O Agendamento No Jornalismo Popularesco
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O Agendamento Midiático no Jornalismo Televisivo: Considerações
teórico-empíricas acerca da influência dos programas popularescos na
audiência
Carlos Alberto Garcia Biernath1
RESUMO
Levando em consideração a representatividade dos programas televisivos de cunho
popularescos junto aos telespectadores, é possível imaginar que alguns destes
programas ‘agendaram’ seu público através dos assuntos (re)tratados ao longo das
edições – ricas na temática violência. Nesse sentido, este trabalho analisou, à luz da
Análise de Discurso de tradição francesa e da hipótese do agendamento – ou agenda
setting –, dois programas jornalísticos do gênero popularesco – Documento Especial –
Televisão Verdade e Aqui Agora – que marcaram época na televisão brasileira, entre o
final da década de 80 até meados da década de 90 do século XX. Mesmo não sendo o
veículo que mais ‘agendou’ assuntos à sociedade, conforme pesquisas histórias, a
televisão acaba por deter um forte poder junto à audiência quando traz à tona pautas de
grande repercussão – a violência cotidiana, por exemplo, ‘agendando’ a pauta social de
acordo com seus interesses.
PALAVRAS-CHAVE: Aqui Agora; Análise do Discurso; Documento Especial;
Jornalismo; Televisão.
INTRODUÇÃO
Ciro Marcondes Filho (1994), citando Marshall McLuhan, ressalta que a
televisão tem a capacidade de unir todos os sentidos do homem, algo único a todos os
meios de comunicação que existiam na época de seu nascedouro.
Bem antes da televisão, no século XIX, as pessoas buscavam entretenimento
através de romances populares, que eram amplamente negociados às famílias de baixa
renda. Com esses livretos em mão, as pessoas permitiam-se sonhar, fantasiar e exprimir
1 Graduado em Jornalismo pela Universidade Sagrado Coração – USC; Mestrando em Comunicação Midiática pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Bolsista FAPESP.
verdadeiras sensações de ansiedade e prazer, algo que antes só era possível dessa forma.
Isso mostra o quanto o homem sempre valorizou e buscou a fantasia. De tal modo, sua
influência junto à audiência é inegável, pois a televisão, quando de seu surgimento,
passou a ser “um algo a mais” em relação à voz que vinha das ondas sonoras
transmitidas pelo rádio: a imagem apresentada ali parecia ser uma companhia ao
telespectador, que muitas vezes estava sozinho no ambiente, mas sentia-se
acompanhado enquanto assistia a seus programas pela TV.
Documentários e telejornais são programas que fazem parte do gênero
jornalístico. Todavia, não é essa a única função dos programas de cunho jornalístico. Há
que se considerar que, por vezes – ou talvez muitas vezes – esses programas abusam de
elementos que inferem diretamente no imaginário das pessoas, influenciando a
percepção de desigualdades discursivas, como o imagético.
Para Marcondes Filho (1988, p. 54), no jornalismo televisivo é possível observar
dois ingredientes que constam na produção dos programas: a fragmentação e a
personalização ou personificação, pontos estes que também atuam diretamente nessa
relação entre o telespectador e o veículo televisivo.
TRANSMISSORA DE NOTÍCIAS E FONTE DE ENTRETENIMENTO
O fato de estar assistindo televisão indica que o telespectador está em busca de
alguma maneira de encontrar entretenimento, conhecimento ou algum meio de interação
proporcionada por este veículo de comunicação. Isto está intrinsecamente ligado ao fato
da experiência do homem ao olhar objetos, cenas e natureza, buscando por meio delas –
das cenas – esses sentimentos que poderá encontrar na televisão.
Como lembra Marcondes Filho (1994), a televisão não trouxe somente
mudanças na maneira de transmitir acontecimentos e relatos, mas também foi
responsável por uma verdadeira transformação no ‘fazer’, sobretudo na narrativa, na
qual é possível observar uma sensível mudança naquilo que estávamos habituados a ver
no cinema.
Hoje, possivelmente, a grande diferença entre a televisão e o cinema, como
meios de comunicação, esteja relacionada à publicidade: enquanto na televisão essas
taxas publicitárias são cobradas por minuto, no cinema elas são cobradas em taxas
inteiras, pois, neste, é garantida a presença do público por pelo menos o tempo do filme,
enquanto na televisão o telespectador tem o poder de mudar de canal a hora que quiser,
o que poderá levar a emissora a eventuais prejuízos. Assim, quando transmitidos pela
televisão, os filmes contam com intervalos, já que essa pausa estratégica nas emoções
trazidas pode ajudar as mensagens publicitárias na venda de mercadorias, de acordo
com Marcondes Filho (1994).
