de sua superioridade intelectual.
A esfera reprodutiva e doméstica corresponderia à identidade primária das mulheres,
com base no padrão hegemônico de família patriarcal, que reserva a elas o espaço privado.
Ao estar ausente do espaço público, a mulher estaria menos sujeita ao controle pelo poder
punitivo estatal, por naturalmente não praticar condutas alvo deste controle e por não estar
exposta a suas agências. O Direito Penal e os agentes do poder punitivo do Estado são
especialmente direcionados à defesa da ordem por meio da fiscalização das relações no
âmbito público, ligadas ao trabalho produtivo, às relações de propriedade e à moral deste
ambiente. Por este papel precisamente definido, não caberia ao Direito Penal imiscuir-se nas
relações estabelecidas no espaço privado, o que faria com que a rigorosidade desta esfera
do poder recaísse em escala muito menor sobre as mulheres, explicando os relativamente
baixos índices de encarceramento feminino.
Não ser o alvo prioritário do poder punitivo, no entanto, não significa para as mulheres
a ausência de controle pelo sistema em geral. Pelo contrário, os meios de controle informal,
mais presentes no cotidiano, agem de forma muito mais intensa e opressora em relação ao
universo feminino. O sistema punitivo mantém, mais que um poder de criminalizar, um poder
de vigilância exercido segundo vínculos de autoridade. Este poder é o que, de fato, direciona
as regras de controle social informal e, por ser erigido pela mesma sociedade patriarcal, com
base em uma hierarquia baseada no gênero, esta vigilância é maior sobre a mulher (Zaffaroni,
1992).
Quando a mulher se desvia do papel a ela imposto pela sociedade patriarcal
dominante, sobre ela recaem diversas instâncias de controle, como a família, a escola, e
outros mecanismos, mais implacáveis em se tratando do controle das mulheres. Somente se
estes mecanismos de controle inicial não conseguem corrigir o desvio é que se recorre ao
poder punitivo, que não atua de forma mais benevolente quando requisitado para resolver
conflitos que envolvem mulheres no papel de ofensoras.
A relação do poder punitivo com a mulher se desenvolveu a partir da noção de que o
papel social feminino é o da transmissão de valores culturais e de moral dentro do espaço
privado, onde ela deve reproduzir e manter a ordem social. Quando as mulheres contestam
esta posição e passam a ocupar o espaço público ou a divulgar valores distintos dos
perpetuados pelos grupos dominantes na sociedade, o sistema penal toma para si a
responsabilidade de controlá-las (Sposato, 2007, p. 255).
A noção de que a mulher é biologicamente inferior ao homem, mais fraca e frágil moral,
física e emocionalmente abriu margem para que, historicamente, ela fosse abordada pelo
8
sistema penal como objeto de tutela. Sua liberdade sexual, por exemplo, fora tolhida em nome
de uma proteção moral e sexista, que se impunha para controlar a sexualidade feminina por
meio da criminalização de condutas como a prostituição e o adultério.
No decorrer da história, as causas para o controle das mulheres pelo poder punitivo
tradicionalmente ficavam muito restritas aos chamados “delitos de gênero”, que além dos
atrelados à sexualidade, abrangiam outros delitos como o aborto, o infanticídio e homicídios
passionais. Quando a mulher praticava crimes que escapavam a esta realidade, era
concebida como virilizada ou portadora de alguma patologia (Zaffaroni, 1992) e reprimida de
acordo com este ponto de vista.
No entanto, tanto os papéis sociais como as práticas deles derivadas são mutáveis ao
longo do tempo. A ascensão da vida urbana, bem como a maior ocupação do espaço público
pelas mulheres, resultado dos esforços das mulheres para a superação da dominação,
permitiram um outro olhar sobre a criminalidade feminina, e as mulheres passaram a ser
encarceradas pela prática de atos mais diversos. Aos poucos, a dinâmica de incriminação das
mulheres foi se alterando conforme as relações sociais se tornavam mais complexas e os
papéis sociais, questionados, desconstruíam-se e reformulavam-se.
Em São Paulo, por exemplo, no ano de 1953, apesar de haver mulheres encarceradas
por crimes de gênero (infanticídio e aborto, principalmente), outros crimes como os
patrimoniais e contravenções penais (como a vadiagem) já se constituíam enquanto
igualmente responsáveis pelo aprisionamento feminino (Macedo apud Andrade, 2011, p. 140).
Nas décadas subsequentes, crescentes transformações econômicas, urbanas e sociais
atingiam a cidade, e com a dispersão da criminalidade urbana, caracterizada então pela
criminalidade patrimonial de massa (Teixeira, 2012, p. 201), os furtos cada vez mais tornaram-
se motivo para a detenção feminina, além dos atos de subversão à ordem ditatorial, que
levaram grande quantidade de mulheres às prisões na época da Ditadura Civil-Militar no
Brasil.
No mesmo período, ainda entre as décadas de 60 e 70, mas sobretudo a partir dos
anos 80, ao lado da propagação da criminalidade difusa de rua, uma nova forma de
organização da criminalidade começa a se definir em torno do comércio de entorpecentes. A
criminalidade (que se convencionou chamar de “criminalidade organizada”) passa a atuar
mais articulada em redes, com o uso de uma pluralidade de relações, mecanismos e
atividades que compõem uma economia da droga, que começa a integrar a dinâmica das
cidades no Brasil e em diversos outros países. Em contraposição a estas articulações
emergentes, a chamada “política de guerra às drogas”, impulsionada pelos Estados Unidos e
baseada em Convenções da Organização das Nações Unidas de combate aos entorpecentes,
cada vez mais vai sendo incorporada pelos Estados, e o recrudescimento das legislações com
9
base nas orientações de tal política repercute nas taxas de encarceramento ao redor do
mundo.
