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Ano: 2010 . nr 09 . Mês: Outubro . Mensal . Director: António Serzedelo . Preço: 0,01 € 10 . 10 NR 09 WWW.JORNALOSUL.COM XEQUE Fraco rei faz fraca a forte genteera o que nos dizia Camões, em alturas semelhantes às que hoje vivemos. Ca- mões é uma múmia, bafienta e poeirenta, esmagada pelo peso das gerações que lhe sucederam ao longo de já cinco sé- culos. Queriam que ele se transformasse em símbolo, como forma de perdurar para além da carne putrefacta, mas aqueles que o queriam, já estão também tão mortos que são agora celebrados em centenário (o da implantação da república). Canta- dos, cantados, em rigor, nem por isso, uma vez que essas comemorações são apenas promovidas pela governança, colhendo total indiferença dos cidadãos. Esses ci- dadãos que estão entretidos no exercício do impossível - “Será possível passar pela chuva sem me molhar?” - perguntam as famílias portuguesas. Apesar da esperança alimentar sonhos do absurdo, a resposta é clara, Não!Não, não é por esse caminho que se cons- trói a utopia, a nossa utopia, hóstia lusi- tana de comunhão partilhada entre nós e os egrégios avós. Não, não nos devemos continuar a alienar numa amnésia colectiva luxuriosamente desejada, doce analgésico social. Não, não porque o egotismo há muito deveria ter sido enquadrado na sua justa medida; hoje todos trajamos em medidas grandes. Não, não porque fugir furiosamente em frente é nunca parar para saber assumir as responsabilidades e viver com elas. É tempo de nos determos, é a altura de olhar para as consequências do que fizemos, ou do que deixámos que fizessem em nosso nome e assumir responsabilidades. É este o tempo de andar à chuva! As múmias da cultura portuguesa demons- tram-nos que esta estrada já foi por nós trilhada. Financeiramente a fórmula má- gica é cortar nas despesas e aumentar nos ganhos. Aliás, para isso aparecem os tipos de fato luzente, cabelo empastado, títulos académicos ostensivamente pendurados na lapela, quais messias salvadores. O blá é sempre o mesmo, mas é do nosso desespero que lhes advém credibilidade. Fazem pare- cer que a lógica merceeira seja o objectivo que todos devemos almejar. Contradizem e contradizem a própria base da economia. Por este credo vendilhão continuamos alie- nados e atemorizados, mansos. A ansiedade torna-nos surdos e cegos e broncos. Onde fala o Ouro, cala-se a Razão. A verdadeira resposta para os duros, bem duros próximos dois anos que vamos viver, não radica em neo-sebastiães de pacoti- lha, mas na convicção que cada um de nós tem nas suas capacidades, no uso dessas faculdades em prol de si e em prol da sua comunidade, entendendo e praticando que o indivíduo é apenas uma pequena parte do todo. Quanto mais depressa compre- endermos esta realidade elementar, mais depressa recuperaremos a humildade que nos leva a um sentimento de equidade. Daí, a solidariedade é resposta lógica às neces- sidades. E é solidária e igualitariamente que podemos atingir a tão procurada liberdade. É tempo de abandonar atalhos, os esquemas, num país de esquemáticos anedotizados. Camões e as outras múmias da cultura por- tuguesa, mesmo mortos e enterrados, não negam nenhum do seu brilho nem força a quem os procura hoje; nós, os vivos, deso- rientados apresentamo-nos esfarrapados. É tempo de andar à chuva! José Luís Neto

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“Fraco rei faz fraca a forte gente” www.jornalosul.com José Luís Neto Ano: 2010 . nr 09 . Mês: Outubro . Mensal . Director: António Serzedelo . Preço: 0,01 € ca impediu que se fizessem também bons investimentos em bons projectos, de que me orgulho. em vez de trabalharmos fe- chados sobre nós mesmos, em falsa auto-suficiência, no umbigo do MC. NOV 2010 PUBLICIDADE

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Ano: 2010 . nr 09 . Mês: Outubro . Mensal . Director: António Serzedelo . Preço: 0,01 €

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www.jornalosul.com

Xeque“Fraco rei faz fraca a forte gente” era o que nos dizia Camões, em alturas semelhantes às que hoje vivemos. Ca-mões é uma múmia, bafienta e poeirenta, esmagada pelo peso das gerações que lhe sucederam ao longo de já cinco sé-culos. Queriam que ele se transformasse em símbolo, como forma de perdurar para além da carne putrefacta, mas aqueles que o queriam, já estão também tão mortos que são agora celebrados em centenário (o da implantação da república). Canta-dos, cantados, em rigor, nem por isso, uma vez que essas comemorações são apenas promovidas pela governança, colhendo total indiferença dos cidadãos. Esses ci-dadãos que estão entretidos no exercício do impossível - “Será possível passar pela chuva sem me molhar?” - perguntam as famílias portuguesas. Apesar da esperança alimentar sonhos do absurdo, a resposta é clara, “Não!” Não, não é por esse caminho que se cons-trói a utopia, a nossa utopia, hóstia lusi-tana de comunhão partilhada entre nós e os egrégios avós. Não, não nos devemos continuar a alienar numa amnésia colectiva

luxuriosamente desejada, doce analgésico social. Não, não porque o egotismo há muito deveria ter sido enquadrado na sua justa medida; hoje todos trajamos em medidas grandes. Não, não porque fugir furiosamente em frente é nunca parar para saber assumir as responsabilidades e viver com elas. É tempo de nos determos, é a altura de olhar para as consequências do que fizemos, ou do que deixámos que fizessem em nosso nome e assumir responsabilidades. É este o tempo de andar à chuva!As múmias da cultura portuguesa demons-tram-nos que esta estrada já foi por nós trilhada. Financeiramente a fórmula má-gica é cortar nas despesas e aumentar nos ganhos. Aliás, para isso aparecem os tipos de fato luzente, cabelo empastado, títulos académicos ostensivamente pendurados na lapela, quais messias salvadores. O blá é sempre o mesmo, mas é do nosso desespero que lhes advém credibilidade. Fazem pare-cer que a lógica merceeira seja o objectivo que todos devemos almejar. Contradizem e contradizem a própria base da economia. Por este credo vendilhão continuamos alie-nados e atemorizados, mansos. A ansiedade

torna-nos surdos e cegos e broncos. Onde fala o Ouro, cala-se a Razão.A verdadeira resposta para os duros, bem duros próximos dois anos que vamos viver, não radica em neo-sebastiães de pacoti-lha, mas na convicção que cada um de nós tem nas suas capacidades, no uso dessas faculdades em prol de si e em prol da sua comunidade, entendendo e praticando que o indivíduo é apenas uma pequena parte do todo. Quanto mais depressa compre-endermos esta realidade elementar, mais depressa recuperaremos a humildade que nos leva a um sentimento de equidade. Daí, a solidariedade é resposta lógica às neces-sidades. E é solidária e igualitariamente que podemos atingir a tão procurada liberdade. É tempo de abandonar atalhos, os esquemas, num país de esquemáticos anedotizados. Camões e as outras múmias da cultura por-tuguesa, mesmo mortos e enterrados, não negam nenhum do seu brilho nem força a quem os procura hoje; nós, os vivos, deso-rientados apresentamo-nos esfarrapados. É tempo de andar à chuva!

