NUTRiÇÃO EM PROCESSOS TRAUMÁTICOS E INDUTORES...

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MARIA DAS GRAÇAS FRANCO DIAS CAMARGO TEIXEIRA NUTRiÇÃO EM PROCESSOS TRAUMÁTICOS E INDUTORES DE CAQUEXIA Trabalho apresentado como requisito parcial à obtenção do grau em Nutrição. Curso de Nutrição. Faculdade de Ciências Biológicas e da Saüde. Universidade Tuiuti do Paraná. Orientadora: Prof'. Ana Aparecida Nogueira Meyer CURITIBA 2003

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MARIA DAS GRAÇAS FRANCO DIAS CAMARGO TEIXEIRA

NUTRiÇÃO EM PROCESSOS TRAUMÁTICOS E INDUTORES DECAQUEXIA

Trabalho apresentado como requisito parcial àobtenção do grau em Nutrição. Curso de Nutrição.Faculdade de Ciências Biológicas e da Saüde.Universidade Tuiuti do Paraná.Orientadora: Prof'. Ana Aparecida Nogueira Meyer

CURITIBA2003

NUTRiÇÃO EM PROCESSOS TRAUMÁTICOS E INDUTORES DE CAQUEXIA

Aluna: MARIA DAS GRAÇAS FRANCO DIAS CAMARGO TEIXEIRA

Orientadora: MSc ANA APARECIDA NOGUEIRA MEYER

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

RESUMO

Os estados patológicos do organismo no trauma, infecção e desnutrição estão estreitamenterelacionados, uma vez que as alterações endócrinas e metabólicas determinadas pelo traumainterferem no estado nutricional, possibilitando maior incidência de infecção, que por sua vez.intensifica as alterações decorrentes do trauma. A desnutrição protéico-calórica pode surgir durante aevolução do período pós-traumático, ou ser pregressa ao evento desencadeante do trauma. A lesãotecidual traumãtica desencadeia uma resposta sistêmica e generalizada, através de fenômenosneuroendócrinos, imunológicos e inflamatórios, cuja finalidade é a delimitação da lesão, a promoçãode sua posterior cicatrização e a determinação da sobrevivência orgânica. Geralmente, a respostametabólica e nutricional caracteriza a natureza e a intensidade da lesão. A resposta humoral étraduzida pelo aumento dos hormônios catabolizantes: catecolaminas, cortisol e glucagon, quepromovem intenso catabolismo protéico periférico, com o objetivo de prover aminoácidos para abiossintese de proteinas severamente depletadas. A massa protéica corporal varia com o tamanho doindividuo, sendo metade desta constituída por proteína muscular esquelética, plasmática e visceral degrande importância metabólica. A perda de um terço desta massa protéica é incompatível com a vida.Enquanto na desnutrição por inanição esta perda ocorre em oito a dez semanas, em um traumatizadograve, pode ocorrer em alé três semanas. Assim, em UTl's, é comum a presença de pacientestraumalizados com perda exacerbada de massa muscular, desenvolvendo uma progressivaautoconsumiçlJo: a caquexia. A nutrição, em pacientes traumatizados, objetiva impedir a deterioraçãoda massa celular corporal, além de permitir o tratamento e a prevenção de complicações durante suaevolução. Neste contexto, a terapia nutricional lorna-se parte fundamental das medidas terapêuticasdo paciente Iraumalizado, a partir do momento em que suas condições hemodinâmicas pós-lesãoestejam estabilizadas.

Palavras-chave: • Trauma. Caquexia •Desnutrição. Terapia Nulricional

ABSTRACT

The pathological state of an organism in the trauma, infection and malnutrition are narrowlyrelated once the alterations in endocrine and metabolic by the trauma which intenere in lhe nutritionalstale, increasing infections which inlensifies lhe alterations of lhe trauma. The protein-caloricmalnutrition can arise during the post-Iraumatic periad, or be prior lo lhe trauma. The traumatic lesiontissue unchains a systematic and generalized asnwer, Ihraugh phenomena, endocrines, immunologicand inflammatory, whose purpose is lo delimit lhe lesion, to promote posterior cicatrizalion, and todetermina lhe organic survival. Generally lhe nulritional and melabolic answer characterizes thenature and intensity of lhe lesion. The humoral asnwer is translated by lhe increase of the catabolichormones: catecolaminas, cortisol and glucagon, which intensify peripheric catabolic protein, wherelhe goal of providing aminoacid fOf the biosynthesis proteins is severely depleted. The corporealprolein mass varies with lhe individual's size, being half of II consliluled by skelelal muscular prolein,plasmatic, and visceral of great melabolic importance. The loss of a Ihird of Ihis protein mass isincompatible with tife. In malnutrilion cases due to slarvation the rossoccurs in eight lo ten weeks, andon trauma patients li can occur in up lo three weeks. This way, in the Intesive Gare Unit, il is commonbeing present in trauma patients 1055of exacerbaled muscular mass developing a progressive autoconsumption: lhe cachexia. The objective in trauma patients nutrition is lo prevent deterioration of lhecorporeal cellular mass, allowing the treatmenl and the prevention of complications during ilsevolution. In this context the nulritional therapy becomes a fundamental part of the therapeuticmeasures of the trauma patients, from the moment in which ils post-Iesion hypermetabolics terms astabilized.

Keywords: • Trauma. Cachexia •Malnutrilion •Nutritional Therapy

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INTRODUÇÃO

A desnutrição protéico-calórica (DPC) tende a instalar-se sempre que há

descompasso entre a ingestão e os requerimentos metabólicos do indivíduo; se o

indivíduo não quiser ou não puder se alimentar de forma completa e balanceada, ou

ainda, se houver má-absorção ou necessidades alteradas secundariamente a

alguma doença, ter-se-á condições predisponentes para o advento da desnutrição.