O estabelecimento de uma política rígida de controle em relação ao comércio e ao uso
de substâncias ilícitas provocou uma ampliação geral da população carcerária. Contudo,
dados demonstram que a imposição da punição implacável às atividades criminalizadas
ligadas às drogas foi muito mais impactante para as mulheres, tornando-se responsável pela
maior parte das prisões efetuadas contra elas em vários territórios.
No Brasil, por exemplo, atualmente, mais de 40% das mulheres em situação de cárcere
foram presas por tráfico de drogas, ao passo que menos de 25% dos homens estão presos
por este motivo, de acordo com estatísticas do Departamento Penitenciário Nacional
(Ministério da Justiça, 2012). Entre os anos de 2006 e 2011, após a edição da nova Lei de
Drogas brasileira (Lei 11.343/06), de acordo com informações lançadas pelo Conselho
Nacional de Justiça1, 15.263 mulheres foram presas no Brasil no ano de 2011, dentre as quais
65% acusadas de tráfico de drogas.
Na Europa e na Ásia Central, há cerca de 112.000 mulheres em situação de prisão.
Destas, 31.000 foram presas por condutas relacionadas a drogas ilícitas, mais do que um
quarto da população prisional feminina total. Em alguns países, a porcentagem de mulheres
aprisionadas por práticas vinculadas a entorpecentes chega a 70%. Em Portugal, na Espanha,
na Grécia, na Itália, na Suécia e na Estônia, a porcentagem ultrapassa os 40%, assimilando-
se à brasileira (Harm Reduction Association, 2012, p. 5).
Apesar de a mulher ter adquirido espaço na esfera pública ao longo das últimas
décadas, a sociedade mantém-se erigida sobre bases patriarcais e as desigualdades de
gênero seguem operantes. Neste sentido, ainda que a mulher desempenhe novos papéis
sociais, a opressão com base no gênero e a hegemonia masculina são ainda vigentes,
estando presente, da mesma forma, a divisão sexual do trabalho, que faz com que elas não
sejam incorporadas de maneira igualitária no âmbito produtivo, tornando-se potenciais vítimas
de processos como o da superexploração e do trabalho precarizado.
Tal dinâmica, além de possibilitar um entendimento acerca da maior participação das
mulheres nas estatísticas de criminalização e aprisionamento, a partir da conjugação dos
fenômenos da criminalização da pobreza e da feminização da pobreza, também contribui para
a compreensão do porquê das altas taxas de encarceramento das mulheres relacionadas a
crimes de drogas, ligadas às posições geralmente mais subalternas e vulneráveis ocupadas
pelas mulheres dentro das organizações destinadas ao comércio de entorpecentes.
1 VASCONCELLOS, J. Estrangeiras flagradas com drogas no Brasil não deveriam estar na prisão, diz
especialista. Agência CNJ de Notícias. Brasília. 24 jul. 2013. Disponível em
<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/25580-estrangeiras-flagradas-com-drogas-no-brasil-nao-deveriam-estar-naprisao-diz-especialista>
10
Divisão sexual do trabalho: precarização do trabalho das mulheres
De fato, os esforços e as resistências perpetrados pelas mulheres ao longo do século
XX tornaram possível a edificação e a garantia de maior autonomia às mulheres, que
passaram a reivindicar suas liberdades e seus direitos, contestando a histórica dominação
masculina. Neste âmbito, as mulheres conquistaram significativa independência e passaram,
por exemplo, a serem chefas de família com muito mais frequência do que em tempos mais
remotos. Elas ganharam novas atribuições, contudo, sem abandonar as antigas: a
assimilação de funções produtivas foi acumulada às funções reprodutivas, o que se verifica
pela chamada “dupla jornada” – a mulher executa trabalho externo e remunerado em um
período do dia, e no outro, realiza as tarefas domésticas.
Entretanto, a conquista de novos papéis pelas mulheres se deu ainda dentro de uma
ordem capitalista e patriarcal. Por isso, não é possível afirmar que as mudanças pretendidas
pelas lutas feministas estão completas. Pelo contrário, é necessário observar a partir de
posicionamento crítico os efeitos da construção deste novo lugar feminino na sociedade
contemporânea, que refletem um fenômeno de progressiva feminização da pobreza, expressa
pelo aumento da diferença dos níveis de pobreza entre as mulheres e os homens (Medeiros
e Costa, 2008) e pela consequente maior marginalização da população feminina. A
sistemática discriminação das mulheres no que diz respeito ao acesso ao trabalho formal e à
igualdade de condições de emprego em relação aos homens provoca um processo de
empobrecimento feminino ao mesmo tempo em que possibilita o maior enriquecimento
masculino, perpetuando a desigualdade de gênero.
Embora a divisão sexual do trabalho tenha sido relativizada com a presença feminina
no espaço público, ainda na contemporaneidade as relações sociais entre os sexos são
determinantes para a distribuição do trabalho social. Esta divisão teria como características a
designação dos homens ao espaço produtivo e das mulheres o reprodutivo, conferindo maior
valor social e econômico às funções masculinas. Há, então, uma separação entre trabalho de
homem e trabalho de mulher e uma hierarquização entre estes, que acarreta na inserção
diferencial de homens e mulheres no mercado de trabalho baseada no gênero. Esta
segmentação concentra oportunidades de trabalho para mulheres em setores de atividades
específicos e as destina um número reduzido de ocupações dentro da estrutura produtiva
(Yannoulas, 2002).