José Luís Neto

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O SUL – Enquanto Presidente do IPPAR foi o rosto da polí-tica de fusões do PRACE para o património, reestruturação que foi muito controversa, baseada em critérios eco-nomicistas. Acha que o fun-cionamento das instituições melhorou?Elísio Summavielle – Eu estou em total desacordo com essa visão. Eu formei-me profis-sionalmente no saudoso IPPC (Instituto Português do Patri-mónio Cultural), que juntava arquivos, bibliotecas, museus, património cultural e arqueo-logia. Era como que uma “hol-ding”, digamos assim, que a

todos reunia. Tinha cerca de 200 funcionários no total... Quando regressei em 2005 ao Ministério da Cultura, en-contro um IPPAR com mais de 800 funcionários, vejo a orga-nização patrimonial dividida em várias “mini-estruturas” (museus, arquitectura, arque-ologia, etc.), e vejo imperar um pouco a lógica dos “quintais”. Com melhores resultados?!... duvido. Defendo uma ges-tão partilhada e uma gestão integrada. E os resultados que estamos a alcançar este ano, provam que tinha razão. Ganhámos terreno e marcá-mos pontos em relação aos

objectivos que delineámos. E também porque, mais impor-tante que as instituições, são as pessoas e as equipas que as compõem, embora também ajude o desenho institucio-nal. Sou por isso favorável, e defendo as fusões possíveis. Numa administração públi-ca “engordurada”, como era o MC, faz sentido que se ra-cionalize, até porque a própria visão do Património mudou muito, face ao século passado. Conseguimos ganhar muito mais para o Património se tra-balharmos com a Economia, com o Ordenamento, com o Trabalho, com as Autarquias,

em vez de trabalharmos fe-chados sobre nós mesmos, em falsa auto-suficiência, no umbigo do MC.

S – No início de Outubro fo-ram anunciados cortes na despesa do Estado. Onde o serão na Cultura?ES – Exactamente nos mes-mos lugares onde serão nos outros sectores do Estado. É necessário ter consciência do esforço colectivo que todos temos de fazer! Não pesa-mos muito para o Orçamento global, mas pesamos alguma coisa, pelo que, teremos de participar solidariamente no esforço possível e necessá-rio que o Estado tem de fa-zer, no pressuposto de que partilhar projectos e custos com parceiros que garantam a sua sustentabilidade futura, é poupar recursos para garan-tir bons investimentos. Devo também acrescentar que o nosso esforço para conter a despesa já era anterior. Quan-do entrei para o IPPAR, herdei uma dívida de € 3,8 milhões a fornecedores. Quando vim para a Secretaria de Estado essa dívida já estava saldada, pelo que o meu sucessor já teve uma base de orçamen-to “Zero”. Nunca me calhou, para onde fui, ter acesso ao “reino da abundância”, deve ser sina minha…. Também sou chamado, entre outras coi-sas, para equilibrar as contas e as finanças. Mas isso nun-

ca impediu que se fizessem também bons investimentos em bons projectos, de que me orgulho.

S – Os arqueólogos portu-gueses são-lhe muito con-testatários. Ficou ligado à extinção do IPA, à extinção de centros de investigação especializada, à nomeação de um Subdirector para a arqueologia, que apesar de ser arqueólogo meritório, é figura pouco implicada na discussão dos rumos a seguir. E ainda há o conflito com o Director do Museu Nacional de Arqueologia. Como vê o contributo da arqueologia para a criação da cultura por-tuguesa e para a preservação da sua identidade?ES – A Arqueologia é muito importante para a cultura e para a identidade portugue-sa, desde o tempo de Leite de Vasconcelos. No que se refere aos arqueólogos “contesta-tários”, olhe que não, olhe que não… como diria o Dr. Cunhal, e deixe-me que lhe diga que o IPA era um insti-tuto algo residual, um mero efeito psicológico de Foz Côa, uma identidade administra-tiva que não tinha quadros. Tinha mais de 50 avençados e meia dúzia de quadros. As chamadas arqueociências eram dependentes de bolsas da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), como ainda são actualmente. Registe-se

“É nos momentos difíceis que se fazem as coisas mais interessantes”, diz o Secretário de Estado da Cultura, em entrevista a O SUL

O Dr. Elísio Summavielle, Secretário de Estado da Cultura, apresenta um sólido percurso técnico. Após concluir a licenciatura em História na Faculdade de Letras de Lisboa, ingressou na docência, por dois anos. Com a criação do Instituto Português de Património Cultural, vai integrar-se nele, primeiro como tarefeiro, depois nos seus quadros, na carreira técnica. Quando Jorge Sampaio ganha as eleições para a Câmara Municipal de Lisboa, em 1990, tendo João Soares como Verea-dor da Cultura, Summavielle junta-se a Soares para implementar a Divisão de Património Cultural. Após seis anos, com as acções de Lisboa 94 – Capital Europeia da Cultura como prova do saber fazer demons-trável, ingressa como Sub-director da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), vindo, em 2005, a ser nomeado como Presidente do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR). É na sua direcção que se dá o processo de fusão do IPPAR, com a DGEMN e com o Instituto Português de Arqueologia (IPA), criando o actual IGESPAR, no âmbito do PRACE. No segundo governo de José Só-crates é então nomeado Secretário de Estado da Cultura, ponto mais alto de uma carreira de serviço público, exclusivamente dedicada ao património cultural português. Conhecedor, controverso, frontal, mas não menos por isso um sedutor, assume as suas posições de forma muito clara, de uma coerência cristalina. Podemos concordar ou dis-cordar, mas há muito que o Ministério da Cultura (MC) e a Política do Património requeriam um modelo de gestão perceptível, com princípios claros que os norteassem.

“ são do tempo de Ma[Calculo que, dentro de dois a três anos, o monumento [Convento de Jesus] esteja utilizável

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A Política do Património Português em discussão

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“É nos momentos difíceis que se fazem as coisas mais interessantes”, diz o Secretário de Estado da Cultura, em entrevista a O SUL

que apenas uma clara mino-ria da corporação profissional criou algum ruído à volta das questões do PRACE. Creio que houve resistências de algumas pessoas, poucas no contexto geral, ao sentirem perder o seu “quintalinho”. No entanto, façam-se as contas, e isso é que conta, a arqueologia cres-ceu como nunca o antes acon-tecera. Hoje em dia, e com o crescimento exponencial de 50% nos últimos 5 anos, a actividade arqueológica m o v i m e n t a hoje dezenas d e m i l h õ e s de €/ano, en-quanto volume de negócios. Nada tem que ver com o que era num pas-sado recente. E esse efeito é também do grau de civilização que a Europa atingiu gradual-mente. Da mesma forma que já se ganhou uma geração para o ambiente, ainda não se ganhou totalmente para o património, mas para isso caminhamos. A arqueologia, enquanto actividade econó-mica, teve um forte impulso dado pela legislação actual, e só ganhou pela integração no IGESPAR. Hoje tem grande empregabilidade, como não tinha há 10 anos atrás. Quanto ao resto são só as chicanas

habituais, as polémicas na co-municação social, e na política parlamentar, absolutamente normais em democracia, e que fazem parte do nosso quoti-diano. Não vale a pena perder-se muito tempo com isso, haja sim muita paciência.

S – Manuel Maria Carrilho brindou o estado actual das políticas culturais portugue-

sas, grosso modo, como uma “brin-cadeira”. É certo que muitas das suas políticas es-tão actualmente desfeitas. Uma dessas heranças foi uma aposta forte na descen-tralização cultu-ral. Que medidas têm sido tomadas para corrigir as assimetrias re-

gionais? ES – Bom, estamos a entrar em dois níveis de intervenção. No que respeita ao Doutor Carrilho, a ideia e a vida do MC são hoje bem diferentes daquelas que procurou im-por enquanto Ministro: Um MC auto-suficiente, voltado para si próprio, com um bom livro de cheques, e com o seu próprio Quadro Comunitário de Apoio (o célebre “POC”). Desligado de toda e qualquer realidade transversal da nossa sociedade, desligado do que se estava a passar nas autar-

“ são do tempo de Manuel Maria Carrilho, lindíssimos centros interpreta-tivos, com arquitec-turas de autor, mas deixando os sítios, os “interpretados”, o património em si, a cair

