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1 A breve história de um jornal alternativo A voz alternativa na imprensa paraibana No final da década de 1970, o Brasil passou por momentos decisivos na sua história. Com o enfraquecimento da ditadura, após mais de dez anos de intransigência, o país atravessou um lento processo de transição rumo à democracia. Foi nessa época que as leis que ajudaram no processo de abertura política começaram a entrar em vigor, fazendo com que a oposição buscasse mais espaço. Embora a abertura política tenha se dado em 1982, alguns anos antes a imprensa já tinha conquistado, aos poucos e a duras penas, uma discreta liberdade de expressão. Apesar dessas evoluções, voltadas para a redemocratização do país, o Brasil estava longe de ser livre e muitos dos direitos dos cidadãos não eram efetivamente respeitados. Foi nessa conjuntura favorável que os jornais alternativos aproveitaram para se difundir. Muitos foram lançados e outros, existentes, ganharam mais espaço, a exemplo de O Pasquim, Opinião e Movimento. Na Paraíba, especificamente, o cenário era idêntico. Impulsionado pelos modelos do sul do país, foi criado, em 1979, mais um jornal alternativo. Na segunda quinzena de dezembro o primeiro número do periódico foi parar nas bancas da capital do estado. O Furo, como fora denominado, foi idealizado pelo publicitário Alberto Arcela, pelo advogado Marcos Pires, pelo artista gráfico Richard Muniz e pelo então estudante de comunicação Marcos Nicolau – jovens paraibanos que, inconformados com o modelo de democracia vigente no país, tentavam combater as imposições desse sistema de forma consciente e séria. O nome, sugerido por Marcos Pires, objetivava passar a idéia do furo jornalístico. Todavia, seus idealizadores não se preocuparam muito com a profundidade do O F U R O No final da década de 1970 o país vivenciava um período de repressão. Nesse momento, jovens de um dos Estados mais pobres do Brasil, resolvem protestar de forma consciente e criam O Furo, um jornal alternativo regional, embora abordasse em suas páginas temas nacionais e internacionais. O periódico foi sucesso de público, por essa razão desagradou o governo militar. Sua trajetória meteórica se deve, além do insucesso com os militares, à falta de recursos dos seus idealizadores. Marina Almeida

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A breve história de um jornal alternativoA voz alternativa na imprensa paraibana

No final da década de 1970, o Brasil

passou por momentos decisivos na sua

história. Com o enfraquecimento da

ditadura, após mais de dez anos de

intransigência, o país atravessou um lento

processo de transição rumo à democracia. Foi

nessa época que as leis que ajudaram no

processo de abertura política começaram a

entrar em vigor, fazendo com que a oposição

buscasse mais espaço. Embora a abertura

política tenha se dado em 1982, alguns anos

antes a imprensa já tinha conquistado, aos

poucos e a duras penas, uma discreta

liberdade de expressão.

Apesar dessas evoluções, voltadas

para a redemocratização do país, o Brasil

estava longe de ser livre e muitos dos direitos

dos cidadãos não eram efetivamente

respeitados. Foi nessa conjuntura favorável

que os jornais alternativos aproveitaram para

se difundir. Muitos foram lançados e outros,

já existentes, ganharam mais espaço, a

exemplo de O Pasquim, Opinião e

Movimento.

Na Paraíba, especificamente, o cenário

era idêntico. Impulsionado pelos modelos do

sul do país, foi criado, em 1979, mais um

jornal alternativo. Na segunda quinzena de

dezembro o primeiro número do periódico

foi parar nas bancas da capital do estado.

O Furo, como fora denominado, foi

idealizado pelo publicitário Alberto Arcela,

pelo advogado Marcos Pires, pelo artista

gráfico Richard Muniz e pelo então estudante

de comunicação Marcos Nicolau – jovens

paraibanos que, inconformados com o

modelo de democracia vigente no país,

tentavam combater as imposições desse

sistema de forma consciente e séria.

O nome, sugerido por Marcos Pires,

objetivava passar a idéia do furo jornalístico.

Todavia, seus idealizadores não se

preocuparam muito com a profundidade do

OFURO

No final da década de 1970 o país vivenciava um período derepressão. Nesse momento, jovens de um dos Estados maispobres do Brasil, resolvem protestar de forma consciente e

criam O Furo, um jornal alternativo regional, emboraabordasse em suas páginas temas nacionais e internacionais.O periódico foi sucesso de público, por essa razão desagradouo governo militar. Sua trajetória meteórica se deve, além do

insucesso com os militares, à falta de recursos dos seusidealizadores.