O cenário atual do mercado de trabalho mostra a prevalência de mulheres trabalhando
em tempo parcial ou em regime de trabalho temporário (dinâmicas possibilitadas pela
flexibilização do trabalho no neoliberalismo), ocupando postos de trabalho informal,
precarizado, que goza de pouca ou nenhuma proteção trabalhista, e superexplorado, além de
elevado índice de mulheres desempregadas. Ademais, são manifestas a discriminação
11
salarial em relação a elas, bem como a concentração de mulheres em ocupações que exigem
menor qualificação e apresentam menores possibilidades de mobilidade e ascensão na
carreira.
A desigualdade material no campo do trabalho empurra as mulheres para uma
situação de maior vulnerabilidade em relação à pobreza do que os homens, principalmente
porque somada, em grande parte dos casos, à necessidade de manutenção (sozinha) de um
lar com filhos dependentes. Na sociedade pós-moderna, basicamente desenvolvida com base
no consumo, as mulheres pobres são ainda mais excluídas do sistema em todos os seus
termos: econômico, cultural, espacial, de acesso a serviços públicos.
Evidentemente, a situação de pobreza não é fator determinante para envolvimento
com economias criminais. O que ocorre no âmbito da sociedade capitalista é a criminalização
da pobreza justamente pela exclusão que é intrínseca a este sistema. Dentro desta ordem, a
ênfase do sistema penal está na proteção da propriedade privada e da moral por meio da
criminalização, tanto primária quanto secundária, de condutas que as atinjam. Apesar de
haver normas que também criminalizam condutas atreladas a elites econômicas (como crimes
de corrupção, por exemplo), o que se verifica é que poucas pessoas são processadas e
punidas por estes crimes. O sistema punitivo não efetiva seu controle em relação a todos os
delitos que estabelece, restando impunes muitas práticas criminosas, enquanto outras são
sobrerrepresentadas nas estatísticas da criminalidade. Em face da criminalização da pobreza,
os grupos selecionados pelo sistema de controle são, justamente, os economicamente mais
vulneráveis e culturalmente oprimidos e marginalizados.
A dificuldade de encontrar um trabalho remunerado e a falta de expectativa de
encontrá-lo, por outro lado, tornam as pessoas mais suscetíveis à venda de sua força de
trabalho ao mercado ilegal como única maneira de obtenção de assalariamento para fins de
suprimento de necessidades básicas próprias e familiares. A economia da ilegalidade,
caracterizada pela prática de ilícitos, acaba por absorver a mão de obra rechaçada pela
economia formalizada.
No caso específico das mulheres, o que se verifica na atualidade é a combinação de
dois processos contemporâneos que contribuem para a sua maior criminalização. A
conjugação do processo de ingresso precário da mulher no mercado de trabalho com a
ampliação da criminalização secundária que opera sobre elas enseja o fenômeno recente de
maior aprisionamento das mulheres, devido à sua suposta maior participação na
criminalidade.
As estatísticas mais recentes que mostram os crimes de que são mais frequentemente
acusadas as mulheres são capazes de ilustrar a constatação de que, de fato, as necessidades
materiais e a ausência de colocação no mercado de trabalho são fatores que as levam a se
envolverem com o mercado ilegal. Os crimes mais frequentemente praticados por mulheres e
12
punidos pelo sistema penal são não violentos e de cunho patrimonial ou relacionados a
drogas. Em pesquisa recente realizada pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e pela
Pastoral Carcerária (2012), com pessoas presas provisoriamente na cidade de São Paulo,
restou demonstrado que a grande maioria das mulheres presas em flagrante na cidade eram
acusadas de furto (38,5%) ou de tráfico de drogas (38,8%).
Apesar de o mercado ilegal ser capaz de abrir as portas para as mulheres excluídas
do sistema capitalista, as relações delas com a dinâmica da economia criminal como um todo,
mas em especial com o tráfico de drogas, são muito semelhantes àquelas vividas na
sociedade regularizada. No âmbito das relações criminais, reproduzem-se diversas
instituições construídas pelo sistema para a manutenção da ordem na sociedade. Dentre elas,
a divisão sexual do trabalho é uma das que mais ativamente operam no mundo do ilícito.
Economia criminal das drogas e o papel da mulher
A Lei de Drogas brasileira, em seu artigo 33, caput, estabelece dezoito condutas que
caracterizam o crime de tráfico de drogas, composto por uma cadeia de práticas executadas,
geralmente, por grupos organizados para tal finalidade. Entre todas essas condutas possíveis,
de acordo com estudos regionalizados sobre a relação da mulher com o tráfico de drogas
(Moura, 2005), as mulheres, amplamente recrutadas especialmente por serem socialmente
menos suspeitas ao poder repressivo, executam geralmente as funções de menor destaque,
menor complexidade e mais baixa remuneração dentro das organizações destinadas ao
tráfico.
Segundo pesquisa realizada com mulheres presas por tráfico de drogas no estado do
Rio de Janeiro (Soares e Ilgenfritz, 2002) fica evidente a participação feminina em posições
subsidiárias no tráfico de drogas: 27,3% das mulheres entrevistadas declararam ser buchas,
presas por estarem na cena no momento da prisão; 14% declararam serem consumidoras;
13% disseram ser mulas, transportadoras de drogas; 11,7%, vapores, que negociam
pequenas quantidades de drogas no varejo; 10,7%, cúmplices. Dentre os cargos de maior
importância, somente o de vendedora (que ainda está mais próximo da base inferior da
hierarquia) era representado por quantidade mais significativa de mulheres (12,7%). Os outros
cargos hierarquicamente superiores eram representados por ínfima quantidade delas.