As necessidades dietéticas de indivíduos sadios são bem conhecidas, mas podem

exigir ajustes em função de fatores como crescimento e desenvolvimento, atividades

físicas aumentadas, e estados fisiológicos especiais, como gravidez e lactação. Em

enfermos e idosos, processos crônicos e agudos levam a perdas teci duais, que

combinadas ou não a intolerâncias a certos substratos, impõem desafios à

formulação de uma dieta satisfatória (BARON, 1997; LONG, 1997; SUNIYER, 2000).

Característica comum de países subdesenvolvidos, a DPC é encontrada

também em países industrializados entre: indivíduos que estiveram gravemente

enfermos; os mais idosos; mulheres grávidas; viciados em drogas; e em pacientes

ambulatoriais ou cirúrgicos, particularmente os internados em UTls. Boa parte dos

pacientes que comparece a um hospital, já exibe anormalidades nutricionais, que

tendem a se acentuar no decurso da internação, devido às repercussões da doença

motivadora da hospitalização, manobras diagnósticas e procedimentos invasivos que

interferem com a alimentação, supressão do apetite por efeitos medicamentosos,

dor, angústia, depressão e medo (FRENHANI, 2000; WAITZBERG, 2001).

O estado de jejum ocasiona alterações significativas no metabolismo dos

macronutrientes, induzindo anormalidades morfofuncionais em diversos órgãos e

sistemas. Em presença de trauma, as alterações metabólicas são exacerbadas,

culminando em um catabolismo muscular, que resulta em desnutrição aguda com

grave comprometimento das funções orgânicas; a terapêutica nutricional torna-se

imprescindível. Assim, através de uma revisão de literatura, este trabalho objetivo:

Identificar as conseqüências clinicas e metabólicas do estado de jejum;

Identificar a resposta sistêmica ao trauma, enfatizando as repercussões

metabólicas, neuroendócrinas, citocínicas e clínicas;

Ressaltar a importância do suporte nutricional especializado neste contexto.

o ESTADO DE JEJUM E SUAS CONSEqÜÊNCIAS

o fato do organismo não estar ingerindo alimentos em quantidade suficiente

para um bom desempenho metabólico, determina o aparecimento dos estados

conhecidos como semi-inanição, inanição ou jejum, impondo significantes alterações

no metabolismo de proteinas, carboidratos e lipidios (CARVALHO e LEITE, 2001).

Há duas formas de deficiência alimentar: o jejum simples, não-complicado, ou

inanição e o jejum complicado, estresse metabólico ou caquexia (HOFFER, 2002). O

jejum não-complicado é caracterizado por ausência de ingestão ou administração de

nutrientes ao organismo sem fatores de estresse, traumas ou seps8. O jejum

complicado se caracteriza pela ausência de ingestão ou administração de nutrientesao organismo em presença de doenças agudas ou crônicas, traumas ou sepse,

conduzindo a um hipermetabolismo, que determina alterações profundas nas

respostas orgânicas, variando de acordo com o tipo de trauma, estado nutricional

pregresso, e cuidados recebidos (RIELLA, 1993; BARON, 1997; CARVALHO e

LEITE, 2001). Ocorre um catabolismo hormonalmente mediado, resultando em:

elevação da taxa de metabolismo basal e da excreção de nitrogênio, alteração do

equilíbrio hidroeletrolitico, síntese de proteínas de fase aguda, imunossupressão, e

resposta inflamatória; eventos bioquímicos de adaptação, fundamentais para a

preservação da vida (CARVALHO e LEITE, 2001; SUNYER, 2000).

Durante a doença aguda grave, as respostas hormonais e inflamatórias

impedem a adaptação à inanição resultando em alterações no metabolismo protéico

e energético, que podem levar rapidamente â desnutrição. O gasto metabólico basal

e as perdas nitrogênicas aumentam significativamente em resposta à doença. O

tecido muscular esquelético libera, de forma acelerada, aminoácidos que podem ser

metabolizados em energia ou desviados para o fígado ou outros órgãos viscerais,

cuja necessidade para síntese protéica seja mais imediata. Além disso, durante a

doença prolongada em presença de desnutrição, também pode ocorrer depleção de

proteínas viscerais, levando ao comprometimento funcional dos órgãos corporais

(RIELLA, 1993; BARON, 1997; CARVALHO e LEITE, 2001).

Dentre os doentes que se alimentam mal ou aproveitam incompletamente

seus nutrientes, incluem-se indivíduos com: diminuição da consciência ou coma;

portadores de patologias do sistema digeslório, que levam à incompleta assimilação

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da dieta; agressões importantes como cirurgias, traumatismos, queimaduras e

sepse; e quadros consumptivos como os de AIDS e câncer, que exacerbam os

gastos energéticos, acelerando o advento da desnutrição (SUNYER, 2000). Nestes

casos, a avaliação nutricional deve ser considerada como parte essencial da

avaliação clínica e ser usada como base para o suporte nutricional do plano

terapêutico geral do paciente (BARON, 1997), para reduzir o custo hospitalar e a

morbi/mortalidade conseqüente de complicações, tais como infecções e sepse. A

desnutrição constitui a doença intra-hospitalar mais prevalente, acometendo 50-90%

dos pacientes hospitalizados do primeiro ao terceiro mundo, dificultando a resposta

terapêutica clinico-nutricional, e aumentando a morbi/mortalidade (FRENHANI,

2000). Pacientes desnutridos ou em risco de desnutrição são potencialmente de

maior custo hospitalar (WAITZBERG e WATANABE, 2001; RAURICH, 2002).