Com todas essas características que a tornaram ímpar, a televisão atingiu grande
ascensão desde o seu surgimento, superando o cinema – até então monopolizador do
público noturno – e o rádio – que detinha o maior poder de penetração no dia-a-dia dos
lares –, convertendo-se no maior veículo de comunicação de massas, exercendo grande
fascínio junto aos telespectadores.
Por sua aptidão em trabalhar imagens como representações, a televisão pode
gerar dois tipos de olhar, de acordo com Charaudeau (2012): o olhar de transparência e
outro de opacidade.
O primeiro, embora chamado assim, trata-se de uma ilusão de transparência,
pois é com este olhar que o telespectador entenderá que o veículo televisivo pretende
exibir o oculto, adentrar um lado desconhecido pela audiência até então. O segundo
olhar, por sua vez, impõe, conforme assevera Charaudeau (2012, p. 112), “sua própria
semiologização do mundo, sua própria intriga, sua própria dramatização”.
Estes olhares determinam a excelência da televisão, como veículo de
comunicação, em (re)tratar os dramas do mundo – como os objetos deste trabalho
faziam/fazem –, e mesmo os conflitos ente o poder político e o poder civil – através de
debates.
Dentre os produtos televisivos que mais conquistam identificação do público, os
jornalísticos se destacam nesse cenário.
OS JORNALÍSTICOS TELEVISIVOS
Documentários e telejornais são programas que fazem parte do gênero
jornalístico. Dessa forma, entendemos que sua função diz respeito unicamente ao ato de
informar, sem qualquer interferência nesse processo. Todavia, não é essa a única função
dos programas de cunho jornalístico. Há que se considerar que, por vezes, esses
programas abusam de elementos que inferem diretamente no imaginário das pessoas,
influenciando a percepção de desigualdades discursivas, como o imagético.
A junção desses componentes caracteriza o que é popularmente chamado de
“sensacionalismo” nesses tipos de programas televisivos.
ENTRE O NOTICIOSO E O SENSACIONALISTA
Não há uma definição concreta sobre este termo. Comumente, ele é empregado
com o propósito de conotar, de maneira pejorativa, um programa de cunho jornalístico
que exiba algum conteúdo demasiadamente voltado para a violência, por exemplo. O
porquê de isso acontecer pode estar relacionado, para o telespectador, com o contato
com o drama alheio.
Na imbricação que faz entre o jornalismo e essa dramaticidade, J. S. R. Goodlad,
citado por Marcondes Filho (1988, p. 52), assevera que “o jornalismo e o telejornalismo
são parentes muito próximos dos dramas. Em questão de preferência popular, os
noticiários ocupam, aliás, o segundo lugar, logo após o drama”. Tal constatação nos
leva a imaginar que a junção desses dois elementos atrai audiência e chama ainda mais a
atenção do telespectador. Quando são mostradas notícias sobre um acontecimento que
envolve, por exemplo, um movimento social de reinvindicação, possivelmente será
criado um verdadeiro ‘espetáculo’ na notícia, pois isso será mostrado ao público como
se fosse um acontecimento social, algo como um produto de circo, dado o ‘show’
criado.
Por seu caráter festivo, esses fatos, sem quaisquer vínculos com a realidade imediata do telespectador, são politicamente esvaziados. A TV, portanto, pode apresentar até matérias sobre movimentos e partidos revolucionários, guerrilheiros e comunistas, pois a sua descaracterização como fatos críticos e explosivos já foi feita anteriormente – não direta e formalmente, mas na sua apresentação. O cenário, o apresentador, as cores e todas as ‘informações paralelas’ neutralizam as notícias (MARCONDES FILHO, 1988, p. 52).
A essa ‘descaracterização’ do fato, sobrepujado pelo ‘espetáculo’ criado,
entendemos ser a essência do sensacionalismo. No exemplo anterior, o enfoque
centrado na movimentação – e nos consequentes conflitos ocorridos entre manifestantes
e a instituição responsável por manter a ‘ordem’ –, ao invés de uma breve explicação
das causas daquele protesto, é um elemento pregnante do “sensacionalismo”.