Até mesmo nas relações estabelecidas paralelamente à sociedade, na esfera da
ilegalidade, as mulheres estão marginalizadas por serem consideradas inferiores aos homens,
ocupando cargos politicamente e economicamente pouco representativos à cadeia de
relações criminais. Inclusive nos espaços que pretendem ser subversivos à legalidade
instituída, reproduz-se a lógica da dominação masculina, manifesta na divisão sexual do
trabalho, que representa as relações de poder universalmente consolidadas.
13
A divisão sexual do trabalho no tráfico de drogas impõe às mulheres sua alocação em
cargos hierarquicamente inferiores – onde não se necessita de grande habilidade nem de
tanta conexão com a organização e onde mais se expõe durante a negociação com
compradores – justamente porque elas podem ser “descartáveis” por não ocuparem postos
importantes: se uma delas for detida, de certo haverá outra disponível para substituí-la.
Neste sentido, segundo Iara Ilgenfritz (Ilgenfritz, 2003): “o fato de ocuparem posições
subsidiárias torna as mulheres mais vulneráveis nas mãos da política de repressão ao tráfico,
pois elas têm poucos recursos para negociar sua liberdade quando capturadas” – acrescente-
se, ainda, que aos traficantes, que poderiam fazer este papel de negociação, não é vantajoso
mover esforços em defesa delas justamente porque são irrelevantes.
Mulheres mulas do tráfico internacional de drogas: o perfil das mulheres estrangeiras
em conflito com a lei em São Paulo
A mesma lógica de divisão sexual do trabalho é operante em relação ao tráfico
internacional de drogas, que tem uma dinâmica muito semelhante à do tráfico interno, mas
que se diferencia deste, contudo, pelo alcance de suas atividades, que é global, e pela
localização de seus agentes, que se encontram distribuídos ao redor do mundo. A
globalização, resumida por Bauman (1999, p. 7) como um processo de “compressão
tempo/espaço” e descrita por Giddens (1991, p. 69) como “a intensificação das relações
sociais que vincula localidades distantes, de tal modo que os acontecimentos locais são
marcados por eventos que têm lugar a milhas de distância e vice-versa”, ao mesmo tempo
em que amplia a exclusão social a um nível global, potencializa as estratégias mobilizadas
para enfrentá-la e permite um aprimoramento das articulações legais e criminais ao redor do
mundo.
A elevação do número de pessoas estrangeiras em conflito com a lei no Brasil reflete
o movimento do sistema penal brasileiro em relação à criminalização e ao enfrentamento das
atividades ilícitas praticadas neste contexto transnacional.
O combate ao crime organizado transnacional sempre esteve focado nas tentativas de
desmantelamento das organizações criminosas, apesar da questão estar muito mais ligada
ao mercado e à demanda por produtos ilegais do que a determinados grupos atuantes.
Historicamente, as forças repressivas estatais têm a função de investigar e processar casos
individuais em uma jurisdição específica, e não possuem autoridade nem ferramentas para
lidar com uma complexa rede de práticas ilícitas, bem estruturada, e cujos membros são de
difícil identificação, especialmente quando pertencentes ao topo da pirâmide da hierarquia do
grupo.
14
Os organismos de controle internacional pressionam as forças repressivas internas
dos Estados para darem uma rápida resposta à grave ameaça dos delitos cometidos em
caráter global. Estas forças respondem com uma atuação truculenta e rigorosa que, contudo,
é limitada. As polícias nacionais raramente têm meios operacionais para investigações mais
complexas sobre fluxos de crimes transnacionais. Neste sentido, é evidente que a atuação
destas agências, também em relação à persecução deste tipo de atividade, é seletiva. A opção
é pela investigação de crimes praticados de maneira mais grosseira, que têm produtos de fácil
identificação, e que são cometidos com mais frequência por pessoas que atendem ao
estereótipo de criminoso construído em uma sociedade.
Neste sentido, a ação das polícias no combate ao crime organizado, ao invés de se
estender a toda estrutura complexa da organização criminosa, acaba se dirigindo somente às
partes mais vulneráveis da cadeia, que são aquelas que mais se expõem, por exemplo,
carregando os produtos ilícitos e transportando-os entre as fronteiras, como é o caso do tráfico
internacional de drogas e de armas.
Estas pessoas, que na verdade sequer são realmente parte da organização criminosa,
porque não auferem os lucros reais do negócio ilícito e pouco sabem de seu funcionamento,
são as que mais sentem os impactos do recrudescimento da política internacional de combate
ao crime organizado e de outras políticas específicas, como a de guerra às drogas, nos casos
de tráfico de entorpecentes. Pegas em ação durante suas viagens, elas são presas e
processadas em outros países e, juntamente com imigrantes selecionados pelo sistema
punitivo, formam o grosso da população estrangeira encarcerada no mundo.