O prolongamento do jejum por periodo superior a 12/24h resulta em uma

intensificação da gliconeogênese hepática a partir de aminoácidos glicogênicos

(alanina). A disponibilidade de aminoácidos no espaço intracelular dos miócitos limita

a síntese de proteínas e solicita uma progressiva degradação protéica. Um balanço

nitrogenado negativo é estabelecido. Há uma progressiva depleção de proteínas

estruturais musculares (75g/dia), podendo provocar a perda de um terço da proteina

orgânica total em 3-4 semanas de jejum absoluto, o que seria incompatível com a

vida. Entretanto, a adaptação metabólica ao jejum prolongado previne uma depleção

protéica desta monta, prolongando a sobrevivência às custas de uma redução nas

perdas nitrogenadas, o que é caracterizado pela queda gradual da uréia excretada.

Há um aumento do amônia urinário para neutralizar a acidose metabólica e a

cetonúria que se estabelecem pela elevação gradual de ácidos graxos e corpos

cetônicos no sangue (RIELLA, 1993; CARVALHO e LEITE, 2001).

As principais alterações metabólicas ocorridas durante o jejum prolongado,

capazes de reduzir o catabolismo protéico e obter energia a partir do tecido adiposo,

são: exclusão da utilização de glicose por parte dos tecidos que podem utilizar

ácidos graxos livres como combustível; a partir do Ciclo de Cori, calorias derivadas

de lipídios sob a forma de glicose são levadas aos tecidos perifériCOS glicolíticos, os

quais devolvem o Jactato ao fígado para ressíntese em glicose; e o cérebro passa a

oxidar corpos cetônicos da circulação em substituição à g/icose (RIELLA,1993).

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No jejum prolongado, além de 30 dias, o rim torna-se o principal produtor de

glicose, contribuindo com 50% das necessidades. A maior parte é produzida através

da glutamina liberada do músculo e metabolizada em glutamato e amônia no rim. A

amônia formada torna-se um tampão natural para neutralizar a cetoacidemia e

cetonúria características do jejum prolongado. Entretanto, com o prolongamento dojejum, a contribuição renal declina até 15% do total (RIELLA,1993; HOFFER, 2002).

A adaptação do cérebro à utilização de corpos cetônicos derivados da

oxidação dos ácidos graxos reduz a necessidade de glicose, cuja produção hepática

reduzida (menor extração de alanina da circulação) representa uma importante

poupança de proteínas musculares. Paralelamente à redução da gliconeogênese

hepática, reduz-se a síntese de uréia e sua excreção urinária. A produção renal de

glicose e amônia a partir de glutamina oriunda do fígado aumenta e a cetoacidose

pode ser neutralizada. Desta forma, um indivíduo pode permanecer semanas ou

meses em jejum absoluto, na dependência da massa total de proteínas orgânicas e

particularmente de lipídios no tecido adiposo (CERSOSIMO, 1987; RIELLA, 1993).

As alterações hormonais durante o jejum prolongado correspondem a uma

produção nos efeitos anabólicos da insulina e uma tendência ao catabolismo de

proteínas e lipídios atribuído ao glucagon e as catecolaminas. Entretanto, a ação dos

glicocorticóides sobre a gliconeogênese e do GH sobre a mobilização das reservas

de nitrogênio e de lipídios, contribui de forma essencial na manutenção dos níveis de

glicose circulante e na cetogênese. Com a continuidade do jejum, a progressiva

hipoglicemia também contribui para manter O reduzido nível plasmático de insulina,

favorecendo a lipólise e proteólise devido a uma relação insulina/glucagon diminuída

(BAYNES e DOMINICZAK, 2000; COX e NELSON, 2002; HOFFER, 2002).

RESPOSTA SISTÊMICA AO TRAUMA

A resposta sistêmica ao trauma é uma seqüência de alterações orgânicas

complexas e integradas, cujo objetivo primário é a manutenção da homeostase e a

promoção de rápida cicatrização das lesões. Ocorre um aumento da degradação

protéica, especialmente da musculatura esquelética. Os aminoácidos, especialmente

glutamina e alanina, são utilizados na gliconeogênese e produção de proteínas de

fase aguda no fígado. Em geral, esta reação é bem coordenada e autolimitada,

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levando rapidamente à reabilitação do organismo. Entretanto, em presença de

traumatismos de grande magnitude, ou sepse, estas reações induzem o organismo a

um hipermetabolismo com efeitos deletérios (LOWRY e SMITH, 2002).

A resposta neuroendócrina ao trauma pode ser ativada por mediadores

liberados pelo tecido lesado, que disparam impulsos neurais nos receptores

nociceptivos (relacionados à dor) locais. Trata-se de um reflexo neurofisiológico, cuja

alça aferenfe é composta, principalmente, pelas vias neurais relacionadas à dor.

Além do estímulo doloroso, há outras aferências, tais como as alterações de volume,

de pH, de osmolaridade, hipóxia, medo, ansiedade, febre e sepse, associados ou

não. Estes estímulos desencadeiam a alça eferente do reflexo que consiste, na

liberação dos hormônios do eixo hipotálamo-hipofisiário. A partir destas aferências

neurais referidas integração hipotalâmica, diversas alterações em sistemas

orgânicos são desencadeadas. São as denominadas vias eferenfes da resposta

sistêmica ao trauma, dentre as quais as principais são Sistema Nervoso Autônomo

e o Sistema Neuroendócrino, cujos principais agentes são o hipotálamo, a hipófise e

órgãos-alvo periféricos (glândulas adrenais, a tireóide e pâncreas). Os hormônios

envolvidos na resposta neuroendócrina ao trauma são: as catecolaminas, o GH, os

tiroideanos e hormônio antidiurético (ADH). Este último contribui para a manutenção

da valem ia, sendo sua secreção ativada por uma série de estímulos incluindo

hemorragia, trauma cirúrgico e hipoglicemia. Para a manutenção do equilíbrio hidro-

eletrolítico, o sistema renina-angiotensina-aldosterona é ativado através da secreção

de renina pelos rins. A estimulação deste sistema leva à vasoconstrição periférica e

à retenção renal de sódio e excreção de potássio. Os principais mediadores

relacionados à resposta nervosa autonômica são as catecolaminas, que apresentam

importante participação na secreção de insulina e glucagon (PLOPPER et aI., 2000).