O discurso inerente a um produto jornalístico considerado “sensacionalista” é
bem peculiar quando comparado ao conteúdo discursivo de outras atrações. Com
elementos que visam chamar a atenção do telespectador, esse gênero situa-se em:
(Um) modo de produção discursivo da informação de atualidade, processado por critérios de intensificação e exagero gráfico, temático, linguístico e semântico, contendo em si valores e elementos desproporcionais, destacados, acrescentados ou subtraídos no contexto
de representação ou reprodução de real social (PEDROSO, 1983 apud ANGRIAMI, 1995, p. 14).
E este efeito “sensacionalista” traz em seu bojo algumas marcas para a
audiência, como a de alimentar um desligamento da própria realidade – o que
caracteriza uma incongruência no âmago do ato de informar. Assim, o veículo que
emprega o “sensacionalismo” em suas produções:
Não se presta a informar, muito menos a formar. Presta-se básica e fundamentalmente a satisfazer as necessidades instintivas do público, por meio de formas sádica, caluniadora e ridicularizado das pessoas. Por isso, a imprensa sensacionalista, como a televisão, o papo no bar, o jogo de futebol, servem mais para desviar o público de sua realidade imediata do que para voltar-se a ela, mesmo que fosse para fazê-lo adaptar-se a ela (MARCONDES FILHO, 1986 apud ANGRIAMI, 1995, p. 15).
Os objetos de estudo deste trabalho – Documento Especial e Aqui Agora –, são
programas tidos como popularescos por manterem em sua constituição certo modo
sensacionalista, explorando temáticas como a violência, por exemplo, para buscar uma
maior audiência.
O DOCUMENTO ESPECIAL – TELEVISÃO VERDADE
O programa estreou em agosto de 1989, em uma quarta-feira, às 23h00, na já
endividada TV Manchete. Trazia um formato jornalístico semelhante ao adotado no
consagrado Globo Repórter, mas com temas polêmicos e imagens consideradas ‘fortes’
e uma linguagem peculiar investida de efeitos de sentido, o que o diferenciava de outros
programas do mesmo gênero e formato. Por conta disto, não é exagero dizer que o
Documento Especial – Televisão Verdade seja considerado um marco na televisão
brasileira, por sua coragem em investigar e exibir temas relacionados ao sexo, tráfico de
drogas, travestis, submundo dos guetos, o invisível social que não ia às telas.
Em maio de 1992, em meio à grave crise que assolava a Manchete, culminando
com a sua venda para o Grupo IBF, Hoineff e a equipe do Documento Especial eram
contratados pelo SBT, mas sem a liberdade que possuíam na Manchete. Prova disto, foi
a “censura” que o programa sofreu logo em sua primeira exibição no canal, quando a
edição “O país da impunidade”, já mencionada neste trabalho, não pôde ir ao ar. Ficou
no canal até 1995, quando sai por desavenças entre Nelson Hoineff e Sílvio Santos.
Voltou ao ar em 1997 pela Rede Bandeirantes, onde permanece até 1998, ano em que
foi extinto.
Nas palavras de Mattos (2010), “um dos melhores programas jornalísticos da TV
Brasil. (...) Programa jornalístico explícito, abordava temas polêmicos e sensacionalistas
como nenhuma outra emissora tinha conseguido produzir até então”.
Embora tenha se apresentado em formato de telejornal, o Aqui Agora também
manteve-se como representante do popularesco.
O AQUI AGORA
Aliando o formato “sensacionalista” do rádio ao telejornalismo, o Aqui Agora
foi exibido inicialmente no ano de 1991 e trazia o impactante slogan: “um jornal
vibrante, uma arma do povo, que mostra na TV a vida como ela é”.
Contou com diversos apresentadores em sua 1ª fase, quando absorvera o formato
dos famigerados “O Homem do Sapato Branco” e “O Povo na TV”, como Ivo
Morganti, Christina Rocha (que já participara de “O Povo na TV”), Sérgio Ewerton,
Liliane Ventura. Posteriormente, assumiu de vez o formato jornalístico, em 1996,
centrado em pautas mais noticiosas e sem tanto requinte sensacionalista, quando passou
a ser apresentado por Eliakim Araújo e Leila Cordeiro.
Em sua equipe de repórteres, destacam-se César Tralli, Celso Russomano, Gil
Gomes, Wagner Montes (que também já passou pelo “O Povo na TV”), Carlos
Cavalcanti, dentre outros.
Sérgio Mattos (2010) coloca o Aqui Agora como um “telejornal popular”, e
discorre que a atração surgiu “copiando o modelo de jornalismo popular usado nas
emissoras de rádios: sensacionalista, com notícias policiais e muito apelo sexual”.
