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Cad. Brás. Ens. Fís., v. 19, n.3: p.291-313, dez. 2002. 291 NOVOS RUMOS PARA O LABORATÓRIO ESCOLAR DE CIÊNCIAS +* A. Tarciso Borges Colégio Técnico da UFMG Belo Horizonte MG Resumo Este trabalho discute o papel das atividades práticas no ensino de ciências e revê como o laboratório escolar de ciências tem sido usado. Discute os pressupostos sobre a natureza do conhecimento que suportam esses usos e os equívocos a que conduzem. Descreve algumas alternativas potencialmente mais relevantes e pedagogicamente interessantes que temos estudado, em contraste com os tipos de atividades fortemente estruturadas tradicionalmente utilizadas pelos professores. Em particular, defende a adoção de uma ampla gama de atividades prático-experimentais não necessariamente dirigidas como os tradicionais roteiros experimentais e uma mudança de foco no trabalho no laboratório, com o objetivo de deslocar o núcleo das atividades dos estudantes da exclusiva manipulação de equipamentos, preparação de montagens e realização de medidas, para outras atividades que se aproximam mais do fazer ciência. Essas atividades mais envolvem a manipulação de interpretações e idéias sobre observações e fenômenos que objetos, com o propósito de produzir conhecimento. Entre elas: a análise e interpretação dos resultados, a reflexão sobre as implicações destes e a avaliação da qualidade das evidências que suportam as conclusões obtidas. + New directions for the school science laboratory * Recebido:julho de 2002. Aceito: novembro de 2002. Este trabalho é baseado em um texto destinado a discutir o papel das atividades práticas em um curso para a formação de especialistas em ensino de ciências. O texto original foi apresentado como comunicação oral e publicado nas Atas do I ENPEC, Águas de Lindóia, SP, 27-29 de novembro, 1997. Porto Alegre: Instituto de Física da UFRGS, p. 2-11.

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NOVOS RUMOS PARA O LABORATOacuteRIO ESCOLAR DE CIEcircNCIAS+

A Tarciso Borges Coleacutegio Teacutecnico da UFMG Belo Horizonte MG

Resumo

Este trabalho discute o papel das atividades praacuteticas no ensino de ciecircncias e revecirc como o laboratoacuterio escolar de ciecircncias tem sido usado Discute os pressupostos sobre a natureza do conhecimento que suportam esses usos e os equiacutevocos a que conduzem Descreve algumas alternativas potencialmente mais relevantes e pedagogicamente interessantes que temos estudado em contraste com os tipos de atividades fortemente estruturadas tradicionalmente utilizadas pelos professores Em particular defende a adoccedilatildeo de uma ampla gama de atividades praacutetico-experimentais natildeo necessariamente dirigidas como os tradicionais roteiros experimentais

e uma mudanccedila de foco no trabalho no laboratoacuterio com o objetivo de deslocar o nuacutecleo das atividades dos estudantes da exclusiva manipulaccedilatildeo de equipamentos preparaccedilatildeo de montagens e realizaccedilatildeo de medidas para outras atividades que se aproximam mais do fazer ciecircncia Essas atividades mais envolvem a manipulaccedilatildeo de interpretaccedilotildees e ideacuteias sobre observaccedilotildees e fenocircmenos que objetos com o propoacutesito de produzir conhecimento Entre elas a anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos resultados a reflexatildeo sobre as implicaccedilotildees destes e a avaliaccedilatildeo da qualidade das evidecircncias que suportam as conclusotildees obtidas

+ New directions for the school science laboratory

Recebidojulho de 2002 Aceito novembro de 2002

Este trabalho eacute baseado em um texto destinado a discutir o papel das atividades praacuteticas em um curso para a formaccedilatildeo de especialistas em ensino de ciecircncias O texto original foi apresentado como comunicaccedilatildeo oral e publicado nas Atas do I ENPEC Aacuteguas de Lindoacuteia SP 27-29 de novembro 1997 Porto Alegre Instituto de Fiacutesica da UFRGS p 2-11

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Palavras-chave Laboratoacuterio investigaccedilotildees abertas resoluccedilatildeo de problemas problemas praacuteticos ensino-aprendizagem de ciecircncias

Abstract

This article discusses the role of practical activities in the teaching of sciences and reviews how the school science laboratory has been used The presuppositions regarding the nature of the knowledge that sup-ports these uses and the mistakes to which these lead are dis-cussed Some of the potentially more relevant and pedagogically inter-esting alternatives that have been studied are described and con-trasted with the kinds of highly structured activities traditionally used by teachers In particular this article defends the adoption of a broad range of practical-experimental activities not necessarily directed in the same way as traditional practical schemes also recom-mended is a change of focus in laboratory work with the objec-tive of shifting the centre of the students activities from exclusive manipulation of equipment assembly of apparatus and the recording of measurements to other activities that bring the students closer to the way that science is conducted These activities involve more the ma-nipulation of interpretations and theories about observations and phenomena rather than objects and the proposition of knowledge pro-duction Amongst the activities are the analysis and interpretation of results reflection on the implications of these results and the assess-ment of the quality of evidence that supports the conclusions ob-tained

Keywords Laboratory open investigations problem solving prac-tical problems teaching-learning of science

I Introduccedilatildeo

A qualidade do ensino provido pelos sistemas escolares agraves crianccedilas e jovens tem sido objeto de debates ao longo de vaacuterias deacutecadas culminando com os chamados para a reforma desses sistemas e dos curriacuteculos vigentes O ensino tradicional de ciecircncias da escola primaacuteria aos cursos de graduaccedilatildeo tem se mostrado pouco eficaz seja do ponto de vista dos estudantes e professores quanto das expectativas da sociedade Esta situaccedilatildeo natildeo eacute privileacutegio das ciecircncias mas se estende a outras aacutereas de conhecimento como indicam os resultados conseguidos por grupos de estudantes brasileiros nas avaliaccedilotildees nacionais e no recente projeto PISA (OCDE 2001) A escola tem sido criticada pela baixa qualidade de seu ensino por sua incapacidade em preparar os estudantes para ingressar no mercado de trabalho ou na universidade por natildeo

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cumprir adequadamente seu papel de formaccedilatildeo das crianccedilas e adolescentes e pelo fato de que o conhecimento que os estudantes exibem ao deixar a escola eacute fragmentado e de aplicaccedilatildeo limitada Tampouco a escola conseguiu fazer dos mesmos pessoas acostumadas a tomar decisotildees a avaliar alternativas de accedilatildeo de maneira criacutetica e independente e a trabalhar em cooperaccedilatildeo

Vaacuterias satildeo as causas apontadas para explicar a ineficiecircncia do sistema escolar A educaccedilatildeo como absoluta prioridade nacional ainda permanece apenas no plano da retoacuterica oficial dos governos dos estados e federaccedilatildeo No entanto algumas medidas foram e continuam sendo implementadas como o aumento da carga horaacuteria obrigatoacuteria introduccedilatildeo de novas disciplinas programa de avaliaccedilatildeo de livros didaacuteticos e mudanccedilas na forma de organizaccedilatildeo do trabalho escolar Essas mudanccedilas ocorrem lentamente ao passo que outras igualmente importantes e urgentes vatildeo sendo proteladas como a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos educacionais da profissatildeo de professor e de programas para o aperfeiccediloamento e desenvolvimento profissional dos docentes Ao lado dessas dificuldades gerais as vaacuterias disciplinas que compotildeem o curriacuteculo apresentam problemas especiacuteficos de aprendizagem Os pesquisadores educacionais tecircm se debruccedilado sobre estas questotildees e se ainda natildeo haacute consenso haacute um razoaacutevel entendimento do que poderia ser feito para diminuir a enorme distacircncia que nos separa em termos de qualidade de educaccedilatildeo puacuteblica de outras naccedilotildees No entanto as pesquisas educacionais permanecem igualmente desconhecidas para governantes e professores

No caso de Ciecircncias tecircm havido em vaacuterios paiacuteses movimentos de reforma curricular desde os grandes projetos de intervenccedilatildeo da deacutecada de 60 ateacute accedilotildees mais localizadas e orientadas pelo crescente corpo de conhecimento sobre as concepccedilotildees alternativas dos estudantes a respeito de vaacuterios toacutepicos de Fiacutesica e das dificuldades especiacuteficas de aprendizagem que eles enfrentam Antes de tudo eacute preciso enfatizar que o ensino natildeo soacute de ciecircncias eacute uma atividade complexa e problemaacutetica Isso se deve ao fato de natildeo existir uma tradiccedilatildeo de praacuteticas sociais de ensino suficientemente estaacuteveis que possam ser amplamente compartilhadas e que resistam agraves mudanccedilas contiacutenuas natildeo soacute no contexto fiacutesico e soacutecio-cultural da escola mas tambeacutem mudanccedilas nos professores e seus estudantes provocadas por novos valores conhecimentos e crenccedilas novas percepccedilotildees e maturaccedilatildeo Isso nos remete para a formaccedilatildeo dos professores visto que cada um deles deveria estar consciente desse espectro de possibilidades de transformaccedilotildees em si proacuteprio em seus colegas em seus estudantes e em seu ambiente de trabalho

e flexiacutevel para modificar sua forma atuaccedilatildeo em resposta agraves mudanccedilas percebidas

Trata-se de um problema extremamente complexo e de larga escala Nesse trabalho nossa preocupaccedilatildeo seraacute apenas com as consequumlecircncias advindas de como os professores de ciecircncias entendem aquilo que ensinam e como crecircem que podem fazecirc-lo melhor Isso estaacute relacionado em grande parte com as metas estabelecidas pelos curriacuteculos (reconhecidas como legiacutetimas pelos professores) para a educaccedilatildeo em ciecircncias As mudanccedilas nestas metas acarretam mudanccedilas nos proacuteprios conteuacutedos de

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ensino e nas teacutecnicas de ensino As metas que mais comumente expressam aquilo que os estudantes devem aprender tecircm sido

1) Adquirir conhecimento cientiacutefico 2) aprender os processos e meacutetodos das ciecircncias 3) compreender as aplicaccedilotildees da ciecircncia especialmente as relaccedilotildees entre

ciecircncia e sociedade e ciecircncia-tecnologia-sociedade (Bybee e DeBoer 1996) De acordo com essa proposta os estudantes deveriam conhecer alguns dos

principais produtos da ciecircncia ter experiecircncia com eles compreender os meacutetodos utilizados pelos cientistas para a produccedilatildeo de novos conhecimentos e como a ciecircncia eacute uma das forccedilas transformadoras do mundo Um exemplo disso pode ser encontrado nos Paracircmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Meacutedio (MEC 1999) que propotildee que o ensino de ciecircncias deve propiciar ao educando compreender as ciecircncias como construccedilotildees humanas entendendo como elas se desenvolvem por acumulaccedilatildeo continuidade ou ruptura de paradigmas relacionando o desenvolvimento cientiacutefico com a transformaccedilatildeo da sociedade (p 107)

Os professores de ciecircncias tanto no ensino fundamental como no ensino meacutedio em geral acreditam que a melhoria do ensino passa pela introduccedilatildeo de aulas praacuteticas no curriacuteculo Curiosamente vaacuterias das escolas dispotildeem de alguns equipamentos e laboratoacuterios que no entanto por vaacuterias razotildees nunca satildeo utilizados dentre agraves quais cabe mencionar o fato de natildeo existirem atividades jaacute preparadas para o uso do professor falta de recursos para compra de componentes e materiais de reposiccedilatildeo falta de tempo do professor para planejar a realizaccedilatildeo de atividades como parte do seu programa de ensino laboratoacuterio fechado e sem manutenccedilatildeo Satildeo basicamente as mesmas razotildees pelas quais os professores raramente utilizam os computadores colocados nas escolas Muitos professores ateacute se dispotildeem a enfrentar isso improvisando aulas praacuteticas e demonstraccedilotildees com materiais caseiros mas acabam se cansando dessa tarefa ingloacuteria especialmente em vista dos parcos resultados que alcanccedilam Eacute um equiacutevoco corriqueiro confundir atividades praacuteticas com a necessidade de um ambiente com equipamentos especiais para a realizaccedilatildeo de trabalhos experimentais uma vez que podem ser desenvolvidas em qualquer sala de aula sem a necessidade de instrumentos ou aparelhos sofisticados Os movimentos de reforma curricular nas uacuteltimas deacutecadas deram imenso destaque ao ensino no laboratoacuterio como por exemplo PSSC e os vaacuterios cursos da Nuffield Foundation Natildeo obstante o papel que o laboratoacuterio deve ter no ensino de ciecircncias estava longe de ser claro para o professor Em parte as dificuldades com as atividades praacuteticas derivam de uma postura equivocada quanto agrave natureza da Ciecircncia (Hodson 1988 Millar 1991)

A importacircncia e o prestiacutegio que os professores atribuem ao ensino praacutetico deve-se agrave popularizaccedilatildeo nas uacuteltimas deacutecadas das ideacuteias progressistas ou desenvolvimentalistas no pensamento educacional que descendem de Rousseau Pestalozzi Spencer Huxley Dewey entre outros (Bybbe e DeBoer 1996) A ideacuteia central eacute qualquer que seja o meacutetodo de ensino-aprendizagem escolhido deve mobilizar a atividade do aprendiz em lugar de sua passividade Usualmente os

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meacutetodos ativos de ensino-aprendizagem satildeo entendidos como se defendessem a ideacuteia de que os estudantes aprendem melhor por experiecircncia direta Embora verdadeiro em algumas situaccedilotildees esse entendimento eacute uma simplificaccedilatildeo grosseira como apontam os trabalhos baseados nas ideacuteias de Dewey Piaget e Vigotsky entre outros O importante natildeo eacute a manipulaccedilatildeo de objetos e artefatos concretos e sim o envolvimento comprometido com a busca de respostassoluccedilotildees bem articuladas para as questotildees colocadas em atividades que podem ser puramente de pensamento Nesse sentido podemos pensar que o nuacutecleo dos meacutetodos ativos (pode-se ateacute chamaacute-lo de trabalhos ou atividades praacuteticas para significar que estaacute orientado para algum propoacutesito) natildeo envolve necessariamente atividades tiacutepicas do laboratoacuterio escolar

Atividades de resoluccedilatildeo de problemas modelamento e representaccedilatildeo com simulaccedilotildees em computador desenhos pinturas colagens ou simplesmente atividades de encenaccedilatildeo e teatro cumprem esse papel de mobilizar o envolvimento do aprendiz Essas atividades apresentam muitas vezes vantagens claras sobre o laboratoacuterio usual uma vez que natildeo requerem a simples manipulaccedilatildeo agraves vezes repetitiva e irrefletida de objetos concretos mas de ideacuteias e representaccedilotildees com o propoacutesito de comunicar outras ideacuteias e percepccedilotildees Obviamente todas elas podem ser associadas a certos aspectos materiais A materializaccedilatildeo de um modelo de uma representaccedilatildeo de uma encenaccedilatildeo etc requer objetos que natildeo satildeo necessariamente os mesmos de uma atividade de laboratoacuterio A riqueza desse tipo de atividade estaacute em propiciar ao estudante a oportunidade e ele precisa estar consciente disso

de trabalhar com coisas e objetos como se fossem outras coisas e objetos em um exerciacutecio de simbolizaccedilatildeo ou representaccedilatildeo Ela permite conectar siacutembolos com coisas e situaccedilotildees imaginadas o que raramente eacute buscado no laboratoacuterio expandindo os horizontes de sua compreensatildeo

II O laboratoacuterio tradicional

Para um paiacutes onde uma fraccedilatildeo consideraacutevel dos estudantes nunca teve a oportunidade de entrar em um laboratoacuterio de ciecircncias pode parecer um contra-senso questionar a validade de aulas praacuteticas especialmente porque na maioria das escolas elas simplesmente natildeo existem De fato haacute uma corrente de opiniatildeo que defende a ideacuteia de que muitos dos problemas do ensino de ciecircncias se devem agrave ausecircncia de aulas de laboratoacuterio Para os que compartilham desta opiniatildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria para a melhoria da qualidade de ensino consiste em equipar as escolas com laboratoacuterios e treinar os professores para utilizaacute-los Entretanto mesmo nos paiacuteses onde a tradiccedilatildeo de ensino experimental estaacute bem sedimentada a funccedilatildeo que o laboratoacuterio pode e deve ter bem como a sua eficaacutecia em promover as aprendizagens desejadas tecircm sido objeto de questionamentos o que contribui para manter a discussatildeo sobre a questatildeo haacute alguns anos (veja Woolnough 1991 White1996)

Dessa discussatildeo parece resultar uma posiccedilatildeo unacircnime de desaconselhar o uso de laboratoacuterios no esquema tradicionalmente usado pelo seu impacto negativo sobre a aprendizagem dos estudantes White comenta que os resultados e conclusotildees de

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muitas pesquisas sobre a eficaacutecia dos laboratoacuterios decepcionam pois conflita com teorias e expectativas Noacutes preferimos pensar que os laboratoacuterios funcionam porque acrescentam cor a curiosidade de objetos natildeo-usuais e eventos diferentes e um contraste com a praacutetica comum na sala de aula de permanecer assentado

(White 1996 p761) No que eacute denominado laboratoacuterio tradicional o aluno realiza atividades praacuteticas envolvendo observaccedilotildees e medidas acerca de fenocircmenos previamente determinados pelo professor (Tamir 1991) Em geral os alunos trabalham em pequenos grupos e seguem as instruccedilotildees de um roteiro O objetivo da atividade praacutetica pode ser o de testar uma lei cientiacutefica ilustrar ideacuteias e conceitos aprendidos nas aulas teoacutericas descobrir ou formular uma lei acerca de um fenocircmeno especiacutefico ver na praacutetica o que acontece na teoria ou aprender a utilizar algum instrumento ou teacutecnica de laboratoacuterio especiacutefica Natildeo se pode deixar de reconhecer alguns meacuteritos nesse tipo de atividade por exemplo a recomendaccedilatildeo de se trabalhar em pequenos grupos o que possibilita a cada aluno a oportunidade de interagir com as montagens e instrumentos especiacuteficos enquanto divide responsabilidades e ideacuteias sobre o que devem fazer e como fazecirc-lo outro eacute o caraacuteter mais informal do laboratoacuterio em contraposiccedilatildeo agrave formalidade das demais aulas

As principais criacuteticas que se fazem a estas atividades praacuteticas eacute que elas natildeo satildeo efetivamente relacionadas aos conceitos fiacutesicos que muitas delas natildeo satildeo relevantes do ponto de vista dos estudantes jaacute que tanto o problema como o procedimento para resolvecirc-lo estatildeo previamente determinados que as operaccedilotildees de montagem dos equipamentos as atividades de coleta de dados e os caacutelculos para obter respostas esperadas consomem muito ou todo o tempo disponiacutevel Com isso os estudantes dedicam pouco tempo agrave anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos resultados e do proacuteprio significado da atividade realizada Em geral eles percebem as atividades praacuteticas como eventos isolados onde o objetivo eacute chegar agrave resposta certa (Tamir 1989) Natildeo eacute surpreendente assim que o laboratoacuterio seja pouco efetivo em provocar mudanccedilas nas concepccedilotildees e modelos preacutevios dos estudantes em proporcionar uma apreciaccedilatildeo sobre a natureza da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica e em facilitar o desenvolvimento de habilidades estrateacutegicas (White 1996 Gagneacute 1970) Alguns criacuteticos mais veementes argumentam que aleacutem disso os laboratoacuterios de ciecircncias satildeo caros que o uso de equipamentos soacute encontrados nos laboratoacuterios torna o ensino distante da experiecircncia fora de sala de aula do aluno e que a proacutepria complexidade das montagens constitui uma forte barreira para que o estudante compreenda as ideacuteias e conceitos envolvidos nas atividades praacuteticas

As criacuteticas que se colocam ao modo como as atividades praacuteticas satildeo tradicionalmente utilizadas nas escolas apontam que aleacutem de sua completa inadequaccedilatildeo pedagoacutegica sua fundamentaccedilatildeo epistemoloacutegica eacute equivocada (Hodson 1988 Millar 1991) Esse quadro natildeo eacute exclusivo do laboratoacuterio haja visto que vaacuterios dos livros-textos de Fiacutesica e de ciecircncias mais populares no paiacutes sofrem da mesma deficiecircncia (Moreira e Ostermann 1993) Essa concepccedilatildeo empirista-indutivista da ciecircncia a qual Chalmers (1993) denomina de indutivismo ingecircnuo assume que o conhecimento cientiacutefico eacute a verdade provada ou descoberta que tem origem no acuacutemulo de

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observaccedilotildees cuidadosas de algum fenocircmeno por uma mente livre de preacute-concepccedilotildees e sentimentos que aplica o meacutetodo cientiacutefico para chegar a generalizaccedilotildees cientificamente vaacutelidas Essa concepccedilatildeo de ciecircncia acaba por conferir um peso excessivo agrave observaccedilatildeo em detrimento das ideacuteias preacutevias e imaginaccedilatildeo dos estudantes Aleacutem disso representa o meacutetodo cientiacutefico como um algoritmo infaliacutevel capaz de produzir conhecimento cientificamente provado comeccedilando com observaccedilotildees objetivas e neutras formulaccedilatildeo de hipoacuteteses comprovaccedilatildeo experimental e generalizaccedilatildeo das conclusotildees Haacute dois problemas seacuterios e sem soluccedilatildeo com essa visatildeo