Clinicamente, CUTHBERTSON (1932-1933) dividiu esta resposta em duas

fases: fase de fluxo (ebb) e fase de refluxo (flow). A fase de refluxo inicial ocorre

imediatamente pós-injúria e é caracterizada por instabilidade hemodinâmica, com

reduções do débito cardíaco, do consumo de oxigênio e da temperatura central, e

concentrações elevadas de ácidos graxos livres, glucagon e catecolaminas. Esta

fase dura de 12 a 24 horas, dependendo do grau de injúria e adequação da

ressuscitação. A fase de fluxo-adaptação subseqüente é fundamentalmente uma

resposta metabólica que altera a utilização de energia e proteína para preservar a

função de órgãos críticos e reparar o tecido lesado Há restauração do volume

circulante, com elevação do consumo de oxigênio corporal total, da taxa metabólica

basal e do efluxo de aminoácidos das reservas periféricas, levando a alteração do

metabolismo da glicose, produção de lactato, perdas de nitrogênio urinário e

catabolismo protéico tecidual, característicos de hipermetabolismo (RIELLA, 1993;

PLOPPER et ai, 2000; LOWRY e SMITH, 2002).

A resposta metabólica a uma enfermidade grave pode ser considerada um

componente de um uarco reflexo neuroendócrino", no qual um impulso aferente

alerta o organismo sobre uma injúria. Em enfermidades graves, as concentrações de

hormônios catabólicos ou contra-reguladores, estão tipicamente elevadas, atuando

como sinais efetores nesta resposta. As alterações metabólicas e endócrinas do

período pós-traumático ativam o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e o pâncreas

endócrino, com liberação dos hormônios supracitados, promovendo: glicogenólise

hepática e liberação de glicose pelo fígado; proteólise muscular periférica; fluxo

preferencial de aminoácidos de cadeia ramificada e alanina ao fígado, servindo de

substrato para gliconeogênese; e quebra de triglicerídios, com aumento da utilização

de ácidos graxos livres circulantes. Paralelamente, o fígado ativado entra na reação

de fase aguda, com marcante diminuição da síntese de albumina e aumento

significativo na síntese das proteínas de fase aguda. Além disso, os níveis

circulantes de ferro e zinco tendem a diminuir e a presença de hipoperfusão tecidual

pode levar á diminuição da captação de glutamina pelos enterócitos, diminuindo a

disponibilidade deste combustível indispensável à manutenção da integridade da

mucosa intestinal (PLOPPER et ai, 2000).

O papel da cascata citocínica após o estimulo traumático tem sido

amplamente estudado. As citocinas são pequenos polipeptidios ou glicoproteínas

produzidas por diversas células imunes sistêmicas, que apresentam ações

fundamentalmente: pleiotrópica (efeitos diversos em células alvo diversas), parácrina

(atuação em células contíguas á célula produtora no tecido) e autócrina (atuação na

própria célula produtora através de receptores específicos). Níveis circulantes

aumentados de citocinas geralmente, ocorrem, em situações que refletem a perda

dos mecanismos de homeostase. Estas substâncias (Quadro 1) são ativadas em

rede, causando uma cascata de eventos muitas vezes redundantes, uma vez que

tipos celulares diversos podem sintetizar uma mesma citocina simultaneamente

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Pesquisas recentes demonstraram que as citocinas IL-1 e o TNF são capazes de

favorecer as vias de gliconeogênese durante a fase de reação aguda ao trauma.

Ambos inibem a lipoproteína lipase, resultando em uma elevação dos triglicerídios

plasmáticos. Além disso, estimulam a febre e a síntese de proteínas de fase aguda

no fígado (CLOWES et aI., 1983). A hiperestimulação da cascata citocínica tem sido

implicada como mecanismo da síndrome de resposta inflamatória sistâmica (SIRS)

pós-traumática, caracterizada pela presença de febre, leucocitose, hiperventilação e

taquicardia, não necessariamente resultado de infecção identificada. Pacientes

admitidos em UTl's apresentam um perfil metabólico nutricional característico que

favorece o desenvolvimento de SIRS, podendo evoluir para a síndrome da disfunção

de múltiplos órgãos (SOMO). Esta última, em associação com hipermetabolismo,

predispõe os pacientes críticos a um elevado risco de óbito, em torno de 30-85%

independente da causa inicial. A mortalidade está diretamente relacionada com o

numero de órgãos envolvidos e a evolução do fator predisponente ou doença de

base (PLOPPER et aI., 2000; WAITZBERG, 2001; LOWRY e SMITH, 2002).