Em ambas atrações, que serão analisadas mais à frente, há que se ressaltar,
também, a adequação da notícia à política das emissoras televisivas, que acabam
moldando a produção noticiosa de acordo com suas ideologias. Este é um dos motivos
que fazem com que algumas notícias ganhem uma importância maior do que deveriam,
e outras acabem perdendo o espaço que mereciam. Isso é, de certa maneira, a essência
dos estudos da hipótese do agendamento.
A HIPÓTESE DO AGENDAMENTO PELAS MÍDIAS
Inicialmente, ressalvamos que o termo “teoria do agendamento”, encontrado em
algumas obras e ‘manuais’ de comunicação, será por nós trabalhado como hipótese do
agendamento. Isto porque, de acordo com Hohlfeldt (1997), a hipótese de “agenda-
setting” não pode ser considerada uma teoria por não ser um paradigma fechado,
completamente calado a outras conjugações. Daí a diferença entre teoria e hipótese:
Uma hipótese é sempre uma experiência, um caminho a ser comprovado e que, se eventualmente não “der certo” naquela situação específica, não invalida necessariamente a perspectiva teórica. Pelo contrário, levanta, automaticamente, o pressuposto alternativo de que uma outra variante, não presumida, cruzou pela hipótese empírica, fazendo com que, na experiência concretizada, ela não se confirmasse (HOHLFELDT, 1997, p. 2).
Na hipótese do agendamento há a ideia de que a mídia é quem impõe os assuntos
que irão ao conhecimento das pessoas, algumas vezes ofuscando um determinado fato,
mas, em contrapartida, omitindo muitos outros. Nesse raciocínio, a hipótese da agenda-
setting esteia que:
Em consequência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de informação, o público é ciente ou ignora, dá atenção ou descuida, enfatiza ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas tendem a incluir ou excluir dos próprios conhecimentos o que a mídia inclui ou exclui do próprio conteúdo. Além disso, o público tende a conferir ao que ele inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos meios de comunicação de massa aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas (SHAW, 1979, p. 96 apud WOLF, 2012, p. 143).
A ideia embrionária da hipótese surgiu em 1922, no livro Public Opinion, do
jornalista e escritor norte-americano Walter Lippmann. Em suma, Lippman coloca que
em um governo que se diz democrático, o poder está, verdadeiramente, nas mãos dos
grupos que controlam a informação. Assim, para o autor a mídia atua indiretamente na
maneira de criar estereótipos imagéticos no subconsciente da audiência, visando
direcionar a opinião pública ao sabor de seus próprios interesses.
Não devemos, pois, confundir notícia com verdade. Cabe a verdade iluminar fatos escondidos, relacionando-os com outros a fim de produzir uma imagem da realidade que permita às pessoas agirem. Ao jornalismo caberia simplesmente sinalizar os eventos (LIPPMAN, 2008, p. 15).
Posteriormente aos estudos de Lippman, McCombs aprofundou a pesquisa
quando observou, despretensiosamente, o papel das notícias na primeira página do Los
Angeles Times, objetivando entender se o impacto de um evento é diminuído quando a
história recebe um posicionamento menos proeminente.
Já em 1968, uma pesquisa ‘definitiva’, que utilizava a hipótese como epicentro,
fora realizada analisando a campanha presidencial dos EUA, com a aplicação de um
questionário para eleitores indecisos. A pressuposição dessa pesquisa era que no meio
público em geral, o grupo de eleitores indecisos estaria disponível à influência dos
media Realizada em 24 dias, o trabalho continha 100 (cem) questionários, que visavam
cobrir um universo variado de posição econômico-financeira, social e racial. Aplicada a
eleitores indecisos quanto ao voto em Hubert Humprey ou em Richard Nixon, a
pesquisa cobriu cinco jornais, dois canais de televisão e duas revistas semanais.
Findada, a pesquisa, além de confirmar a ideia pressuposta de que os indecisos
optariam por aquele candidato com mais influência midiática, também mostrou que os
próprios candidatos influenciaram-se pela mídia, pois incluíram em suas agendas temas
que foram largamente trabalhados pela própria mídia, em detrimento ao estabelecido
inicialmente em suas campanhas2.
Atualmente, as tendências da Communication Research voltam-se para questões
concernentes aos efeitos da mídia a ao problema de como estes constroem a imagem da
realidade social. Se antes as pesquisas detinham uma preocupação maior com os efeitos
da mídia a curto prazo, hoje essas pesquisas atém-se aos efeitos da mídia a longo prazo.