Atualmente no Brasil, há 2778 pessoas estrangeiras em privação de liberdade
(Ministério da Justiça, 2014), das quais 1795, ou seja, cerca de 65%, encontram-se em São
Paulo, estado em que se localiza o Aeroporto Internacional de Guarulhos, principal aeroporto
brasileiro, maior da América Latina, porta de entrada e de saída da maior quantidade de voos
internacionais que chegam ao país e que partem dele. Da população de indivíduos
estrangeiros encarcerados em São Paulo, 419, aproximadamente 23%, são mulheres. Desde
o ano de 2007, a porcentagem de mulheres dentro deste grupo tem se mantido relativamente
estável (29% em 2007, 26% em 2008, 25% em 2009, 2010 e 2011, 26% em 2012 e 2013 e
23% em 2014). Quando comparada à porcentagem de mulheres em meio à população
prisional do Brasil -- em 2014, as mulheres representavam menos de 7% do total – ou até
mesmo do mundo, conforme já mencionado, tal porcentagem parece discrepante.
A apresentação de alguns dos resultados obtidos pelo primeiro levantamento realizado
com questionários sociais de mulheres estrangeiras em privação de liberdade ajuda a
interpretar tal discrepância (Anexo II).
Em setembro de 2014, quando se analisou 100 questionários sociais de um total de
317 estrangeiras em prisão provisória ou em cumprimento de pena em regime fechado na
15
Penitenciária Feminina da Capital, que concentra a população feminina estrangeira em São
Paulo de acordo com estes dois patamares de privação de liberdade, 60% destas mulheres
eram provenientes do continente africano e 72% se autodeclaravam não brancas. Deste total
de 100 questionários analisados, em 94 deles as mulheres declararam estar sendo acusadas
de haver cometido crimes relacionados ao tráfico de drogas e, destas, 62% declararam serem
as principais provedoras de seus lares, e 22% disseram contribuir para a renda familiar.
Em exame posterior realizado em março de 2015 em relação aos processos criminais
de mulheres estrangeiras privadas de liberdade na Penitenciária Feminina da Capital e no
Centro de Progressão Penitenciária Feminino do Butantã, onde as mulheres cumprem pena
em regime semiaberto, de 382 mulheres, a porcentagem de acusadas de crimes relacionados
ao tráfico permaneceu elevada, abrangendo 84% dos casos.
De acordo com o observado, o tráfico de drogas desempenha papel central na
dinâmica de criminalização destas mulheres e em seu posterior encarceramento. A partir da
constatação de que se tratam de mulheres que de fato apresentam uma sobreposição de
elementos de vulnerabilidade – por serem mulheres, não brancas, oriundas de países
periféricos, e da verificação do papel de protagonismo que estas mulheres exercem dentro de
seus núcleos familiares, sendo, em sua maioria, as principais responsáveis pela manutenção
financeira e afetiva de seus lares, depreende-se que o envolvimento com o tráfico de drogas
é uma alternativa de emprego informal em um contexto de vulnerabilidade.
Neste mercado, assim como nas situações de tráfico nacional, usualmente as
mulheres ocupam posições subalternas, sendo responsáveis, principalmente e com cada vez
mais frequência, pela atividade do transporte das drogas entre fronteiras transnacionais –
ocasião em que são identificadas como mulas.
Nesta situação, as mulheres reificam seus corpos, tornando-se instrumento de
transporte da substância ilícita (geralmente carregada em seu estômago ou escondida dentro
de seus pertences) entre fronteiras. Sozinhas e desamparadas em territórios desconhecidos,
afastadas de suas redes sociais, estas mulheres mulas encontram-se extremamente
vulneráveis tanto ao perigo de serem presas no país estrangeiro, como às próprias
organizações que as colocam nestas condições que, enquanto responsáveis pelo seu envio,
donas dos bilhetes de viagem e do dinheiro, podem submetê-las às mais diversas formas de
exploração, situação muito semelhante à vivida pelas mulheres vítimas do tráfico internacional
de pessoas para fins de escravidão ou exploração sexual.
Detidas pela polícia no período de trânsito no país estrangeiro durante a execução do
trabalho de carregamento da droga, sem qualquer proteção por parte dos traficantes que as
enviaram (da mesma forma que ocorre nos casos de mulheres presas por tráfico interno),
estas mulheres mulas passam a integrar a população prisional feminina estrangeira deste país
que, além de padecer de todas as dificuldades características da privação de liberdade, ainda
16
sofre com o agravamento de suas condições pela distância de seu território de origem e por
ter de lidar com um sistema penal desconhecido, que tem como uma de suas características
o fator de haver sido construído por homens e para homens.
Considerações finais
Ao final do presente trabalho, observa-se que a maior representatividade de mulheres
dentre a população de pessoas estrangeiras nos cárceres paulistas é um indício de maior
presença e maior protagonismo de mulheres nas relações criminais do tráfico internacional
de drogas e/ou da maior criminalização de mulheres nestes cenários.
Cumpre ressaltar, no entanto, que tais considerações não possuem caráter de
conclusão definitiva, haja vista que boa parte da dinâmica das relações sociais tecidas por
mulheres estrangeiras dentro do tráfico internacional de drogas não pode ser traduzida por
meio de perguntas objetivas formuladas em um questionário social, tampouco pela redução
dos fatos contida em autos processuais. Tais informações constituem inferências tomadas
com base em levantamento teórico e na comparação entre casos semelhantes de
criminalização de mulheres.
Importa concluir, portanto, que, ainda que os dados quantitativos sejam capazes de
demonstrar o perfil das mulheres selecionadas pelo sistema penal, eles não são capazes de
revelar as dinâmicas e todas as dimensões que ocasionam na situação de conflito com a lei.