Em primeiro lugar essa concepccedilatildeo particular do processo de produccedilatildeo do conhecimento sugere para professores e estudantes que as atividades praacuteticas escolares satildeo da mesma natureza e tecircm a mesma finalidade que as atividades experimentais e de observaccedilatildeo que os cientistas fazem nos seus laboratoacuterios de pesquisa As atividades praacuteticas e os experimentos cientiacuteficos satildeo atividades bem distintas com objetivos bastante diferentes O cientista passou anos de sua vida estudando uma determinada aacuterea da ciecircncia e quando se prepara para realizar um experimento ou conjunto de experimentos ele o faz para resolver um problema que o interessa e para o qual pode estar buscando uma soluccedilatildeo haacute muito tempo Assim quando ele realiza um experimento este vem precedido de muito estudo e reflexatildeo planejamento e preparaccedilatildeo Nesse periacuteodo anterior agrave efetiva concretizaccedilatildeo do experimento o cientista toma uma seacuterie de decisotildees para definir e delimitar o que iraacute fazer e medirobservar que criteacuterios usaraacute para checar a precisatildeo e a confiabilidade dos resultados que controles exerceraacute sobre a situaccedilatildeo entre outras Em segundo lugar tendo sido criticada por vaacuterios filoacutesofos como por exemplo Popper Russel-Hanson Feyerabend Kuhn e Toulmin esta imagem da ciecircncia que ainda permeia muitos dos nossos livros didaacuteticos de ciecircncias naturais especialmente aqueles utilizados na Educaccedilatildeo Baacutesica estaacute completamente superada nos ciacuterculos acadecircmicos haacute vaacuterias deacutecadas

A aceitaccedilatildeo dessas criacuteticas natildeo implica entretanto aceitar a argumentaccedilatildeo de que as atividades praacutetico-experimentais de ciecircncias satildeo supeacuterfluas e que elas podem portanto ser descartadas para o bem dos professores dos estudantes e da proacutepria escola que estes poderiam repensar o aproveitamento do tempo destinado a tais atividades bem como dos espaccedilos ocupados por salas especiais de laboratoacuterio onde existem Aliaacutes da forma como vemos a questatildeo natildeo haacute a necessidade de um ambiente especial reservado para tais atividades com instrumentos e mesas para experiecircncias mas somente que haja planejamento e clareza dos objetivos das atividades propostas Segundo Tamir (1991) um dos principais problemas com o laboratoacuterio de ciecircncias eacute que se pretende atingir uma variedade de objetivos nem sempre compatiacuteveis com um mesmo tipo de atividade Eacute certo que com um mesmo conjunto de materiais um professor criativo pode planejar vaacuterias atividades diferentes com objetivos claramente distintos como por exemplo aprender a usar um instrumento para fazer leituras obter uma imagem de um fenocircmeno ainda natildeo observado aprender estrateacutegias para lidar com os erros e incertezas inerentes ao processo de mediccedilatildeo procurar evidecircncias da existecircncia de alguma relaccedilatildeo entre grandezas envolvidas na situaccedilatildeo e outros Sem

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duacutevida que as atividades praacuteticas podem propiciar ao estudante imagens vividas e memoraacuteveis de fenocircmenos interessantes e importantes para a compreensatildeo dos conceitos cientiacuteficos Atraveacutes delas o estudante pode ser educado para fazer mediccedilotildees corretamente e procurar relaccedilotildees entre variaacuteveis

A questatildeo que se coloca eacute o laboratoacuterio pode ter um papel mais relevante para a aprendizagem escolar Se pode de que maneira ele deve ser organizado A resposta para a primeira questatildeo eacute sem duacutevida afirmativa o laboratoacuterio pode e deve ter um papel mais relevante para a aprendizagem de ciecircncias O fato de estarmos insatisfeitos com a qualidade da aprendizagem natildeo soacute de ciecircncias sugere que todo o sistema escolar deve ser continuamente repensado Com raras exceccedilotildees natildeo se cogita a extinccedilatildeo da escola por causa de suas dificuldades Da mesma forma o que precisamos eacute encontrar novas maneiras de usar as atividades praacutetico-experimentais mais criativa e eficientemente e com propoacutesitos bem definidos mesmo sabendo que isso apenas natildeo eacute soluccedilatildeo para os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias

A ciecircncia em sua forma final se apresenta como um sistema de natureza teoacuterica Contudo eacute necessaacuterio que procuremos criar oportunidades para que o ensino experimental e o ensino teoacuterico se efetuem em concordacircncia permitindo ao estudante integrar conhecimento praacutetico e conhecimento teoacuterico Descartar a possibilidade de que os laboratoacuterios tecircm um papel importante no ensino de ciecircncias significa destituir o conhecimento cientiacutefico de seu contexto reduzindo-o a um sistema abstrato de definiccedilotildees leis e foacutermulas Muito do que se faz nas aulas de Fiacutesica em nossas escolas de ensino meacutedio e universidades assemelham-se a isso preocupando-se mais com a apresentaccedilatildeo das definiccedilotildees conceitos e foacutermulas que os alunos memorizam para resolver exerciacutecios Sem duacutevida que as teorias fiacutesicas satildeo construccedilotildees teoacutericas e expressas em forma matemaacutetica mas o conhecimento que elas carregam soacute faz sentido se nos permite compreender como o mundo funciona e porquecirc as coisas satildeo como satildeo e natildeo de outra forma Isso natildeo significa admitir que podemos adquirir uma compreensatildeo de conceitos teoacutericos atraveacutes de experimentos mas que as dimensotildees teoacuterica e empiacuterica do conhecimento cientiacutefico natildeo satildeo isoladas Natildeo se trata pois de contrapor o ensino experimental ao teoacuterico mas de encontrar formas que evitem essa fragmentaccedilatildeo no conhecimento para tornar a aprendizagem mais interessante motivadora e acessiacutevel aos estudantes

III Os objetivos do laboratoacuterio

Mesmo em locais com forte tradiccedilatildeo de ensino experimental por exemplo nos cursos superiores e cursos das escolas teacutecnicas quase nunca ocorre o planejamento sistemaacutetico das atividades com a explicitaccedilatildeo e discussatildeo dos objetivos de tal ensino A formulaccedilatildeo de um planejamento para as atividades de ensino quando existe destina-se mais a atender agraves demandas burocraacuteticas do que explicitar as diretrizes de accedilatildeo do professor e dos estudantes ao longo de um curso Assim o professor trabalha quase sempre com objetivos de ensino pouco claros e impliacutecitos confiando em sua

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experiecircncia anterior com cursos similares Com isso os estudantes natildeo percebem outros propoacutesitos para as atividades praacuteticas que natildeo os de verificar e comprovar fatos e leis cientiacuteficas Isso eacute determinante na sua compreensatildeo acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia (Hodson 1988) e tambeacutem da importacircncia que eles atribuem agraves atividades experimentais Alguns dos objetivos impliacutecitos que os professores e estudantes tradicionalmente associam aos laboratoacuterios de ciecircncias seratildeo discutidos a seguir

II1 Verificarcomprovar leis e teorias cientiacuteficas

Este objetivo eacute enganoso pois o sucesso da atividade eacute garantido de antematildeo por sua preparaccedilatildeo adequada O teste que se pretende fazer eacute em geral de um aspecto especiacutefico de uma lei ou teoria e natildeo de seus fundamentos Hodson (1988) aponta que como consequumlecircncia o estudante tende a exagerar a importacircncia de seus resultados experimentais aleacutem de originar um entendimento equivocado da relaccedilatildeo entre teoria e observaccedilatildeo Outro aspecto eacute que o estudante logo percebe que sua experiecircncia deve produzir o resultado previsto pela teoria ou que alguma regularidade deve ser encontrada Quando ele natildeo obteacutem a resposta esperada fica desconcertado com seu erro mas se percebe que o erro pode afetar suas notas ele intencionalmente corrige suas observaccedilotildees e dados para obter a resposta correta e as atividades experimentais passam a ter o caraacuteter de um jogo viciado Infelizmente este eacute daquele tipo de jogo que se aprende a jogar muito rapidamente Muitas vezes os proacuteprios professores satildeo viacutetimas desse raciociacutenio e sentem-se inseguros quando as atividades que propotildeem natildeo funcionam como esperavam passando a evitaacute-las no futuro porque natildeo datildeo certo As causas do erro natildeo satildeo investigadas e uma situaccedilatildeo potencialmente valiosa de aprendizagem se perde muitas vezes por falta de tempo Nesse sentido o que se consegue no laboratoacuterio eacute similar ao que se aprende na sala de aula onde o resultado se torna mais importante que o processo em detrimento da aprendizagem

II2 Ensinar o meacutetodo cientiacutefico

Muitas vezes o que o professor deseja eacute que o aluno aprenda ou adquira uma apreciaccedilatildeo sobre o meacutetodo cientiacutefico e a natureza da ciecircncia A compreensatildeo subjacente eacute a de que fazer ciecircncia significa descobrir fatos e leis pela aplicaccedilatildeo de um meacutetodo experimental indutivo e fazer invenccedilotildees A motivaccedilatildeo para a atividade experimental dos cientistas eacute verificar se suas proacuteprias ideacuteias estatildeo corretas Tal concepccedilatildeo assume que existe um uacutenico meacutetodo cientiacutefico que pode ser adequadamente representado como uma sequumlecircncia de etapas como um algoritmo Essa concepccedilatildeo do papel das atividades praacuteticas e as suas consequumlecircncias para a aprendizagem de ciecircncias foram discutidas por vaacuterios autores (Hodson 1986 Millar 1991 Moreira e Ostermann 1993) Ela assume que a atividade experimental eacute essencial agrave ciecircncia e que a observaccedilatildeo e a experimentaccedilatildeo fornecem dados puros verdadeiros e objetivos e por isso mesmo confiaacuteveis em vista de sua independecircncia de quaisquer ideacuteias teoacutericas do observador

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ou seja estaacute apoiada na ideacuteia de que qualquer observador natildeo tendencioso registraraacute as mesmas observaccedilotildees sobre aquela parte da realidade para a qual ele volta sua atenccedilatildeo A essecircncia daquela parte observada da realidade descortina-se e impotildee-se da mesma forma para todos os observadores com esse perfil

Haacute uma ingenuidade inerente a esse entendimento que consiste em assumir que os dados satildeo imediatos no sentido de que satildeo lidos diretamente da parcela observada do mundo e natildeo problemaacuteticos Tudo o que o cientista precisa fazer eacute selecionar quais os fenocircmenos ou aspectos da realidade deseja investigar e entatildeo aplicar o meacutetodo cientiacutefico A naturezarealidade se encarregaraacute de produzir as respostas do tipo simnatildeo para as suas indagaccedilotildees (Hodson 1986) A descoberta cientiacutefica assemelha-se assim (para usar uma analogia mais acessiacutevel) agrave descoberta de novas terras pelos navegantes de uns poucos seacuteculos atraacutes os quais treinados com uma pequena frota e tripulaccedilatildeo (ou mesmo um barco isolado) perscrutando os mares pouco navegados com olhos atentos para os indiacutecios de novas terras e ilhas como paacutessaros e raiacutezes e troncos nas aacuteguas Alguns podiam ateacute tardar em conseguir sucesso mas as terras e ilhas desconhecidas estavam laacute a espera de algum descobridor atento e destemido Esta concepccedilatildeo assume tambeacutem que os professores e estudantes percebem o propoacutesito de um experimento escolar em ciecircncias de forma clara igual e inequiacutevoca o que os conduziraacute agrave descoberta de novos fatos e leis conforme prescrito pelo roteiro de atividades

Haacute vaacuterias deacutecadas eacute amplamente questionada a ideacuteia de que a descoberta seja um processo ou um conjunto hieraacuterquico de processos loacutegicos Apesar de que os informes e relatos das descobertas cientiacuteficas especialmente como apresentado nos livros escolares e pelos meios de comunicaccedilatildeo sugiram para o leigo que as descobertas cientiacuteficas resultam do acuacutemulo de vastos conjuntos de observaccedilotildees detalhadas e repetidas acerca de um fenocircmeno segundo as prescriccedilotildees do meacutetodo cientiacutefico ou entatildeo resultem de ideacuteias inspiradas de mentes geniais o processo eacute bem diferente disso Os cientistas utilizam meacutetodos mas isso natildeo significa que haja um meacutetodo cientiacutefico que determine exatamente como fazer para produzir conhecimento O laboratoacuterio pode proporcionar excelentes oportunidades para que os estudantes testem suas proacuteprias hipoacuteteses sobre fenocircmenos particulares para que planejem suas accedilotildees e as executem de forma a produzir resultados dignos de confianccedila Para que isso seja efetivo deve-se programar atividades de explicitaccedilatildeo dessas hipoacuteteses antes da realizaccedilatildeo das atividades Faz-se tambeacutem necessaacuterio que os professores enfatizem as diferenccedilas entre os experimentos realizados no laboratoacuterio escolar com fins pedagoacutegicos e a investigaccedilatildeo empiacuterica realizada por cientistas Eacute necessaacuteria uma anaacutelise mais cuidadosa da relaccedilatildeo entre observaccedilatildeo experimento e teoria (Chalmers 1993) Aleacutem disso devem encorajar a discussatildeo aberta das limitaccedilotildees e suposiccedilotildees que permeiam cada atividade no laboratoacuterio escolar

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II3 Facilitar a aprendizagem e compreensatildeo de conceitos

Para se alcanccedilar este objetivo recomenda-se que a atividade concentre-se apenas nos aspectos desejados com um planejamento cuidadoso que considere as ideacuteias preacutevias dos estudantes a respeito da situaccedilatildeo estudada o tempo necessaacuterio para completar a atividade as habilidades requeridas e aspectos ligados agrave seguranccedila (Hodson 1988) Ao desenvolver tais atividades o professor deve ter em mente que aquilo que qualquer pessoa observa depende fortemente de seu conhecimento preacutevio e de suas expectativas (Hanson 1958 Chalmers 1993) Em um laboratoacuterio tradicional com atividades realizadas sob a orientaccedilatildeo do professor e seguindo os roteiros fornecidos pode-se acreditar que tal objetivo possa ser conseguido Mas natildeo se pode tomar como certo que se todos os membros de um grupo vecircem o mesmo fenocircmeno todos o interpretem da mesma forma ou aceitem a validade e legitimidade das observaccedilotildees (Gunstone 1991) O fato de um estudante realizar uma atividade adequadamente planejada natildeo garante que ele aprenda aquilo que era pretendido

Estas consideraccedilotildees sugerem a necessidade de atividades preacute e poacutes-laboratoacuterio para que os estudantes explicitem suas ideacuteias e expectativas e discutam o significado de suas observaccedilotildees e interpretaccedilotildees Antes de realizar a atividade praacutetica deve-se discutir com os estudantes a situaccedilatildeo ou fenocircmeno que seraacute tratado Pode-se pedir que eles escrevam suas previsotildees sobre o que deve acontecer e justificaacute-las Na fase poacutes-atividade faz-se a discussatildeo das observaccedilotildees resultados e interpretaccedilotildees obtidos tentando reconciliaacute-las com as previsotildees feitas Aqui eacute o momento de se discutir as falhas e limitaccedilotildees da atividade praacutetica (Gunstone 1991)

Uma vez que os estudantes natildeo satildeo desafiados a explorar desenvolver e avaliar as suas proacuteprias ideacuteias e os curriacuteculos de ciecircncias natildeo oferecem oportunidades para a abordagem de questotildees acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica (Carey et al 1989) A forma de trabalhar proposta proporciona o contexto adequado para a discussatildeo desse tipo de questatildeo

II4 Ensinar habilidades praacuteticas

A aquisiccedilatildeo de habilidades praacuteticas e teacutecnicas de laboratoacuterio eacute um objetivo que pode e deve ser almejado nas atividades praacuteticas Haacute entretanto um certo grau de confusatildeo sobre o que tais habilidades e teacutecnicas satildeo Para alguns trata-se de habilidades cognitivas relacionadas com os processos baacutesicos da ciecircncia Vaacuterios curriacuteculos de ciecircncias desenvolvidos nos Estados Unidos Canadaacute e Europa adotaram tal perspectiva buscando ensinar ou desenvolver certas habilidades gerais e independentes do contexto tais como fazer observaccedilotildees classificar prever formular hipoacuteteses que poderiam entatildeo ser aplicadas em outros contextos Haacute uma forte criacutetica acerca da possibilidade de transferecircncia destas habilidades entre contextos distintos da necessidade e mesmo da possibilidade de se ensinaacute-las (Millar e Driver 1987 Millar 1988)

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O argumento utilizado eacute que elas satildeo processos cognitivos gerais que as pessoas empregam desde muito cedo e que associaacute-las com os processos da ciecircncia eacute o mesmo que insistir em uma concepccedilatildeo ultrapassada da atividade cientiacutefica Como Millar e Driver (1987) argumentam pode-se desejar que as crianccedilas aprendam a observar cuidadosamente a notar detalhes a fazer observaccedilotildees relevantes Entretanto o que eacute ou natildeo relevante depende das expectativas e ideacuteias preacutevias de cada um acerca de um fenocircmeno Natildeo existe algo relevante em uma situaccedilatildeo ou fenocircmeno independentemente de quem o observa ou formula hipoacuteteses sobre ele

Millar (1988 1991) argumenta que haacute um conjunto de habilidades praacuteticas ou teacutecnicas baacutesicas de laboratoacuterio que vale a pena ser ensinado Por exemplo aprender a usar equipamentos e instrumentos especiacuteficos medir grandezas fiacutesicas e realizar pequenas montagens satildeo coisas que dificilmente o estudante tem oportunidade de aprender fora do laboratoacuterio escolar Dentro de cada laboratoacuterio haacute um conjunto baacutesico de teacutecnicas que pode ser ensinado e que forma uma base experiencial sobre a qual os estudantes podem construir um sistema de noccedilotildees que lhes permitiratildeo relacionar-se melhor com os objetos tecnoloacutegicos do cotidiano Aleacutem delas existem as chamadas teacutecnicas de investigaccedilatildeo (Millar 1991) satildeo ferramentas importantes e uacuteteis para qualquer cidadatildeo e relacionam-se com a obtenccedilatildeo de conhecimento e a sua comunicaccedilatildeo Por exemplo repetir procedimentos para aumentar a confiabilidade dos resultados obtidos aprender a colocar e a obter informaccedilatildeo de diferentes formas de representaccedilatildeo como diagramas esquemas graacuteficos tabelas etc Muitas dessas habilidades satildeo utilizadas inconscientemente por todas as pessoas e se refletem nas decisotildees e procedimentos que cada um de noacutes toma ou se utiliza ao resolver problemas ou ao lidar com situaccedilotildees praacuteticas Elas fazem parte do nosso arsenal de estrateacutegias de pensamento informal que toda a pessoa inteligente deveria estar apta a empregar em qualquer situaccedilatildeo Embora possam ser desenvolvidas atraveacutes da escolarizaccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente vinculadas agrave aprendizagem de ciecircncias A organizaccedilatildeo das atividades para se conseguir tais objetivos dependeraacute do conhecimento que os estudantes jaacute possuem Por exemplo se o objetivo eacute que os alunos sem nenhum conhecimento anterior aprendam a utilizar corretamente o voltiacutemetro e o amperiacutemetro entatildeo uma atividade orientada pelo professor e baseada em um roteiro pode ser a melhor alternativa Se ao contraacuterio eles jaacute tecircm algum conhecimento em circuitos eleacutetricos provavelmente eacute melhor que eles aprendam a partir do estudo dos manuais teacutecnicos que acompanham os equipamentos

IV Alternativas para o laboratoacuterio escolar

As pesquisas sobre ensino-aprendizagem de ciecircncias produziram evidecircncias de que as crianccedilas trazem para a escola um conjunto de concepccedilotildees sobre vaacuterios aspectos do mundo mesmo antes de qualquer introduccedilatildeo agrave ciecircncia escolar Estas concepccedilotildees alternativas satildeo adquiridas a partir de sua inserccedilatildeo na cultura comum e da experiecircncia cotidiana com fenocircmenos e eventos e frequumlentemente interferem com a

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aprendizagem das ideacuteias cientiacuteficas A psicologia cognitiva tem contribuiacutedo junto com a pesquisa em ensino e aprendizagem de ciecircncias para a anaacutelise da praacutetica educacional Entretanto pela proacutepria complexidade da questatildeo o que tem sido possiacutevel fazer eacute a obtenccedilatildeo de diretrizes muito geneacutericas sobre como ensinar e como contribuir para a aprendizagem escolar o que eacute ainda muito distante das expectativas excessivamente otimistas da deacutecada de 50 (Coll 1987) Uma dessas recomendaccedilotildees a qual exprime a ideacuteia baacutesica das concepccedilotildees construtivistas a de que o aluno constroacutei seu proacuteprio conhecimento atraveacutes da accedilatildeo

eacute a de que os processos educacionais devem respeitar e favorecer a atividade do estudante e que esta deve ser o centro do processo de aprendizagem Algumas vertentes do construtivismo argumentam que qualquer atividade pedagoacutegica soacute tem valor se tiver origem no aprendiz e se este detiver pleno controle das accedilotildees para justificar uma forma de ativismo empirista Como Coll aponta

pouco importa que esta atividade consista de manipulaccedilotildees observaacuteveis ou em operaccedilotildees mentais que escapem ao observador pouco importa tambeacutem que responda total ou parcialmente agrave iniciativa do aluno ou que tenha sua origem no incentivo e nas propostas do professor O essencial eacute que se trate de uma atividade cuja organizaccedilatildeo e planejamento fique a cargo do aluno Coll (1987 p 187)