De certa forma, a hipótese da agenda-setting também analisa a capacidade
cognitiva da audiência, pois a mídia acaba determinando a forma com que o indivíduo
encara a realidade e o compara com as representações colocadas nos meios de
comunicação de massa, podendo levá-lo a distorcer sua própria imagem.
No campo televisivo, ao que parece, o aumento de consumo não indica,
necessariamente, um maior efeito da hipótese de agendamento. Wolf (2012) traz uma
pesquisa de McClure e Patterson (1976) realizada na campanha presidencial americana
2 Este pode ser considerado um exemplo de Contra-Agendamento, conforme veremos mais abaixo.
de 1972 que apresenta a ideia de que o público que acompanhou as campanhas pela
televisão foi o que sofreu o menor efeito da agenda-setting.
Em cada análise dos dados de 1972, a comparação entre a influência da informação televisiva e o poder de outros canais de comunicação política (jornais, spots publicitário) mostra que a exposição às notícias televisivas teve, invariavelmente, os menores efeitos sobre o público [...]. Há uma confirmação limitada à hipótese da agenda-setting. Em alguns temas, mas não todos, os níveis de exposição aos meios de comunicação de massa mostram uma influência direta exercida pela agenda-setting. De tal modo, normalmente o efeito direto correlaciona-se com o consumo de jornais locais, e não com os noticiários televisivos (MCCLURE-PATTERSON, 1976, pp. 24, 28 apud WOLF, 2012, p. 147).
Destarte, com base na pesquisa de McLure e Patterson (1976), é permissivo
afiançar que cada meio de comunicação possui capacidade variada de gerar influência
nos indivíduos. Portanto, os meios de comunicação acabam se ‘hierarquizando’ na
relação entre a eficácia da agenda-setting e a influência que este gera.
Por outro lado, pesquisas mais recentes trabalham com o agendamento no
sentido oposto, ou seja, quando este efeito vem da sociedade – ou, no caso da pesquisa
que versa sobre, do terceiro setor – para a própria mídia. Este fenômeno é chamado de
contra-agendamento.
O CONTRA-AGENDAMENTO MIDIÁTICO
Defendido por Silva (2006 apud Rossy, 2011), o contra-agendamento parte do
pressuposto de que a sociedade pode, sim, agendar a mídia. Essencialmente, esta ideia
relaciona a eficácia de determinadas medidas – como campanhas de ONGs, por
exemplo – através de sua exposição na mídia.
O contra-agendamento compreende um conjunto de atuações que passam estrategicamente pela publicação de conteúdos na mídia e depende, para seu êxito, da forma como o tema-objeto-de-advocacia foi tratado pela mídia, tanto em termos de espaço, quanto em termos de sentido produzido. Pode-se então afirmar que o contra-agendamento de um tema pode ser parte de uma mobilização social ou parte de um plano de enfrentamento de um problema, corporativo ou coletivo (SILVA, 2005, p. 2 APUD ROSSY, 2011, p. 7).
Como exemplo, a autora cita as campanhas de desarmamento propostas pela
ONU, que acabam fazendo parte da agenda política e midiática dos países. No Brasil,
talvez o maior exemplo, ainda de acordo com a autora, seja a comoção que a também
campanha contra do desarmamento gerou em 2003, através de uma caminhada, na praia
de Copacabana, que reuniu 50 mil pessoas, entre artistas, políticos e população em
geral. Ainda em 2003, o tema foi altamente explorado na novela “Mulheres
Apaixonadas”, da Rede Globo de Televisão.
Com a abordagem da hipótese do agendamento em dois programas popularescos
da televisão brasileira, que será objeto de análise deste estudo, abarcaremos também a
Análise de Discurso de tradição francesa, que nos auxiliará como campo teórico-
metodológico.
A ANÁLISE DO DISCURSO COMO CAMPO TEÓRICO-METODOLÓGICO
Essencialmente, a Análise de Discurso, como campo teórico-metodológico,
buscará depreender sentidos de um discurso proferido por seu orador. Se um conteúdo
textual é aquele que denotará uma interação linguística entre os interlocutores, o
discurso será aquele que irá determinar a posição ideológica dos interlocutores, ou seja,
o discurso pode ser entendido como o complemento de um texto.