Marina Almeida

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seu significado, a intenção mesmo era criar

um espaço livre na imprensa da época.

A publicação conseguia misturar

jornalismo de conteúdo sério com uma certa

dose de irreverência, mesclando tiras e

charges com entrevistas de cunho

extremamente político.

As entrevistas eram o carro-chefe do

periódico e traziam sempre nomes que,

apesar de excluídos da mídia tradicional,

tinham grande representatividade na

sociedade paraibana. “Os entrevistados, na

maioria das vezes eram brasileiros alijados

dos meios de comunicação tradicionais, a

exemplo de Gregório Bezerra – recém

chegado do exílio – e Dom Hélder Câmara”,

ressaltou Alberto Arcela.

Além de Gregório Bezerra e Dom

Hélder Câmara, outras entrevistas que

mereceram destaque de capa foram as

concedidas pelo Arcebispo Dom José Maria

Pires, Humberto Lucena e Miguel Arraes.

Na opinião do publicitário Alberto

Arcela, um fato que mereceu destaque e se

tornou um momento de grande emoção foi a

entrevista concedida pelo Arcebispo Dom

Hélder – veiculada na terceira edição – que

estava fora da mídia há bastante tempo por

pressão do governo militar. Isto porque, foi

concedida no Seminário do Miramar, no

intervalo de um encontro de bispos. “Todas

as entrevistas foram importante para nós.

Mas a entrevista com D. Helder foi mesmo

emocionante para toda a equipe”, lembrou.

Mas O Furo não detinha apenas esse

tom político. Longe disso. Para Marcos

Nicolau uma matéria que lhe chamou a

atenção, pelo conteúdo inusitado, foi a

“Nós não queríamos falar besteira, queríamos entrevistas de conteúdo,

queríamos um jornal com conteúdo. A repressão favorecia a seleção dos

temas, já que naquela época se proibia tudo”

OFURO

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publicada na página 20, da quarta edição,

intitulada “A liberação do sexo: os cabarés

fecham as portas”. Nessa reportagem a

equipe do jornal ouviu dona Maria Raposo,

naquela época, uma das mais antigas

profissionais do sexo da cidade de João

Pessoa, que falou sobre a era áurea dos

cabarés de outrora.

Essas entrevistas, como a maior parte

do jornal, eram elaboradas pelos próprios

ideal izadores que viabi l izavam os

entrevistados e elaboravam a pauta. Outras

tantas vezes, alguns jornalistas eram

convidados para integrar a equipe. “Alguns

colaboradores iam com a gente para as

entrevistas, mas elas seguiam nossa linha

editorial”, frisou Arcela.

Dentre esses colaboradores estão

jornalistas de renome como Marcos Tavares,

A n t ô n i o A u g u s t o Arro

xelas, Walter G a l

vão, Nonato Guedes, José Crisólogo, Anco

Marcio, Marcondes Brito, Bruno Steinbac,

Hilton Lima, Marcos Souza, Assis Angelos,

Henrique Magalhães, Carmélio Reinaldo,

Antonio Barreto Neto, Maria José Limeira e

Francisco Tadeu, sem esquecer do saudoso

Arlindo Almeida. Desse modo, não tinha

como o periódico não ter um elevado nível

intelectual.

Os temas abordados eram geralmente

ligados à situação política do Brasil e

buscavam dar voz aos que, por imposição do

modelo político vigente, não tinham como

externar seus pensamentos. “Nós não

queríamos falar besteira, queríamos

entrevistas de conteúdo, queríamos um

jornal com conteúdo. A repressão favorecia a

seleção dos temas, já que naquela época se

proibia tudo”, justificou Arcela.

Na opinião de Richard Muniz o

grande diferencial que O Furo possuía era

um espaço acessível para aqueles que

q u i s e s s e m e x p o r s u a s o p i n i õ e s ,

reivindicações e pensamentos. “Havia no

jornal um espaço aberto e livre aos políticos,

artistas, escritores, entre outros. Essa

liberdade não existia nos outros meios de

comunicação da época”, lembrou.

Contudo no jornal havia ainda espaço

para artes plásticas, cultura e música, ou seja,

os mais variados fatos daquela época.