O trabalho no laboratoacuterio pode ser organizado de diversas maneiras desde demonstraccedilotildees ateacute atividades praacutetico-experimentais dirigidas diretamente pelo professor ou indiretamente atraveacutes de um roteiro Todas podem ser uacuteteis dependendo dos objetivos que o professor pretende com a realizaccedilatildeo das atividades propostas Uma alternativa que temos defendido haacute mais de uma deacutecada e mais recentemente temos investigado e utilizado com nossos alunos consiste em estruturar as atividades de laboratoacuterio como investigaccedilotildees ou problemas praacuteticos mais abertos que os alunos devem resolver sem a direccedilatildeo imposta por um roteiro fortemente estruturado ou por instruccedilotildees verbais do professor Um problema diferentemente de um exerciacutecio experimental ou de um de fim de capiacutetulo do livro-texto eacute uma situaccedilatildeo para a qual natildeo haacute uma soluccedilatildeo imediata obtida pela aplicaccedilatildeo de uma foacutermula ou algoritmo Pode natildeo existir uma soluccedilatildeo conhecida por estudantes e professores ou ateacute ocorrer que nenhuma soluccedilatildeo exata seja possiacutevel Para resolvecirc-lo tem-se que fazer idealizaccedilotildees e aproximaccedilotildees Diferentemente um exerciacutecio eacute uma situaccedilatildeo perturbadora ou incompleta mas que pode ser resolvida com base no conhecimento de quem eacute chamado a resolvecirc-lo

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Fig 1- Contiacutenuo problema-exerciacutecio

O que julgamos importante aacute chamar a atenccedilatildeo para o fato de que uma situaccedilatildeo percebida como um problema por uma pessoa pode ser entendida como um mero exerciacutecio por outra De qualquer forma para resolver um problema um estudante deve fazer mais que simplesmente lembrar-se de uma foacutermula ou de uma situaccedilatildeo similar que conseguiu resolver Nesse sentido um problema eacute um desafio proposto para o aluno e pode ser expresso em diferentes niacuteveis desde um problema completamente fechado ateacute um problema aberto (Garret 1988) No primeiro caso o problema os

procedimentos e recursos satildeo dados pelo professor livro ou roteiro ficando para o aluno a tarefa de colher dados e tirar as conclusotildees Ao contraacuterio em uma investigaccedilatildeo aberta cabe ao estudante toda a soluccedilatildeo desde a percepccedilatildeo e geraccedilatildeo do problema sua formulaccedilatildeo em uma forma suscetiacutevel de investigaccedilatildeo o planejamento do curso de suas accedilotildees a escolha dos procedimentos a seleccedilatildeo dos equipamentos e materiais a preparaccedilatildeo da montagem experimental a realizaccedilatildeo de medidas e observaccedilotildees necessaacuterias o registro dos dados em tabelas e graacuteficos a interpretaccedilatildeo dos resultados e enumeraccedilatildeo das conclusotildees A Fig 1 representa as atividades investigativas e o laboratoacuterio tradicional contrastando-os segundo trecircs aspectos o grau de abertura o objetivo da atividade e a atitude do estudante em relaccedilatildeo agrave atividade O que denominamos grau de abertura indica o quanto o professor ou o roteiro que ele fornece especifica a tarefa para o aluno

A Fig1 sugere quanto ao aspecto abertura a existecircncia de um contiacutenuo cujos extremos seriam exerciacutecios de um lado e problemas completamente abertos do outro Entre esses dois extremos que determinam quem tem o controle ou a

Aspectos Laboratoacuterio Tradicional Atividades Investigativas

Quanto ao grau de abertura

Roteiro preacute-definido

Restrito grau de abertura

Variado grau de abertura

Liberdade total no planejamento

Objetivo da Comprovar leis Explorar fenocircmenos

Atitude do estudante

Compromisso com o resultado Responsabilidade na investigaccedilatildeo

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responsabilidade por certas etapas da atividade praacutetica haacute um nuacutemero de possibilidades com divisatildeo dessas tarefas entre o professor e os estudantes Outra forma de entender essa distinccedilatildeo entre problema fechado e aberto foi proposta por Tamir (1991) baseada em estudos anteriores e mostrado na Fig2 Ele propotildee a categorizaccedilatildeo das atividades investigativas em quatro niacuteveis de acordo com a Fig2 No niacutevel 0 o qual corresponde aproximadamente ao extremo de problema fechado satildeo dados o problema os procedimentos e aquilo que se deseja observarverificar ficando a cargo dos estudantes coletar dados e confirmar ou natildeo as conclusotildees No niacutevel 1 o problema e procedimentos satildeo definidos pelo professor atraveacutes de um roteiro por exemplo Ao estudante cabe coletar os dados indicados e obter as conclusotildees No niacutevel 2 apenas a situaccedilatildeo-problema eacute dada ficando para o estudante decidir como e que dados coletar fazer as mediccedilotildees requeridas e obter conclusotildees a partir deles Finalmente no niacutevel 3

o niacutevel mais aberto de investigaccedilatildeo

o estudante deve fazer tudo desde a formulaccedilatildeo do problema ateacute chegar agraves conclusotildees

Um sistema de categorias mesmo simples como este serve como um organizador de nosso entendimento do que estaacute envolvido no grau de abertura de uma situaccedilatildeo-problema Como exemplo de um problema de niacutevel 2 considere a situaccedilatildeo a seguir que realizamos recentemente com todas as turmas do primeiro ano de ensino meacutedio trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes cada como uma atividade normal de laboratoacuterio durante o estudo de cinemaacutetica A Fig 3 reproduz o esquema apresentado aos alunos O problema foi especificado e a montagem previamente preparada mas natildeo fornecemos indicaccedilatildeo do que e como deveria ser medido portanto parecia correto nosso entendimento de que se tratava de um problema de niacutevel 2 Apoacutes uma fase raacutepida de planejamento do grupo praticamente todos decidiram por medir a altura maacutexima que a bolinha atingia ou o tempo necessaacuterio para ela atingir o ponto de maior altura A partir dos valores obtidos eles usaram uma das equaccedilotildees para movimento com aceleraccedilatildeo constante por exemplo a equaccedilatildeo de Torricelli para determinar Vo Apesar de simples a atividade propiciou discussotildees sobre como medir a altura maacutexima alcanccedilada pela bolinha a pouca acuracidade conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso com o tempo de reaccedilatildeo deles

atividade que jaacute haviam feito anteriormente) e a necessidade do experimento ser replicado Nem todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o problema dentro do periacuteodo do laboratoacuterio e recorrem ao professor ou aos seus colegas em busca de sugestotildees de procedimento Para estes grupos natildeo podemos dizer que a atividade eacute um problema de niacutevel 2 mas talvez de niacutevel 1

Um curso baseado em investigaccedilotildees apresenta a caracteriacutestica uacutenica de combinar processos conceitos e procedimentos na soluccedilatildeo de um problema Vaacuterios estudos foram realizados em nosso grupo procurando compreender as dificuldades que os estudantes com e sem experiecircncia pessoal com trabalhos praacuteticos escolares enfrentam ao formular um problema a partir de uma situaccedilatildeo proposta a eles em planejar a sua soluccedilatildeo e executar o seu planejamento Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas sugere que uma atividade aberta pode ser muito difiacutecil para estudantes sem

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conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

VI Referecircncias Bibliograacuteficas

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Palavras-chave Laboratoacuterio investigaccedilotildees abertas resoluccedilatildeo de problemas problemas praacuteticos ensino-aprendizagem de ciecircncias

Abstract

This article discusses the role of practical activities in the teaching of sciences and reviews how the school science laboratory has been used The presuppositions regarding the nature of the knowledge that sup-ports these uses and the mistakes to which these lead are dis-cussed Some of the potentially more relevant and pedagogically inter-esting alternatives that have been studied are described and con-trasted with the kinds of highly structured activities traditionally used by teachers In particular this article defends the adoption of a broad range of practical-experimental activities not necessarily directed in the same way as traditional practical schemes also recom-mended is a change of focus in laboratory work with the objec-tive of shifting the centre of the students activities from exclusive manipulation of equipment assembly of apparatus and the recording of measurements to other activities that bring the students closer to the way that science is conducted These activities involve more the ma-nipulation of interpretations and theories about observations and phenomena rather than objects and the proposition of knowledge pro-duction Amongst the activities are the analysis and interpretation of results reflection on the implications of these results and the assess-ment of the quality of evidence that supports the conclusions ob-tained

Keywords Laboratory open investigations problem solving prac-tical problems teaching-learning of science

I Introduccedilatildeo

A qualidade do ensino provido pelos sistemas escolares agraves crianccedilas e jovens tem sido objeto de debates ao longo de vaacuterias deacutecadas culminando com os chamados para a reforma desses sistemas e dos curriacuteculos vigentes O ensino tradicional de ciecircncias da escola primaacuteria aos cursos de graduaccedilatildeo tem se mostrado pouco eficaz seja do ponto de vista dos estudantes e professores quanto das expectativas da sociedade Esta situaccedilatildeo natildeo eacute privileacutegio das ciecircncias mas se estende a outras aacutereas de conhecimento como indicam os resultados conseguidos por grupos de estudantes brasileiros nas avaliaccedilotildees nacionais e no recente projeto PISA (OCDE 2001) A escola tem sido criticada pela baixa qualidade de seu ensino por sua incapacidade em preparar os estudantes para ingressar no mercado de trabalho ou na universidade por natildeo

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cumprir adequadamente seu papel de formaccedilatildeo das crianccedilas e adolescentes e pelo fato de que o conhecimento que os estudantes exibem ao deixar a escola eacute fragmentado e de aplicaccedilatildeo limitada Tampouco a escola conseguiu fazer dos mesmos pessoas acostumadas a tomar decisotildees a avaliar alternativas de accedilatildeo de maneira criacutetica e independente e a trabalhar em cooperaccedilatildeo

Vaacuterias satildeo as causas apontadas para explicar a ineficiecircncia do sistema escolar A educaccedilatildeo como absoluta prioridade nacional ainda permanece apenas no plano da retoacuterica oficial dos governos dos estados e federaccedilatildeo No entanto algumas medidas foram e continuam sendo implementadas como o aumento da carga horaacuteria obrigatoacuteria introduccedilatildeo de novas disciplinas programa de avaliaccedilatildeo de livros didaacuteticos e mudanccedilas na forma de organizaccedilatildeo do trabalho escolar Essas mudanccedilas ocorrem lentamente ao passo que outras igualmente importantes e urgentes vatildeo sendo proteladas como a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos educacionais da profissatildeo de professor e de programas para o aperfeiccediloamento e desenvolvimento profissional dos docentes Ao lado dessas dificuldades gerais as vaacuterias disciplinas que compotildeem o curriacuteculo apresentam problemas especiacuteficos de aprendizagem Os pesquisadores educacionais tecircm se debruccedilado sobre estas questotildees e se ainda natildeo haacute consenso haacute um razoaacutevel entendimento do que poderia ser feito para diminuir a enorme distacircncia que nos separa em termos de qualidade de educaccedilatildeo puacuteblica de outras naccedilotildees No entanto as pesquisas educacionais permanecem igualmente desconhecidas para governantes e professores

No caso de Ciecircncias tecircm havido em vaacuterios paiacuteses movimentos de reforma curricular desde os grandes projetos de intervenccedilatildeo da deacutecada de 60 ateacute accedilotildees mais localizadas e orientadas pelo crescente corpo de conhecimento sobre as concepccedilotildees alternativas dos estudantes a respeito de vaacuterios toacutepicos de Fiacutesica e das dificuldades especiacuteficas de aprendizagem que eles enfrentam Antes de tudo eacute preciso enfatizar que o ensino natildeo soacute de ciecircncias eacute uma atividade complexa e problemaacutetica Isso se deve ao fato de natildeo existir uma tradiccedilatildeo de praacuteticas sociais de ensino suficientemente estaacuteveis que possam ser amplamente compartilhadas e que resistam agraves mudanccedilas contiacutenuas natildeo soacute no contexto fiacutesico e soacutecio-cultural da escola mas tambeacutem mudanccedilas nos professores e seus estudantes provocadas por novos valores conhecimentos e crenccedilas novas percepccedilotildees e maturaccedilatildeo Isso nos remete para a formaccedilatildeo dos professores visto que cada um deles deveria estar consciente desse espectro de possibilidades de transformaccedilotildees em si proacuteprio em seus colegas em seus estudantes e em seu ambiente de trabalho

e flexiacutevel para modificar sua forma atuaccedilatildeo em resposta agraves mudanccedilas percebidas

Trata-se de um problema extremamente complexo e de larga escala Nesse trabalho nossa preocupaccedilatildeo seraacute apenas com as consequumlecircncias advindas de como os professores de ciecircncias entendem aquilo que ensinam e como crecircem que podem fazecirc-lo melhor Isso estaacute relacionado em grande parte com as metas estabelecidas pelos curriacuteculos (reconhecidas como legiacutetimas pelos professores) para a educaccedilatildeo em ciecircncias As mudanccedilas nestas metas acarretam mudanccedilas nos proacuteprios conteuacutedos de

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ensino e nas teacutecnicas de ensino As metas que mais comumente expressam aquilo que os estudantes devem aprender tecircm sido

1) Adquirir conhecimento cientiacutefico 2) aprender os processos e meacutetodos das ciecircncias 3) compreender as aplicaccedilotildees da ciecircncia especialmente as relaccedilotildees entre

ciecircncia e sociedade e ciecircncia-tecnologia-sociedade (Bybee e DeBoer 1996) De acordo com essa proposta os estudantes deveriam conhecer alguns dos

principais produtos da ciecircncia ter experiecircncia com eles compreender os meacutetodos utilizados pelos cientistas para a produccedilatildeo de novos conhecimentos e como a ciecircncia eacute uma das forccedilas transformadoras do mundo Um exemplo disso pode ser encontrado nos Paracircmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Meacutedio (MEC 1999) que propotildee que o ensino de ciecircncias deve propiciar ao educando compreender as ciecircncias como construccedilotildees humanas entendendo como elas se desenvolvem por acumulaccedilatildeo continuidade ou ruptura de paradigmas relacionando o desenvolvimento cientiacutefico com a transformaccedilatildeo da sociedade (p 107)

Os professores de ciecircncias tanto no ensino fundamental como no ensino meacutedio em geral acreditam que a melhoria do ensino passa pela introduccedilatildeo de aulas praacuteticas no curriacuteculo Curiosamente vaacuterias das escolas dispotildeem de alguns equipamentos e laboratoacuterios que no entanto por vaacuterias razotildees nunca satildeo utilizados dentre agraves quais cabe mencionar o fato de natildeo existirem atividades jaacute preparadas para o uso do professor falta de recursos para compra de componentes e materiais de reposiccedilatildeo falta de tempo do professor para planejar a realizaccedilatildeo de atividades como parte do seu programa de ensino laboratoacuterio fechado e sem manutenccedilatildeo Satildeo basicamente as mesmas razotildees pelas quais os professores raramente utilizam os computadores colocados nas escolas Muitos professores ateacute se dispotildeem a enfrentar isso improvisando aulas praacuteticas e demonstraccedilotildees com materiais caseiros mas acabam se cansando dessa tarefa ingloacuteria especialmente em vista dos parcos resultados que alcanccedilam Eacute um equiacutevoco corriqueiro confundir atividades praacuteticas com a necessidade de um ambiente com equipamentos especiais para a realizaccedilatildeo de trabalhos experimentais uma vez que podem ser desenvolvidas em qualquer sala de aula sem a necessidade de instrumentos ou aparelhos sofisticados Os movimentos de reforma curricular nas uacuteltimas deacutecadas deram imenso destaque ao ensino no laboratoacuterio como por exemplo PSSC e os vaacuterios cursos da Nuffield Foundation Natildeo obstante o papel que o laboratoacuterio deve ter no ensino de ciecircncias estava longe de ser claro para o professor Em parte as dificuldades com as atividades praacuteticas derivam de uma postura equivocada quanto agrave natureza da Ciecircncia (Hodson 1988 Millar 1991)

A importacircncia e o prestiacutegio que os professores atribuem ao ensino praacutetico deve-se agrave popularizaccedilatildeo nas uacuteltimas deacutecadas das ideacuteias progressistas ou desenvolvimentalistas no pensamento educacional que descendem de Rousseau Pestalozzi Spencer Huxley Dewey entre outros (Bybbe e DeBoer 1996) A ideacuteia central eacute qualquer que seja o meacutetodo de ensino-aprendizagem escolhido deve mobilizar a atividade do aprendiz em lugar de sua passividade Usualmente os

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meacutetodos ativos de ensino-aprendizagem satildeo entendidos como se defendessem a ideacuteia de que os estudantes aprendem melhor por experiecircncia direta Embora verdadeiro em algumas situaccedilotildees esse entendimento eacute uma simplificaccedilatildeo grosseira como apontam os trabalhos baseados nas ideacuteias de Dewey Piaget e Vigotsky entre outros O importante natildeo eacute a manipulaccedilatildeo de objetos e artefatos concretos e sim o envolvimento comprometido com a busca de respostassoluccedilotildees bem articuladas para as questotildees colocadas em atividades que podem ser puramente de pensamento Nesse sentido podemos pensar que o nuacutecleo dos meacutetodos ativos (pode-se ateacute chamaacute-lo de trabalhos ou atividades praacuteticas para significar que estaacute orientado para algum propoacutesito) natildeo envolve necessariamente atividades tiacutepicas do laboratoacuterio escolar

Atividades de resoluccedilatildeo de problemas modelamento e representaccedilatildeo com simulaccedilotildees em computador desenhos pinturas colagens ou simplesmente atividades de encenaccedilatildeo e teatro cumprem esse papel de mobilizar o envolvimento do aprendiz Essas atividades apresentam muitas vezes vantagens claras sobre o laboratoacuterio usual uma vez que natildeo requerem a simples manipulaccedilatildeo agraves vezes repetitiva e irrefletida de objetos concretos mas de ideacuteias e representaccedilotildees com o propoacutesito de comunicar outras ideacuteias e percepccedilotildees Obviamente todas elas podem ser associadas a certos aspectos materiais A materializaccedilatildeo de um modelo de uma representaccedilatildeo de uma encenaccedilatildeo etc requer objetos que natildeo satildeo necessariamente os mesmos de uma atividade de laboratoacuterio A riqueza desse tipo de atividade estaacute em propiciar ao estudante a oportunidade e ele precisa estar consciente disso

de trabalhar com coisas e objetos como se fossem outras coisas e objetos em um exerciacutecio de simbolizaccedilatildeo ou representaccedilatildeo Ela permite conectar siacutembolos com coisas e situaccedilotildees imaginadas o que raramente eacute buscado no laboratoacuterio expandindo os horizontes de sua compreensatildeo

II O laboratoacuterio tradicional

Para um paiacutes onde uma fraccedilatildeo consideraacutevel dos estudantes nunca teve a oportunidade de entrar em um laboratoacuterio de ciecircncias pode parecer um contra-senso questionar a validade de aulas praacuteticas especialmente porque na maioria das escolas elas simplesmente natildeo existem De fato haacute uma corrente de opiniatildeo que defende a ideacuteia de que muitos dos problemas do ensino de ciecircncias se devem agrave ausecircncia de aulas de laboratoacuterio Para os que compartilham desta opiniatildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria para a melhoria da qualidade de ensino consiste em equipar as escolas com laboratoacuterios e treinar os professores para utilizaacute-los Entretanto mesmo nos paiacuteses onde a tradiccedilatildeo de ensino experimental estaacute bem sedimentada a funccedilatildeo que o laboratoacuterio pode e deve ter bem como a sua eficaacutecia em promover as aprendizagens desejadas tecircm sido objeto de questionamentos o que contribui para manter a discussatildeo sobre a questatildeo haacute alguns anos (veja Woolnough 1991 White1996)

Dessa discussatildeo parece resultar uma posiccedilatildeo unacircnime de desaconselhar o uso de laboratoacuterios no esquema tradicionalmente usado pelo seu impacto negativo sobre a aprendizagem dos estudantes White comenta que os resultados e conclusotildees de

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muitas pesquisas sobre a eficaacutecia dos laboratoacuterios decepcionam pois conflita com teorias e expectativas Noacutes preferimos pensar que os laboratoacuterios funcionam porque acrescentam cor a curiosidade de objetos natildeo-usuais e eventos diferentes e um contraste com a praacutetica comum na sala de aula de permanecer assentado

(White 1996 p761) No que eacute denominado laboratoacuterio tradicional o aluno realiza atividades praacuteticas envolvendo observaccedilotildees e medidas acerca de fenocircmenos previamente determinados pelo professor (Tamir 1991) Em geral os alunos trabalham em pequenos grupos e seguem as instruccedilotildees de um roteiro O objetivo da atividade praacutetica pode ser o de testar uma lei cientiacutefica ilustrar ideacuteias e conceitos aprendidos nas aulas teoacutericas descobrir ou formular uma lei acerca de um fenocircmeno especiacutefico ver na praacutetica o que acontece na teoria ou aprender a utilizar algum instrumento ou teacutecnica de laboratoacuterio especiacutefica Natildeo se pode deixar de reconhecer alguns meacuteritos nesse tipo de atividade por exemplo a recomendaccedilatildeo de se trabalhar em pequenos grupos o que possibilita a cada aluno a oportunidade de interagir com as montagens e instrumentos especiacuteficos enquanto divide responsabilidades e ideacuteias sobre o que devem fazer e como fazecirc-lo outro eacute o caraacuteter mais informal do laboratoacuterio em contraposiccedilatildeo agrave formalidade das demais aulas