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quias (que, nunca é demais sublinhar, representam 70% do investimento público em Cultura), no quadro de uma conjuntura financeira e econó-mica favorável (1995/2000), criou-se algo que não foi de todo prospectivo, nem pro-vou ser sustentável. O MC tem de estar ligado e preparado para dar resposta a todos os sectores do território e da sociedade. Herdámos uma belíssima rede de bibliote-cas, cujo arranque, em boa verdade, se deve a Santana Lopes enquanto Secretário de Estado da Cultura, e depois, já com Carrilho, herdámos uma rede de salas de espectáculos fantástica, que se estende de Bragança ao Algarve, mas que falecem de utilização, ou seja, o défice na produção e na oferta cultural continua a existir. Na área do Património, também são do tempo de Ma-nuel Maria Carrilho, lindíssi-mos centros interpretativos, com arquitecturas de autor, mas deixando os sítios, os “interpretados”, o património em si, a cair. Acresce que eram centros sem funcionários, e não podemos dizer abando-nados porque alguns nunca foram ocupados sequer. Sem meios, criámos gestões par-tilhadas com as autarquias para assegurar a sua abertura e fruição pública. Enfim, a minha ideia de MC é bem diferente da de M. M. Carrilho, mas o Século XXI também é diferente. Ele ti-nha a visão de um grande, vaidoso e majestático MC, à francesa, herdeiro das ideias de André Malraux, e do “fashionable” Jacques Lang, mas com uma raiz, ainda que indirecta e ténue, ao tempo das ditaduras europeias, e dos tristemente célebres “Mi-

nistérios da Propaganda”… S – O Doutor João Pedro Ri-beiro afirmou que o modelo público-privado da cidade romana de Tróia é um exem-plo de excelência. Todavia, para ser desfrutado, é obri-gatória marcação junto da SONAE, que pode recusar se o entender. Qual é a virtude deste modelo?ES – A questão não me pare-ce colocada nos termos mais correctos. A afirmação é do Doutor João Pedro Ribeiro e não sei se está completamen-te contextualizada, mas vejo mais a vossa questão como uma reclamação, o que, à partida, faz sentido. Agora é

preciso lembrar que desde os anos 80, com os trabalhos do Dr. Cavaleiro Paixão, houve muito, demasiado tempo, sem se fazer trabalho. A arqueóloga – Doutora Inês Vaz Pinto, tem levado a cabo um trabalho permanente, de qualidade, e o projecto de valorização das ruínas está a correr bem, con-tando na parte final, com um Centro museográfico dese-nhado pelo Arquitecto Alcino Soutinho, que permitirá de-pois as visitas com qualidade e regularidade, em que se visa a sua sustentabilidade futura. Neste momento é provável que seja assim, como refere, mas o sistema ainda está a ser

implementado. Temos de dar tempo, como em Foz Côa, que tem um sistema semelhante. Trata-se de um sítio arqueoló-gico de importância nacional, mas que se encontrava parado desde os anos 80 e esse é um facto. Hoje Tróia está substan-cialmente diferente, do ponto de vista arqueológico.

S – A fortaleza de S. Filipe está em claro risco de derrocada. Quem e quando se fará a con-tenção da encosta?ES – A fortaleza está classifi-cada e tudo o que respeite à conservação do monumento estatal diz respeito aos ser-viços deste Ministério e ao concessionário da pousada. A fortaleza, porém, está so-bre uma encos-ta, e aqui temos de enquadrar o problema, pois o MC não tem nem virá a ter, técnicos que saibam como conter encostas. Aqui entra o Mi-nistério do Am-biente, que tutela a área da nature-za (integrada no Parque Natural da Arrábida). A autarquia tem também um importante papel de interliga-ção, dada a proximidade. Entra também a Direcção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo, que integra Setúbal. Participei em duas reuniões sobre este assunto enquanto director do ex-IPPAR, sei que posteriormente houve con-tactos inter-ministeriais, mas infelizmente não houve ainda sequência. Trata-se de uma situação semelhante às mu-ralhas do castelo de Santarém. Há que fazer primeiramente a contenção da encosta. Te-

mos de ver, e compreender, que o Ministério do Ambiente gasta milhões todos os anos em contenção das encostas, e a verba nunca chega para as necessidades, como se viu recentemente no Algarve. É uma situação complicada, mas que é necessário preve-nir e resolver.

S – Para quando a abertura ao público do Convento de Je-sus, encerrado desde 1992?ES – A jóia mais importante do manuelino em Portugal é o Convento de Jesus. Por isso nunca consegui pactuar com uma situação de indiferença, muito embora o monumen-to esteja afecto ao museu de Setúbal. Senti que ao longo

de quase 20 a n o s t i n h a sido abando-n a d o p e l a s inst i tuições responsáveis, E, mais grave ainda, porque tal aconteceu no dito tempo das “vacas gor-das”, em que tanto dinheiro se gastou, nem sempre da me-

lhor forma. Foi para evitar a ruína do monumento que o acudimos, e recordo que em 2005, no claustro se andava de barco no Inverno. Iniciá-mos uma série de acções de emergência, cientes da pré-existência de um projecto “mirífico” de arquitectura, mas que não correspondia minimamente à realidade eco-nómica no terreno. Portanto deixámos, assumidamente, a ficção, e passámos à realidade: Tratámos do doente, fizemos medicina preventiva, nas feri-das que tinham de ser tratadas,

“ Se achar que “abandonado” é uma palavra muito forte, posso dizer-lhe que durante 20 anos [o Convento de Jesus] não teve qualquer intervenção de con-servação preventiva

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e agora, procuramos passar da consolidação à reabilitação. Vamos começar uma emprei-tada grande que recupere as salas, os acessos e que crie as infra-estruturas, para torná-lo utilizável a nível cultural. A seguir caberá ao município fazer a instalação do museu. Há aqui uma partilha de res-ponsabilidades. Nós cuidámos do monumento, mesmo numa altura muito complicada do ponto de vista financeiro, em que lenta mas seguramente vamos fazendo o trabalho. Calculo que, dentro de dois a três anos, o monumento esteja utilizável. Depois disso, a sua gestão será responsabilidade da autarquia.

S – Das suas palavras pode-mos depreender que o Con-vento foi deixado ao abando-no propositadamente durante quase 20 anos. Percebemos bem?ES – Posso-lhe dizer que não foi cuidado. Se achar que “abandonado” é uma palavra muito forte, posso dizer-lhe que durante 20 anos não teve qualquer inter-venção de conser-vação preventiva. Quanto ao resto a questão deve ser colocada a quem exercia as fun-ções directivas do IPPAR, e no MC de então. A importân-cia do monumento é tão grande, que justificava uma intervenção e investimento de recursos nesta recuperação, até porque havia a certeza de que a autarquia não tinha possibilidades técnicas de a fazer, embora nesta nova fase tenha contribuído, e bem, com a arqueologia, que ali foi realizada.

S – Grupos de teatro de Setú-bal queixam-se recorrente-mente de serem prejudicados nos concursos da Direcção Geral das Artes, pois afirmam que são sempre os mesmos que são apoiados pelo Esta-do, independentemente do mérito das suas propostas. Que comentário faz a estas afirmações?ES – Eu entendo, eu entendo. A área específica sobre o que me perguntam não me está atribuí-da, é da competência da Senhora Ministra, mas ela tem a perfeita noção de que isso acontece e tem a perfeita noção da reali-dade do terreno. Penso ser uma questão que deve ser dirigida a ela. Aquilo que lhe posso dizer é que, nestes tempos difíceis de contenção e poupança, obri-gam-nos a pensar e repensar toda esta arquitectura de apoios, na certeza que estamos cientes da realidade que o país vive nes-te momento. Temos uma cultu-ra bem viva no interior, gente a mexer de Norte a Sul do país, e os próprios autarcas falam da necessidade destes apoios serem equilibradamente dis-

tribuídos pelo resto do país. Uma mudança estrutural, que pode passar pelas Direc-ções Regionais de Cultura, com mais massa crítica, e mais próximas das autarquias e das

realidades. Pode passar por aí, mas a Senhora Ministra ainda está a estudar a melhor forma, e a analisar com profundidade as várias perspectivas possíveis. O que lhe garanto é que não es-tamos descansados.