Orlandi (2012, p. 17) citando Pêcheux (1975) coloca que “não há discurso sem
sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela
ideologia e é assim que a língua faz sentido”. Assim, para Orlandi (2012, p. 17): “[...]
discurso é o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia,
compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos”. A vertente
francesa da AD resulta na identificação dos discursos já instituídos – como o da
publicidade ou o da medicina – que foram incorporados pelo sujeito. Ou seja,
caracteriza-se pela ênfase no assujeitamento do emissor, que se expressaria mediante a
incorporação desses discursos sociais já instituídos: o religioso, o filosófico, o
jornalístico, o publicitário etc. Isto é, todo discurso acaba por ser entrecortado por
diversos enunciados.
Nesse processo de referir-se a que os interlocutores estão submetidos, analisá-los
vai além da compreensão do processo comunicativo entre emissor e receptor, por meio
da mensagem. É preciso entender como um objeto simbólico – que pode ser um
enunciado, uma música, uma pintura etc. – lança sentidos e deixa outros apensos. Dessa
forma, será possível compreender o que vai além da mensagem colocada pela língua, e
aí é que a AD 3será fundamental, uma vez que ela “visa a compreensão de como um
3 Doravante, utilizaremos o termo “AD” para nos referirmos à Análise de Discurso.
objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por
sujeitos” (ORLANDI, 2012, p. 26).
Nos estudos da AD, a língua não é entendida como uma simples estrutura, mas
sim como um acontecimento, assim como também não há uma separação entre forma e
conteúdo discursivo. Deste modo, para a AD:
a. a língua tem sua ordem própria mas só é relativamente autônoma (distinguindo-se da Linguística, ela reintroduz a noção de sujeito e de situação na análise da linguagem);b. a história tem seu real afetado pelo simbólico (os fatos reclamam sentidos);c. o sujeito de linguagem é descentrado pois é afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo o controle sobre o modo como elas o afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia (ORLANDI, 2012, p. 19-20).
Portanto, sob a égide da Análise de Discurso de tradição francesa e do conceito
de agendamento, iniciaremos nossas análises em dois programas televisivos de cunho
popularesco: Documento Especial e Aqui Agora, que marcaram época na televisão
brasileira.
O (RE)TRATO DA IMPUNIDADE NO DOCUMENTO ESPECIAL
Em 1992, quando o Brasil atravessava uma crise no governo do então presidente
Fernando Collor de Mello, o Documento Especial produziu uma edição chamada “O
país da impunidade”. A edição deveria ir ao ar pelo SBT, naquele que seria o programa
de estreia na emissora, mas acabou por ser censurada “por uma série de razões”, de
acordo com Nélson Hoineff. Somente anos mais tarde, mais precisamente em 2007, o
programa foi ao ar pelo “Canal Brasil”.
Logo no início da edição, Roberto Maya, apresentador do programa, diz: O
Brasil já foi palco de inúmeras tragédias na construção civil. Incêndios e
desabamentos sempre resultam da falta de segurança e manutenção. Entre mortos e
feridos, o que resta é a indignação e revolta de quem espera por punição aos culpados.
A fala do apresentador já deixa clara a intenção do programa: mostrar punições que não
foram aplicadas aos culpados. Conforme o país atravessava uma forte crise política na
época, durante o governo Collor, escândalos de corrupção afloravam. Talvez o mais
notório deles tenha sido o que ficou conhecido como “O Esquema PC Farias4” –
principal motivo para o impeachment de Fernando Collor –, que envolveu o tesoureiro
da campanha do presidente.
As próximas cenas do programa apresentam populares protestando contra o
presidente Fernando Collor e PC Farias, acompanhadas por uma trilha dramática que
sonorizava imagens de tragédias ocorridas no país, como a queda do viaduto Paulo de
Frontin, no Rio de Janeiro, ocorrida em 1971 e que resultou na morte de 29 pessoas; o
incêndio ocorrido no Edifício Joelma, em São Paulo, que vitimou 189 pessoas – as
imagens mostram pessoas se atirando do alto do prédio para a morte certa; e o naufrágio
da embarcação Bateau Mouche, que levou 55 pessoas a óbito. Em todas essas tragédias
mostradas, a edição deixa claro que não houve condenações adequadas àqueles que
seriam responsáveis pelas mortes; houve, sim, penas leves.