Aqui merece ênfase a entrevista

concedida por Antônio Callado na cidade

de Areia, interior do Estado da Paraíba,

publicada logo na primeira edição de O

Furo. Nela o crítico cultural abordou

diversos temas, como censura, arte,

Nordeste e, como não poderia deixar de

ser, de política.

OFURO

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Vale citar ainda a crônica escrita por

Alfredo Margarido veiculada na segunda

edição do jornal. À época professor da

Sorbone, na França, Margarido escreveu uma

matéria especialmente para o periódico

falando sobre a seita profética de Campina

Grande, “As Borboletas Azuis”.

Temas internacionais também tiveram

destaque em O Furo. Na terceira edição fora

publicada reportagem intitulada

“Afeganistão: o perigoso jogo da

desmistificação das estratégias”,

abordando a situação política-

econômica do Afeganistão e demais

países daquela região.

Impresso em papel jornal e em

formato de tablóide, O Furo dispunha

de peculiaridades que davam

evidência à publicação. As tiras e

c h a r g e s , p o r e x e m p l o , e r a m

desenhadas a mão, o que dava um

caráter artesanal ao periódico. Os

títulos, da mesma forma, eram

elaborados de próprio punho, fazendo

com que o periódico tivesse um

aspecto atípico, diferente da grande

imprensa tradicional. Já os textos, ante

a ausência de computadores, eram

redigidos na máquina de datilografia.

Posteriormente, esse material era reunido,

colado manualmente e enviado para

impressão na gráfica do jornal O Momento de

Jório Machado.

A d e s p e i t o d e t o d a s e s s a s

adversidades O Furo possuía tiragem

quinzenal com cerca de três mil exemplares e

cada edição continha em média vinte e quatro

páginas.

Segundo Marcos Nicolau, o aspecto

que merece maior ênfase no periódico foi o

trabalho gráfico e editorial, pioneiro na

época. “Quanto aos aspectos jornalísticos, é

visível a importância do Jornal O FURO,

entretanto, ressalto um outro fator

significativo: a experimentação gráfica e

editorial. Na condição de estudante récem-

ingresso no Curso de Comunicação Social da

UFPB e mesmo já tendo

e x p e r i ê n c i a p o r t e r

trabalhado nos jornais O

Norte e Correio da Paraíba,

neste jornal alternativo

pudemos experimentar uma

produção muito rica. O

trabalho de feitura do jornal,

em boa parte artesanal,

exigia muita criatividade e

m e s m o , o u s a d i a .

P a r t i c i p á v a m o s

integralmente de todo o

processo, desde a elaboração

das pautas, passando pela

' b o n e c a ' d o j o r n a l ,

entrevistas, redação, fotos,

charges , d iagramação ,

p a g i n a ç ã o , r e v i s ã o ,

montagem de fo to l i tos

(naquela época o jornal era feito em off-set),

impressão etc.", ponderou.

Infelizmente, O Furo só durou 05

(cinco) edições, tendo a primeira edição sido

publicada em 16.12.1979 e última em março

de 1980. Apesar disso alcançou várias

cidades da Paraíba, além de outras fora do

estado, a exemplo de Recife (PE) e Natal

(RN).

“A tiragem de três mil exemplares, era um assombro para os

nossos padrões, mas insuficiente para pagar as contas” .

justificou Alberto Arcela.

OFURO

“Lembro quesempretinhaalguém quevinhaperguntar sehaviasobradoalgumexemplar, aprova é quenão tenhonenhumcomigo”,lamentaArcela.

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E m b o r a s e m u m s i s t e m a d e

atribuições definido, O Furo organizava-se

da seguinte forma: as entrevistas eram

viabilizadas por Alberto Arcela, Antonio

Arcela, Antônio Augusto Arroxelas, Walter

Galvão, além de outros colaboradores. A

diagramação, as ilustrações, charges e

montagem eram responsabilidade de

Richard Muniz e Marcos Nicolau, que ainda

acumulava a função de secretário de redação.

As pautas, sugestões gerais e a parte editorial

era prerrogativa de Marcos Pires e Alberto

Arcela. Além desses encargos todos eles se

empenhavam na venda de anúncios.