Leonardo Silva e José Luís Neto

“ [A Fortaleza de S. Filipe] é uma situação compli-cada, mas que é necessário prevenir e resolver

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Logo que ouvi Sócrates so-bre os cortes nos salários dos trabalhadores do Estado veio-me à cabeça a pergunta: como pode o Estado alterar unilateralmente a remune-ração dos trabalhadores que estão em regime de contrato individual de trabalho, con-trato celebrado entre partes juridicamente iguais?De seguida veio um outro membro do governo, senão me engano o Secretário de Estado do Orçamento ou coisa parecida, dizer que os cortes nos vencimentos se aplicam a todas as empre-sas ou entidades maioritáriamen-te participadas pelo Estado. Esta afirmação, para além de reiterar a primeira, levanta ainda o problema do âmbito de apli-cação: vai atingir toda e qualquer empresa ou enti-dade, mesmo? Vai envolver a CGD e respectivo grupo empresarial, a TAP, a ANA e mais não sei quantas? Qual é a lógica destas empresas serem

englobadas, se o dinheiro que daí for retido não vai para os

cofres do Mi-nistério das Finanças? Pelo menos em via directa, não irá. Nem são elas, ao que julgo saber, contabiliza-das nos défices do Estado e na dívida sobera-na, nem serão chamadas a contribuir, a

não ser por via de dividen-dos, a participar nessa con-tabilidade.

Esperemos então com aten-ção aos desenvolvimentos dos próximos dias...É porém no plano dos prin-cípios que a minha questão deve ser entendida. Não me passa pela cabeça, por exem-plo, defender uma divisão ou absolvição dos que estão em contrato individual em relação às dores deste processo, por comparação com os velhos funcionários públicos nome-ados por via administrativa (dos quais de resto sou repre-sentante).Alguns saberão que o Esta-do promoveu nos últimos 10 anos importantes alterações ao comando administrativo

e jurídico de diversas com-ponentes do seu aparelho económico com a criação das Entidades Empresariais e Sociedade Anónimas de capitais públicos. Embora com variado fundamento ideológico e político, essas transformações visaram a desorçamentação de secto-res tão importantes como a saúde. Essa transformação foi encetada, com promessas de mais autonomia e negociação laboral, na medida em que o fim do contrato adminis-trativo a favor do contrato individual abriria uma era de negociação colectiva com a passagem dos trabalhado-

res para a tutela da legislação laboral geral ou pelo menos com a adopção de muitas das suas regras. De resto, inde-pendentemente do calculis-mo táctico das forças hege-mónicas, existe um debate na esquerda sobre a reforma do Estado onde se valoriza a ideia de uma progressiva desestatização dos comandos sobre o espaço económico a favor de mais autonomia e auto-responsabilização dos seus trabalhadores. Nes-te sentido, a conquista da contratação colectiva, por exemplo, poderá no futuro ser instrumento para gerar as condições de emergência de uma nova economia. Não obstante este processo, pleno que está de incertezas quanto ao seu desfecho his-tórico, coloca agora o Estado perante os limites da própria reforma que encetou. A ver-dade é que não é justificável interferir num contrato de tra-balho por via administrativa, por decreto ou despacho, de-signadamente para proceder a diminuições salariais fora do código laboral e da legis-lação que o tutela. Como não é aceitável que uma entidade empregadora o faça em qual-quer ramo da economia. A minha pergunta portanto é apenas esta: qual é o fun-damento legal para o Estado decretar a baixa unilateral das retribuições dos seus trabalhadores contratados ao abrigo do regime do contrato individual de trabalho?Julgo que este problema no sapato do PEC III ainda vai ser objecto de muita polémica.

Paulo Fidalgo,Dirigente dos Renovadores Comunistas

Um problema no sapato do PEC III

L e i 5 9 / 2 0 0 8 , d o contrato individual em funções públicasArtigo 89.ºG a r a n t i a s d o trabalhadorÉ proibido à entidade e m p r e g a d o r a pública:....d ) D i m i n u i r a remuneração, salvo nos casos previstos na lei;...

“ (...) qual é o fundamento legal para o Estado decre-tar a baixa unilate-ral das retribuições dos seus trabalha-dores contratados ao abrigo do regime do contrato individual de trabalho?

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Calça os teus sapatos e dá o próximo passoEm inglês chamou-se “Put on your walking shoes and take the next step”, cuja tradução livre para português dá algo como “Tira o pó dos teus sa-patos de andar e anda daí”, mais coisa menos cosia. Foi esse o título do intercâmbio de jovens promovido pela Experimentáculo no passa-do mês de Setembro, em Se-túbal, com 36 participantes provenientes de seis países da União Europeia, nomeada-mente Espanha, França, Itália, Eslovénia, Noruega e, claro, Portugal. O objectivo? Dar a conhecer o distrito de Setúbal, tanto cultural, como política e socialmente, e discutir formas e ideias para um desenvolvi-mento sustentável e integrado, especialmente tendo em conta um sem-número de investi-mentos de grande porte agen-dados para a região, reais ou irreais (olá alta velocidade, olá novo aeroporto, olá platafor-ma logística do Poceirão….). E, já agora, tendo em conta que 2010 é o Ano Internacional da Biodiversidade, claro está.Os jovens permaneceram 8 dias em Setúbal, uma semana intei-ra em que a Experimentáculo promoveu uma série de oficinas de trabalho e qua-tro caminhadas de longa distância por diferentes locais do distrito: a Serra da Arrábida, Tróia, Se-simbra e a zona do Arco Ribeirinho Sul. A ideia foi levar os jovens ao terreno, tentando mostrar a diversidade geo-gráfica e territorial de Setúbal ao contactarem com quatro tecidos bastante espe-cíficos e diferentes entre si: a montanha, a praia, o campo e a indústria.

Conhecemos a nossa região melhor que ninguém, mas acostumamo-nos a vê-la de perto. E, por vezes, a nossa análise peca por defeito, uma vez que não o conseguimos fazer com um afastamento suficiente, tanto físico como emocional. Por isso, é sem-pre interessante (e impor-tante, porque não dize-lo)

ouvir as opi-niões de quem está de fora. Assim, conhe-cer e observar Setúbal pelos olhos de ter-ceiros foi uma e x p e r i ê n c i a extremamente valorosa.Depois de lan-çadas algumas

bases teóricas, os participan-tes tiveram possibilidade de ir ao terreno. Primeira paragem: Serra da Arrábida. A existên-cia da Secil no seio do parque

natural foi vista com descon-fiança, mas no final acabaram por se mostrar compreensivos, louvando o esforço da empresa em minimizar o seu impacto ambiental na serra e na cida-de, tanto na reflorestação da pedreira como na redução da emis-são de dioxinas. No fundo, não deixam de ter razão. Não deveríamos estar igualmente pre-ocupados com as fábricas que ope-ram junto ao es-tuário do Sado e que parecem não ter tanto controle ambiental quanto a Secil?A segunda paragem levou-os a viajarem de ferry-boat até Tróia. Aí houve uma ideia qua-se unânime: o projecto turís-tico parece desproporcionado para as actuais necessidades do mercado. No entanto, como encontraram uma zona balne-

ar de potencial enorme com as melhores das infra-estruturas acabaram por se mostrar algo divididos. Desagradados ape-nas com o estado lastimável com que encontraram a zona da Caldeira, onde cadáveres

do que outrora foram embar-cações convi-vem com uma imensidão de lixo no areal. Falta de limpeza das autoridades competentes, mas também falta de bom-senso e civismo

por parte das pessoas, prova-velmente durante as festivi-dades de Tróia em honra da padroeira dos pescadores.A terceira visita começou com uma caminhada pelo eixo Mata de Sesimbra, Lagoa de Albufeira, Alfarim e Meco. Depois de estranharem mais um plano para um empreen-