As principais criacuteticas que se fazem a estas atividades praacuteticas eacute que elas natildeo satildeo efetivamente relacionadas aos conceitos fiacutesicos que muitas delas natildeo satildeo relevantes do ponto de vista dos estudantes jaacute que tanto o problema como o procedimento para resolvecirc-lo estatildeo previamente determinados que as operaccedilotildees de montagem dos equipamentos as atividades de coleta de dados e os caacutelculos para obter respostas esperadas consomem muito ou todo o tempo disponiacutevel Com isso os estudantes dedicam pouco tempo agrave anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos resultados e do proacuteprio significado da atividade realizada Em geral eles percebem as atividades praacuteticas como eventos isolados onde o objetivo eacute chegar agrave resposta certa (Tamir 1989) Natildeo eacute surpreendente assim que o laboratoacuterio seja pouco efetivo em provocar mudanccedilas nas concepccedilotildees e modelos preacutevios dos estudantes em proporcionar uma apreciaccedilatildeo sobre a natureza da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica e em facilitar o desenvolvimento de habilidades estrateacutegicas (White 1996 Gagneacute 1970) Alguns criacuteticos mais veementes argumentam que aleacutem disso os laboratoacuterios de ciecircncias satildeo caros que o uso de equipamentos soacute encontrados nos laboratoacuterios torna o ensino distante da experiecircncia fora de sala de aula do aluno e que a proacutepria complexidade das montagens constitui uma forte barreira para que o estudante compreenda as ideacuteias e conceitos envolvidos nas atividades praacuteticas

As criacuteticas que se colocam ao modo como as atividades praacuteticas satildeo tradicionalmente utilizadas nas escolas apontam que aleacutem de sua completa inadequaccedilatildeo pedagoacutegica sua fundamentaccedilatildeo epistemoloacutegica eacute equivocada (Hodson 1988 Millar 1991) Esse quadro natildeo eacute exclusivo do laboratoacuterio haja visto que vaacuterios dos livros-textos de Fiacutesica e de ciecircncias mais populares no paiacutes sofrem da mesma deficiecircncia (Moreira e Ostermann 1993) Essa concepccedilatildeo empirista-indutivista da ciecircncia a qual Chalmers (1993) denomina de indutivismo ingecircnuo assume que o conhecimento cientiacutefico eacute a verdade provada ou descoberta que tem origem no acuacutemulo de

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observaccedilotildees cuidadosas de algum fenocircmeno por uma mente livre de preacute-concepccedilotildees e sentimentos que aplica o meacutetodo cientiacutefico para chegar a generalizaccedilotildees cientificamente vaacutelidas Essa concepccedilatildeo de ciecircncia acaba por conferir um peso excessivo agrave observaccedilatildeo em detrimento das ideacuteias preacutevias e imaginaccedilatildeo dos estudantes Aleacutem disso representa o meacutetodo cientiacutefico como um algoritmo infaliacutevel capaz de produzir conhecimento cientificamente provado comeccedilando com observaccedilotildees objetivas e neutras formulaccedilatildeo de hipoacuteteses comprovaccedilatildeo experimental e generalizaccedilatildeo das conclusotildees Haacute dois problemas seacuterios e sem soluccedilatildeo com essa visatildeo

Em primeiro lugar essa concepccedilatildeo particular do processo de produccedilatildeo do conhecimento sugere para professores e estudantes que as atividades praacuteticas escolares satildeo da mesma natureza e tecircm a mesma finalidade que as atividades experimentais e de observaccedilatildeo que os cientistas fazem nos seus laboratoacuterios de pesquisa As atividades praacuteticas e os experimentos cientiacuteficos satildeo atividades bem distintas com objetivos bastante diferentes O cientista passou anos de sua vida estudando uma determinada aacuterea da ciecircncia e quando se prepara para realizar um experimento ou conjunto de experimentos ele o faz para resolver um problema que o interessa e para o qual pode estar buscando uma soluccedilatildeo haacute muito tempo Assim quando ele realiza um experimento este vem precedido de muito estudo e reflexatildeo planejamento e preparaccedilatildeo Nesse periacuteodo anterior agrave efetiva concretizaccedilatildeo do experimento o cientista toma uma seacuterie de decisotildees para definir e delimitar o que iraacute fazer e medirobservar que criteacuterios usaraacute para checar a precisatildeo e a confiabilidade dos resultados que controles exerceraacute sobre a situaccedilatildeo entre outras Em segundo lugar tendo sido criticada por vaacuterios filoacutesofos como por exemplo Popper Russel-Hanson Feyerabend Kuhn e Toulmin esta imagem da ciecircncia que ainda permeia muitos dos nossos livros didaacuteticos de ciecircncias naturais especialmente aqueles utilizados na Educaccedilatildeo Baacutesica estaacute completamente superada nos ciacuterculos acadecircmicos haacute vaacuterias deacutecadas

A aceitaccedilatildeo dessas criacuteticas natildeo implica entretanto aceitar a argumentaccedilatildeo de que as atividades praacutetico-experimentais de ciecircncias satildeo supeacuterfluas e que elas podem portanto ser descartadas para o bem dos professores dos estudantes e da proacutepria escola que estes poderiam repensar o aproveitamento do tempo destinado a tais atividades bem como dos espaccedilos ocupados por salas especiais de laboratoacuterio onde existem Aliaacutes da forma como vemos a questatildeo natildeo haacute a necessidade de um ambiente especial reservado para tais atividades com instrumentos e mesas para experiecircncias mas somente que haja planejamento e clareza dos objetivos das atividades propostas Segundo Tamir (1991) um dos principais problemas com o laboratoacuterio de ciecircncias eacute que se pretende atingir uma variedade de objetivos nem sempre compatiacuteveis com um mesmo tipo de atividade Eacute certo que com um mesmo conjunto de materiais um professor criativo pode planejar vaacuterias atividades diferentes com objetivos claramente distintos como por exemplo aprender a usar um instrumento para fazer leituras obter uma imagem de um fenocircmeno ainda natildeo observado aprender estrateacutegias para lidar com os erros e incertezas inerentes ao processo de mediccedilatildeo procurar evidecircncias da existecircncia de alguma relaccedilatildeo entre grandezas envolvidas na situaccedilatildeo e outros Sem

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duacutevida que as atividades praacuteticas podem propiciar ao estudante imagens vividas e memoraacuteveis de fenocircmenos interessantes e importantes para a compreensatildeo dos conceitos cientiacuteficos Atraveacutes delas o estudante pode ser educado para fazer mediccedilotildees corretamente e procurar relaccedilotildees entre variaacuteveis

A questatildeo que se coloca eacute o laboratoacuterio pode ter um papel mais relevante para a aprendizagem escolar Se pode de que maneira ele deve ser organizado A resposta para a primeira questatildeo eacute sem duacutevida afirmativa o laboratoacuterio pode e deve ter um papel mais relevante para a aprendizagem de ciecircncias O fato de estarmos insatisfeitos com a qualidade da aprendizagem natildeo soacute de ciecircncias sugere que todo o sistema escolar deve ser continuamente repensado Com raras exceccedilotildees natildeo se cogita a extinccedilatildeo da escola por causa de suas dificuldades Da mesma forma o que precisamos eacute encontrar novas maneiras de usar as atividades praacutetico-experimentais mais criativa e eficientemente e com propoacutesitos bem definidos mesmo sabendo que isso apenas natildeo eacute soluccedilatildeo para os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias

A ciecircncia em sua forma final se apresenta como um sistema de natureza teoacuterica Contudo eacute necessaacuterio que procuremos criar oportunidades para que o ensino experimental e o ensino teoacuterico se efetuem em concordacircncia permitindo ao estudante integrar conhecimento praacutetico e conhecimento teoacuterico Descartar a possibilidade de que os laboratoacuterios tecircm um papel importante no ensino de ciecircncias significa destituir o conhecimento cientiacutefico de seu contexto reduzindo-o a um sistema abstrato de definiccedilotildees leis e foacutermulas Muito do que se faz nas aulas de Fiacutesica em nossas escolas de ensino meacutedio e universidades assemelham-se a isso preocupando-se mais com a apresentaccedilatildeo das definiccedilotildees conceitos e foacutermulas que os alunos memorizam para resolver exerciacutecios Sem duacutevida que as teorias fiacutesicas satildeo construccedilotildees teoacutericas e expressas em forma matemaacutetica mas o conhecimento que elas carregam soacute faz sentido se nos permite compreender como o mundo funciona e porquecirc as coisas satildeo como satildeo e natildeo de outra forma Isso natildeo significa admitir que podemos adquirir uma compreensatildeo de conceitos teoacutericos atraveacutes de experimentos mas que as dimensotildees teoacuterica e empiacuterica do conhecimento cientiacutefico natildeo satildeo isoladas Natildeo se trata pois de contrapor o ensino experimental ao teoacuterico mas de encontrar formas que evitem essa fragmentaccedilatildeo no conhecimento para tornar a aprendizagem mais interessante motivadora e acessiacutevel aos estudantes

III Os objetivos do laboratoacuterio

Mesmo em locais com forte tradiccedilatildeo de ensino experimental por exemplo nos cursos superiores e cursos das escolas teacutecnicas quase nunca ocorre o planejamento sistemaacutetico das atividades com a explicitaccedilatildeo e discussatildeo dos objetivos de tal ensino A formulaccedilatildeo de um planejamento para as atividades de ensino quando existe destina-se mais a atender agraves demandas burocraacuteticas do que explicitar as diretrizes de accedilatildeo do professor e dos estudantes ao longo de um curso Assim o professor trabalha quase sempre com objetivos de ensino pouco claros e impliacutecitos confiando em sua

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experiecircncia anterior com cursos similares Com isso os estudantes natildeo percebem outros propoacutesitos para as atividades praacuteticas que natildeo os de verificar e comprovar fatos e leis cientiacuteficas Isso eacute determinante na sua compreensatildeo acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia (Hodson 1988) e tambeacutem da importacircncia que eles atribuem agraves atividades experimentais Alguns dos objetivos impliacutecitos que os professores e estudantes tradicionalmente associam aos laboratoacuterios de ciecircncias seratildeo discutidos a seguir

II1 Verificarcomprovar leis e teorias cientiacuteficas

Este objetivo eacute enganoso pois o sucesso da atividade eacute garantido de antematildeo por sua preparaccedilatildeo adequada O teste que se pretende fazer eacute em geral de um aspecto especiacutefico de uma lei ou teoria e natildeo de seus fundamentos Hodson (1988) aponta que como consequumlecircncia o estudante tende a exagerar a importacircncia de seus resultados experimentais aleacutem de originar um entendimento equivocado da relaccedilatildeo entre teoria e observaccedilatildeo Outro aspecto eacute que o estudante logo percebe que sua experiecircncia deve produzir o resultado previsto pela teoria ou que alguma regularidade deve ser encontrada Quando ele natildeo obteacutem a resposta esperada fica desconcertado com seu erro mas se percebe que o erro pode afetar suas notas ele intencionalmente corrige suas observaccedilotildees e dados para obter a resposta correta e as atividades experimentais passam a ter o caraacuteter de um jogo viciado Infelizmente este eacute daquele tipo de jogo que se aprende a jogar muito rapidamente Muitas vezes os proacuteprios professores satildeo viacutetimas desse raciociacutenio e sentem-se inseguros quando as atividades que propotildeem natildeo funcionam como esperavam passando a evitaacute-las no futuro porque natildeo datildeo certo As causas do erro natildeo satildeo investigadas e uma situaccedilatildeo potencialmente valiosa de aprendizagem se perde muitas vezes por falta de tempo Nesse sentido o que se consegue no laboratoacuterio eacute similar ao que se aprende na sala de aula onde o resultado se torna mais importante que o processo em detrimento da aprendizagem

II2 Ensinar o meacutetodo cientiacutefico

Muitas vezes o que o professor deseja eacute que o aluno aprenda ou adquira uma apreciaccedilatildeo sobre o meacutetodo cientiacutefico e a natureza da ciecircncia A compreensatildeo subjacente eacute a de que fazer ciecircncia significa descobrir fatos e leis pela aplicaccedilatildeo de um meacutetodo experimental indutivo e fazer invenccedilotildees A motivaccedilatildeo para a atividade experimental dos cientistas eacute verificar se suas proacuteprias ideacuteias estatildeo corretas Tal concepccedilatildeo assume que existe um uacutenico meacutetodo cientiacutefico que pode ser adequadamente representado como uma sequumlecircncia de etapas como um algoritmo Essa concepccedilatildeo do papel das atividades praacuteticas e as suas consequumlecircncias para a aprendizagem de ciecircncias foram discutidas por vaacuterios autores (Hodson 1986 Millar 1991 Moreira e Ostermann 1993) Ela assume que a atividade experimental eacute essencial agrave ciecircncia e que a observaccedilatildeo e a experimentaccedilatildeo fornecem dados puros verdadeiros e objetivos e por isso mesmo confiaacuteveis em vista de sua independecircncia de quaisquer ideacuteias teoacutericas do observador

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ou seja estaacute apoiada na ideacuteia de que qualquer observador natildeo tendencioso registraraacute as mesmas observaccedilotildees sobre aquela parte da realidade para a qual ele volta sua atenccedilatildeo A essecircncia daquela parte observada da realidade descortina-se e impotildee-se da mesma forma para todos os observadores com esse perfil

Haacute uma ingenuidade inerente a esse entendimento que consiste em assumir que os dados satildeo imediatos no sentido de que satildeo lidos diretamente da parcela observada do mundo e natildeo problemaacuteticos Tudo o que o cientista precisa fazer eacute selecionar quais os fenocircmenos ou aspectos da realidade deseja investigar e entatildeo aplicar o meacutetodo cientiacutefico A naturezarealidade se encarregaraacute de produzir as respostas do tipo simnatildeo para as suas indagaccedilotildees (Hodson 1986) A descoberta cientiacutefica assemelha-se assim (para usar uma analogia mais acessiacutevel) agrave descoberta de novas terras pelos navegantes de uns poucos seacuteculos atraacutes os quais treinados com uma pequena frota e tripulaccedilatildeo (ou mesmo um barco isolado) perscrutando os mares pouco navegados com olhos atentos para os indiacutecios de novas terras e ilhas como paacutessaros e raiacutezes e troncos nas aacuteguas Alguns podiam ateacute tardar em conseguir sucesso mas as terras e ilhas desconhecidas estavam laacute a espera de algum descobridor atento e destemido Esta concepccedilatildeo assume tambeacutem que os professores e estudantes percebem o propoacutesito de um experimento escolar em ciecircncias de forma clara igual e inequiacutevoca o que os conduziraacute agrave descoberta de novos fatos e leis conforme prescrito pelo roteiro de atividades

Haacute vaacuterias deacutecadas eacute amplamente questionada a ideacuteia de que a descoberta seja um processo ou um conjunto hieraacuterquico de processos loacutegicos Apesar de que os informes e relatos das descobertas cientiacuteficas especialmente como apresentado nos livros escolares e pelos meios de comunicaccedilatildeo sugiram para o leigo que as descobertas cientiacuteficas resultam do acuacutemulo de vastos conjuntos de observaccedilotildees detalhadas e repetidas acerca de um fenocircmeno segundo as prescriccedilotildees do meacutetodo cientiacutefico ou entatildeo resultem de ideacuteias inspiradas de mentes geniais o processo eacute bem diferente disso Os cientistas utilizam meacutetodos mas isso natildeo significa que haja um meacutetodo cientiacutefico que determine exatamente como fazer para produzir conhecimento O laboratoacuterio pode proporcionar excelentes oportunidades para que os estudantes testem suas proacuteprias hipoacuteteses sobre fenocircmenos particulares para que planejem suas accedilotildees e as executem de forma a produzir resultados dignos de confianccedila Para que isso seja efetivo deve-se programar atividades de explicitaccedilatildeo dessas hipoacuteteses antes da realizaccedilatildeo das atividades Faz-se tambeacutem necessaacuterio que os professores enfatizem as diferenccedilas entre os experimentos realizados no laboratoacuterio escolar com fins pedagoacutegicos e a investigaccedilatildeo empiacuterica realizada por cientistas Eacute necessaacuteria uma anaacutelise mais cuidadosa da relaccedilatildeo entre observaccedilatildeo experimento e teoria (Chalmers 1993) Aleacutem disso devem encorajar a discussatildeo aberta das limitaccedilotildees e suposiccedilotildees que permeiam cada atividade no laboratoacuterio escolar

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II3 Facilitar a aprendizagem e compreensatildeo de conceitos

Para se alcanccedilar este objetivo recomenda-se que a atividade concentre-se apenas nos aspectos desejados com um planejamento cuidadoso que considere as ideacuteias preacutevias dos estudantes a respeito da situaccedilatildeo estudada o tempo necessaacuterio para completar a atividade as habilidades requeridas e aspectos ligados agrave seguranccedila (Hodson 1988) Ao desenvolver tais atividades o professor deve ter em mente que aquilo que qualquer pessoa observa depende fortemente de seu conhecimento preacutevio e de suas expectativas (Hanson 1958 Chalmers 1993) Em um laboratoacuterio tradicional com atividades realizadas sob a orientaccedilatildeo do professor e seguindo os roteiros fornecidos pode-se acreditar que tal objetivo possa ser conseguido Mas natildeo se pode tomar como certo que se todos os membros de um grupo vecircem o mesmo fenocircmeno todos o interpretem da mesma forma ou aceitem a validade e legitimidade das observaccedilotildees (Gunstone 1991) O fato de um estudante realizar uma atividade adequadamente planejada natildeo garante que ele aprenda aquilo que era pretendido

Estas consideraccedilotildees sugerem a necessidade de atividades preacute e poacutes-laboratoacuterio para que os estudantes explicitem suas ideacuteias e expectativas e discutam o significado de suas observaccedilotildees e interpretaccedilotildees Antes de realizar a atividade praacutetica deve-se discutir com os estudantes a situaccedilatildeo ou fenocircmeno que seraacute tratado Pode-se pedir que eles escrevam suas previsotildees sobre o que deve acontecer e justificaacute-las Na fase poacutes-atividade faz-se a discussatildeo das observaccedilotildees resultados e interpretaccedilotildees obtidos tentando reconciliaacute-las com as previsotildees feitas Aqui eacute o momento de se discutir as falhas e limitaccedilotildees da atividade praacutetica (Gunstone 1991)

Uma vez que os estudantes natildeo satildeo desafiados a explorar desenvolver e avaliar as suas proacuteprias ideacuteias e os curriacuteculos de ciecircncias natildeo oferecem oportunidades para a abordagem de questotildees acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica (Carey et al 1989) A forma de trabalhar proposta proporciona o contexto adequado para a discussatildeo desse tipo de questatildeo

II4 Ensinar habilidades praacuteticas

A aquisiccedilatildeo de habilidades praacuteticas e teacutecnicas de laboratoacuterio eacute um objetivo que pode e deve ser almejado nas atividades praacuteticas Haacute entretanto um certo grau de confusatildeo sobre o que tais habilidades e teacutecnicas satildeo Para alguns trata-se de habilidades cognitivas relacionadas com os processos baacutesicos da ciecircncia Vaacuterios curriacuteculos de ciecircncias desenvolvidos nos Estados Unidos Canadaacute e Europa adotaram tal perspectiva buscando ensinar ou desenvolver certas habilidades gerais e independentes do contexto tais como fazer observaccedilotildees classificar prever formular hipoacuteteses que poderiam entatildeo ser aplicadas em outros contextos Haacute uma forte criacutetica acerca da possibilidade de transferecircncia destas habilidades entre contextos distintos da necessidade e mesmo da possibilidade de se ensinaacute-las (Millar e Driver 1987 Millar 1988)

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O argumento utilizado eacute que elas satildeo processos cognitivos gerais que as pessoas empregam desde muito cedo e que associaacute-las com os processos da ciecircncia eacute o mesmo que insistir em uma concepccedilatildeo ultrapassada da atividade cientiacutefica Como Millar e Driver (1987) argumentam pode-se desejar que as crianccedilas aprendam a observar cuidadosamente a notar detalhes a fazer observaccedilotildees relevantes Entretanto o que eacute ou natildeo relevante depende das expectativas e ideacuteias preacutevias de cada um acerca de um fenocircmeno Natildeo existe algo relevante em uma situaccedilatildeo ou fenocircmeno independentemente de quem o observa ou formula hipoacuteteses sobre ele

Millar (1988 1991) argumenta que haacute um conjunto de habilidades praacuteticas ou teacutecnicas baacutesicas de laboratoacuterio que vale a pena ser ensinado Por exemplo aprender a usar equipamentos e instrumentos especiacuteficos medir grandezas fiacutesicas e realizar pequenas montagens satildeo coisas que dificilmente o estudante tem oportunidade de aprender fora do laboratoacuterio escolar Dentro de cada laboratoacuterio haacute um conjunto baacutesico de teacutecnicas que pode ser ensinado e que forma uma base experiencial sobre a qual os estudantes podem construir um sistema de noccedilotildees que lhes permitiratildeo relacionar-se melhor com os objetos tecnoloacutegicos do cotidiano Aleacutem delas existem as chamadas teacutecnicas de investigaccedilatildeo (Millar 1991) satildeo ferramentas importantes e uacuteteis para qualquer cidadatildeo e relacionam-se com a obtenccedilatildeo de conhecimento e a sua comunicaccedilatildeo Por exemplo repetir procedimentos para aumentar a confiabilidade dos resultados obtidos aprender a colocar e a obter informaccedilatildeo de diferentes formas de representaccedilatildeo como diagramas esquemas graacuteficos tabelas etc Muitas dessas habilidades satildeo utilizadas inconscientemente por todas as pessoas e se refletem nas decisotildees e procedimentos que cada um de noacutes toma ou se utiliza ao resolver problemas ou ao lidar com situaccedilotildees praacuteticas Elas fazem parte do nosso arsenal de estrateacutegias de pensamento informal que toda a pessoa inteligente deveria estar apta a empregar em qualquer situaccedilatildeo Embora possam ser desenvolvidas atraveacutes da escolarizaccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente vinculadas agrave aprendizagem de ciecircncias A organizaccedilatildeo das atividades para se conseguir tais objetivos dependeraacute do conhecimento que os estudantes jaacute possuem Por exemplo se o objetivo eacute que os alunos sem nenhum conhecimento anterior aprendam a utilizar corretamente o voltiacutemetro e o amperiacutemetro entatildeo uma atividade orientada pelo professor e baseada em um roteiro pode ser a melhor alternativa Se ao contraacuterio eles jaacute tecircm algum conhecimento em circuitos eleacutetricos provavelmente eacute melhor que eles aprendam a partir do estudo dos manuais teacutecnicos que acompanham os equipamentos