Ficam apensas, durante a edição, a intenção dos produtores do programa em
atrelar a ideia da impunidade ocorrida com os responsáveis pelas tragédias, com a
impunidade que os membros do governo Collor poderiam receber. Dessa forma, é
permissivo entender que o programa buscou agendar sua audiência à essa possível
impunidade, visando chamar a atenção dos telespectadores. Isso porque, conforme
afirmou Wolf (2012, p. 143 citando SHAW, 1979, p. 96): “o público tende a conferir ao
que ele (o conteúdo midiático) inclui uma importância que reflete de perto a ênfase
atribuída pelos meios de comunicação de massa aos acontecimentos, aos problemas, às
pessoas”. Tal constatação vem ao encontro do que Charaudeau (2012) chama de “olhar
de transparência”, pois a televisão, especialmente neste caso, pode(ria) ter buscado uma
ilusão de transparência ao exibir o oculto – ou seja, a impunidade dos responsáveis pela
tragédia que poderia atingir aos governantes –, desconhecido até então.
Nas cenas em que exibe corpos de pessoas vitimadas pelas tragédias, como no
caso do Bateau Mouche e daqueles que se jogavam do alto do edifício Joelma para a
morte certa, o Documento Especial parece tentar se apropriar do elemento
“sensacionalista” para atingir ainda mais sua audiência. Todavia, cabe a reflexão de
Marcondes Filho (1986, apud ANGRIAMI, 1995, p. 15), que questiona se o uso de tais
elementos não acaba por “desviar o público de sua realidade imediata”.
4 O esquema, após revelado, mostrou que o então tesoureiro, com o poder que tinha durante o governo, conseguiu manipular dinheiro público e desviá-lo para contas fantasmas. Fonte: <http://www.terra.com.br/noticias/especial/pc/esquema01.htm>. Acesso em: 08 jun 2015.
Outro programa telejornalístico que parecia se utilizar da dramaticidade para
chamar a atenção dos telespectadores, talvez até agendando-os, foi o Aqui Agora.
OS ELEMENTOS DE DRAMATICIDADE DO SUJEITO-JORNALISTA
INDIGNADO
Na edição de 13/02/1995, a última reportagem exibida pelo Aqui Agora trazia o
repórter Gil Gomes – conhecido jornalista que realizava coberturas policiais no rádio,
com sua fala e trejeitos bem peculiares – indignado com a morte de um idoso, de 77
anos, que aguardava na fila do INSS pare receber o benefício da aposentadoria.
Posicionado em um parque que aparenta estar vazio, Gil Gomes destoa seu
discurso de indignação com o ocorrido: “O que se espera depois de 35, 40 anos de
trabalho? É que a pessoa, pelo menos, tenha um pouco de dignidade no fim da vida. O
aposentado, que possa sentar num banco, que possa desfrutar de uma vista bonita
como essa. Mas é isso que acontece no Brasil? Os senhores tomaram conhecimento. O
Aqui Agora noticiou, os jornais falaram. Mas ninguém gritou. Um velhinho, 77 anos de
idade, obrigado a chegar às 4h da manhã numa fila do INAMPS5. 4 horas da manhã
para que ele pudesse ter o direito dele. E de repente, nessa fila, o homem de 77 anos de
idade começa a se sentir mal. Começa a passar mal. Mas não podia deixar a fila. Ele
fica, até que suas forças o sustentem de pé. Mas, sentou. Chamaram uma ambulância
para atendê-lo. 1 hora! 1 hora foi a espera para a ambulância. E o velhinho, que
contribuiu para a Previdência Social durante 35 anos, no mínimo, morreu nessa fila.
Algo que é revoltante. Algo que dói, que machuca e que alguém precisa falar.
De princípio, é possível entender que o sujeito-jornalista – aqui representado por
Gil Gomes – se colocou em um parque cercado por natureza, em um ambiente bucólico,
para mostrar que o idoso deveria estar neste parque, em descanso, usufruindo de sua
retirada do mercado de trabalho. Para além, a fala do repórter é acompanhada, durante
os 6’14” de duração da reportagem, por uma trilha sonora dramática. A imagem do
repórter em um parque aparentemente vazio – dando a entender que o idoso de 77 anos
não estava lá por ter falecido na noite anterior – aliada à trilha sonora, conferem uma
imagem de teor dramático à reportagem. J. S. R. Goodlad, citado por Marcondes Filho
(1988, p. 52), assimila o telejornalismo como um parente bem próximo dos dramas,
5 Autarquia criada pelo regime militar em 1974, foi um desmembramento do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e era responsável pelo atendimento médico aos contribuintes da Previdência Social. Fonte: <http://sistemaunicodesaude.weebly.com/histoacuteria.html>. Acesso em: 23 mar 2015.
sendo os dois tipos de programas preferidos pelos telespectadores. Este modo de
jornalismo praticado pelo programa parece buscar identificação junto à audiência.