As reuniões para a elaboração do

jornal aconteciam, quase sempre, na casa do

publicitário Alberto Arcela e como todos

aqueles que delas participavam também

possuíam outras ocupações, eram realizadas

à noite, nos feriados e finais de semana.

O Furo começou modesto, mas em

pouco tempo, contando com a boa aceitação

da sociedade, ganhou notoriedade e espaço,

passando a ser bastante disputado nas

bancas. “Lembro que sempre tinha alguém

que vinha perguntar se havia sobrado algum

exemplar, a prova é que não tenho nenhum

comigo”, lamenta Arcela.

O foco central era a juventude

paraibana, todavia seu tom pitoresco acabou

conquistado leitores de todas as idades, além

de professores, empresários, artistas locais,

entre outros. “Os que não tinham coragem de

ler na rua, compravam a edição e a

escondiam para ler em casa”, ressaltou

Richard Muniz.

Na visão dos criadores o periódico

superou as expectativas no que se refere à

quantidade de vendas, bem assim ao número

de colaboradores. “Depois do sucesso das

três primeiras edições, nós já pensávamos em

investir em uma sede própria, com placa e

tudo. O jornal circulava bem e tínhamos

bastantes colaboradores”, lembrou o referido

criador.

Todavia, essa efervescência não era

suficiente para manter O Furo. “A tiragem de

três mil exemplares, era um assombro para os

nossos padrões, mas insuficiente para pagar

as contas”, justificou Alberto Arcela.

Sem contar com o investimento

contínuo dos anunciantes, nem com o

dinheiro dos criadores, o jornal era

sustentado por pequenos anúncios vendidos

pelos próprios idealizadores. “Naquela

época eu já tinha uma agência, então

convenci alguns clientes a anunciar n'O Furo,

mas não era nada certo, às vezes tinha, outras

não” lembrou o publicitário.

O Advogado Marcos Pires corrobora

com o publicitário e acrescenta ainda a

dificuldade de vender os anúncios, “eu

OFURO

Os jornais alternativos tiveram seu auge durante o períodode regime militar, em especial na década de 70. Pode-se dizer que osurgimento deles se deu devido à articulação de três setores sociais:as esquerdas, com seu desejo de protagonizar transformações; osjornalistas buscando alternativas ao fechamento de seus espaços nagrande imprensa; e intelectuais, encurralados pelo ambienterepressivo que se instalou nas universidades.

Essa nova modalidade de jornalismo se desenvolveu namesma medida em que se fechavam os espaços na imprensacomum, reflexo do endurecimento do regime militar. Ou seja, acensura imposta pelo governo limitou os trabalhos nas redações econtribuiu para a criação de periódicos “não convencionais”,também chamados de “imprensa nanica”, que trouxerammaior liberdade de expressão e satisfação aos jornalistas.

O principal objetivo era lutar contra a intolerânciapolítica e formar uma identidade cultural focada nos valoresnacionais. Esses jornais são denominados “alternativos” por sedesviarem do caminho seguido pela grande mídia, por criticarem omodelo sócio-econômico e político vigente, por irem contra a ditadura, por denunciar torturas eviolações dos direitos humanos e exigirem mudanças sociais reais no país. Não se deixavammanipular pela estrutura de poder; eram autênticos, irreverentes e contestadores.

Diferentemente dos veículos da imprensa tradicional, os alternativos não apenasprotestaram contra o regime, mas foram os únicos veículos a insistentemente (ou escancaradamente)a denunciar suas falhas.

Fundado por Millôr Fernandes, “Pif-Paf” foi o pioneiro, em 1964. Depois vieram o “Folha daSemana”, “Bondinho”, “O Sol”, “Em Tempo”, “Coojornal”, “Opinião”, “Movimento”, “Versus”,“Ex”, “De Fato”, “Repórter”, e o famoso “Pasquim”. Durante os 15 anos foram mais de 150publicações, abordando diversos temas. Porém, a grande maioria não passava da terceira ou quartaedição.

O mais famoso jornal alternativo do Brasil, “O Pasquim”, surgiu em 1969, período em queapareceram os primeiros semanários de circulação nacional. Nessa fase, esses jornais eram marcadospela resistência política e cultural. Esse periódico era um jornal de humor (ainda que publicasseartigos “sérios”), irônico e crítico, dessa forma gerou afetividade não apenas pela postura corajosa,

mas pela empatia dos personagens que criou e pela habilidade de fazer crítica social usando oriso.