IV Alternativas para o laboratoacuterio escolar

As pesquisas sobre ensino-aprendizagem de ciecircncias produziram evidecircncias de que as crianccedilas trazem para a escola um conjunto de concepccedilotildees sobre vaacuterios aspectos do mundo mesmo antes de qualquer introduccedilatildeo agrave ciecircncia escolar Estas concepccedilotildees alternativas satildeo adquiridas a partir de sua inserccedilatildeo na cultura comum e da experiecircncia cotidiana com fenocircmenos e eventos e frequumlentemente interferem com a

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aprendizagem das ideacuteias cientiacuteficas A psicologia cognitiva tem contribuiacutedo junto com a pesquisa em ensino e aprendizagem de ciecircncias para a anaacutelise da praacutetica educacional Entretanto pela proacutepria complexidade da questatildeo o que tem sido possiacutevel fazer eacute a obtenccedilatildeo de diretrizes muito geneacutericas sobre como ensinar e como contribuir para a aprendizagem escolar o que eacute ainda muito distante das expectativas excessivamente otimistas da deacutecada de 50 (Coll 1987) Uma dessas recomendaccedilotildees a qual exprime a ideacuteia baacutesica das concepccedilotildees construtivistas a de que o aluno constroacutei seu proacuteprio conhecimento atraveacutes da accedilatildeo

eacute a de que os processos educacionais devem respeitar e favorecer a atividade do estudante e que esta deve ser o centro do processo de aprendizagem Algumas vertentes do construtivismo argumentam que qualquer atividade pedagoacutegica soacute tem valor se tiver origem no aprendiz e se este detiver pleno controle das accedilotildees para justificar uma forma de ativismo empirista Como Coll aponta

pouco importa que esta atividade consista de manipulaccedilotildees observaacuteveis ou em operaccedilotildees mentais que escapem ao observador pouco importa tambeacutem que responda total ou parcialmente agrave iniciativa do aluno ou que tenha sua origem no incentivo e nas propostas do professor O essencial eacute que se trate de uma atividade cuja organizaccedilatildeo e planejamento fique a cargo do aluno Coll (1987 p 187)

O trabalho no laboratoacuterio pode ser organizado de diversas maneiras desde demonstraccedilotildees ateacute atividades praacutetico-experimentais dirigidas diretamente pelo professor ou indiretamente atraveacutes de um roteiro Todas podem ser uacuteteis dependendo dos objetivos que o professor pretende com a realizaccedilatildeo das atividades propostas Uma alternativa que temos defendido haacute mais de uma deacutecada e mais recentemente temos investigado e utilizado com nossos alunos consiste em estruturar as atividades de laboratoacuterio como investigaccedilotildees ou problemas praacuteticos mais abertos que os alunos devem resolver sem a direccedilatildeo imposta por um roteiro fortemente estruturado ou por instruccedilotildees verbais do professor Um problema diferentemente de um exerciacutecio experimental ou de um de fim de capiacutetulo do livro-texto eacute uma situaccedilatildeo para a qual natildeo haacute uma soluccedilatildeo imediata obtida pela aplicaccedilatildeo de uma foacutermula ou algoritmo Pode natildeo existir uma soluccedilatildeo conhecida por estudantes e professores ou ateacute ocorrer que nenhuma soluccedilatildeo exata seja possiacutevel Para resolvecirc-lo tem-se que fazer idealizaccedilotildees e aproximaccedilotildees Diferentemente um exerciacutecio eacute uma situaccedilatildeo perturbadora ou incompleta mas que pode ser resolvida com base no conhecimento de quem eacute chamado a resolvecirc-lo

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Fig 1- Contiacutenuo problema-exerciacutecio

O que julgamos importante aacute chamar a atenccedilatildeo para o fato de que uma situaccedilatildeo percebida como um problema por uma pessoa pode ser entendida como um mero exerciacutecio por outra De qualquer forma para resolver um problema um estudante deve fazer mais que simplesmente lembrar-se de uma foacutermula ou de uma situaccedilatildeo similar que conseguiu resolver Nesse sentido um problema eacute um desafio proposto para o aluno e pode ser expresso em diferentes niacuteveis desde um problema completamente fechado ateacute um problema aberto (Garret 1988) No primeiro caso o problema os

procedimentos e recursos satildeo dados pelo professor livro ou roteiro ficando para o aluno a tarefa de colher dados e tirar as conclusotildees Ao contraacuterio em uma investigaccedilatildeo aberta cabe ao estudante toda a soluccedilatildeo desde a percepccedilatildeo e geraccedilatildeo do problema sua formulaccedilatildeo em uma forma suscetiacutevel de investigaccedilatildeo o planejamento do curso de suas accedilotildees a escolha dos procedimentos a seleccedilatildeo dos equipamentos e materiais a preparaccedilatildeo da montagem experimental a realizaccedilatildeo de medidas e observaccedilotildees necessaacuterias o registro dos dados em tabelas e graacuteficos a interpretaccedilatildeo dos resultados e enumeraccedilatildeo das conclusotildees A Fig 1 representa as atividades investigativas e o laboratoacuterio tradicional contrastando-os segundo trecircs aspectos o grau de abertura o objetivo da atividade e a atitude do estudante em relaccedilatildeo agrave atividade O que denominamos grau de abertura indica o quanto o professor ou o roteiro que ele fornece especifica a tarefa para o aluno

A Fig1 sugere quanto ao aspecto abertura a existecircncia de um contiacutenuo cujos extremos seriam exerciacutecios de um lado e problemas completamente abertos do outro Entre esses dois extremos que determinam quem tem o controle ou a

Aspectos Laboratoacuterio Tradicional Atividades Investigativas

Quanto ao grau de abertura

Roteiro preacute-definido

Restrito grau de abertura

Variado grau de abertura

Liberdade total no planejamento

Objetivo da Comprovar leis Explorar fenocircmenos

Atitude do estudante

Compromisso com o resultado Responsabilidade na investigaccedilatildeo

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responsabilidade por certas etapas da atividade praacutetica haacute um nuacutemero de possibilidades com divisatildeo dessas tarefas entre o professor e os estudantes Outra forma de entender essa distinccedilatildeo entre problema fechado e aberto foi proposta por Tamir (1991) baseada em estudos anteriores e mostrado na Fig2 Ele propotildee a categorizaccedilatildeo das atividades investigativas em quatro niacuteveis de acordo com a Fig2 No niacutevel 0 o qual corresponde aproximadamente ao extremo de problema fechado satildeo dados o problema os procedimentos e aquilo que se deseja observarverificar ficando a cargo dos estudantes coletar dados e confirmar ou natildeo as conclusotildees No niacutevel 1 o problema e procedimentos satildeo definidos pelo professor atraveacutes de um roteiro por exemplo Ao estudante cabe coletar os dados indicados e obter as conclusotildees No niacutevel 2 apenas a situaccedilatildeo-problema eacute dada ficando para o estudante decidir como e que dados coletar fazer as mediccedilotildees requeridas e obter conclusotildees a partir deles Finalmente no niacutevel 3

o niacutevel mais aberto de investigaccedilatildeo

o estudante deve fazer tudo desde a formulaccedilatildeo do problema ateacute chegar agraves conclusotildees

Um sistema de categorias mesmo simples como este serve como um organizador de nosso entendimento do que estaacute envolvido no grau de abertura de uma situaccedilatildeo-problema Como exemplo de um problema de niacutevel 2 considere a situaccedilatildeo a seguir que realizamos recentemente com todas as turmas do primeiro ano de ensino meacutedio trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes cada como uma atividade normal de laboratoacuterio durante o estudo de cinemaacutetica A Fig 3 reproduz o esquema apresentado aos alunos O problema foi especificado e a montagem previamente preparada mas natildeo fornecemos indicaccedilatildeo do que e como deveria ser medido portanto parecia correto nosso entendimento de que se tratava de um problema de niacutevel 2 Apoacutes uma fase raacutepida de planejamento do grupo praticamente todos decidiram por medir a altura maacutexima que a bolinha atingia ou o tempo necessaacuterio para ela atingir o ponto de maior altura A partir dos valores obtidos eles usaram uma das equaccedilotildees para movimento com aceleraccedilatildeo constante por exemplo a equaccedilatildeo de Torricelli para determinar Vo Apesar de simples a atividade propiciou discussotildees sobre como medir a altura maacutexima alcanccedilada pela bolinha a pouca acuracidade conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso com o tempo de reaccedilatildeo deles

atividade que jaacute haviam feito anteriormente) e a necessidade do experimento ser replicado Nem todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o problema dentro do periacuteodo do laboratoacuterio e recorrem ao professor ou aos seus colegas em busca de sugestotildees de procedimento Para estes grupos natildeo podemos dizer que a atividade eacute um problema de niacutevel 2 mas talvez de niacutevel 1

Um curso baseado em investigaccedilotildees apresenta a caracteriacutestica uacutenica de combinar processos conceitos e procedimentos na soluccedilatildeo de um problema Vaacuterios estudos foram realizados em nosso grupo procurando compreender as dificuldades que os estudantes com e sem experiecircncia pessoal com trabalhos praacuteticos escolares enfrentam ao formular um problema a partir de uma situaccedilatildeo proposta a eles em planejar a sua soluccedilatildeo e executar o seu planejamento Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas sugere que uma atividade aberta pode ser muito difiacutecil para estudantes sem

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conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

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cumprir adequadamente seu papel de formaccedilatildeo das crianccedilas e adolescentes e pelo fato de que o conhecimento que os estudantes exibem ao deixar a escola eacute fragmentado e de aplicaccedilatildeo limitada Tampouco a escola conseguiu fazer dos mesmos pessoas acostumadas a tomar decisotildees a avaliar alternativas de accedilatildeo de maneira criacutetica e independente e a trabalhar em cooperaccedilatildeo

Vaacuterias satildeo as causas apontadas para explicar a ineficiecircncia do sistema escolar A educaccedilatildeo como absoluta prioridade nacional ainda permanece apenas no plano da retoacuterica oficial dos governos dos estados e federaccedilatildeo No entanto algumas medidas foram e continuam sendo implementadas como o aumento da carga horaacuteria obrigatoacuteria introduccedilatildeo de novas disciplinas programa de avaliaccedilatildeo de livros didaacuteticos e mudanccedilas na forma de organizaccedilatildeo do trabalho escolar Essas mudanccedilas ocorrem lentamente ao passo que outras igualmente importantes e urgentes vatildeo sendo proteladas como a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos educacionais da profissatildeo de professor e de programas para o aperfeiccediloamento e desenvolvimento profissional dos docentes Ao lado dessas dificuldades gerais as vaacuterias disciplinas que compotildeem o curriacuteculo apresentam problemas especiacuteficos de aprendizagem Os pesquisadores educacionais tecircm se debruccedilado sobre estas questotildees e se ainda natildeo haacute consenso haacute um razoaacutevel entendimento do que poderia ser feito para diminuir a enorme distacircncia que nos separa em termos de qualidade de educaccedilatildeo puacuteblica de outras naccedilotildees No entanto as pesquisas educacionais permanecem igualmente desconhecidas para governantes e professores

No caso de Ciecircncias tecircm havido em vaacuterios paiacuteses movimentos de reforma curricular desde os grandes projetos de intervenccedilatildeo da deacutecada de 60 ateacute accedilotildees mais localizadas e orientadas pelo crescente corpo de conhecimento sobre as concepccedilotildees alternativas dos estudantes a respeito de vaacuterios toacutepicos de Fiacutesica e das dificuldades especiacuteficas de aprendizagem que eles enfrentam Antes de tudo eacute preciso enfatizar que o ensino natildeo soacute de ciecircncias eacute uma atividade complexa e problemaacutetica Isso se deve ao fato de natildeo existir uma tradiccedilatildeo de praacuteticas sociais de ensino suficientemente estaacuteveis que possam ser amplamente compartilhadas e que resistam agraves mudanccedilas contiacutenuas natildeo soacute no contexto fiacutesico e soacutecio-cultural da escola mas tambeacutem mudanccedilas nos professores e seus estudantes provocadas por novos valores conhecimentos e crenccedilas novas percepccedilotildees e maturaccedilatildeo Isso nos remete para a formaccedilatildeo dos professores visto que cada um deles deveria estar consciente desse espectro de possibilidades de transformaccedilotildees em si proacuteprio em seus colegas em seus estudantes e em seu ambiente de trabalho

e flexiacutevel para modificar sua forma atuaccedilatildeo em resposta agraves mudanccedilas percebidas

Trata-se de um problema extremamente complexo e de larga escala Nesse trabalho nossa preocupaccedilatildeo seraacute apenas com as consequumlecircncias advindas de como os professores de ciecircncias entendem aquilo que ensinam e como crecircem que podem fazecirc-lo melhor Isso estaacute relacionado em grande parte com as metas estabelecidas pelos curriacuteculos (reconhecidas como legiacutetimas pelos professores) para a educaccedilatildeo em ciecircncias As mudanccedilas nestas metas acarretam mudanccedilas nos proacuteprios conteuacutedos de

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ensino e nas teacutecnicas de ensino As metas que mais comumente expressam aquilo que os estudantes devem aprender tecircm sido

1) Adquirir conhecimento cientiacutefico 2) aprender os processos e meacutetodos das ciecircncias 3) compreender as aplicaccedilotildees da ciecircncia especialmente as relaccedilotildees entre

ciecircncia e sociedade e ciecircncia-tecnologia-sociedade (Bybee e DeBoer 1996) De acordo com essa proposta os estudantes deveriam conhecer alguns dos

principais produtos da ciecircncia ter experiecircncia com eles compreender os meacutetodos utilizados pelos cientistas para a produccedilatildeo de novos conhecimentos e como a ciecircncia eacute uma das forccedilas transformadoras do mundo Um exemplo disso pode ser encontrado nos Paracircmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Meacutedio (MEC 1999) que propotildee que o ensino de ciecircncias deve propiciar ao educando compreender as ciecircncias como construccedilotildees humanas entendendo como elas se desenvolvem por acumulaccedilatildeo continuidade ou ruptura de paradigmas relacionando o desenvolvimento cientiacutefico com a transformaccedilatildeo da sociedade (p 107)

Os professores de ciecircncias tanto no ensino fundamental como no ensino meacutedio em geral acreditam que a melhoria do ensino passa pela introduccedilatildeo de aulas praacuteticas no curriacuteculo Curiosamente vaacuterias das escolas dispotildeem de alguns equipamentos e laboratoacuterios que no entanto por vaacuterias razotildees nunca satildeo utilizados dentre agraves quais cabe mencionar o fato de natildeo existirem atividades jaacute preparadas para o uso do professor falta de recursos para compra de componentes e materiais de reposiccedilatildeo falta de tempo do professor para planejar a realizaccedilatildeo de atividades como parte do seu programa de ensino laboratoacuterio fechado e sem manutenccedilatildeo Satildeo basicamente as mesmas razotildees pelas quais os professores raramente utilizam os computadores colocados nas escolas Muitos professores ateacute se dispotildeem a enfrentar isso improvisando aulas praacuteticas e demonstraccedilotildees com materiais caseiros mas acabam se cansando dessa tarefa ingloacuteria especialmente em vista dos parcos resultados que alcanccedilam Eacute um equiacutevoco corriqueiro confundir atividades praacuteticas com a necessidade de um ambiente com equipamentos especiais para a realizaccedilatildeo de trabalhos experimentais uma vez que podem ser desenvolvidas em qualquer sala de aula sem a necessidade de instrumentos ou aparelhos sofisticados Os movimentos de reforma curricular nas uacuteltimas deacutecadas deram imenso destaque ao ensino no laboratoacuterio como por exemplo PSSC e os vaacuterios cursos da Nuffield Foundation Natildeo obstante o papel que o laboratoacuterio deve ter no ensino de ciecircncias estava longe de ser claro para o professor Em parte as dificuldades com as atividades praacuteticas derivam de uma postura equivocada quanto agrave natureza da Ciecircncia (Hodson 1988 Millar 1991)

A importacircncia e o prestiacutegio que os professores atribuem ao ensino praacutetico deve-se agrave popularizaccedilatildeo nas uacuteltimas deacutecadas das ideacuteias progressistas ou desenvolvimentalistas no pensamento educacional que descendem de Rousseau Pestalozzi Spencer Huxley Dewey entre outros (Bybbe e DeBoer 1996) A ideacuteia central eacute qualquer que seja o meacutetodo de ensino-aprendizagem escolhido deve mobilizar a atividade do aprendiz em lugar de sua passividade Usualmente os

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meacutetodos ativos de ensino-aprendizagem satildeo entendidos como se defendessem a ideacuteia de que os estudantes aprendem melhor por experiecircncia direta Embora verdadeiro em algumas situaccedilotildees esse entendimento eacute uma simplificaccedilatildeo grosseira como apontam os trabalhos baseados nas ideacuteias de Dewey Piaget e Vigotsky entre outros O importante natildeo eacute a manipulaccedilatildeo de objetos e artefatos concretos e sim o envolvimento comprometido com a busca de respostassoluccedilotildees bem articuladas para as questotildees colocadas em atividades que podem ser puramente de pensamento Nesse sentido podemos pensar que o nuacutecleo dos meacutetodos ativos (pode-se ateacute chamaacute-lo de trabalhos ou atividades praacuteticas para significar que estaacute orientado para algum propoacutesito) natildeo envolve necessariamente atividades tiacutepicas do laboratoacuterio escolar

Atividades de resoluccedilatildeo de problemas modelamento e representaccedilatildeo com simulaccedilotildees em computador desenhos pinturas colagens ou simplesmente atividades de encenaccedilatildeo e teatro cumprem esse papel de mobilizar o envolvimento do aprendiz Essas atividades apresentam muitas vezes vantagens claras sobre o laboratoacuterio usual uma vez que natildeo requerem a simples manipulaccedilatildeo agraves vezes repetitiva e irrefletida de objetos concretos mas de ideacuteias e representaccedilotildees com o propoacutesito de comunicar outras ideacuteias e percepccedilotildees Obviamente todas elas podem ser associadas a certos aspectos materiais A materializaccedilatildeo de um modelo de uma representaccedilatildeo de uma encenaccedilatildeo etc requer objetos que natildeo satildeo necessariamente os mesmos de uma atividade de laboratoacuterio A riqueza desse tipo de atividade estaacute em propiciar ao estudante a oportunidade e ele precisa estar consciente disso

de trabalhar com coisas e objetos como se fossem outras coisas e objetos em um exerciacutecio de simbolizaccedilatildeo ou representaccedilatildeo Ela permite conectar siacutembolos com coisas e situaccedilotildees imaginadas o que raramente eacute buscado no laboratoacuterio expandindo os horizontes de sua compreensatildeo

II O laboratoacuterio tradicional

Para um paiacutes onde uma fraccedilatildeo consideraacutevel dos estudantes nunca teve a oportunidade de entrar em um laboratoacuterio de ciecircncias pode parecer um contra-senso questionar a validade de aulas praacuteticas especialmente porque na maioria das escolas elas simplesmente natildeo existem De fato haacute uma corrente de opiniatildeo que defende a ideacuteia de que muitos dos problemas do ensino de ciecircncias se devem agrave ausecircncia de aulas de laboratoacuterio Para os que compartilham desta opiniatildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria para a melhoria da qualidade de ensino consiste em equipar as escolas com laboratoacuterios e treinar os professores para utilizaacute-los Entretanto mesmo nos paiacuteses onde a tradiccedilatildeo de ensino experimental estaacute bem sedimentada a funccedilatildeo que o laboratoacuterio pode e deve ter bem como a sua eficaacutecia em promover as aprendizagens desejadas tecircm sido objeto de questionamentos o que contribui para manter a discussatildeo sobre a questatildeo haacute alguns anos (veja Woolnough 1991 White1996)

Dessa discussatildeo parece resultar uma posiccedilatildeo unacircnime de desaconselhar o uso de laboratoacuterios no esquema tradicionalmente usado pelo seu impacto negativo sobre a aprendizagem dos estudantes White comenta que os resultados e conclusotildees de

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muitas pesquisas sobre a eficaacutecia dos laboratoacuterios decepcionam pois conflita com teorias e expectativas Noacutes preferimos pensar que os laboratoacuterios funcionam porque acrescentam cor a curiosidade de objetos natildeo-usuais e eventos diferentes e um contraste com a praacutetica comum na sala de aula de permanecer assentado