Sob este aspecto, constata-se a importância da abordagem qualitativa para o estudo de
relações sociais, especialmente no que diz respeito a atribuir relevância à reconstrução oral
da história de vida por parte dos sujeitos pesquisados. Ainda que este tipo de versão não
corresponda exatamente à história real, a significação dada aos fatos narrados pelas pessoas
protagonistas das histórias assume um significado por si só e permite o acesso à sua cultura,
seus valores e seu meio social (Bourdieu, 1983), o que abre margem para o estudo
aprofundado das relações vividas em seu contexto.
Caberá, enfim, às próximas fases da pesquisa, buscar desenvolver ainda mais a
análise do perfil das mulheres estrangeiras em privação de liberdade para, posteriormente,
convidá-las a compartilhar suas histórias e trajetórias de sujeições e resistências.
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PADOVANI, N. C. “Perpétuas espirais”: Falas do poder e do prazer sexual em trinta anos (1977—2009) na história da Penitenciária Feminina da Capital. 2010. 175 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2010.
18
PERROT, M. Os Excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. Tradução: Denise Bottman. 4ª Ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
RIBEIRO, L. M. L. Análise da política penitenciária feminina do Estado de Minas Gerais: o caso da Penitenciária Industrial Estevão Pinto. 2003. Dissertação (Mestrado) – Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2003.
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2,jul./dez. 1995.
SOARES, B. M.; ILGENFRITZ, I. Prisioneiras: vida e violência atrás das grades. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.
SPOSATO, K. B. Mulher e cárcere: uma perspectiva criminológica. In: REALE JÚNIOR, M.; PASCHOAL, J. (Org.). Mulher e Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
TEIXEIRA, A. Construir a delinquência, articular a criminalidade: um estudo sobre a gestão dos ilegalismos na cidade de São Paulo. 2012. 352 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012.
YANNOULAS, Silvia Cristina. Dossiê: Políticas públicas e relações de gênero no mercado de trabalho. Brasília: CFEMEA; FIG/CIDA, 2002.
ZAFFARONI, E. La mujer y el poder punitivo. “CLADEM”. Lima: 1992. Disponível em <http://www.cubc.mx/biblioteca/libros/Zaffaroni%20-%20Mujer%20y%20poder%20punitivo.pdf>
ANEXO I
PROJETO ESTRANGEIRAS
O Projeto Estrangeiras, do ITTC, realiza este questionário para coletar dados sobre mulheres estrangeiras em
situação de prisão com a finalidade de aprimorar nosso trabalho de acompanhamento e também para auxiliar
as Defensorias Públicas (da União e do Estado) na defesa dos processos destas mulheres.
Não é obrigatória a resposta de todas as questões.
Pessoa entrevistadora:
Penitenciária:
Data da entrevista:
I) DADOS BÁSICOS
1. Nome: ..............................................................................................................................................
..........................................................................................................................................................
2. Data de nascimento: / /
3. País de origem: ................................................................................................................................
4. País de residência: ...........................................................................................................................
5. Cor da pele declarada:.............................................. .......................................................................
6. Cor da pele dentre as opções: Branca ( ) Preta ( ) Parda ( ) Amarela ( )
Indígena ( ) Trigueña ( ) Morena ( ) Outras ( )
7. Qual seu idioma nativo?...................................................................................................................
8. Quais são os idiomas falados?..........................................................................................................
8.1. Em que idioma gostaria de se defender perante o Judiciário brasileiro?.................................
9. Religião: Cristã ( ) Católica ( ) Católica convertida na prisão ( ) Evangélica ( )
Evangélica convertida na prisão ( ) Budista ( ) Muçulmana ( ) Outra
( ) Indicar:..............................................................
10. Faz parte de algum grupo étnico? Não ( ) Sim ( ) Indicar:...............................................
11. Estado civil: Solteira ( ) Namora ( ) União estável ( ) Casada ( ) Separada ( )
Divorciada ( ) Viúva ( ) Outro ( ) Indicar:...............................
12. Observações:.......................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
.................................................................................................................................................
20
II) FAMÍLIA
13. Nome da mãe:.............................................................................. .............Está viva ( ) Faleceu ( )
14. Nome do pai:..............................................................................................Está vivo ( ) Faleceu ( )
15. Tem filhas/os? Sim ( ) Quantas/os?............. Não ( )
Dados das/os filhas/os:
Nome completo Idade Estuda? Trabalha? Onde está?
(país/ cidade)
Com quem está?
(nome/ vínculo com
filho/a)
Nacionalidade
1.
2.
3.
4.
5.
16. Mantinha alguém sob seus cuidados antes de ser presa? ( ) Sim ( ) Não
Dados da(s) pessoa(s):
Nome completo Vínculo Debilidade da
pessoa
Onde está?
(cidade/país)
Quem está
cuidando da
pessoa agora?
1.
2.
3.
17. Observações:.......................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
.................................................................................................................................................
21
III) ESCOLARIDADE
18. Grau de instrução: Nunca frequentou a escola ( ) Ensino Fundamental incompleto ( )
Ensino fundamental completo ( ) Ensino Médio incompleto ( ) Ensino Médio completo ( ) Ensino
superior incompleto ( ) Ensino superior completo ( )
Outro ( ) Indicar:........................................
IV) TRABALHO
19. Trabalhava antes de ser presa? Sim ( ) Não ( )
19.1. Se sim, este trabalho era: Formal ( ) Informal ( ) Ocasional (bicos) ( )
19.2. Atividade exercida:..................................................................................................................
V) RENDA
20. Qual sua renda individual por mês?.................................................................................................
21. Qual a renda familiar por mês?........................................................................................................