Além disso, “O Pasquim” revolucionou a linguagem dojornalismo, instituindo uma oralidade que ia além da meratransferência da linguagem coloquial para a escrita do jornal.Na Paraíba, nesse mesmo contexto, surgiu, em dezembro

1979, um alternativo que, inspirado no “Pasquim” e em outrosperiódicos, buscava da mesma forma o protesto e a ruptura com

sistema então vigente.Esse jornal, que levou o nome “O Furo”, procurou, de

maneira inteligente, e ao mesmo tempo irreverente, criticar aspráticas políticas da época. Por essa razão, durou apenas alguns

números, tendo seu fim abreviado.Hoje em dia, poucos veículos seguem esta linha. Os que

circulam são uma opção de idéias novas, trazendo uma visãodiferente acerca da realidade em que vivemos, abrindo portas aoquestionamento e norteando o processo de criticidade.

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OFURO

Como surgiram os Jornais Alternativos

também cuidava da parte comercial e vender

os anúncios não era fácil, se alguma coisa não

deu certo com certeza foi porque não

consegui vender os espaços”, explicou.

Aliado a esse fato frise-se que os

idealizadores do periódico não dispunham

de toda liberdade que necessitavam para

escrever as matérias e realizar as entrevistas.

O tom “rebelde” e “democrata” acabou

incomodando o poder vigente. Começaram,

então, a surgir boatos de que o governo

militar estava insatisfeito com o que era

publicado n'O Furo. Outros, mais

alarmados, chegavam a falar em prisão

dos criadores. Foi aí, em meio a esse

fervor, que começaram a surgir ligações

anônimas tachadas por Richard Muniz de

“estranhas e ameaçadoras”. “Na época

surgiu alguma coisa de ligações ameaçando

alguns de nossos criadores. Eu não recebi

nenhuma dessas ligações, mas alguns dos

anunciantes também receberam e isso acabou

gerando algum receio no grupo”, afirmou

Marcos Pires.

Essas ligações foram decisivas para o

fechamento do jornal. Isto porque, quando

dirigidas aos idealizadores gerou o temor de

que algo pudesse acontecer aos mesmos ou

aos jornalistas que participassem das edições

do jornal, transformando, assim, as reuniões

de pauta e criação em cada vez mais tensas e

delicadas.

De outra forma, quando voltadas aos

anunciantes, as ligações tiveram um efeito

devastador. É que, assustados com o que

ouviam, eles passaram a retirar os anúncios

das páginas do periódico. “O FURO acabou

quando as ligações ameaçadoras foram feitas

aos nossos anunciantes e patrocinadores do

jornal. Eu me lembro que os telefones

tocava m e

quando atendíamos era um

anunciante pedindo por tudo no mundo que

não colocássemos o seu anúncio no jornal”,

comentou Richard Muniz.

As bancas que revendiam O Furo,

assim como os distribuidores receosos com o

que pudesse acontecer, também preferiram

não trabalhar com o jornal, o que dificultou

ainda mais a frágil situação vivida pelo

periódico. “Muitas bancas de revistas,

farmácias não queriam mais expor as edições.

Era o fim. Me lembro quando fui na casa de

Arcela e vi em seu quintal uma montanha de

jornal que não pôde ser comercializado. Era

mais da metade da última edição”, lamentou

o referido criador.

D e s s e m o d o , a f u g a d o s

patrocinadores, o fato dos criadores não

disporem de dinheiro para bancar O Furo,

bem assim a insatisfação do governo militar

com o tom dado à publicação, foram

empurrando o jornal para uma situação

insustentável. “Não contávamos com

OFURO

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Charge é um estilo de ilustração que tem por

finalidade satirizar, por meio de uma caricatura, algum

acontecimento atual com uma ou mais personagens

envolvidas. A palavra é de origem francesa e significa carga, ou

seja, exagera traços do caráter de alguém ou de algo para torná-

lo burlesco. Muito utilizadas em críticas políticas no Brasil.

Apesar de ser confundido com cartoon (ou cartum), que é

uma palavra de origem inglesa, é considerado como algo

totalmente diferente, pois ao contrário da charge, que

sempre é uma crítica contundente, o cartoon retrata

situações mais corriqueiras do dia-a-dia da sociedade.