dimento turístico na mata e se deliciarem a banhos no ocea-no, uma novidade para mui-tos deles, os jovens tiveram oportunidade de conhecer a vila de Sesimbra. E aí foram unânimes: uma localidade que conserva a sua especificidade, com grande potencial natural e excelentes condições para um futuro agradável e sus-tentável.Por fim, última visita ao Arco Ribeirinho Sul, com paragens no ex-estaleiro da Lisnave, na Margueira, na Siderurgia Na-cional, no Seixal, e no actual espaço reconvertido da Qui-miparque, no Barreiro. Não foi fácil explicar o projecto que requalifica a zona cos-teira com vista para Lisboa da margem sul do Tejo, marcada pelo estigma industrial, mas tornou-se mais fácil depois de compará-la com a inter-venção feita no actual Parque das Nações, que a maioria já conhecia. E, a partir daí, foi vê-los fascinados com a po-tencialidade dos espaços, ima-ginando utópicas estruturas de diversão no gigante arco da Lisnave ou visitas guiadas aos submarinos estacionados junto do Arsenal do Alfeite.No último dia, os jovens pude-ram apresentar as suas con-clusões e ideias à comunidade em geral, numa conferência na Escola Profissional de Setú-bal que, infelizmente, registou pouca afluência das entidades competentes. A excepção foi a autarquia setubalense, a junta de São Sebastião, em Setúbal, o Instituto Português da Ju-ventude e o jornal Setúbal na Rede. As restantes deixaram os sapatos de andar a apanhar pó no armário.

Pedro SoaresExperimentáculo

“ conhecer e observar Setúbal pelos olhos de terceiros foi uma experiência extre-mamente valorosa.

“ os jovens pu-deram apresentar as suas conclusões e ideias à comu-nidade em geral, numa conferência na Escola Profis-sional de Setúbal

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Misteriosas pinturas que se escondem nas paredes das casas dos Centros Históricos

Corria o ano de 2005, quando se realizou a interven-ção arqueológica do edifício sito no cruzamento da Avenida 22 de Dezembro e Avenida 5 de Outubro, na freguesia de S. Julião. No segundo andar, onde actualmente se encontra insta-lada uma imobiliária, foi des-coberto um conjunto de pin-turas murais. A sala Noroeste, precisamente a que faz cruza-mento entre as duas vias públi-cas estava repleta de paisagem naturalistas. Tratava-se de um conjunto de paisagens, com uma palete cromática extre-mamente contida, onde pre-dominava o azul conjugado com o ocre, complementado pontualmente com o verde, o rosa velho, o castanho e o vermelho. Reporta-se a diver-sas paisagens dos arredores de Setúbal, algo idealizadas, onde imperava o natural sobre o humano, que foi reduzido a dimensões mínimas. Foi o caso de um moinho de vento, bem como o de um moi-nho de maré. Fla-grante era a figu-ração num des-ses painéis, onde os pescadores aí presentes foram reduzidos a um esquiço de dimen-sões minúsculas. Aliás, nesse painel, que retratava uma praia, pareceu inspirar-se na praia Maria Esguelha (Albar-quel), a partir da famosa rocha

a poente da praia. Outro, por exemplo, apresentava um moi-nho de maré, com uma quinta por detrás do mesmo. Com estas indicações temos, dos vários moinhos de maré, o já arruinado moinho das Praias do Sado, que poderá ter inspi-rado aquela paisagem. Outro ainda, na base, apresentava aloés, típico cacto das figura-ções das paisagens da Pré-Ar-rábida, claramente indicativo de que se tratam de paisagens dos arredores de Setúbal.

Foi feito o levantamento de repintes, o registo e con-servação de pinturas murais. Foram observados através da abertura de “janelas”, rea-lizadas mecanicamente com bisturis de diversas lâminas e finos pincéis. Realizou-se a avaliação técnica da sua exe-cução, de uma forma não des-trutiva, atendendo à fragilidade das próprias pinturas, com fre-quentes destaques, que foram aproveitados para permitirem

a análise estra-tigráfica das mesmas. Todas elas consistiam em frescos, ou seja, pinturas feitas num pre-parado de cal e gesso, ligados

com água, que eram coloca-das sobre uma camada de cal e areia, ligadas por água, com uma granulometria de maior dimensão. Ao serem colocadas

nas paredes, tinham de ser tra-balhadas ainda húmidas, com os pigmentos naturais mistu-rados com água, o que a torna numa técnica que implica perí-cia de execução. As paredes que sustentavam as pinturas correspondiam a paredes de tabique (não estruturais) ou de argamassa de areia e cal, com pedras de diversos cali-bres (estruturais).

De um ponto de vista téc-nico datamos as pinturas de finais do Século XIX, inícios do Século XX. Quanto à autoria parece-nos não restarem dúvi-das. Tratava-se de uma obra de Francisco Augusto da Silva Flamengo (1852 – 1915). Sobre

este pintor veja-se o livro de João Francisco Envia – Setuba-lenses de mérito, Ed. de autor, vol. 1, Setúbal, 2003, entre as páginas 159 e 161. Trata-se de “um pintor sem escola, numa arte espontânea, individual, com uma modéstia muito sua, e sem o alarde de ostentação dos seus trabalhos”. Traba-lhou tanto em tela, como em cenografia e murais. Apren-deu com João Elói do Amaral “que o descobriu pelas ruas da cidade, de pé descalço, fazendo desenhos, com pedaços de car-vão, nas paredes dos prédios”. A sua obra é vasta e enraizada em Setúbal, sendo autor dos retratos do benfeitores da

Santa Casa local, de vários cenários para revistas, entre outros, tendo igualmente cola-borado nas pinturas do Tea-tro D. Amélia, com João Vaz e João Elói do Amaral. “Nas suas obras, estão incluídos varia-díssimos quadros represen-tando aves, peixes, frutos e flo-res, assim como muitos tre-chos de Setúbal e arredores, tais como romarias, pastagens, lezírias, figuras típicas, passe-antes etc., um todo dos mais variados assuntos que encanta quem os admira”.

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“ Foi feito o levantamento de repintes, o registo e conservação de pinturas murais.

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Prima Folia ON TOUR – Raid JORDÂNIA

A Prima Folia vai empreen-der uma primeira viagem de estudo e descoberta. O destino escolhido foi um ponto nevrál-gico, onde se decidem as sortes do sucesso da nossa contem-poraneidade e modelo de vida. Ali se cruza Ocidente e Oriente, numa região que é um caldeirão cultural milenar, onde as ideias correm e colidem a alta veloci-dade. Ali se cruzaram egípcios com mesopotâmicos, roma-nos com persas, cristãos com maniqueus e mitraicos, gre-gos com indianos, fim das rotas cameleiras do incenso e iní-cio de todas as outras. É ali que residem as nossas esperanças para uma resolução pacífica do problema israelo-palestiniano, ali estará a bolsa de paz para o Iraque e Síria e o aliado con-tra o extremismo islâmico que ressurge no Egipto pós-Nasser. Trata-se também de um lugar

mítico para Lawrence da Ará-bia e a morada do Santo Grall de Indiana Jones.