Outrossim, Gil Gomes, fazendo uso dos elementos citados acima, busca chamar
a atenção do público do Aqui Agora para o falecimento do idoso na fila no INAMPS,
por conta do mau atendimento da instituição. Essa seria uma maneira de buscar agendar
o descaso com a saúde em sua audiência. A junção do ‘dramático’, colocado pelo
apresentador, ao jornalismo – a notícia da morte do idoso – parece criar uma certa
verdade jornalística. No esteio de Lippman (2008, p. 15), essa ‘verdade’ traria à tona
fatos escondidos, produzindo uma imagem de real, e no jornalismo é que estes eventos
seriam sinalizados.
O sentido dramático do sujeito-jornalista também pode ser assimilado em seu
discurso. Além dos elementos que compõe este sentido, como a trilha sonora e o
ambiente em que o repórter se encontra, a fala do repórter traz à baila certas questões.
Quando diz que “o Aqui Agora noticiou, os jornais falaram. Mas ninguém gritou”,
referindo-se às condições do sistema de saúde no país, Gil Gomes afirma que os
veículos de comunicação mostraram essas condições ruins, mas que não houve nenhum
grito. De tal modo, se é na língua que observamos os sentidos, conforme pontou Orlandi
(2012), é possível perpetrar que há uma tentativa de chamar a atenção da audiência para
este problema.
À GUISA DE CONSIDERAÇÕES
Por serem veiculados em um meio de comunicação que une os sentidos da visão
e audição por excelência, os jornalísticos popularescos parecem obter ainda boa
identificação junto à audiência. Programas que se utilizam de um formato que explora a
tragédia alheia para chamar a atenção da audiência existem há décadas, e se mantiveram
com a mesma intensidade.
Não obstante, Documento Especial e Aqui Agora – atrações estudadas por este
trabalho –, mesmo se apoderando de elementos do popularesco, quando abordam
temáticas envoltas à violência, buscam trazer à tona alguns assuntos pré-determinados.
Isso pode ser considerado um exemplo de agendamento.
A edição País da impunidade, gravada em 1992, mas que não chegou a ir ao ar,
buscava resgatas algumas tragédias que causaram comoção nacional com o intuito de
mostrar que os responsáveis por tais tragédias nada ou pouco sofreram. No ano de sua
gravação, o país atravessava uma séria crise política no governo Fernando Collor, com
acusações de desvio de dinheiro público. De certa forma, o programa pareceu ter a
intenção de enxertar na audiência a ideia de que no Brasil a impunidade imperava. Isto,
talvez, com o propósito de engendrar a sociedade para o que acontecia. Todavia, o
programa acabou censurado e não foi ao ar.
Já o Aqui Agora, em uma edição de fevereiro de 1995, teve no repórter Gil
Gomes um sujeito-jornalista indignado que se apropriou de uma narrativa envolta em
elementos dramáticos para sinalizar as más condições do sistema de saúde da época.
Através do falecimento de um idoso de 77, que perdeu a vida esperando na fila
do atendimento, a reportagem explorou o elemento sensacionalista para chamar a
atenção de um tema que já era trazido pelas mídias naquele ano – de acordo com o
próprio Gil Gomes. Assim, buscando criar certa verdade jornalística, a reportagem se
utilizou do alcance da televisão, da carga dramática e do jornalismo para ressaltar sua
própria indignação com aquele fato. Isso pode, de certa forma, ter agendado a audiência
para este problema.
REFERÊNCIAS
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imprensa. São Paulo: Summus, 1995.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2012.
HOHLFELDT, Antonio. Os estudos sobre a hipótese de agendamento. In: Revista
Famecos, n. 7, 1997. Disponível em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/viewFile/
2983/2265>. Acesso em: 09 fev. 2015.
LIPPMANN, Walter. Opinião Pública. Tradução e Prefácio: Jacques A. Wainberg.
Editora Vozes: Petrópolis, 2008
MARCONDES FILHO, Ciro. Televisão. São Paulo: Scipione, 1994
______. Televisão: a vida pelo vídeo. São Paulo: Moderna, 1988
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos.
Campinas: Pontes Editores, 2012.
ROSSY, Elizena. Contra-agendamento: o Terceiro Setor pautando a mídia. In: Anais
do II Encontro Compolítica, Belo Horizonte, 2011. Disponível em:
<http://www.compolitica.org/home/wp-content/uploads/2011/01/gt_jmp-elizena.pdf>.
Acesso em: 09 fev. 2015.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: tribo jornalística: uma comunidade
interpretativa transnacional. Florianópolis: Insular, 2005.
WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo: Martins Fontes,
2012.