QUADRO 1 - CITOCINAS E A RESPOSTA HIPERMETABÓLlCA

C/TOC/NAS OR/GEM CELULAR EFE/TO METABÓLICO

TNF-a Monócitos/macrófagos, linfócitos,células de Kupffer, células gliais,células NK, células endoteliais emastócitos

.l-Síntese de AGLt Lipólise,J.. aa periféricot Captação hepática de aaFebre

IL-1 Monócitos/macrófagos,neutrófilos, linfócitos,ceratinócitos, células de Kupffer

tACTHt Sintese proteínas de fase agudaFebre

IL-6 Monócitos/macrófagos,ceratinócitos, células endoteliais,células T, células epiteliais,fibroblastos

t Síntese proteínas de fase agudaFebre

IFN-y Linfócitos, macrófagospulmonares

1'Surto Respiratório dosmonócitos

FONTE: LOWRY e SMITH, 2002

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A deficiente ingestão protéico-calórica independentemente do fator e/ou

doença causal induz a uma variedade de repercussões clínico-orgânicas as quais,

resumidamente abrangem: imunidade, função muscular, cicatrização de lesões,

volemia e trato gastrintesfinal. A desnutrição aguda ocasiona diminuição no nível de

proteinas de lase aguda, responsáveis pela resposta imunológica do paciente em

pós-operatório. Surgem também alterações na quimiotaxia dos neutrófilos, na

fagocitose, na resposta imunológica no lúmen intestinal e brõnquico, na opsonização

e clearance de bactérias (BARON, 1997; MENEZES e BERTOLA, 2001).

A progressiva deterioração da função muscular, especialmente esquelética

ocasiona hipoventilação pulmonar, diminuição da eficiência da limpeza de vias

aéreas que, associada às alterações imunolõgicas supracitadas, favorecem o

surgimento de pneumonias, além da dificuldade para retirada da prõtese ventilatõria.

A morte do paciente desnutrido é, principalmente, de origem respiratória, uma vez

que o acentuado catabolismo protéico muscular, progride lesando as estruturas

viscerais e depletando as proteínas circulantes, resultando em desnutrição e

associando-se a alterações funcionais em órgãos fundamentais como coração,

pulmão, ligado, trato gastrintestinal e sistema imunológico (MENEZES e BERTOLA,

2001; FRANCO, 2001; LOWRYe SMITH, 2002; PAULA et aI., 2002).

A baixa ingestão de quantidades suficientes de proteínas, calorias, vitaminas

e minerais, esta relacionada também à dificuldade de cicatrização das lesões

traumáticas e cirúrgicas. A deiscência das anastomoses é um achado freqüente em

pacientes desnutridos, bem como os abscessos de parede. Há um aumento do

periodo de internação e do custo (SOUZA, 2001). Os pacientes desnutridos não

conseguem reter no compartimento vascular o sódio administrado. A presença de

edema com hipovolemia é um achado comum nestes pacientes, devido à

hipoalbuminemia (PLOPPER et aI., 2000; SEIÇA, 2000; PEDRUZZI, 2002).

A desnutrição crônica origina atrofia importante da massa celular intestinal,

das vilosidades além de diminuição das enzimas, e de alterações funcionais no

pâncreas e via biliar. O reinício da dieta oral convencional no pós-operatório é mais

difícil para estes pacientes. Estudos recentes vêm ressaltando que a atrofia

intestinal, associada a alterações na flora intestinal, induzida por antibióticos e

inibidores do ácido gástrico, favorece de modo importante a translocação bacteriana,

agravando o prognóstico destes pacientes (RIELLA, 1993; NONINO, 2001).

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o aumento da taxa metabólica basal exige a mobilização das reservas

corporais para fornecer substratos energéticos. As reservas de carboidrato são

rapidamente esgotadas, nas primeiras 24 horas pós-lesão. A partir de então, lipidios

e proteínas passam a ser as principais fontes de energia. No estado hipermetabólico

ocorre catabolismo protéico líquido obrigatório em uma tentativa de prover

substratos para a gliconeogênese e aminoácidos para síntese aumentada de

proteínas de fase aguda. Os trigliceridios armazenados também são mobilizados e

oxidados para fornecer substratos energéticos, sendo, contudo, incapazes de

prevenir o intenso catabolismo protéico, que resulta em um balanço nitrogenado

negativo liquido à medida que o catabolismo de proteinas excede a sintese protéica

pelo fígado. Esta aceleração do catabolismo das proteínas é paralela ao aumento do

consumo de oxigênio e representa uma fração constante da oxidação total pós-

lesão. A não contenção deste catabolismo, protéico, caquexia muscular, pode levar

à SDMO (BARBER, 1999; LOWRYe SMITH, 2002).

O mecanismo da caquexia muscular durante trauma e sepse envolve:

degradação aumentada especialmente de proteína da miofibri/ar, sintese reduzida

de proteina e inibição da captação de aminoácidos pelo músculo. Em modelos

animais, os mediadores importantes deste calabolismo incluem os glicocorticóides e

certas citocinas, particularmente TNF-y e IL-1 (HASSELGREN et al.,1989). Os

hormônios contra-reguladores e antagonistas à insulina, que se encontram

aumentados no trauma, promovem uma variedade de efeitos metabólicos que,

associados à resposta citocínica, que por sua vez é mediada por mecanismos

neuroendócrinos, exacerbam a resposta metabólica, com o objetivo de manter o

funcionamento dos órgãos vitais (RIELLA, 1993; RAURICH, 2002).

HIPERMETABOLlSMO ECAQUEXIA

A resposta hipermetabólica pode resultar em caquexia, síndrome clínica

evidenciada por intenso desgaste muscular e adiposo, fraqueza e perda de peso,

geralmente associada à anorexia (BARBER, 1999), podendo desenvolver-se mesmo

em indivíduos que apresentam ingestão protéico-energética adequada, com ma

absorção intestinal importante ou em alguns diferentes estados patológicos, tais

como: câncer, infecção intestinal crônica (PEDRUZZI, 2002), insuficiência cardiaca

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congestiva (FRANCO et aI., 2001), doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC),

úlceras de decúbito (SOUZA, 2001), sindrome do intestino curto (NONINO, 2001),

AIDS (RIELLA, 1993), insuficiência renal e hepática avançadas (PAULA et aI., 2002),

queimaduras (LOWRY e SMITH, 2002) e em muitos outros.