22. Quem é o/a principal provedor/a de sua família?............................................................................
23. Recebia algum tipo de ajuda do governo? Sim ( ) Quanto?......................... Não ( )
24. Moradia: Casa própria ( ) Casa alugada ( ) Quanto?................... Casa da família ( )
Morava de favor ( ) Estava em situação de rua ( )
25. Com quem estava morando?...........................................................................................................
VI) SAÚDE
26. Você está grávida? Sim ( ) Não ( ) Não tem certeza ( )
26.1. Se sim, de quantos meses? Até 5 meses ( ) De 5 a 9 meses ( )
26.2 Está fazendo acompanhamento pré-natal?
Sim ( ) Data da última consulta:............................. Não ( )
27. Tem algum problema de saúde? Sim ( ) Não ( )
27.1 Se sim, qual a natureza do problema? Psicológico ( ) Auto-imune ( ) Circulatório ( ) HIV+ (
) Respiratório ( ) Ginecológico ( ) Mastológico ( ) Dermatológico ( ) Cardíaco ( ) Oftalmológico (
) Motor ( ) Dental ( ) Endocrinológico ( ) Hematológico ( ) Otológico ( ) Neurológico ( ) Gastro-
intestinal ( ) Outros ( ) Indicar:...............................................................
27.2 Já fez algum tratamento antes? Sim ( ) Indicar: ......................................... Não ( )
27.3 Está fazendo tratamento? Sim ( ) Indicar:................................................... Não ( )
27.4 Toma alguma medicação? Sim ( ) Indicar:................................................... Não ( )
28. Observações:.......................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
.................................................................................................................................................
22
VII) MIGRAÇÃO
29. Usou documento(s) ilegal(is)? Sim ( ) Indicar de onde era(m):.......................... Não ( )
30. É sua primeira vez no Brasil? Sim ( ) Não ( ) Indicar quantas vezes já veio:...........
31. Qual a motivação da viagem ao Brasil? Dificuldades financeiras no país de origem ( )
Negócios ( ) Tratamento de saúde ( ) Casamento ( ) Visita ( ) Turismo ( )
Motivação afetiva ( ) Refúgio ( ) Outra ( ) Indicar:........................................................
32. Estava morando no Brasil? Sim ( ) Há quanto tempo?.................................. Não ( )
32.1 Se sim, situação migratória: Regular ( ) Irregular ( ) Pedido de refúgio ( )
33. Quem indicou a viagem ao Brasil? Amigo/a ( ) Amigo/a de amigo/a ( ) Parente ( )
Conhecido/a ( ) Companheiro/a ( ) Desconhecido/a ( ) Ninguém ( ) Outra
( ) Indicar:........................................
34. Quem financiou esta viagem? Amigo/a ( ) Amigo/a de amigo/a ( ) Parente ( )
Conhecido/a ( ) Companheiro/a ( ) Desconhecido/a ( ) Ela mesma ( ) Outra
( ) Indicar:........................................
35. Qual foi a proposta para a viagem? Moradia ( ) Relacionamento ( ) Turismo ( )
Trabalho ( ) Estudo ( ) Visita ( ) Negócios ( ) Tráfico de drogas ( )
Refúgio ( ) Outra ( ) Indicar:..............................................
36. Você sabia sobre o tráfico de drogas desde o princípio? Sim ( ) Não ( ) NSA ( )
37. Tem elementos de tráfico de pessoas? Não ( ) Sim ( ) Indicar os elementos:
...........................................................................................................................................................
38. O que aconteceu quando chegou ao Brasil (antes da prisão)?
............................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
....................................................................................................................................................
39. Em caso de trânsito, qual foi e qual seria o trajeto da viagem (entrada e saída, incluindo escalas
e conexões)?....................................................................................................................................
40. Onde ficaria/ficou hospedada?.......................................................................................................
41. Observações:.......................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
23
VIII) PRISÃO
42. Data da prisão: / / Dia da semana:............................................
43. Local da prisão: Aeroporto de Guarulhos ( ) Aeroporto de Viracopos ( )
Rodoviária da Barra Funda ( ) Rodoviária do Tietê ( ) Na rua ( ) No hotel ( ) No
local de trabalho ( ) Na residência ( ) Outro ( ) Indicar:...............................
44. Ocasião da prisão: Chegada ao Brasil ( ) Saída do Brasil ( ) Permanência ( )
45. Cidade onde ocorreu a prisão: São Paulo ( ) Guarulhos ( ) Outra ( ) Indicar:..................
46. Quem efetuou a prisão: Polícia Federal ( ) Polícia Militar ( ) Polícia Civil ( ) Outro (
) Indicar:.............................. Não sabe ( )
47. Foi presa com mais alguém? Sim ( ) Não ( )
47.1 Se sim, Indicar nome da(s) pessoa(s) e vínculo:......................................................................
48. Qual(is) o(s) crime(s) de que está sendo acusada?
Tráfico de drogas ( ) Tráfico internacional de drogas ( ) Associação para
tráfico ( Tráfico entre fronteiras domésticas ( ) Furto ( ) Roubo ( )
Outro(s) ( ) Indicar:........................ Não sabe ( )
48.1. Se tráfico, qual droga? Cocaína ( ) Maconha ( ) Drogas sintéticas ( )
Outras ( ) Indicar:...................... Não sabe ( ) Não respondeu ( )
48.2. Quantos quilos/cápsulas?.........................................................................................................
48.3. Onde estava a droga? Na bagagem de mão ( ) Na bagagem despachada ( )
No corpo ( ) No estômago ( ) Outros ( ) Indicar:..........................................