Uma vez mais, como várias vezes ao longo dos milénios, é ali que se decide o nosso hoje e amanhã globais. A Jordânia é uma monarquia constitucio-nal, baseada em constituição de 1952. O território que hoje é a Jordânia é parte de uma região historicamente rica. A sua história começa em 2000 a.C., quando os Semitas forma-ram uma colónia em redor do rio Jordão numa área chamada Canaã. Subsequentes invaso-res e colonos incluíram egíp-cios, israelitas, assírios, babi-lónios, persas, gregos, roma-nos, muçulmanos árabes, cru-zadas cristãs, turcos otoma-nos e, finalmente, os britânicos. A Jordânia é essencialmente um grande planalto cuja alti-tude vai decrescendo desde

as serras relativamente bai-xas da zona ocidental (altitude máxima de 1754 m no monte Ramm, a sudoeste) até ás fron-teiras orientais. A parte ociden-tal é a mais acidentada, não só devido às cadeias montanho-sas, mas também à descida abrupta até à depressão que liga o mar Vermelho ao mar Morto e ao rio Jordão. Todo o país é desértico ou semi-desér-tico, sendo a zona menos árida também aquela onde se aglo-mera a maior parte da popu-lação: a região noroeste, sepa-rada da Cisjordânia pelo Jor-dão. As maiores cidades são Amã e Irbid. O país depende da exploração de fosfatos, car-bonato de potássio, do turismo, da comercialização de fertili-zante e de outros serviços. Estas são suas fontes principais do salário da moeda corrente dura. Na falta de florestas, reservas

de carvão, energia hidroelé-trica e de depósitos de petró-leo comercialmente viáveis, a Jordânia aposta no gás natural para suprir internamente pelo menos parte de suas necessi-dades de energia, importando o petróleo do Iraque.

A maior parte dos cerca de 6 milhões de habitantes são de origem árabe. As princi-pais minorias étnicas corres-pondem à dos arménios e a um reduzido grupo de origem caucasiana. Quase os habi-tantes são Muçulmanos Suni-tas, embora existam peque-nas comunidades Xiitas e Cristãs – das quais um terço pertence à Igreja Ortodoxa Grega. A elevada taxa de nata-lidade (3,6 filhos por mulher) e o ingresso de imigrantes cons-tituem a base do alto cresci-mento demográfico. As con-dições climáticas e a disponi-

bilidade de água são os facto-res que determinam distribui-ção da população, concentra-das nas proximidades do Lago Tiberíades, do Mar Morto e ao longo do Rio Jordão.

A todos os interessados em participar nesta viagem, infor-mamos que esta só é possí-vel com 30 participantes e que devem enviar o nome, a morada, telefone fixo, tele-móvel, e-mail, n.º de passa-porte, n.º do Bilhete de Iden-tidade e do Cartão de Contri-buinte para Maria Madalena Fialho, cooperante da Prima Folia responsável deste pro-jecto, com a maior brevidade possível, através dos seguin-tes contactos (a data limite é 15 de Novembro):

Maria Madalena Fialho 917 65 0177/265 553 240 ou [email protected]

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AS MARÉS DE TRÓIA (Notas históricas)

Estas linhas foram moti-vadas pela singular ilustra-ção que acompanha o artigo de A. Monteiro “O Naufrá-gio da Nuestra Señora del Rosario” (O Sul, n.º 3). No notável documento carto-gráfico reproduzido (Barra do Sado, de Pedro Teixeira, 1634) regista-se a penín-sula de Tróia, figurando-se a capela de N. Senhora, junto à “caldeira”, claramente dese-nhada. Adentro desta, o sin-gular cartógrafo desenhou e identificou um moinho!

Os moinhos de maré. Edi-fícios de planta rectangular e de volumetria generosa, os moinhos de maré impuse-ram-se aproveitando a ener-gia produzida pela amplitude das marés. Os primeiros terão sido construídos no Algarve. Os moinhos de maré eram, em geral, pertença do rei, de fidal-gos, de instituições religio-sas. No Sado está documen-tada a existência de quatro destes engenhos: o de Tróia, o da Mourisca (ainda conser-vado), o das Praias e o Moi-nho Novo.

O Moinho de Maré de Tróia.

Situava-se na albufeira natu-ral existente naquela penín-sula. Lê-se numa carta de sesmaria, de 1502: “… em a vila de Setúbal perante Luís de Barros, escudeiro da casa do Senhor duque de Coimbra (…) compareceu João Gonçalves e Alemoa, sua mulher, e logo por eles foi dito ao dito almo-xarife que lhe pediam que lhe dessem de ses-maria uma terra e um esteiro da lagoa de Tróia p a r a ( … ) n o esteiro fazer m o i n h o s d e moer pão (…) ficando a dita sesmaria para logramento do povo da dita vila, segundo sempre foi costume, somente o logramento da água da maré que por ela entra para moendo dos moinhos que hão de fazer em cima do cabo da dita lagoa no esteiro que vai acima dela”.

Em 1541 o moinho estava na posse de Tristão Delgado, cavaleiro da Casa de D. Jorge, e carecia de urgentes reparos. Em 1575 laboravam “carrega-dores do moinho de Tróia”, o que parece querer indicar que

o transporte do grão e da fari-nha era feito por via fluvial. Depois, aquele moinho repre-senta-se numa carta do estu-ário do Sado (finais do séc. XVI). Em 1611 p e r t e n c i a a Miguel Serrão e a Luísa Del-gada de Aguiar, sua mulher. Em meados de oito-centos ainda f u n c i o n a v a

como pode confirmar-se nas Informações paroquiais de 1758: “…pelo que respeita ao termo desta vila e distrito da minha freguesia há quatro moinhos, a saber: o da Mou-risca, outro o Moinho Novo, outro o moinho das praias,

estes da parte do Norte, e da parte do Sul o moinho de Tróia”.

Quando terá sido abando-nado e desmantelado, pois dele não restam vestígios físicos?

Em 1816, o senhor de Tróia – M. C. de França Arrais Mas-carenhas – outorgou arrendar a José de Oliveira Perdigão aquela propriedade, nome-adamente “… todo o terreno a que chamam Hortinha” excepto “o moinho edificado no dito sítio e as proprieda-des de casas”. Numa posterior escritura, de 1873, o moinho já não é referido.

Volver ao passado é, neste caso, olhar para uma das for-mas de que os nossos avós se socorreram para se pro-verem do pão quotidiano, valendo-se, também, de uma energia limpa e reno-vável! Saibamos nós – enle-ados na dependência das energias fósseis – entender o exemplo que nos apon-tam aqueles antepassados. Discorrer sobre o moinho de Tróia é ensejo, também, para melhor conhecermos

o passado daqueles areais e para repensarmos o pre-sente daquela bela penín-sula, os usos que fazemos e que queremos dela fazer. Nos inícios de quinhentos – quando caravelas e naus portuguesas já sulcavam, com à-vontade, os oceanos do Mundo, ainda há pouco desconhecidos repositórios de insondáveis mistérios – em Tróia de Setúbal constru-íam-se moinhos que apro-veitavam a força das marés. Hoje são outras as marés que se aproveitam em Tróia. Na fruição daquela península – excepcional pelos dotes da Natureza e pelos regis-tos da História – saibamos respeitá-la, do mesmo modo que os nossos antepassados a respeitaram e, se possível for, sem esquecer o princí-pio expresso na citada carta de sesmaria de 1502, permi-tindo que ela continue a ser “para logramento do povo da dita vila [Setúbal], segundo sempre foi costume”.

Carlos [email protected]

“ Volver ao passado é, neste caso, olhar para uma das formas de que os nossos avós se socorreram para se proverem do pão quotidiano, valen-do-se, também, de uma energia limpa e renovável!

A barra do Sado, de Pedro Teixeira (1634), in “El atlas del Rey Planeta: la descripción de España y de las costas y puertos de sus reinos”

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Os negros do SadoOs negros de Alcácer do

Sal, apesar de muito referidos, efectivamente só no Século XX começaram a ser estuda-dos, mas foi José Leite de Vas-concellos, ainda em Oitocen-tos, que lançou o repto para esta problemática. De 1895 é o pri-meiro texto de Leite de Vascon-cellos, logo no volume I, n.º 3 do “O Archeologo Portuguez”, intitulado “Uma raça originária da Africa”. Começa assim; “Há muito tinha eu ouvido fallar da existencia de uma raça especial no concelho de Alcacer-do-Sal; mas nada sabia ao certo. Essa raça existe effectivamente e é originaria da Africa. Parece que foi o Marquês de Pombal quem tentou aclimatá-los nos terrenos sazonais do Sado. Como não me ocupo especialmente de Anthro-pologia, não tomei a respeito d’ella notas circunstanciadas, e deixo o estudo do assumpto aos especialistas. Observei contudo alguns exemplares. São mulatos, e alguns de côr bastante carre-gada, de cabelo encarapinhado (daí a expressão dos Carapinhas do Sado), nariz platyrrinnico. O foco central d’esta raça é S. Romão do Sado, mas encon-tram-se exemplares até o Val-de-Guiso, Alto Sado (região que abrange Santa Margarida-do-Sado e S. Mamede) e mesmo na Villa de Alcacer. É curioso veri-ficar modernamente no nosso país esta influência de san-gue africano, assim em larga escala.”