A caquexia desenvolvida por pacientes portadores de câncer, o tipo mais

estudado e bem caracterizado, mostra dados contraditórios sobre gasto energético

basal (BÚRIGO, 1999; BARBER, 1999). Observa-se intolerância à glicose, aumento

da depleção de tecido adiposo e catabolismo protéico, relacionados com a extensãodo tumor. Quando há associação com desnutrição, verifica-se que estes pacientes

são incapazes de conservar energia, devido alterações do metabolismo mediadaspor hormônios catabólicos, citocinas e fatores de crescimento (fator de crescimentosemelhante à insulina). Esta alteração hormonal característica do período pós-truama, estimula processos de glicogenólis8, gliconeogênese, oxidação de ácidosgraxos e catabolismo protéico para promover substratos para a gliconeogênese. Aresposta metabólica inicial ocorre devido ao mecanismo de proteção do organismocontra o dano tecidual, entretanto, quando o mecanismo se prolonga, verifica-seativação de eventos metabólicos que conduzem a significativa perda de massamuscular com conseqüente balanço nitrogenado negativo (WAITZBERG, 2002).

O grau de emaciação é um fator prognóstico importante, sendo uma perda

de peso a 66% do peso corporal ideal, considerada preditiva de morte. Este grau de

emaciação não se correlaciona com a carga infecciosa ou o tamanho tumoral.

Parece ser a resposta do hospedeiro, através de mediadores endógenos, que efetuaa resposta caquética nos pacientes doentes. Muitas pesquisas foram realizadasfocalizando os possíveis mediadores da caquexia induzida por doença, com a

atençáo concentrada sobre as citocinas de anorexia: TNF-<:.t, IL-1, IL-6, IFN-y, e fator

inibidor de leucemia (BARBER, 1999). A exposiçáo persistente à caquectina (TNF-<:.t)

promove lipólise, glicogenólise e mobilização de substratos energéticos periféricos

necessários para o fígado. Estas alterações bioquímicas refletem-se em animaissubmetidos a doses sub letais de caquectina, que se tornam caquéticos, anoréticos,anêmicos, com depleção de lipídios e proteínas corporais totais. Níveis elevados decaquectina foram encontrados em alguns pacientes com câncer, não ocorrendo omesmo com outros, o que justificaria maiores investigações sobre o papel hormonal

desta substância na anorexia de câncer. Há trabalhos relacionando a caquexia do

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câncer com a molécula de leptina, que parece desempenhar um papel importante namanutenção do peso. Pesquisa recente identificou outro mediador potencial de

caquexia em pacientes cancerosos, um proteoglicano isolado de camundongos comadenocarcinoma e da urina de pacientes cancerosos caquéticos (BÚRIGO, 1999;

BARBER, 1999 LOWRY e SMITH, 2002).

Apesar de muito estudada, a relação entre câncer e variáveis nutricionaisnecessita de maiores esclarecimentos, visto que não se sabe ainda quais os

nutrientes que de fato atuam como agentes protetores contra a gênese do câncer.

Entretanto, os benefícios da terapia nutricional adequada nestes pacientes, já estãobem estabelecidos na literatura mundial. Sabe-se que a terapia nutricional pode

reverter efeitos deletérios do câncer sobre o estado nutricional, melhorar resultadosclinicos pós-operatórios, favorecer a terapêutica antineoplásica, bem como melhorara qualidade de vida dos pacientes tratados (BÚRIGO, 1999; WAITZBERG, 2002).

TERAPIA NUTRICIONAL E SUPORTE ANABÓLiCO

A regulação do metabolismo celular de pacientes hipermetabólicos necessita

de oferta adequada de oxigênio e substratos energéticos. Para a manutenção deuma oferta tecidual de oxigênio adequada, é necessário corrigir as alteraçõeshemodinâmicas e manter um conteúdo arterial de oxigênio satisfatório. (SILVA,2001). ° planejamento da terapia nutricional envolve inicialmente a identificação do

paciente em risco ou já desnutrido, através da avaliação nutricional, seguido pelocálculo dos requerimentos protéico-energéticos do mesmo. Seleciona-se a via deadministração dos nutrientes (oral, enteral ou parenteral), dependendo da tolerânciae do trato gastrintestinal estar ou não funcionante, escolhendo-se o tipo de dietamais adequada a ser administrada. Após a implantação do plano nutricional, deve-semonitorar e avaliar os resultados obtidos. A reavaliação do paciente em intervalosregulares permite verificar a eficiência do planejamento inicial, bem como alterá-loconforme a evolução do paciente (FRENHANI, 2000; SOUZA, 2001).