(White 1996 p761) No que eacute denominado laboratoacuterio tradicional o aluno realiza atividades praacuteticas envolvendo observaccedilotildees e medidas acerca de fenocircmenos previamente determinados pelo professor (Tamir 1991) Em geral os alunos trabalham em pequenos grupos e seguem as instruccedilotildees de um roteiro O objetivo da atividade praacutetica pode ser o de testar uma lei cientiacutefica ilustrar ideacuteias e conceitos aprendidos nas aulas teoacutericas descobrir ou formular uma lei acerca de um fenocircmeno especiacutefico ver na praacutetica o que acontece na teoria ou aprender a utilizar algum instrumento ou teacutecnica de laboratoacuterio especiacutefica Natildeo se pode deixar de reconhecer alguns meacuteritos nesse tipo de atividade por exemplo a recomendaccedilatildeo de se trabalhar em pequenos grupos o que possibilita a cada aluno a oportunidade de interagir com as montagens e instrumentos especiacuteficos enquanto divide responsabilidades e ideacuteias sobre o que devem fazer e como fazecirc-lo outro eacute o caraacuteter mais informal do laboratoacuterio em contraposiccedilatildeo agrave formalidade das demais aulas

As principais criacuteticas que se fazem a estas atividades praacuteticas eacute que elas natildeo satildeo efetivamente relacionadas aos conceitos fiacutesicos que muitas delas natildeo satildeo relevantes do ponto de vista dos estudantes jaacute que tanto o problema como o procedimento para resolvecirc-lo estatildeo previamente determinados que as operaccedilotildees de montagem dos equipamentos as atividades de coleta de dados e os caacutelculos para obter respostas esperadas consomem muito ou todo o tempo disponiacutevel Com isso os estudantes dedicam pouco tempo agrave anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos resultados e do proacuteprio significado da atividade realizada Em geral eles percebem as atividades praacuteticas como eventos isolados onde o objetivo eacute chegar agrave resposta certa (Tamir 1989) Natildeo eacute surpreendente assim que o laboratoacuterio seja pouco efetivo em provocar mudanccedilas nas concepccedilotildees e modelos preacutevios dos estudantes em proporcionar uma apreciaccedilatildeo sobre a natureza da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica e em facilitar o desenvolvimento de habilidades estrateacutegicas (White 1996 Gagneacute 1970) Alguns criacuteticos mais veementes argumentam que aleacutem disso os laboratoacuterios de ciecircncias satildeo caros que o uso de equipamentos soacute encontrados nos laboratoacuterios torna o ensino distante da experiecircncia fora de sala de aula do aluno e que a proacutepria complexidade das montagens constitui uma forte barreira para que o estudante compreenda as ideacuteias e conceitos envolvidos nas atividades praacuteticas

As criacuteticas que se colocam ao modo como as atividades praacuteticas satildeo tradicionalmente utilizadas nas escolas apontam que aleacutem de sua completa inadequaccedilatildeo pedagoacutegica sua fundamentaccedilatildeo epistemoloacutegica eacute equivocada (Hodson 1988 Millar 1991) Esse quadro natildeo eacute exclusivo do laboratoacuterio haja visto que vaacuterios dos livros-textos de Fiacutesica e de ciecircncias mais populares no paiacutes sofrem da mesma deficiecircncia (Moreira e Ostermann 1993) Essa concepccedilatildeo empirista-indutivista da ciecircncia a qual Chalmers (1993) denomina de indutivismo ingecircnuo assume que o conhecimento cientiacutefico eacute a verdade provada ou descoberta que tem origem no acuacutemulo de

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observaccedilotildees cuidadosas de algum fenocircmeno por uma mente livre de preacute-concepccedilotildees e sentimentos que aplica o meacutetodo cientiacutefico para chegar a generalizaccedilotildees cientificamente vaacutelidas Essa concepccedilatildeo de ciecircncia acaba por conferir um peso excessivo agrave observaccedilatildeo em detrimento das ideacuteias preacutevias e imaginaccedilatildeo dos estudantes Aleacutem disso representa o meacutetodo cientiacutefico como um algoritmo infaliacutevel capaz de produzir conhecimento cientificamente provado comeccedilando com observaccedilotildees objetivas e neutras formulaccedilatildeo de hipoacuteteses comprovaccedilatildeo experimental e generalizaccedilatildeo das conclusotildees Haacute dois problemas seacuterios e sem soluccedilatildeo com essa visatildeo

Em primeiro lugar essa concepccedilatildeo particular do processo de produccedilatildeo do conhecimento sugere para professores e estudantes que as atividades praacuteticas escolares satildeo da mesma natureza e tecircm a mesma finalidade que as atividades experimentais e de observaccedilatildeo que os cientistas fazem nos seus laboratoacuterios de pesquisa As atividades praacuteticas e os experimentos cientiacuteficos satildeo atividades bem distintas com objetivos bastante diferentes O cientista passou anos de sua vida estudando uma determinada aacuterea da ciecircncia e quando se prepara para realizar um experimento ou conjunto de experimentos ele o faz para resolver um problema que o interessa e para o qual pode estar buscando uma soluccedilatildeo haacute muito tempo Assim quando ele realiza um experimento este vem precedido de muito estudo e reflexatildeo planejamento e preparaccedilatildeo Nesse periacuteodo anterior agrave efetiva concretizaccedilatildeo do experimento o cientista toma uma seacuterie de decisotildees para definir e delimitar o que iraacute fazer e medirobservar que criteacuterios usaraacute para checar a precisatildeo e a confiabilidade dos resultados que controles exerceraacute sobre a situaccedilatildeo entre outras Em segundo lugar tendo sido criticada por vaacuterios filoacutesofos como por exemplo Popper Russel-Hanson Feyerabend Kuhn e Toulmin esta imagem da ciecircncia que ainda permeia muitos dos nossos livros didaacuteticos de ciecircncias naturais especialmente aqueles utilizados na Educaccedilatildeo Baacutesica estaacute completamente superada nos ciacuterculos acadecircmicos haacute vaacuterias deacutecadas

A aceitaccedilatildeo dessas criacuteticas natildeo implica entretanto aceitar a argumentaccedilatildeo de que as atividades praacutetico-experimentais de ciecircncias satildeo supeacuterfluas e que elas podem portanto ser descartadas para o bem dos professores dos estudantes e da proacutepria escola que estes poderiam repensar o aproveitamento do tempo destinado a tais atividades bem como dos espaccedilos ocupados por salas especiais de laboratoacuterio onde existem Aliaacutes da forma como vemos a questatildeo natildeo haacute a necessidade de um ambiente especial reservado para tais atividades com instrumentos e mesas para experiecircncias mas somente que haja planejamento e clareza dos objetivos das atividades propostas Segundo Tamir (1991) um dos principais problemas com o laboratoacuterio de ciecircncias eacute que se pretende atingir uma variedade de objetivos nem sempre compatiacuteveis com um mesmo tipo de atividade Eacute certo que com um mesmo conjunto de materiais um professor criativo pode planejar vaacuterias atividades diferentes com objetivos claramente distintos como por exemplo aprender a usar um instrumento para fazer leituras obter uma imagem de um fenocircmeno ainda natildeo observado aprender estrateacutegias para lidar com os erros e incertezas inerentes ao processo de mediccedilatildeo procurar evidecircncias da existecircncia de alguma relaccedilatildeo entre grandezas envolvidas na situaccedilatildeo e outros Sem

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duacutevida que as atividades praacuteticas podem propiciar ao estudante imagens vividas e memoraacuteveis de fenocircmenos interessantes e importantes para a compreensatildeo dos conceitos cientiacuteficos Atraveacutes delas o estudante pode ser educado para fazer mediccedilotildees corretamente e procurar relaccedilotildees entre variaacuteveis

A questatildeo que se coloca eacute o laboratoacuterio pode ter um papel mais relevante para a aprendizagem escolar Se pode de que maneira ele deve ser organizado A resposta para a primeira questatildeo eacute sem duacutevida afirmativa o laboratoacuterio pode e deve ter um papel mais relevante para a aprendizagem de ciecircncias O fato de estarmos insatisfeitos com a qualidade da aprendizagem natildeo soacute de ciecircncias sugere que todo o sistema escolar deve ser continuamente repensado Com raras exceccedilotildees natildeo se cogita a extinccedilatildeo da escola por causa de suas dificuldades Da mesma forma o que precisamos eacute encontrar novas maneiras de usar as atividades praacutetico-experimentais mais criativa e eficientemente e com propoacutesitos bem definidos mesmo sabendo que isso apenas natildeo eacute soluccedilatildeo para os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias

A ciecircncia em sua forma final se apresenta como um sistema de natureza teoacuterica Contudo eacute necessaacuterio que procuremos criar oportunidades para que o ensino experimental e o ensino teoacuterico se efetuem em concordacircncia permitindo ao estudante integrar conhecimento praacutetico e conhecimento teoacuterico Descartar a possibilidade de que os laboratoacuterios tecircm um papel importante no ensino de ciecircncias significa destituir o conhecimento cientiacutefico de seu contexto reduzindo-o a um sistema abstrato de definiccedilotildees leis e foacutermulas Muito do que se faz nas aulas de Fiacutesica em nossas escolas de ensino meacutedio e universidades assemelham-se a isso preocupando-se mais com a apresentaccedilatildeo das definiccedilotildees conceitos e foacutermulas que os alunos memorizam para resolver exerciacutecios Sem duacutevida que as teorias fiacutesicas satildeo construccedilotildees teoacutericas e expressas em forma matemaacutetica mas o conhecimento que elas carregam soacute faz sentido se nos permite compreender como o mundo funciona e porquecirc as coisas satildeo como satildeo e natildeo de outra forma Isso natildeo significa admitir que podemos adquirir uma compreensatildeo de conceitos teoacutericos atraveacutes de experimentos mas que as dimensotildees teoacuterica e empiacuterica do conhecimento cientiacutefico natildeo satildeo isoladas Natildeo se trata pois de contrapor o ensino experimental ao teoacuterico mas de encontrar formas que evitem essa fragmentaccedilatildeo no conhecimento para tornar a aprendizagem mais interessante motivadora e acessiacutevel aos estudantes

III Os objetivos do laboratoacuterio

Mesmo em locais com forte tradiccedilatildeo de ensino experimental por exemplo nos cursos superiores e cursos das escolas teacutecnicas quase nunca ocorre o planejamento sistemaacutetico das atividades com a explicitaccedilatildeo e discussatildeo dos objetivos de tal ensino A formulaccedilatildeo de um planejamento para as atividades de ensino quando existe destina-se mais a atender agraves demandas burocraacuteticas do que explicitar as diretrizes de accedilatildeo do professor e dos estudantes ao longo de um curso Assim o professor trabalha quase sempre com objetivos de ensino pouco claros e impliacutecitos confiando em sua

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experiecircncia anterior com cursos similares Com isso os estudantes natildeo percebem outros propoacutesitos para as atividades praacuteticas que natildeo os de verificar e comprovar fatos e leis cientiacuteficas Isso eacute determinante na sua compreensatildeo acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia (Hodson 1988) e tambeacutem da importacircncia que eles atribuem agraves atividades experimentais Alguns dos objetivos impliacutecitos que os professores e estudantes tradicionalmente associam aos laboratoacuterios de ciecircncias seratildeo discutidos a seguir

II1 Verificarcomprovar leis e teorias cientiacuteficas

Este objetivo eacute enganoso pois o sucesso da atividade eacute garantido de antematildeo por sua preparaccedilatildeo adequada O teste que se pretende fazer eacute em geral de um aspecto especiacutefico de uma lei ou teoria e natildeo de seus fundamentos Hodson (1988) aponta que como consequumlecircncia o estudante tende a exagerar a importacircncia de seus resultados experimentais aleacutem de originar um entendimento equivocado da relaccedilatildeo entre teoria e observaccedilatildeo Outro aspecto eacute que o estudante logo percebe que sua experiecircncia deve produzir o resultado previsto pela teoria ou que alguma regularidade deve ser encontrada Quando ele natildeo obteacutem a resposta esperada fica desconcertado com seu erro mas se percebe que o erro pode afetar suas notas ele intencionalmente corrige suas observaccedilotildees e dados para obter a resposta correta e as atividades experimentais passam a ter o caraacuteter de um jogo viciado Infelizmente este eacute daquele tipo de jogo que se aprende a jogar muito rapidamente Muitas vezes os proacuteprios professores satildeo viacutetimas desse raciociacutenio e sentem-se inseguros quando as atividades que propotildeem natildeo funcionam como esperavam passando a evitaacute-las no futuro porque natildeo datildeo certo As causas do erro natildeo satildeo investigadas e uma situaccedilatildeo potencialmente valiosa de aprendizagem se perde muitas vezes por falta de tempo Nesse sentido o que se consegue no laboratoacuterio eacute similar ao que se aprende na sala de aula onde o resultado se torna mais importante que o processo em detrimento da aprendizagem

II2 Ensinar o meacutetodo cientiacutefico

Muitas vezes o que o professor deseja eacute que o aluno aprenda ou adquira uma apreciaccedilatildeo sobre o meacutetodo cientiacutefico e a natureza da ciecircncia A compreensatildeo subjacente eacute a de que fazer ciecircncia significa descobrir fatos e leis pela aplicaccedilatildeo de um meacutetodo experimental indutivo e fazer invenccedilotildees A motivaccedilatildeo para a atividade experimental dos cientistas eacute verificar se suas proacuteprias ideacuteias estatildeo corretas Tal concepccedilatildeo assume que existe um uacutenico meacutetodo cientiacutefico que pode ser adequadamente representado como uma sequumlecircncia de etapas como um algoritmo Essa concepccedilatildeo do papel das atividades praacuteticas e as suas consequumlecircncias para a aprendizagem de ciecircncias foram discutidas por vaacuterios autores (Hodson 1986 Millar 1991 Moreira e Ostermann 1993) Ela assume que a atividade experimental eacute essencial agrave ciecircncia e que a observaccedilatildeo e a experimentaccedilatildeo fornecem dados puros verdadeiros e objetivos e por isso mesmo confiaacuteveis em vista de sua independecircncia de quaisquer ideacuteias teoacutericas do observador

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ou seja estaacute apoiada na ideacuteia de que qualquer observador natildeo tendencioso registraraacute as mesmas observaccedilotildees sobre aquela parte da realidade para a qual ele volta sua atenccedilatildeo A essecircncia daquela parte observada da realidade descortina-se e impotildee-se da mesma forma para todos os observadores com esse perfil

Haacute uma ingenuidade inerente a esse entendimento que consiste em assumir que os dados satildeo imediatos no sentido de que satildeo lidos diretamente da parcela observada do mundo e natildeo problemaacuteticos Tudo o que o cientista precisa fazer eacute selecionar quais os fenocircmenos ou aspectos da realidade deseja investigar e entatildeo aplicar o meacutetodo cientiacutefico A naturezarealidade se encarregaraacute de produzir as respostas do tipo simnatildeo para as suas indagaccedilotildees (Hodson 1986) A descoberta cientiacutefica assemelha-se assim (para usar uma analogia mais acessiacutevel) agrave descoberta de novas terras pelos navegantes de uns poucos seacuteculos atraacutes os quais treinados com uma pequena frota e tripulaccedilatildeo (ou mesmo um barco isolado) perscrutando os mares pouco navegados com olhos atentos para os indiacutecios de novas terras e ilhas como paacutessaros e raiacutezes e troncos nas aacuteguas Alguns podiam ateacute tardar em conseguir sucesso mas as terras e ilhas desconhecidas estavam laacute a espera de algum descobridor atento e destemido Esta concepccedilatildeo assume tambeacutem que os professores e estudantes percebem o propoacutesito de um experimento escolar em ciecircncias de forma clara igual e inequiacutevoca o que os conduziraacute agrave descoberta de novos fatos e leis conforme prescrito pelo roteiro de atividades

Haacute vaacuterias deacutecadas eacute amplamente questionada a ideacuteia de que a descoberta seja um processo ou um conjunto hieraacuterquico de processos loacutegicos Apesar de que os informes e relatos das descobertas cientiacuteficas especialmente como apresentado nos livros escolares e pelos meios de comunicaccedilatildeo sugiram para o leigo que as descobertas cientiacuteficas resultam do acuacutemulo de vastos conjuntos de observaccedilotildees detalhadas e repetidas acerca de um fenocircmeno segundo as prescriccedilotildees do meacutetodo cientiacutefico ou entatildeo resultem de ideacuteias inspiradas de mentes geniais o processo eacute bem diferente disso Os cientistas utilizam meacutetodos mas isso natildeo significa que haja um meacutetodo cientiacutefico que determine exatamente como fazer para produzir conhecimento O laboratoacuterio pode proporcionar excelentes oportunidades para que os estudantes testem suas proacuteprias hipoacuteteses sobre fenocircmenos particulares para que planejem suas accedilotildees e as executem de forma a produzir resultados dignos de confianccedila Para que isso seja efetivo deve-se programar atividades de explicitaccedilatildeo dessas hipoacuteteses antes da realizaccedilatildeo das atividades Faz-se tambeacutem necessaacuterio que os professores enfatizem as diferenccedilas entre os experimentos realizados no laboratoacuterio escolar com fins pedagoacutegicos e a investigaccedilatildeo empiacuterica realizada por cientistas Eacute necessaacuteria uma anaacutelise mais cuidadosa da relaccedilatildeo entre observaccedilatildeo experimento e teoria (Chalmers 1993) Aleacutem disso devem encorajar a discussatildeo aberta das limitaccedilotildees e suposiccedilotildees que permeiam cada atividade no laboratoacuterio escolar

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II3 Facilitar a aprendizagem e compreensatildeo de conceitos

Para se alcanccedilar este objetivo recomenda-se que a atividade concentre-se apenas nos aspectos desejados com um planejamento cuidadoso que considere as ideacuteias preacutevias dos estudantes a respeito da situaccedilatildeo estudada o tempo necessaacuterio para completar a atividade as habilidades requeridas e aspectos ligados agrave seguranccedila (Hodson 1988) Ao desenvolver tais atividades o professor deve ter em mente que aquilo que qualquer pessoa observa depende fortemente de seu conhecimento preacutevio e de suas expectativas (Hanson 1958 Chalmers 1993) Em um laboratoacuterio tradicional com atividades realizadas sob a orientaccedilatildeo do professor e seguindo os roteiros fornecidos pode-se acreditar que tal objetivo possa ser conseguido Mas natildeo se pode tomar como certo que se todos os membros de um grupo vecircem o mesmo fenocircmeno todos o interpretem da mesma forma ou aceitem a validade e legitimidade das observaccedilotildees (Gunstone 1991) O fato de um estudante realizar uma atividade adequadamente planejada natildeo garante que ele aprenda aquilo que era pretendido

Estas consideraccedilotildees sugerem a necessidade de atividades preacute e poacutes-laboratoacuterio para que os estudantes explicitem suas ideacuteias e expectativas e discutam o significado de suas observaccedilotildees e interpretaccedilotildees Antes de realizar a atividade praacutetica deve-se discutir com os estudantes a situaccedilatildeo ou fenocircmeno que seraacute tratado Pode-se pedir que eles escrevam suas previsotildees sobre o que deve acontecer e justificaacute-las Na fase poacutes-atividade faz-se a discussatildeo das observaccedilotildees resultados e interpretaccedilotildees obtidos tentando reconciliaacute-las com as previsotildees feitas Aqui eacute o momento de se discutir as falhas e limitaccedilotildees da atividade praacutetica (Gunstone 1991)

Uma vez que os estudantes natildeo satildeo desafiados a explorar desenvolver e avaliar as suas proacuteprias ideacuteias e os curriacuteculos de ciecircncias natildeo oferecem oportunidades para a abordagem de questotildees acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica (Carey et al 1989) A forma de trabalhar proposta proporciona o contexto adequado para a discussatildeo desse tipo de questatildeo

II4 Ensinar habilidades praacuteticas

A aquisiccedilatildeo de habilidades praacuteticas e teacutecnicas de laboratoacuterio eacute um objetivo que pode e deve ser almejado nas atividades praacuteticas Haacute entretanto um certo grau de confusatildeo sobre o que tais habilidades e teacutecnicas satildeo Para alguns trata-se de habilidades cognitivas relacionadas com os processos baacutesicos da ciecircncia Vaacuterios curriacuteculos de ciecircncias desenvolvidos nos Estados Unidos Canadaacute e Europa adotaram tal perspectiva buscando ensinar ou desenvolver certas habilidades gerais e independentes do contexto tais como fazer observaccedilotildees classificar prever formular hipoacuteteses que poderiam entatildeo ser aplicadas em outros contextos Haacute uma forte criacutetica acerca da possibilidade de transferecircncia destas habilidades entre contextos distintos da necessidade e mesmo da possibilidade de se ensinaacute-las (Millar e Driver 1987 Millar 1988)

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O argumento utilizado eacute que elas satildeo processos cognitivos gerais que as pessoas empregam desde muito cedo e que associaacute-las com os processos da ciecircncia eacute o mesmo que insistir em uma concepccedilatildeo ultrapassada da atividade cientiacutefica Como Millar e Driver (1987) argumentam pode-se desejar que as crianccedilas aprendam a observar cuidadosamente a notar detalhes a fazer observaccedilotildees relevantes Entretanto o que eacute ou natildeo relevante depende das expectativas e ideacuteias preacutevias de cada um acerca de um fenocircmeno Natildeo existe algo relevante em uma situaccedilatildeo ou fenocircmeno independentemente de quem o observa ou formula hipoacuteteses sobre ele