49. Para onde foi levada após a prisão?................................................................................................
50. Quanto tempo ficou neste lugar?.....................................................................................................
51. Sofreu algum tipo de violência? Não ( ) Física ( ) Verbal ( ) Privação
(de água, comida, uso de banheiro...) ( ) Outra ( ) Indicar:............................................
51.1 Onde ocorreu a violência: No local da prisão ( ) Em trânsito ( ) Na Delegacia ( )
Na unidade prisional ( ) Outro ( ) Indicar:.....................................................................
51.2 Quem cometeu o ato de violência? Policial ( ) Delegado/a ( ) Médico/a ( )
Agente penitenciário/a ( ) Outro/a ( ) Indicar:..................................................................
52. Observações (informações sobre o momento da prisão):
............................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
24
IX) PROCESSO
53. Já foi presa antes?
Não ( ) Sim, e foi absolvida ( ) Sim, e evadiu-se ( ) Sim, e cumpriu a pena integralmente ( )
53.1 Se sim, foi presa: No Brasil ( ) Em outro(s) país(es) ( )
Indicar:........................................
54. Possui algum outro processo em andamento? Sim ( ) Não ( )
54.1 Se sim, o processo está: No Brasil ( ) Em outro(s) país(es) ( ) Indicar:.....................
55. Gostaria de ser transferida para cumprimento de pena no país de origem? Sim ( ) Não ( )
56. Gostaria de permanecer no Brasil após o cumprimento da pena?
Não ( ) Sim ( ) Por quê?............................................................................................................
57. Tem condições de pagar advogado/a particular? Não ( ) Sim ( ) Indicar:................................
X) REPRESENTAÇÃO DIPLOMÁTICA
58. Já recebeu visita do Consulado e/ou da Embaixada? Sim ( ) Quando?.............................. Não ( )
XI) CONTATOS
59. Gostaria que entrássemos em contato com o Consulado e/ou com a Embaixada? Sim ( ) Não ( )
59.1 Se sim, recado:..........................................................................................................................
............................................................................................................................................................
........................................................................................................................................................
60. Após a prisão, teve contato com algum/a conhecido/a? Sim ( ) Não ( )
61. Gostaria que entrássemos em contato com algum/a conhecido/a? Sim ( ) Não ( )
61.1 Se sim: Nome da(s)pessoa(s):..................................................................................................
Vínculo com a(s) pessoa(s):..............................................................................................................
Contato(s) da(s) pessoa(s):...............................................................................................................
Recado:...............................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
......................................................................................................................................................
62. Tem família e/ou amigos/as no Brasil?
Não ( ) Sim ( ) Indicar nomes e contatos:.....................................................................
............................................................................................................................................................
.....................................................................................................................................................
63. Observações:.......................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
............................................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
25
ANEXO II - GRÁFICOS
Figura 1 - Gráfico de mulheres estrangeiras privadas de liberdade em São Paulo de acordo com a origem por continente em setembro de 2014, de um total de 100 mulheres escolhidas aleatoriamente. Fonte: questionários sociais do Projeto
Estrangeiras
Figura 2 - Gráfico de mulheres estrangeiras privadas de liberdade em São Paulo de acordo com a autodeclaração sobre a cor da pele em setembro de 2014, de um total de 100 mulheres escolhidas aleatoriamente. Fonte: questionários sociais do
Projeto Estrangeiras
60%18%
3%
18%1%
Origem por Continentesetembro de 2014
África
América do Sul
Ásia
Europa
Oceania
28%
1%
1%
2%
3%
8%10%
2%
9%
36%
Cor da Pele - setembro de 2014
Branca
Amarela
Triguenha
Castanha
Mestiça
Marrom
Morena
Chocolate
Parda
Preta
26
Figura 3 - Gráfico de mulheres estrangeiras privadas de liberdade em São Paulo de acordo com o crime de que declaram estar sendo acusadas em setembro de 2014, de um total de 100 mulheres escolhidas aleatoriamente. Fonte: questionários
sociais do Projeto Estrangeiras.
Figura 4 – Gráfico de mulheres estrangeiras privadas de liberdade em São Paulo de acordo com contribuição para a renda familiar. Do total de 100 questionários analisados, base de 94 mulheres presas por crimes relacionados ao tráfico de drogas.
Fonte: questionários sociais do Projeto Estrangeiras.
65%
26%
1%
1% 1%
4%
1%1%
Crime pelo qual está sendo acusadasetembro de 2014
Tráfico de Drogas
Tráfico internacional
Tráfico de Drogas e Associação
Tráfico de Drogas e Tráfico deArmas
Posse de Drogas
Não respondeu/Não declarou
Formação de Quadrilha
Furto e Uso de documentofalso
62%22%
14% 2%
Contribuição para a renda familiarsetembro de 2014 - crimes relacionados ao Tráfico de Drogas
Principal Provedora
Contribuia para a renda, masnão como principalprovedoraNão contribuia
Vivia sozinha
27
Figura 5 - Gráfico de mulheres estrangeiras privadas de liberdade em São Paulo de acordo com o crime de que estão sendo acusadas em março de 2015, de um total de 382 mulheres. Fonte: processos criminais de acesso público.
84%
9%
3% 4%
Crime pelo qual está sendo acusadamarço de 2015
total de 382 mulheres
Crimes ligados ao Tráfico deDrogas
Outros (Furto, Roubo,Documento Falso, Sequestro,Estelionato)
Processos não encontrados
Segredo de Justiça