A resposta metabólica ao trauma, estresse, queimaduras e demais doençashipermetabólicas provocam alterações do metabolismo de gordura, carboidratos e

proteínas. A persistência e a intensidade deste quadro metabólico pode precipitar ou

acentuar a desnutrição. Situações hipermetabólicas, devido à redução do fluxo

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sangüíneo e isquemia, bem como a própria desnutrição, pOdem causar alteração depermeabilidade da mucosa intestinal com atrofia celular e diminuição da barreira

protetora intestinal. Além disso, a desnutrição também pode deprimir a função

imunológica humoral e celular, que associada ás alterações de permeabilidade da

mucosa intestinal resulta em aumento de infecções oportunistas, sepse elevando amorbi/mortalidade de pacientes hospitalizados. Conseqüentemente, elevam-se as

demandas de intensivos cuidados terapêuticos especializados, tempo e custo dehospitalização (FRENHANI, 2000; WAITZBERG, 2001).° objetivo fundamental do suporte nutricional do paciente hipermetabólico

visa fornecer suficientes fontes de energia não protéicas, e suficiente substrato

protéicO para aliviar ou minimizar o catabolismo das reservas protéicas do

organismo. O suporte nutricional enteral e parenteral nos pacientes em depleção,geralmente melhoram o balanço nitrogenado, durante a fase catabólica da lesão. Osnutrientes podem ser administrados por via oral, via preferencial, através de ondasposicionadas no TGI, nutrição enteral (NE): sondas nasoenterais, nasogástricas,

nasoduodenais ou nasojejunais ou ostomias, e administração de nutrientes atravésde veia central ou periférica nutrição parenteral (NP): central ou periférica, quando opaciente não apresenta o TGI funcionante. A utilização da via oral (VO), por ser a

mais fisiológica, deve ser preservada e sempre estimulada. As situações clínicas queexigem nutrição enteral são basicamente quatro: quando o paciente não quer

(anorexia nervosa), não pode (tumores obstrutivos, vômitos incoercíveis), não deve

(fistulas de alto débito, coma, pancreatite aguda), ou não consegue se alimentar

suficientemente por via oral, apesar das adaptações possíveis realizadas; estadoshipercatabólicos, sindrome do intestino curto, câncer, quimioterapia e radioterapia(FRENHANI, 2000; WAITZBERG, 2001).

Na impossibilidade de uso da VO, a NE é a primeira escolha para pacientes,

cujo TGI esteja funcionante. Esta via apresenta vantagens importantes em relação á

NP, por diminuir complicações sépticas em pacientes críticos, sendo menos invasivae mais fisiológica, além de preservar a integridade da mucosa intestinal. Quando aterapia nutricional é iniciada precocemente, promove grande efeito benéfico aospacientes usuários. Entretanto, a estabilidade hemodinâmica é um pré-requisito parainiciar a terapia nutricional precoce. Dentre os beneficios da NE precoce, pode-se

destacar: a diminuição das complicações sépticas em pacientes críticos pela

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estimulação das barreiras intestinais, melhora do balanço nitrogenado, que se torna

positivo mais cedo, e redução da incidência de infecções e sepse em pacientes

graves (FRENHANI, 2000; WAITSBERG, 2001).

Quando houver necessidade de uso prolongado de NE (mais de 6 semanas

ou quando houver obstrução que dificulte o acesso da sonda pelo tubo digestivo), a

nutrição pode ser infundida através de uma ostomia: esofagostomia, gastrostomia ou

jejunostomia. A NP pode ser central (NPC), por meio de uma veia de grande

diâmetro (subclávia ou jugular interna); ou NP periférica (NPP), através de uma veia

menor, geralmente na mão ou no antebraço. A NP é indicada em pacientes que

apresentam ingestão inadequada via digestiva, para a manutenção nutricional, por

curto prazo (3-5 dias), e para evitar indicação de NPC, que apresenta maiores

complicações (FRENHANI, 2000; WAITZBERG, 2001; SILVA, 2002).

A utilização de nutrientes denominados imunomoduladores, que apresentam

funções fisiológicas especificas, as quais estimulam a função imune e mantêm a

integridade da mucosa intestinal, pode ter grande benefício para pacientes críticos.

Dentre os imunomoduladores mais utilizados encontram-se: glutamina, arginina,

ácidos graxos (AG) ",-3 e os nucleotídios (Quadro 2). São indicados em situações

associadas ao estresse metabólico e/ou à imunossupressão, tais como traumas,

queimaduras, fraturas múltiplas, câncer, AIDS, infecções crônicas e sepse dentre

outras (FÜRST, 2000; SEIÇA, 2000; CORET et aI., 2002).

Embora a suplementação nutricional possa melhorar o balanço nitrogenado

e energético corporal durante estados hipermetabólicos, a depleção de proteínas

estruturais progressivas, ainda persiste. Conseqüentemente, meios adicionais de

terapia anabólica adjuvante, tais como insulina, fator de crescimento semelhante à

insulina (IGF-1), esteróides anabólicos ou GH, foram investigados. A administração

de GH ou IGF -1 aumenta a captação de aminoácidos no músculo esquelético e a

síntese de RNAm no músculo durante o suporte nutricional total. A infusão de IGF-1

em seres humanos sadios também aumenta a destinação periférica de glicose,

reduz a lipólise e diminui as concentrações totais de aminoácidos de cadeia

ramificada (AACR), sugerindo um efeito de anabolismo protéico. A administração de

insulina também reduz a perda de proteína em pacientes traumatizados, resultando

em excreção urinária diminuída de uréia e taxas reduzidas de degradação protéica

(LOWRY e SMITH, 2002).

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Estudos recentes, utilizando uma combinação de GH e insulina, em

pacientes com câncer indicam que esta terapia em combinação pode levar à

retenção de nitrogênio corporat total e poupança do músculo esquelético. O GH

afeta o balanço nitrogenado positivamente ao exercer um efeito anabólico sobre as

proteínas. Entretanto, em pacientes gravemente estressados (perda de 1,5g/kg dia

de proteína), O GH exógeno não se mostra eficaz como agente anabólico. Embora a

maioria dos estudos mostre efeitos anabólicos do tratamento com GH de pacientes

em catabolismo leve e moderado, melhora clínica tem sido difícil de documentar na

maioria das populações de pacientes hipermetabólicos (LOWRY e SMITH, 2001 l.