Millar (1988 1991) argumenta que haacute um conjunto de habilidades praacuteticas ou teacutecnicas baacutesicas de laboratoacuterio que vale a pena ser ensinado Por exemplo aprender a usar equipamentos e instrumentos especiacuteficos medir grandezas fiacutesicas e realizar pequenas montagens satildeo coisas que dificilmente o estudante tem oportunidade de aprender fora do laboratoacuterio escolar Dentro de cada laboratoacuterio haacute um conjunto baacutesico de teacutecnicas que pode ser ensinado e que forma uma base experiencial sobre a qual os estudantes podem construir um sistema de noccedilotildees que lhes permitiratildeo relacionar-se melhor com os objetos tecnoloacutegicos do cotidiano Aleacutem delas existem as chamadas teacutecnicas de investigaccedilatildeo (Millar 1991) satildeo ferramentas importantes e uacuteteis para qualquer cidadatildeo e relacionam-se com a obtenccedilatildeo de conhecimento e a sua comunicaccedilatildeo Por exemplo repetir procedimentos para aumentar a confiabilidade dos resultados obtidos aprender a colocar e a obter informaccedilatildeo de diferentes formas de representaccedilatildeo como diagramas esquemas graacuteficos tabelas etc Muitas dessas habilidades satildeo utilizadas inconscientemente por todas as pessoas e se refletem nas decisotildees e procedimentos que cada um de noacutes toma ou se utiliza ao resolver problemas ou ao lidar com situaccedilotildees praacuteticas Elas fazem parte do nosso arsenal de estrateacutegias de pensamento informal que toda a pessoa inteligente deveria estar apta a empregar em qualquer situaccedilatildeo Embora possam ser desenvolvidas atraveacutes da escolarizaccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente vinculadas agrave aprendizagem de ciecircncias A organizaccedilatildeo das atividades para se conseguir tais objetivos dependeraacute do conhecimento que os estudantes jaacute possuem Por exemplo se o objetivo eacute que os alunos sem nenhum conhecimento anterior aprendam a utilizar corretamente o voltiacutemetro e o amperiacutemetro entatildeo uma atividade orientada pelo professor e baseada em um roteiro pode ser a melhor alternativa Se ao contraacuterio eles jaacute tecircm algum conhecimento em circuitos eleacutetricos provavelmente eacute melhor que eles aprendam a partir do estudo dos manuais teacutecnicos que acompanham os equipamentos

IV Alternativas para o laboratoacuterio escolar

As pesquisas sobre ensino-aprendizagem de ciecircncias produziram evidecircncias de que as crianccedilas trazem para a escola um conjunto de concepccedilotildees sobre vaacuterios aspectos do mundo mesmo antes de qualquer introduccedilatildeo agrave ciecircncia escolar Estas concepccedilotildees alternativas satildeo adquiridas a partir de sua inserccedilatildeo na cultura comum e da experiecircncia cotidiana com fenocircmenos e eventos e frequumlentemente interferem com a

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aprendizagem das ideacuteias cientiacuteficas A psicologia cognitiva tem contribuiacutedo junto com a pesquisa em ensino e aprendizagem de ciecircncias para a anaacutelise da praacutetica educacional Entretanto pela proacutepria complexidade da questatildeo o que tem sido possiacutevel fazer eacute a obtenccedilatildeo de diretrizes muito geneacutericas sobre como ensinar e como contribuir para a aprendizagem escolar o que eacute ainda muito distante das expectativas excessivamente otimistas da deacutecada de 50 (Coll 1987) Uma dessas recomendaccedilotildees a qual exprime a ideacuteia baacutesica das concepccedilotildees construtivistas a de que o aluno constroacutei seu proacuteprio conhecimento atraveacutes da accedilatildeo

eacute a de que os processos educacionais devem respeitar e favorecer a atividade do estudante e que esta deve ser o centro do processo de aprendizagem Algumas vertentes do construtivismo argumentam que qualquer atividade pedagoacutegica soacute tem valor se tiver origem no aprendiz e se este detiver pleno controle das accedilotildees para justificar uma forma de ativismo empirista Como Coll aponta

pouco importa que esta atividade consista de manipulaccedilotildees observaacuteveis ou em operaccedilotildees mentais que escapem ao observador pouco importa tambeacutem que responda total ou parcialmente agrave iniciativa do aluno ou que tenha sua origem no incentivo e nas propostas do professor O essencial eacute que se trate de uma atividade cuja organizaccedilatildeo e planejamento fique a cargo do aluno Coll (1987 p 187)

O trabalho no laboratoacuterio pode ser organizado de diversas maneiras desde demonstraccedilotildees ateacute atividades praacutetico-experimentais dirigidas diretamente pelo professor ou indiretamente atraveacutes de um roteiro Todas podem ser uacuteteis dependendo dos objetivos que o professor pretende com a realizaccedilatildeo das atividades propostas Uma alternativa que temos defendido haacute mais de uma deacutecada e mais recentemente temos investigado e utilizado com nossos alunos consiste em estruturar as atividades de laboratoacuterio como investigaccedilotildees ou problemas praacuteticos mais abertos que os alunos devem resolver sem a direccedilatildeo imposta por um roteiro fortemente estruturado ou por instruccedilotildees verbais do professor Um problema diferentemente de um exerciacutecio experimental ou de um de fim de capiacutetulo do livro-texto eacute uma situaccedilatildeo para a qual natildeo haacute uma soluccedilatildeo imediata obtida pela aplicaccedilatildeo de uma foacutermula ou algoritmo Pode natildeo existir uma soluccedilatildeo conhecida por estudantes e professores ou ateacute ocorrer que nenhuma soluccedilatildeo exata seja possiacutevel Para resolvecirc-lo tem-se que fazer idealizaccedilotildees e aproximaccedilotildees Diferentemente um exerciacutecio eacute uma situaccedilatildeo perturbadora ou incompleta mas que pode ser resolvida com base no conhecimento de quem eacute chamado a resolvecirc-lo

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Fig 1- Contiacutenuo problema-exerciacutecio

O que julgamos importante aacute chamar a atenccedilatildeo para o fato de que uma situaccedilatildeo percebida como um problema por uma pessoa pode ser entendida como um mero exerciacutecio por outra De qualquer forma para resolver um problema um estudante deve fazer mais que simplesmente lembrar-se de uma foacutermula ou de uma situaccedilatildeo similar que conseguiu resolver Nesse sentido um problema eacute um desafio proposto para o aluno e pode ser expresso em diferentes niacuteveis desde um problema completamente fechado ateacute um problema aberto (Garret 1988) No primeiro caso o problema os

procedimentos e recursos satildeo dados pelo professor livro ou roteiro ficando para o aluno a tarefa de colher dados e tirar as conclusotildees Ao contraacuterio em uma investigaccedilatildeo aberta cabe ao estudante toda a soluccedilatildeo desde a percepccedilatildeo e geraccedilatildeo do problema sua formulaccedilatildeo em uma forma suscetiacutevel de investigaccedilatildeo o planejamento do curso de suas accedilotildees a escolha dos procedimentos a seleccedilatildeo dos equipamentos e materiais a preparaccedilatildeo da montagem experimental a realizaccedilatildeo de medidas e observaccedilotildees necessaacuterias o registro dos dados em tabelas e graacuteficos a interpretaccedilatildeo dos resultados e enumeraccedilatildeo das conclusotildees A Fig 1 representa as atividades investigativas e o laboratoacuterio tradicional contrastando-os segundo trecircs aspectos o grau de abertura o objetivo da atividade e a atitude do estudante em relaccedilatildeo agrave atividade O que denominamos grau de abertura indica o quanto o professor ou o roteiro que ele fornece especifica a tarefa para o aluno

A Fig1 sugere quanto ao aspecto abertura a existecircncia de um contiacutenuo cujos extremos seriam exerciacutecios de um lado e problemas completamente abertos do outro Entre esses dois extremos que determinam quem tem o controle ou a

Aspectos Laboratoacuterio Tradicional Atividades Investigativas

Quanto ao grau de abertura

Roteiro preacute-definido

Restrito grau de abertura

Variado grau de abertura

Liberdade total no planejamento

Objetivo da Comprovar leis Explorar fenocircmenos

Atitude do estudante

Compromisso com o resultado Responsabilidade na investigaccedilatildeo

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responsabilidade por certas etapas da atividade praacutetica haacute um nuacutemero de possibilidades com divisatildeo dessas tarefas entre o professor e os estudantes Outra forma de entender essa distinccedilatildeo entre problema fechado e aberto foi proposta por Tamir (1991) baseada em estudos anteriores e mostrado na Fig2 Ele propotildee a categorizaccedilatildeo das atividades investigativas em quatro niacuteveis de acordo com a Fig2 No niacutevel 0 o qual corresponde aproximadamente ao extremo de problema fechado satildeo dados o problema os procedimentos e aquilo que se deseja observarverificar ficando a cargo dos estudantes coletar dados e confirmar ou natildeo as conclusotildees No niacutevel 1 o problema e procedimentos satildeo definidos pelo professor atraveacutes de um roteiro por exemplo Ao estudante cabe coletar os dados indicados e obter as conclusotildees No niacutevel 2 apenas a situaccedilatildeo-problema eacute dada ficando para o estudante decidir como e que dados coletar fazer as mediccedilotildees requeridas e obter conclusotildees a partir deles Finalmente no niacutevel 3

o niacutevel mais aberto de investigaccedilatildeo

o estudante deve fazer tudo desde a formulaccedilatildeo do problema ateacute chegar agraves conclusotildees

Um sistema de categorias mesmo simples como este serve como um organizador de nosso entendimento do que estaacute envolvido no grau de abertura de uma situaccedilatildeo-problema Como exemplo de um problema de niacutevel 2 considere a situaccedilatildeo a seguir que realizamos recentemente com todas as turmas do primeiro ano de ensino meacutedio trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes cada como uma atividade normal de laboratoacuterio durante o estudo de cinemaacutetica A Fig 3 reproduz o esquema apresentado aos alunos O problema foi especificado e a montagem previamente preparada mas natildeo fornecemos indicaccedilatildeo do que e como deveria ser medido portanto parecia correto nosso entendimento de que se tratava de um problema de niacutevel 2 Apoacutes uma fase raacutepida de planejamento do grupo praticamente todos decidiram por medir a altura maacutexima que a bolinha atingia ou o tempo necessaacuterio para ela atingir o ponto de maior altura A partir dos valores obtidos eles usaram uma das equaccedilotildees para movimento com aceleraccedilatildeo constante por exemplo a equaccedilatildeo de Torricelli para determinar Vo Apesar de simples a atividade propiciou discussotildees sobre como medir a altura maacutexima alcanccedilada pela bolinha a pouca acuracidade conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso com o tempo de reaccedilatildeo deles

atividade que jaacute haviam feito anteriormente) e a necessidade do experimento ser replicado Nem todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o problema dentro do periacuteodo do laboratoacuterio e recorrem ao professor ou aos seus colegas em busca de sugestotildees de procedimento Para estes grupos natildeo podemos dizer que a atividade eacute um problema de niacutevel 2 mas talvez de niacutevel 1

Um curso baseado em investigaccedilotildees apresenta a caracteriacutestica uacutenica de combinar processos conceitos e procedimentos na soluccedilatildeo de um problema Vaacuterios estudos foram realizados em nosso grupo procurando compreender as dificuldades que os estudantes com e sem experiecircncia pessoal com trabalhos praacuteticos escolares enfrentam ao formular um problema a partir de uma situaccedilatildeo proposta a eles em planejar a sua soluccedilatildeo e executar o seu planejamento Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas sugere que uma atividade aberta pode ser muito difiacutecil para estudantes sem

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conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

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ensino e nas teacutecnicas de ensino As metas que mais comumente expressam aquilo que os estudantes devem aprender tecircm sido

1) Adquirir conhecimento cientiacutefico 2) aprender os processos e meacutetodos das ciecircncias 3) compreender as aplicaccedilotildees da ciecircncia especialmente as relaccedilotildees entre

ciecircncia e sociedade e ciecircncia-tecnologia-sociedade (Bybee e DeBoer 1996) De acordo com essa proposta os estudantes deveriam conhecer alguns dos

principais produtos da ciecircncia ter experiecircncia com eles compreender os meacutetodos utilizados pelos cientistas para a produccedilatildeo de novos conhecimentos e como a ciecircncia eacute uma das forccedilas transformadoras do mundo Um exemplo disso pode ser encontrado nos Paracircmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Meacutedio (MEC 1999) que propotildee que o ensino de ciecircncias deve propiciar ao educando compreender as ciecircncias como construccedilotildees humanas entendendo como elas se desenvolvem por acumulaccedilatildeo continuidade ou ruptura de paradigmas relacionando o desenvolvimento cientiacutefico com a transformaccedilatildeo da sociedade (p 107)

Os professores de ciecircncias tanto no ensino fundamental como no ensino meacutedio em geral acreditam que a melhoria do ensino passa pela introduccedilatildeo de aulas praacuteticas no curriacuteculo Curiosamente vaacuterias das escolas dispotildeem de alguns equipamentos e laboratoacuterios que no entanto por vaacuterias razotildees nunca satildeo utilizados dentre agraves quais cabe mencionar o fato de natildeo existirem atividades jaacute preparadas para o uso do professor falta de recursos para compra de componentes e materiais de reposiccedilatildeo falta de tempo do professor para planejar a realizaccedilatildeo de atividades como parte do seu programa de ensino laboratoacuterio fechado e sem manutenccedilatildeo Satildeo basicamente as mesmas razotildees pelas quais os professores raramente utilizam os computadores colocados nas escolas Muitos professores ateacute se dispotildeem a enfrentar isso improvisando aulas praacuteticas e demonstraccedilotildees com materiais caseiros mas acabam se cansando dessa tarefa ingloacuteria especialmente em vista dos parcos resultados que alcanccedilam Eacute um equiacutevoco corriqueiro confundir atividades praacuteticas com a necessidade de um ambiente com equipamentos especiais para a realizaccedilatildeo de trabalhos experimentais uma vez que podem ser desenvolvidas em qualquer sala de aula sem a necessidade de instrumentos ou aparelhos sofisticados Os movimentos de reforma curricular nas uacuteltimas deacutecadas deram imenso destaque ao ensino no laboratoacuterio como por exemplo PSSC e os vaacuterios cursos da Nuffield Foundation Natildeo obstante o papel que o laboratoacuterio deve ter no ensino de ciecircncias estava longe de ser claro para o professor Em parte as dificuldades com as atividades praacuteticas derivam de uma postura equivocada quanto agrave natureza da Ciecircncia (Hodson 1988 Millar 1991)

A importacircncia e o prestiacutegio que os professores atribuem ao ensino praacutetico deve-se agrave popularizaccedilatildeo nas uacuteltimas deacutecadas das ideacuteias progressistas ou desenvolvimentalistas no pensamento educacional que descendem de Rousseau Pestalozzi Spencer Huxley Dewey entre outros (Bybbe e DeBoer 1996) A ideacuteia central eacute qualquer que seja o meacutetodo de ensino-aprendizagem escolhido deve mobilizar a atividade do aprendiz em lugar de sua passividade Usualmente os

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meacutetodos ativos de ensino-aprendizagem satildeo entendidos como se defendessem a ideacuteia de que os estudantes aprendem melhor por experiecircncia direta Embora verdadeiro em algumas situaccedilotildees esse entendimento eacute uma simplificaccedilatildeo grosseira como apontam os trabalhos baseados nas ideacuteias de Dewey Piaget e Vigotsky entre outros O importante natildeo eacute a manipulaccedilatildeo de objetos e artefatos concretos e sim o envolvimento comprometido com a busca de respostassoluccedilotildees bem articuladas para as questotildees colocadas em atividades que podem ser puramente de pensamento Nesse sentido podemos pensar que o nuacutecleo dos meacutetodos ativos (pode-se ateacute chamaacute-lo de trabalhos ou atividades praacuteticas para significar que estaacute orientado para algum propoacutesito) natildeo envolve necessariamente atividades tiacutepicas do laboratoacuterio escolar

Atividades de resoluccedilatildeo de problemas modelamento e representaccedilatildeo com simulaccedilotildees em computador desenhos pinturas colagens ou simplesmente atividades de encenaccedilatildeo e teatro cumprem esse papel de mobilizar o envolvimento do aprendiz Essas atividades apresentam muitas vezes vantagens claras sobre o laboratoacuterio usual uma vez que natildeo requerem a simples manipulaccedilatildeo agraves vezes repetitiva e irrefletida de objetos concretos mas de ideacuteias e representaccedilotildees com o propoacutesito de comunicar outras ideacuteias e percepccedilotildees Obviamente todas elas podem ser associadas a certos aspectos materiais A materializaccedilatildeo de um modelo de uma representaccedilatildeo de uma encenaccedilatildeo etc requer objetos que natildeo satildeo necessariamente os mesmos de uma atividade de laboratoacuterio A riqueza desse tipo de atividade estaacute em propiciar ao estudante a oportunidade e ele precisa estar consciente disso

de trabalhar com coisas e objetos como se fossem outras coisas e objetos em um exerciacutecio de simbolizaccedilatildeo ou representaccedilatildeo Ela permite conectar siacutembolos com coisas e situaccedilotildees imaginadas o que raramente eacute buscado no laboratoacuterio expandindo os horizontes de sua compreensatildeo

II O laboratoacuterio tradicional

Para um paiacutes onde uma fraccedilatildeo consideraacutevel dos estudantes nunca teve a oportunidade de entrar em um laboratoacuterio de ciecircncias pode parecer um contra-senso questionar a validade de aulas praacuteticas especialmente porque na maioria das escolas elas simplesmente natildeo existem De fato haacute uma corrente de opiniatildeo que defende a ideacuteia de que muitos dos problemas do ensino de ciecircncias se devem agrave ausecircncia de aulas de laboratoacuterio Para os que compartilham desta opiniatildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria para a melhoria da qualidade de ensino consiste em equipar as escolas com laboratoacuterios e treinar os professores para utilizaacute-los Entretanto mesmo nos paiacuteses onde a tradiccedilatildeo de ensino experimental estaacute bem sedimentada a funccedilatildeo que o laboratoacuterio pode e deve ter bem como a sua eficaacutecia em promover as aprendizagens desejadas tecircm sido objeto de questionamentos o que contribui para manter a discussatildeo sobre a questatildeo haacute alguns anos (veja Woolnough 1991 White1996)

Dessa discussatildeo parece resultar uma posiccedilatildeo unacircnime de desaconselhar o uso de laboratoacuterios no esquema tradicionalmente usado pelo seu impacto negativo sobre a aprendizagem dos estudantes White comenta que os resultados e conclusotildees de

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muitas pesquisas sobre a eficaacutecia dos laboratoacuterios decepcionam pois conflita com teorias e expectativas Noacutes preferimos pensar que os laboratoacuterios funcionam porque acrescentam cor a curiosidade de objetos natildeo-usuais e eventos diferentes e um contraste com a praacutetica comum na sala de aula de permanecer assentado

(White 1996 p761) No que eacute denominado laboratoacuterio tradicional o aluno realiza atividades praacuteticas envolvendo observaccedilotildees e medidas acerca de fenocircmenos previamente determinados pelo professor (Tamir 1991) Em geral os alunos trabalham em pequenos grupos e seguem as instruccedilotildees de um roteiro O objetivo da atividade praacutetica pode ser o de testar uma lei cientiacutefica ilustrar ideacuteias e conceitos aprendidos nas aulas teoacutericas descobrir ou formular uma lei acerca de um fenocircmeno especiacutefico ver na praacutetica o que acontece na teoria ou aprender a utilizar algum instrumento ou teacutecnica de laboratoacuterio especiacutefica Natildeo se pode deixar de reconhecer alguns meacuteritos nesse tipo de atividade por exemplo a recomendaccedilatildeo de se trabalhar em pequenos grupos o que possibilita a cada aluno a oportunidade de interagir com as montagens e instrumentos especiacuteficos enquanto divide responsabilidades e ideacuteias sobre o que devem fazer e como fazecirc-lo outro eacute o caraacuteter mais informal do laboratoacuterio em contraposiccedilatildeo agrave formalidade das demais aulas

As principais criacuteticas que se fazem a estas atividades praacuteticas eacute que elas natildeo satildeo efetivamente relacionadas aos conceitos fiacutesicos que muitas delas natildeo satildeo relevantes do ponto de vista dos estudantes jaacute que tanto o problema como o procedimento para resolvecirc-lo estatildeo previamente determinados que as operaccedilotildees de montagem dos equipamentos as atividades de coleta de dados e os caacutelculos para obter respostas esperadas consomem muito ou todo o tempo disponiacutevel Com isso os estudantes dedicam pouco tempo agrave anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos resultados e do proacuteprio significado da atividade realizada Em geral eles percebem as atividades praacuteticas como eventos isolados onde o objetivo eacute chegar agrave resposta certa (Tamir 1989) Natildeo eacute surpreendente assim que o laboratoacuterio seja pouco efetivo em provocar mudanccedilas nas concepccedilotildees e modelos preacutevios dos estudantes em proporcionar uma apreciaccedilatildeo sobre a natureza da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica e em facilitar o desenvolvimento de habilidades estrateacutegicas (White 1996 Gagneacute 1970) Alguns criacuteticos mais veementes argumentam que aleacutem disso os laboratoacuterios de ciecircncias satildeo caros que o uso de equipamentos soacute encontrados nos laboratoacuterios torna o ensino distante da experiecircncia fora de sala de aula do aluno e que a proacutepria complexidade das montagens constitui uma forte barreira para que o estudante compreenda as ideacuteias e conceitos envolvidos nas atividades praacuteticas

As criacuteticas que se colocam ao modo como as atividades praacuteticas satildeo tradicionalmente utilizadas nas escolas apontam que aleacutem de sua completa inadequaccedilatildeo pedagoacutegica sua fundamentaccedilatildeo epistemoloacutegica eacute equivocada (Hodson 1988 Millar 1991) Esse quadro natildeo eacute exclusivo do laboratoacuterio haja visto que vaacuterios dos livros-textos de Fiacutesica e de ciecircncias mais populares no paiacutes sofrem da mesma deficiecircncia (Moreira e Ostermann 1993) Essa concepccedilatildeo empirista-indutivista da ciecircncia a qual Chalmers (1993) denomina de indutivismo ingecircnuo assume que o conhecimento cientiacutefico eacute a verdade provada ou descoberta que tem origem no acuacutemulo de