Seguem-se informações his-tóricas referindo duas influ-ências africanas em Portugal – uma antiga devido à proxi-midade dos dois continentes, europeu e africano, com as con-quistas e incursões de africa-nos; outra moderna, devida à expansão portuguesa. E termina assim: “Mas se haviam já sido

indicadas, como acabo de dizer, as provas de influencia geral das raças africanas no nosso povo, influência não limitada a esse ou àquelle local, e sim dispersa por todo o país, o exemplo que acabo de citar, de Alcácer-do-Sal, mostra propriamente uma colónia, embora circunscrita.”

Este texto voltou a ser publi-cado em 1927, no volume II da sua interessantíssima obra “De Terra em Terra”. Antes, porém, em 1920, José Leite de Vascon-cellos volta ao tema, no “Bole-tim de Etnografia” n.º 1, em que acrescenta observações, por si realizadas: prognatismo muito manifesto numa mulher, cor pálida ou morena nuns indi-víduos, e fosca ou quase preta noutros e no homem fotogra-fado, amulatado, com as mãos mais brancas na palma que no dorso, cabelo e barba um pouco encarapinhados e nariz largo. Refere ainda que ouviu dizer a vários mulatos que S. Romão era uma ilha de Pretos. E finda deste modo: “Pouco a pouco a raça vai-se diluindo no grosso da população circunvizinha; merecia a pena estudar profun-damente o assunto e para ele mais uma vez chamo a aten-ção dos nossos anthropologos, que aí encontrariam elementos para a solução de vários pro-blemas (cruzamentos, trans-missão de caracteres, etc,); esse estudo devia estender-se ao das localidades para onde os Pretos ou Mulatos do Sado têm emi-grado. Pena é que não se desco-brisse ainda algum documento que nos esclarecesse acerca da data em que na Ribeira do Sado se fixou a raça africana (“raça negra”), cujos descendentes estão diante de nós.”

Maria Cristina NetoHistoriadoraO Negro, 1869, óleo sobre tela, 73,7 x 58,6 cm, João António Correia (1822-1896), Museu de Soares dos Reis , Porto, Portugal

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A culpa é das cabrasÀs vezes sinto a letar-

gia cultural desta cidade na pele. A letargia, a apatia e a passividade (que que entra-nha-se-me nos ossos). Sin-to-a ao expoente máximo e apetece-me rebentar com um centro comercial.

A falta de actividades, ou o facto de sermos habitantes de uma cidade longe da perfeição no que diz respeito a activida-des culturais (ou melhor aos espaços que a câmara pode ”ceder” que carecem em quan-tidade, disponibilidade e qua-lidade), faz com que alguns de nós sonhem mais alto e que eventualmente ousem tornar esses delírios realidade. Tal-vez esta seja a vantagem de estarmos numa cidade assim – existe sempre a possibili-dade desta se tornar mais bonita e aprazível para se viver (passem o cinismo, vá lá, eu pelo menos estou a ten-tar). É exactamente isso que acontece, sempre em espaços pequenos, onde a afluência de espectadores é tanta que não nos conseguimos mexer um centímetro, tal é a FOME. Foi o que aconteceu na pas-sada noite de 4 de Outubro no bar MamaRosa com a peça de teatro intitulada “A Rosa ou quem é Cabra”, criada por Ana Lázaro, Rita Cruz e Sílvia Figueiredo. Trata-se de uma produção com uma qualidade e acuidade estética que sur-preendem com a sua simpli-cidade, com um texto que, também ele, demonstra uma maturidade e inteligência pró-prios de algo maior cuja pre-sença ultrapassou as paredes do espaço, atingiu todos os espectadores, enchendo a sala (ups, o bar…) de sorrisos e uma grande salva de palmas assus-tadoramente honesta!

São alguns dos bares de Setúbal que são as salas de concertos, as galerias de arte e os palcos de teatro da cidade. A qualidade de mui-

tos dos espectáculos que pas-sam por estes espaços noc-turnos é avassaladora (para não falar na afluência). Pas-sem o departamento da cul-

tura a estes senhores, ou ofe-reçam-lhes espaços maio-res! Era melhor do que terem feito o túnel do vento… o Zeca Afonso deve estar a dar vol-

tas na campa. Eu, no lugar dele, estaria…

Francisco NoáArtista Plástico

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Há muito tempo que já teria sido justo escrever sobre um espaço que em muito tem aju-dado a agitar o actual para-digma cultural nocturno, que ganhou densidade e dimensão com a sua existência – falo-vos do mamaRosa, sito na Travessa dos Galeões, em Setúbal. A vida nocturna está longe de ter de ser apenas um beber decadente até à exaustão e degradação do ser humano, mas pode e deve sim ser um acto criativo e esté-tico enriquecedor, amplamente democrático e inclusivo. Desde a sua criação que o mamaRosa tem assumido sem preconcei-tos a primazia na promoção e produção cultural em estabe-lecimentos privados, princi-palmente a musical, tornan-do-o em muito mais do que um espaço comercial, um verda-deiro lugar de culto. Ali se reali-zaram aulas de danças variadas, com docentes reputados, ali se apresentou o novo circo com Enano, reconhecido palhaço activista, ali se divulgaram os problemas de Xiapas – México, por vozes próprias e ali se apre-sentou, em Setúbal, A Rosa ou quem é a cabra, após a resi-dência na Comuna, em Lisboa. Também seria injusto não refe-rir as várias exposições que têm sido realizadas, estando patente, de momento, a última de Fran-cisco Noá, onde a partir de um conjunto de naturezas mor-tas, queimadas pelo fogo, esse ermo de desolação, consegue o artista reinventar o acto da criação da vida, emprestando àquelas sombras chamusca-das e vazias, formas que lan-çam sentidos de orientação no aparente absurdo e restituem a espe-rança de novo fio de vida que já brota dos cadáveres vegetais.

É evidente que a música, na tra-dição do anterior Take 5, continua a ser o forte, mas tor-nou-se mais eclé-tica, tendo para além do jazz, a fusão, o country, o reggae, a world music, a ópera e experimentalismos vários de vanguarda. Com regularidade semanal, vem-nos mostrando artistas reputados que nunca tinham actuado em Setúbal,

portugueses e estrangeiros, dos vários cantos da Europa e da África. Dá palco regu-lar a bem conhecidos músi-cos setubalenses apresentan-

do-se regu-larmente ao seu público mais fiel, o setubalense. F a l o - v o s d a C l a s s e d e J a z z D a m s o m , d e M a r c o Alonso Trio, a acordeo-nista Celina Piedade, o

João da Ilha, o Quinteto de Jazz de Setúbal, os Rain Cats, os Zigzagaita e os Logadogue Swing Project.

Todas estas razões, por si, justificariam destaque em

página de forma, porém, lan-çou-se, a 14 de Outubro, para nos acompanhar nestas noites de Estio, sempre às Quintas-feiras, o One Show. Trata-se de um conceito muito sim-ples, mas que se espera que venha a ter penetrantes impli-cações no meio da música em Setúbal. Qualquer pessoa que tenha pretensões ou talentos musi-cais inscreve-se no estabeleci-mento, sendo que naquela noite fixa da semana apre-sentará o seu tra-balho no palco. Não se trata de u m e s p a ç o e um palco ape-nas para bandas, mas igual-mente para quintetos, quarte-tos, trios, duos, cantaautores

e poetas. Tal permitirá a pos-sibilidade de apresentar pro-jectos novos, numa casa que conta já com muitos nomes consagrados no cardápio. Honra-se assim a audácia e a criatividade humana, o génio que tanto nos faz falta nestes períodos de crise, o golpe de asa. E fazê-lo será certamente

em festa, com partilha e com alegria. Assim se louva a arte em terra de musas.