As charges foram criadas no princípio do

século XIX (dezenove), por pessoas opostas a governos ou

críticos políticos que queriam se expressar de forma jamais apresentada, para

não dizer inusitada.

Mais do que um simples desenho, a charge é uma crítica político-social onde o artista

expressa graficamente sua visão sobre determinadas situações cotidianas através do humor e da

sátira. Para entender uma charge não precisa ser necessariamente uma pessoa culta, basta estar

por dentro do que acontece ao seu redor. A charge tem um alcance maior do que um editorial, por

exemplo, por isso a charge, como desenho crítico, é temida pelos poderosos. Não é à toa que

quando se estabelece censura em algum país, a charge é o primeiro alvo dos censores.

Por utilizarem o humor e a ironia como características essenciais, os jornais

alternativos foram veículos que abusaram desse gênero.

N'O Furo as charges apareceram desde sua primeira edição e criticavam, além da

situação política vivida, problemas da sociedade como na ilustração que fala sobre o aumento dos

preços, veiculada na segunda edição. No jornal as charges e ilustrações eram elaboradas de forma

artesanal e criadas pelos próprios editores do periódico.

Richard Muniz e Marcos Nicolau eram os principais responsáveis

pela elaboração, embora, os outros criadores e vários

colaboradores também tenham participado de muitas idéias

que resultaram em diversas e charges e ilustrações que

estiveram presentes no jornal, como na charge que aborda a

criação de novas legendas políticas, reproduzida na quarta

edição d'O Furo e foi elaborada por Henrique Magalhães, que

era colaborador no periódico.

Apesar do sucesso que faziam com os leitores, as charges de O

Furo também foram objetos de repressão e censura.

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OFURO

As charges do Furo

dinheiro para fazer o jornal e o fato do

governo estar insatisfeito com a gente acabou

levando O Furo ao seu término”, finalizou

Muniz.

E mais, “tivemos consciência naquela

hora que nossos sonhos além de morrerem,

poderiam ser assassinados. Como o Furo”,

arrematou Marcos Pires.

Em verdade, ao criar o jornal os

idealizadores buscavam um espaço livre

onde pudessem mesclar crítica política e

cultura com certa dose de irreverência.

Para Arcela, a intenção d'O Furo “era

mostrar para as pessoas que sabíamos fazer

jornal e contribuir para a restauração da

democracia, mas aí era pretensão mesmo”.

Já para Marcos Pires o intuito “era

criar polêmica e criar um espaço que não

seg uisse o enquadramento da época. E

em algum momento conseguimos isso”.

De fato, para os criadores, apesar de

sua existência efêmera, o periódico obteve a

repercussão desejada. “Acho que alcançamos

nosso objetivo: barulho nessa cidade. Todo

mundo comentava nosso jornal”, lembrou o

advogado.

Na opinião do publicitário Arcela O

Furo cumpriu o papel a que se propôs. “Não

tenho dúvidas que botamos a boca no

trombone com uma melodia razoável e um

bom toque de contra-cultura”.

Com seu fim precoce, O Furo não

gerou para seus idealizadores apenas a

sensação de dever cumprido. Toda

repercussão provocada pelo periódico,

a l iada as inovações gráf i cas ne le

implantadas, despertou o interesse de outros

veículos de comunicação, a exemplo de

Marcos Nicolau e Alberto Arcela que, após o

término das atividades do jornal, receberam

convites para fazer parte de outras empresas

jornalísticas de renome estadual.

Arcela lembra dos frutos colhidos

após a experiência vivida n'O Furo.

“Estávamos começando no mercado e quase

todos eram recém-casados, com filhos e tudo

o mais. No meu caso, o tablóide chamou a

a t e n ç ã o d e A d a l b e r t o B a r r e t o ,

superintendente do jornal Correio da

Paraíba, que me convidou para assumir o

segundo caderno do diário”.

Já para Marcos Nicolau o convite

surgiu do Jornal O Momento, que na época

era um dos expoentes no cenário paraibano.

“Foi tão proveitoso que, logo em seguida fui

trabalhar no jornal O Momento, colocando

em prática todo o aprendizado de inovação

jornalística e editorial”, finalizou.

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OFURO

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Como surgiu a idéia de criar OFuro?

Alberto Arcela

Quem sugeriu o nome e emque ele foi inspirado?

Alberto

O Furo inspirava-se em algum outro jornal?

Alberto

Quais as atribuições de cada um dos criadores?