QUADRO 2 - NUTRIENTES IMUNOMODULADORES

NUTRIENTES FUNÇÃO METABÓLICA

Glutamina Combustível para o enterócito e imunócitos; preserva o glutationhepatico

Nucleotidios Os derivados AMPc, GMPc, funcionam como mediadores demuitos processos metabólicos

Arginina Aumenta a toxicidade dos linfócitos atraves do NO; substrato paraa síntese de poliamina; promove a síntese protéica atraves daliberação de GH

AACR O nível no músculo regula a degradação de proteína muscular;diminuídos nos pacientes catabólicos, especialmente hepáticos

S-adenosil- S-adenosil-metionina, doa o grupo meti la para a colina e creatina,metionina normaliza a fluidez da parede celular

Glutation Glutation, principal removedor citoplasmâticos de radicais livres

Taurina Taurina, conjuga os sais biliares

Carnitina Carnitina, transporta os ácidos graxos até a mitocôndria para a ~-oxidação

Ácidos graxos Derivados por degradação bacteriana, a partir de fibras solúveisde cadeia curta como a pectina; combustível para os colonócitos

Ácidos graxosômega-3

Promovem a produção de prostaglandinas e leucotrienos, ereduzem a produção da série de prostaglandinas pró-inflamatórias

FONTE: FÜRST, 2000; SEIÇA, 2000.

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Os principais eletrólitos que acompanham os padrões de perda nitrogênica

em resposta ao trauma são: potassio, magnésio e fosfato. Zinco e ferro são

seqüestrados pelo fígado sofrendo uma diminuição nas concentrações plasmáticas

circulantes, o que pode representar um mecanismo de sobrevivência do hospedeiro

durante infecção, ao tornar zinco e ferro indisponíveis às bactérias em replicação.

Aumentos na concentração de ferro sérico durante infecção podem prejudicar a

resistência do hospedeiro neste período. O zinco é essencial para a cicatrização de

feridas. Há também perda urinária de muitas vitaminas, especialmente a vitamina A,

o que pode contribuir para aumento de morbilmortalidade em casos de algumas

infecções (LOWRY e SMITH, 2002).

A avaliação nutricional do paciente crítico é muito importante, uma vez que

pacientes previamente desnutridos têm menor capacidade energética para suportar

longos períodos de jejum e hipermetabolismo. Entretanto, as técnicas de avaliação

nutricional atualmente disponíveis apresentam inúmeras restrições à aplicação em

pacientes críticos, nos quais ocorrem muitas oscilações de peso devido à intensa

administração de fluidos intravenosos e redistribuição de água corporal total,

falseando o cálculo das necessidades protéico-calóricas relativas ao peso real. A

implementação precoce de nutrição artificial em pacientes críticos tem como objetivo

reduzir a proteose muscular e visceral ao fornecer substratos exógenos para síntese

de proteínas de fase aguda, que são priorizadas nas condições de estresse

metabólico. Contudo, persistem dúvidas quanto ao momento ideal de introdução da

terapia nutricional segundo a estabilidade hemodinâmica, perfusão intestinal,

esvaziamento gástrico e jejunal, e principalmente, alterações da oxigenação teci dual

(FRENHANI, 2000; WAITZBERG, 2001).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A desnutrição protéico-calórica, resultado de vários tipos de estados de

jejum, constitui doença intra-hospitalar de grande prevalência mundial, que dificulta a

resposta orgânica à terapia clínico-nutricional, além de contribuir para o aumento da

morbi/mortalidade. Enquanto no jejum não complicado ocorre progressiva diminuição

do gasto metabólico basal, no jejum complicado, alterações endócrino-metabólicas

contribuem para aumentar o gasto metabólico basal, o qual deverá diminuir após

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haver adaptação do organismo ao novo estado orgânico. Entretanto, quando houver

associação com traumas/infecções, o gasto energético poderá ser exacerbado em

intenso consumo muscular, levando o organismo a um estado de hipermetabolismo.

Em presença de trauma, o hipermetabolismo não revertido, resuttara em

desnutrição aguda com grave comprometimento das funções orgânicas, uma vez

que o organismo será obrigado a queimar proteina muscular e gordura de reserva

para sustentar as demandas energéticas aumentadas, com reflexos negativos para a

recuperação do paciente. A proteólise muscular ocorrerá na medida em que o

catabolismo tornar-se maior que a síntese protéica e os aminoácidos de cadeia

ramificada, da musculatura esquelética, passarem a ser utilizados como substratos

oxidativos, enquanto os aminoácidos glicogênicos deverão ser incorporados pelo

fígado para produzir glicose. Embora ocorra também lipólise, o tecido gorduroso será

relativamente poupado quando comparado com o tecido muscular. Estas alterações

decorrerão da resposta endócrina originada da ativação da complexa tríade formada

pelos hormônios: glucagon, catecolaminas e glicocorticóides, sob a estimulação do

eixo hipofisário-adrenal, na presença das citocinas IL 1-6 e a-TNF.

Em estados patológicos severos, dependendo das condições específicas da

situação e do paciente, o hipermetabolismo poderá induzir caquexia, caracterizada

por extensa e acelerada perda de massa muscular. Nestes processos, a atenuação

deste quadro, passa forçosamente pela atuação de uma equipe multi profissional,

devidamente habititada e quatificada, na qual a atuação do nutricionista, através da

terapia nutricional especializada, exerce papel fundamental para controle e/ou

reversão do processo. Portanto: a avaliação do estado nutricional deve ser

considerada como parte essencial da avaliação clínica, devendo ser utilizada como

base para o suporte nutricional no plano terapêutico geral de todo paciente

hospitalizado (BARON, 1997).

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