As mais das vezes louva-mos os escri-tores, inclusive neste jornal, mesmo este

cronista, mas esquecemos a importância das editoras, pois sem elas nunca os seus

escritos chegariam até nós. O mesmo se passa quando louvamos artistas plásticos e esquecemos as galerias, endeusamos actores e reali-zadores, mas esquecemos o papel das produtoras. Aqui, onde não existem editoras discográficas nem os promo-tores abundam, este projecto do mamaRosa é uma lufada de ar fresco, é criativo, ori-ginal, pertinente, necessário e denota um perspicaz bom gosto. Cumpre-nos desejar-lhe longa e intensa vida. Assim fica demonstrado ser o enge-nho o ingrediente principal hoje, tal como noutros tem-pos, para se fazer cultura aqui ou em qualquer outro lugar, cumprindo verdadeiro serviço de utilidade pública.

José Luís Neto

Estrasburgo

“ Qualquer pes-soa que tenha pre-tensões ou talentos musicais inscreve-se no estabelecimento, sendo que naquela noite fixa da semana apresentará o seu trabalho no palco.

“ Aqui, onde não existem editoras discográficas nem os promotores abun-dam, este projecto do mamaRosa é uma lufada de ar fresco

“Sem título XII (a montanha está na minha garganta)”, Mixed media, 50 x 40cm, Francisco Noá

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FICHA TÉCNICA:Propriedade e Editor: Prima Folia - Cooperativa Cultural, CRL Morada: Rua Fran Paxeco nr 178, 2900 Setúbal Telefone: 96 388 31 43 NIF: 508254418 Director: António Serzedelo Subdirectores: José Luís Neto Consultor Especial: Fernando Dacosta e Raul Tavares Conselho Editorial: Catarina Marcelino,Hugo Silva, Leonardo da Silva, Maria Madalena Fialho, Paulo Cardoso Directora de Arte: Rita Oliveira Martins Consultor Artístico: João Raminhos Morada da redacção: Rua Fran Pacheco n.º 176 1.º andar 2900-374 Setúbal E-mail: [email protected] Site: http://www.jornalosul.com Registo ERC: 125830 Depósito Legal: 305788/10 Periodicidade: Mensal Tiragem: 10.000 exemplares Impressão: Tipografia Rápida de Setúbal Morada da tipografia: Travessa Gaspar Agostinho, nr 1 - 2º - 2900-389 Setúbal Telefone: 265 539 690 Fax: 265 539 698 E-mail: [email protected]

Aaah!, a praia. Deus sabe que eu desisti de frequentar a praia. Há anos. Por razões médicas. A doença, não-es-tou-para-isso-lopatia, a isso obriga. Sério. Verdade que eu sou o meu próprio médico. Mas, e haverá alguém melhor que eu para saber de mim? Afinal, é tão só da minha saúde que aqui se trata.

Porque, convenhamos: a praia é sinónima de excesso. De excesso de calor. De excesso de areia. De excesso de água. De excesso de pessoas. E do excesso de pessoas que me enchem de areia e de água. Praia, minha querida? Lamento. A nossa relação tem limites no sacrifício humano. Especial-mente no meu. Ler, então, é um exercício votado à desilusão. Não há descanso ou apoio lom-bar que ajude. E, perante isto, o que resta? Pouco. Nada. Princi-palmente porque é do conhe-cimento geral que a televisão e o respectivo leitor de dvd pre-cisam de uma tomada eléctrica para funcionar.

Estou sozinho no senti-mento? Não parece. Por estes dias, os habituais visitantes do Portinho da Arrábida sem dúvida que me acompanham na afecção caseira. Porque, de facto, se a coisa anteriormente já só por razões extraordiná-rias se suportava, aparente-mente, agora, não se reco-menda de todo. Culpa do lixo, naturalmente, que, pela zona, segundo consta, já se confunde perfeitamente com uma qualquer espécie indí-gena em incontrolável repro-dução; do trânsito – caótico, claro; da areia, que não se encontra; e dos pedregulhos que, tudo indica, desceram a encosta para apreciar igual-mente a maravilha de estar a banhos. As acessibilidades, então, parece que estão de morrer. Literalmente. Porque é preciso descer um precipício de 6 metros de altura em ape-

nas 50 cm de largo para che-gar à base do sítio. Subir uma montanha é desporto radi-cal? Experimentem desce-la

com uma sombrinha às cos-tas, uma geleira numa mão e um par de “anjos” irrequietos na outra, onde sobreviver ao

dia para mais tarde o recor-dar é a única recompensa que verdadeiramente interessa.

Por tudo isto, os utentes e comerciantes da zona has-tearam uma bandeira negra no, calculo que eufemístico, areal da praia. Em luto. Em protesto. Afinal, descobriu-se, a Arrábida e o Portinho estão nomeados para um concurso que visa eleger as «7 Mara-vilhas Naturais de Portugal» – um divertimento pateta de um conjunto de mentes triste – e que tem como objectivo principal «divulgar as bele-zas» nacionais, bem como, igualmente, «alertar para a necessidade da sua preser-vação». O que, bem a ver, faz sentido: se por um lado as belezas que actualmente por aqui se podem encontrar já são poucas, em compensa-ção, as neces-s i d a d e s d e preservação das mesmas são muitas . E, pelos crité-rios, metade da vitória já ninguém nos tira.

A dra. Dores Meira, presi-dente da Câmara Municipal de Setúbal, aliás, concorda. A excelsa edil, que, aparen-temente, desenvolveu uma estranha mas prodigiosa capacidade de mergulhar de cabeça em todas as aglomera-ções reivindicativas, desde que exista uma câmara em redor capaz de eternizar o momento, interrompeu mesmo as suas férias para se poder jun-tar ao protesto e fazer saber que está disposta a dialogar com alguém sobre a situa-ção. Com quem, a senhora não sabe propriamente. Nem, realmente, isso a parece pre-ocupar. Porque a senhora tem certezas. Duas, pelo menos:

primeiro que a Câmara nada pode fazer em relação ao assunto; segundo, que a culpa do assunto repousa por completo no Ministério do Ambiente e nos incontá-veis organismos públicos que aparentemente detêm a res-ponsabilidade sobre a zona. Dito assim, não duvido.

Mas há quem duvide. A Autoridade Regional Hidro-gráfica (ARH), por exem-plo, um dos organismos que ninguém, até à data, pode-ria suspeitar que existisse, já veio informar que a culpa, na verdade, é da dra. Dores Meira que, no fundo, não apanha o lixo que adorna a praia por-que não quer. Estranhamente, ninguém achou de bom tom culpar minimamente os ani-mais incivilizados, que se

pavoneiam pelo local de calções de banho, que decidiram dei-xar um rasto de imundice à sua passagem. Por-menores, natu-ralmente.

É claro que nada disto espanta. E é claro que nada disto é novo. Ape-sar de conceder

que está pior e de admitir que não venha a ficar melhor. De resto, se por uma estranha e incompreensível ocorrência, a Arrábida e o Portinho não vie-rem a ser premiados como uma das «Maravilhas Naturais de Portugal», restar-nos-á com certeza a consolação apreciável de poder continuar a usufruir de uma costa votada ao com-pleto abandono e variado des-respeito. Esse sim, um verda-deiro e justo prémio que todos, sem dúvida, aplicadamente se esforçaram por merecer.

Tiago Apolinário BaltazarEstudante Universitário

Um prémio merecido

“ Verdade que eu sou o meu próprio médico. Mas, e ha-verá alguém melhor que eu para saber de mim? Afinal, é tão só da minha saúde que aqui se trata.

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