Alberto

: Como todosnós éramos leitores de jornaisalternativos como o Pasquim,Opinião e Movimento, a idéiasurgiu naturalmente. Talvezpor isso, O Furo não pareça tãodiretamente com o Pasquim,além do formato tablóide. Naverdade, hoje, acho que é ummix dos três político, cultural eanarquista.

: Acho que foi idéia de Marcos Pires, masnão tenho certeza. A bem da verdade, tinha umduplo sentido: o furo jornalístico e o “aqui ó”, doFradim de Henfil. Mas o nome não tinha muitaexpressividade. Na realidade não queríamos passarnada, só incomodar.

: Jornais como o Pasquim, Opinião eMovimento faziam parte de nossas leituras, entãodepois que resolvemos criar um jornal alternativoas idéias dessas publicações acabaram nosinfluenciando.

: Eu cuidava das entrevistas com AntônioArcela, Arroxelas e um outro colaborador, WalterGalvão era um deles , de alguns textos e colunas edos anúncios. Richard Muniz e Marcos Nicolau dadiagramação, ilustrações e anúncios e Marcos Piresdas pautas e sugestões gerais, além da venda deespaços publicitários do jornal.

OFURO

Perfil

Alberto Luiz BarretoArcela, nasceu emJoão Pessoa no dia28 de fevereiro de1952. É formado emAdministração deEmpresas pelaUFPB. Começou suacarreia na RádioArapuan em 1970como programadormusical(discotecário).Começou a atuar nomercado publicitáriohá 30 anos com umaagência própria quese chamavaPubliarte. Ao longodesses anos Arcelaacumulou, comocriativo, váriosprêmios regionais enacionais, entre eleso ColunistasNacional e O AbrilVídeos tambémnacional. HojeArcela é sócioproprietário daagência Oficina dePropaganda queatua no mercadoparaibano há 20anos.

Entrevista com Alberto Arcela

Eu cuidavadasentrevistascom AntônioArcela,Arroxelas eum outrocolaborador,WalterGalvão eraum deles , dealguns textose colunas edos anúncios

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Como eram organizadas as reuniões dojornal e onde elas aconteciam?

Alberto: Aconteciam quase sempre naminha casa, no Conjunto dos Jornalistas,e como todos nós tínhamos outrasocupações as reuniões acabavamacontecendo à noite, nos feriados e nosfinais de semana.

Como era confeccionado o jornal e ondeera impresso?

Alberto

O jornal circulava de quanto emquanto tempo e quantas edições forampublicadas?

Alberto

Qual a intenção quando criaram O Furo?

Alberto

Qual a reação da sociedade na época?

Alberto

: Tudo era mais difícil naquelesanos, sem o computador. Redigíamos namáquina de datilografia, desenhávamos naprancheta e depois colávamos tudo nasoficinas. O Furo tinha, em média, vinte equatro páginas, se não me falha a memória,e era impresso na gráfica do jornal OMomento, de Jório Machado.

: A publicação era semanal ecirculava em todo o Estado, porque passou aser distribuído por Garibaldi Cittadino.Nosso público-alvo era a juventude, mascreio que atingimos pessoas de todas asidades e de diferentes setores da sociedadeprofessores, empresários, o pessoal decultura, entre outros.

: Nossa intenção era mostrar para aspessoas que sabíamos fazer jornal comqualidade e contribuir para a restauração dademocracia, mas aí era pretensão mesmo.

: Surpreendentemente boa, apesar dealguns exageros da equipe, como charges demau gosto e opiniões controversas. Até osclientes que anunciavam no jornal sedivertiam mesmo não entendendo o espíritoda coisa.

Houve alguma situação concreta de ameaçacontra os criadores por parte do governomilitar?

Alberto

Como, por que e quando O Furo acabou?Alberto

: Muitos boatos e pouca ação.Soubemos, por exemplo, que o jornal seriarecolhido nas bancas, fato que nunca seconcretizou.

: Na minha opinião o jornal acaboupor falta de dinheiro, como muitas das boasidéias culturais desse país. A tiragem de trêsmil exemplares, era um assombro para osnossos padrões, mas insuficiente para pagar ascontas.

OFURO

“Todas as entrevistas foram importante

para nós. Mas a entrevista com D. Helder

foi mesmo emocionante para toda a

equipe”, lembrou.