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observaccedilotildees cuidadosas de algum fenocircmeno por uma mente livre de preacute-concepccedilotildees e sentimentos que aplica o meacutetodo cientiacutefico para chegar a generalizaccedilotildees cientificamente vaacutelidas Essa concepccedilatildeo de ciecircncia acaba por conferir um peso excessivo agrave observaccedilatildeo em detrimento das ideacuteias preacutevias e imaginaccedilatildeo dos estudantes Aleacutem disso representa o meacutetodo cientiacutefico como um algoritmo infaliacutevel capaz de produzir conhecimento cientificamente provado comeccedilando com observaccedilotildees objetivas e neutras formulaccedilatildeo de hipoacuteteses comprovaccedilatildeo experimental e generalizaccedilatildeo das conclusotildees Haacute dois problemas seacuterios e sem soluccedilatildeo com essa visatildeo

Em primeiro lugar essa concepccedilatildeo particular do processo de produccedilatildeo do conhecimento sugere para professores e estudantes que as atividades praacuteticas escolares satildeo da mesma natureza e tecircm a mesma finalidade que as atividades experimentais e de observaccedilatildeo que os cientistas fazem nos seus laboratoacuterios de pesquisa As atividades praacuteticas e os experimentos cientiacuteficos satildeo atividades bem distintas com objetivos bastante diferentes O cientista passou anos de sua vida estudando uma determinada aacuterea da ciecircncia e quando se prepara para realizar um experimento ou conjunto de experimentos ele o faz para resolver um problema que o interessa e para o qual pode estar buscando uma soluccedilatildeo haacute muito tempo Assim quando ele realiza um experimento este vem precedido de muito estudo e reflexatildeo planejamento e preparaccedilatildeo Nesse periacuteodo anterior agrave efetiva concretizaccedilatildeo do experimento o cientista toma uma seacuterie de decisotildees para definir e delimitar o que iraacute fazer e medirobservar que criteacuterios usaraacute para checar a precisatildeo e a confiabilidade dos resultados que controles exerceraacute sobre a situaccedilatildeo entre outras Em segundo lugar tendo sido criticada por vaacuterios filoacutesofos como por exemplo Popper Russel-Hanson Feyerabend Kuhn e Toulmin esta imagem da ciecircncia que ainda permeia muitos dos nossos livros didaacuteticos de ciecircncias naturais especialmente aqueles utilizados na Educaccedilatildeo Baacutesica estaacute completamente superada nos ciacuterculos acadecircmicos haacute vaacuterias deacutecadas

A aceitaccedilatildeo dessas criacuteticas natildeo implica entretanto aceitar a argumentaccedilatildeo de que as atividades praacutetico-experimentais de ciecircncias satildeo supeacuterfluas e que elas podem portanto ser descartadas para o bem dos professores dos estudantes e da proacutepria escola que estes poderiam repensar o aproveitamento do tempo destinado a tais atividades bem como dos espaccedilos ocupados por salas especiais de laboratoacuterio onde existem Aliaacutes da forma como vemos a questatildeo natildeo haacute a necessidade de um ambiente especial reservado para tais atividades com instrumentos e mesas para experiecircncias mas somente que haja planejamento e clareza dos objetivos das atividades propostas Segundo Tamir (1991) um dos principais problemas com o laboratoacuterio de ciecircncias eacute que se pretende atingir uma variedade de objetivos nem sempre compatiacuteveis com um mesmo tipo de atividade Eacute certo que com um mesmo conjunto de materiais um professor criativo pode planejar vaacuterias atividades diferentes com objetivos claramente distintos como por exemplo aprender a usar um instrumento para fazer leituras obter uma imagem de um fenocircmeno ainda natildeo observado aprender estrateacutegias para lidar com os erros e incertezas inerentes ao processo de mediccedilatildeo procurar evidecircncias da existecircncia de alguma relaccedilatildeo entre grandezas envolvidas na situaccedilatildeo e outros Sem

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duacutevida que as atividades praacuteticas podem propiciar ao estudante imagens vividas e memoraacuteveis de fenocircmenos interessantes e importantes para a compreensatildeo dos conceitos cientiacuteficos Atraveacutes delas o estudante pode ser educado para fazer mediccedilotildees corretamente e procurar relaccedilotildees entre variaacuteveis

A questatildeo que se coloca eacute o laboratoacuterio pode ter um papel mais relevante para a aprendizagem escolar Se pode de que maneira ele deve ser organizado A resposta para a primeira questatildeo eacute sem duacutevida afirmativa o laboratoacuterio pode e deve ter um papel mais relevante para a aprendizagem de ciecircncias O fato de estarmos insatisfeitos com a qualidade da aprendizagem natildeo soacute de ciecircncias sugere que todo o sistema escolar deve ser continuamente repensado Com raras exceccedilotildees natildeo se cogita a extinccedilatildeo da escola por causa de suas dificuldades Da mesma forma o que precisamos eacute encontrar novas maneiras de usar as atividades praacutetico-experimentais mais criativa e eficientemente e com propoacutesitos bem definidos mesmo sabendo que isso apenas natildeo eacute soluccedilatildeo para os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias

A ciecircncia em sua forma final se apresenta como um sistema de natureza teoacuterica Contudo eacute necessaacuterio que procuremos criar oportunidades para que o ensino experimental e o ensino teoacuterico se efetuem em concordacircncia permitindo ao estudante integrar conhecimento praacutetico e conhecimento teoacuterico Descartar a possibilidade de que os laboratoacuterios tecircm um papel importante no ensino de ciecircncias significa destituir o conhecimento cientiacutefico de seu contexto reduzindo-o a um sistema abstrato de definiccedilotildees leis e foacutermulas Muito do que se faz nas aulas de Fiacutesica em nossas escolas de ensino meacutedio e universidades assemelham-se a isso preocupando-se mais com a apresentaccedilatildeo das definiccedilotildees conceitos e foacutermulas que os alunos memorizam para resolver exerciacutecios Sem duacutevida que as teorias fiacutesicas satildeo construccedilotildees teoacutericas e expressas em forma matemaacutetica mas o conhecimento que elas carregam soacute faz sentido se nos permite compreender como o mundo funciona e porquecirc as coisas satildeo como satildeo e natildeo de outra forma Isso natildeo significa admitir que podemos adquirir uma compreensatildeo de conceitos teoacutericos atraveacutes de experimentos mas que as dimensotildees teoacuterica e empiacuterica do conhecimento cientiacutefico natildeo satildeo isoladas Natildeo se trata pois de contrapor o ensino experimental ao teoacuterico mas de encontrar formas que evitem essa fragmentaccedilatildeo no conhecimento para tornar a aprendizagem mais interessante motivadora e acessiacutevel aos estudantes

III Os objetivos do laboratoacuterio

Mesmo em locais com forte tradiccedilatildeo de ensino experimental por exemplo nos cursos superiores e cursos das escolas teacutecnicas quase nunca ocorre o planejamento sistemaacutetico das atividades com a explicitaccedilatildeo e discussatildeo dos objetivos de tal ensino A formulaccedilatildeo de um planejamento para as atividades de ensino quando existe destina-se mais a atender agraves demandas burocraacuteticas do que explicitar as diretrizes de accedilatildeo do professor e dos estudantes ao longo de um curso Assim o professor trabalha quase sempre com objetivos de ensino pouco claros e impliacutecitos confiando em sua

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experiecircncia anterior com cursos similares Com isso os estudantes natildeo percebem outros propoacutesitos para as atividades praacuteticas que natildeo os de verificar e comprovar fatos e leis cientiacuteficas Isso eacute determinante na sua compreensatildeo acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia (Hodson 1988) e tambeacutem da importacircncia que eles atribuem agraves atividades experimentais Alguns dos objetivos impliacutecitos que os professores e estudantes tradicionalmente associam aos laboratoacuterios de ciecircncias seratildeo discutidos a seguir

II1 Verificarcomprovar leis e teorias cientiacuteficas

Este objetivo eacute enganoso pois o sucesso da atividade eacute garantido de antematildeo por sua preparaccedilatildeo adequada O teste que se pretende fazer eacute em geral de um aspecto especiacutefico de uma lei ou teoria e natildeo de seus fundamentos Hodson (1988) aponta que como consequumlecircncia o estudante tende a exagerar a importacircncia de seus resultados experimentais aleacutem de originar um entendimento equivocado da relaccedilatildeo entre teoria e observaccedilatildeo Outro aspecto eacute que o estudante logo percebe que sua experiecircncia deve produzir o resultado previsto pela teoria ou que alguma regularidade deve ser encontrada Quando ele natildeo obteacutem a resposta esperada fica desconcertado com seu erro mas se percebe que o erro pode afetar suas notas ele intencionalmente corrige suas observaccedilotildees e dados para obter a resposta correta e as atividades experimentais passam a ter o caraacuteter de um jogo viciado Infelizmente este eacute daquele tipo de jogo que se aprende a jogar muito rapidamente Muitas vezes os proacuteprios professores satildeo viacutetimas desse raciociacutenio e sentem-se inseguros quando as atividades que propotildeem natildeo funcionam como esperavam passando a evitaacute-las no futuro porque natildeo datildeo certo As causas do erro natildeo satildeo investigadas e uma situaccedilatildeo potencialmente valiosa de aprendizagem se perde muitas vezes por falta de tempo Nesse sentido o que se consegue no laboratoacuterio eacute similar ao que se aprende na sala de aula onde o resultado se torna mais importante que o processo em detrimento da aprendizagem

II2 Ensinar o meacutetodo cientiacutefico

Muitas vezes o que o professor deseja eacute que o aluno aprenda ou adquira uma apreciaccedilatildeo sobre o meacutetodo cientiacutefico e a natureza da ciecircncia A compreensatildeo subjacente eacute a de que fazer ciecircncia significa descobrir fatos e leis pela aplicaccedilatildeo de um meacutetodo experimental indutivo e fazer invenccedilotildees A motivaccedilatildeo para a atividade experimental dos cientistas eacute verificar se suas proacuteprias ideacuteias estatildeo corretas Tal concepccedilatildeo assume que existe um uacutenico meacutetodo cientiacutefico que pode ser adequadamente representado como uma sequumlecircncia de etapas como um algoritmo Essa concepccedilatildeo do papel das atividades praacuteticas e as suas consequumlecircncias para a aprendizagem de ciecircncias foram discutidas por vaacuterios autores (Hodson 1986 Millar 1991 Moreira e Ostermann 1993) Ela assume que a atividade experimental eacute essencial agrave ciecircncia e que a observaccedilatildeo e a experimentaccedilatildeo fornecem dados puros verdadeiros e objetivos e por isso mesmo confiaacuteveis em vista de sua independecircncia de quaisquer ideacuteias teoacutericas do observador

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ou seja estaacute apoiada na ideacuteia de que qualquer observador natildeo tendencioso registraraacute as mesmas observaccedilotildees sobre aquela parte da realidade para a qual ele volta sua atenccedilatildeo A essecircncia daquela parte observada da realidade descortina-se e impotildee-se da mesma forma para todos os observadores com esse perfil

Haacute uma ingenuidade inerente a esse entendimento que consiste em assumir que os dados satildeo imediatos no sentido de que satildeo lidos diretamente da parcela observada do mundo e natildeo problemaacuteticos Tudo o que o cientista precisa fazer eacute selecionar quais os fenocircmenos ou aspectos da realidade deseja investigar e entatildeo aplicar o meacutetodo cientiacutefico A naturezarealidade se encarregaraacute de produzir as respostas do tipo simnatildeo para as suas indagaccedilotildees (Hodson 1986) A descoberta cientiacutefica assemelha-se assim (para usar uma analogia mais acessiacutevel) agrave descoberta de novas terras pelos navegantes de uns poucos seacuteculos atraacutes os quais treinados com uma pequena frota e tripulaccedilatildeo (ou mesmo um barco isolado) perscrutando os mares pouco navegados com olhos atentos para os indiacutecios de novas terras e ilhas como paacutessaros e raiacutezes e troncos nas aacuteguas Alguns podiam ateacute tardar em conseguir sucesso mas as terras e ilhas desconhecidas estavam laacute a espera de algum descobridor atento e destemido Esta concepccedilatildeo assume tambeacutem que os professores e estudantes percebem o propoacutesito de um experimento escolar em ciecircncias de forma clara igual e inequiacutevoca o que os conduziraacute agrave descoberta de novos fatos e leis conforme prescrito pelo roteiro de atividades

Haacute vaacuterias deacutecadas eacute amplamente questionada a ideacuteia de que a descoberta seja um processo ou um conjunto hieraacuterquico de processos loacutegicos Apesar de que os informes e relatos das descobertas cientiacuteficas especialmente como apresentado nos livros escolares e pelos meios de comunicaccedilatildeo sugiram para o leigo que as descobertas cientiacuteficas resultam do acuacutemulo de vastos conjuntos de observaccedilotildees detalhadas e repetidas acerca de um fenocircmeno segundo as prescriccedilotildees do meacutetodo cientiacutefico ou entatildeo resultem de ideacuteias inspiradas de mentes geniais o processo eacute bem diferente disso Os cientistas utilizam meacutetodos mas isso natildeo significa que haja um meacutetodo cientiacutefico que determine exatamente como fazer para produzir conhecimento O laboratoacuterio pode proporcionar excelentes oportunidades para que os estudantes testem suas proacuteprias hipoacuteteses sobre fenocircmenos particulares para que planejem suas accedilotildees e as executem de forma a produzir resultados dignos de confianccedila Para que isso seja efetivo deve-se programar atividades de explicitaccedilatildeo dessas hipoacuteteses antes da realizaccedilatildeo das atividades Faz-se tambeacutem necessaacuterio que os professores enfatizem as diferenccedilas entre os experimentos realizados no laboratoacuterio escolar com fins pedagoacutegicos e a investigaccedilatildeo empiacuterica realizada por cientistas Eacute necessaacuteria uma anaacutelise mais cuidadosa da relaccedilatildeo entre observaccedilatildeo experimento e teoria (Chalmers 1993) Aleacutem disso devem encorajar a discussatildeo aberta das limitaccedilotildees e suposiccedilotildees que permeiam cada atividade no laboratoacuterio escolar

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II3 Facilitar a aprendizagem e compreensatildeo de conceitos

Para se alcanccedilar este objetivo recomenda-se que a atividade concentre-se apenas nos aspectos desejados com um planejamento cuidadoso que considere as ideacuteias preacutevias dos estudantes a respeito da situaccedilatildeo estudada o tempo necessaacuterio para completar a atividade as habilidades requeridas e aspectos ligados agrave seguranccedila (Hodson 1988) Ao desenvolver tais atividades o professor deve ter em mente que aquilo que qualquer pessoa observa depende fortemente de seu conhecimento preacutevio e de suas expectativas (Hanson 1958 Chalmers 1993) Em um laboratoacuterio tradicional com atividades realizadas sob a orientaccedilatildeo do professor e seguindo os roteiros fornecidos pode-se acreditar que tal objetivo possa ser conseguido Mas natildeo se pode tomar como certo que se todos os membros de um grupo vecircem o mesmo fenocircmeno todos o interpretem da mesma forma ou aceitem a validade e legitimidade das observaccedilotildees (Gunstone 1991) O fato de um estudante realizar uma atividade adequadamente planejada natildeo garante que ele aprenda aquilo que era pretendido

Estas consideraccedilotildees sugerem a necessidade de atividades preacute e poacutes-laboratoacuterio para que os estudantes explicitem suas ideacuteias e expectativas e discutam o significado de suas observaccedilotildees e interpretaccedilotildees Antes de realizar a atividade praacutetica deve-se discutir com os estudantes a situaccedilatildeo ou fenocircmeno que seraacute tratado Pode-se pedir que eles escrevam suas previsotildees sobre o que deve acontecer e justificaacute-las Na fase poacutes-atividade faz-se a discussatildeo das observaccedilotildees resultados e interpretaccedilotildees obtidos tentando reconciliaacute-las com as previsotildees feitas Aqui eacute o momento de se discutir as falhas e limitaccedilotildees da atividade praacutetica (Gunstone 1991)

Uma vez que os estudantes natildeo satildeo desafiados a explorar desenvolver e avaliar as suas proacuteprias ideacuteias e os curriacuteculos de ciecircncias natildeo oferecem oportunidades para a abordagem de questotildees acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica (Carey et al 1989) A forma de trabalhar proposta proporciona o contexto adequado para a discussatildeo desse tipo de questatildeo

II4 Ensinar habilidades praacuteticas

A aquisiccedilatildeo de habilidades praacuteticas e teacutecnicas de laboratoacuterio eacute um objetivo que pode e deve ser almejado nas atividades praacuteticas Haacute entretanto um certo grau de confusatildeo sobre o que tais habilidades e teacutecnicas satildeo Para alguns trata-se de habilidades cognitivas relacionadas com os processos baacutesicos da ciecircncia Vaacuterios curriacuteculos de ciecircncias desenvolvidos nos Estados Unidos Canadaacute e Europa adotaram tal perspectiva buscando ensinar ou desenvolver certas habilidades gerais e independentes do contexto tais como fazer observaccedilotildees classificar prever formular hipoacuteteses que poderiam entatildeo ser aplicadas em outros contextos Haacute uma forte criacutetica acerca da possibilidade de transferecircncia destas habilidades entre contextos distintos da necessidade e mesmo da possibilidade de se ensinaacute-las (Millar e Driver 1987 Millar 1988)

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O argumento utilizado eacute que elas satildeo processos cognitivos gerais que as pessoas empregam desde muito cedo e que associaacute-las com os processos da ciecircncia eacute o mesmo que insistir em uma concepccedilatildeo ultrapassada da atividade cientiacutefica Como Millar e Driver (1987) argumentam pode-se desejar que as crianccedilas aprendam a observar cuidadosamente a notar detalhes a fazer observaccedilotildees relevantes Entretanto o que eacute ou natildeo relevante depende das expectativas e ideacuteias preacutevias de cada um acerca de um fenocircmeno Natildeo existe algo relevante em uma situaccedilatildeo ou fenocircmeno independentemente de quem o observa ou formula hipoacuteteses sobre ele

Millar (1988 1991) argumenta que haacute um conjunto de habilidades praacuteticas ou teacutecnicas baacutesicas de laboratoacuterio que vale a pena ser ensinado Por exemplo aprender a usar equipamentos e instrumentos especiacuteficos medir grandezas fiacutesicas e realizar pequenas montagens satildeo coisas que dificilmente o estudante tem oportunidade de aprender fora do laboratoacuterio escolar Dentro de cada laboratoacuterio haacute um conjunto baacutesico de teacutecnicas que pode ser ensinado e que forma uma base experiencial sobre a qual os estudantes podem construir um sistema de noccedilotildees que lhes permitiratildeo relacionar-se melhor com os objetos tecnoloacutegicos do cotidiano Aleacutem delas existem as chamadas teacutecnicas de investigaccedilatildeo (Millar 1991) satildeo ferramentas importantes e uacuteteis para qualquer cidadatildeo e relacionam-se com a obtenccedilatildeo de conhecimento e a sua comunicaccedilatildeo Por exemplo repetir procedimentos para aumentar a confiabilidade dos resultados obtidos aprender a colocar e a obter informaccedilatildeo de diferentes formas de representaccedilatildeo como diagramas esquemas graacuteficos tabelas etc Muitas dessas habilidades satildeo utilizadas inconscientemente por todas as pessoas e se refletem nas decisotildees e procedimentos que cada um de noacutes toma ou se utiliza ao resolver problemas ou ao lidar com situaccedilotildees praacuteticas Elas fazem parte do nosso arsenal de estrateacutegias de pensamento informal que toda a pessoa inteligente deveria estar apta a empregar em qualquer situaccedilatildeo Embora possam ser desenvolvidas atraveacutes da escolarizaccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente vinculadas agrave aprendizagem de ciecircncias A organizaccedilatildeo das atividades para se conseguir tais objetivos dependeraacute do conhecimento que os estudantes jaacute possuem Por exemplo se o objetivo eacute que os alunos sem nenhum conhecimento anterior aprendam a utilizar corretamente o voltiacutemetro e o amperiacutemetro entatildeo uma atividade orientada pelo professor e baseada em um roteiro pode ser a melhor alternativa Se ao contraacuterio eles jaacute tecircm algum conhecimento em circuitos eleacutetricos provavelmente eacute melhor que eles aprendam a partir do estudo dos manuais teacutecnicos que acompanham os equipamentos

IV Alternativas para o laboratoacuterio escolar

As pesquisas sobre ensino-aprendizagem de ciecircncias produziram evidecircncias de que as crianccedilas trazem para a escola um conjunto de concepccedilotildees sobre vaacuterios aspectos do mundo mesmo antes de qualquer introduccedilatildeo agrave ciecircncia escolar Estas concepccedilotildees alternativas satildeo adquiridas a partir de sua inserccedilatildeo na cultura comum e da experiecircncia cotidiana com fenocircmenos e eventos e frequumlentemente interferem com a

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aprendizagem das ideacuteias cientiacuteficas A psicologia cognitiva tem contribuiacutedo junto com a pesquisa em ensino e aprendizagem de ciecircncias para a anaacutelise da praacutetica educacional Entretanto pela proacutepria complexidade da questatildeo o que tem sido possiacutevel fazer eacute a obtenccedilatildeo de diretrizes muito geneacutericas sobre como ensinar e como contribuir para a aprendizagem escolar o que eacute ainda muito distante das expectativas excessivamente otimistas da deacutecada de 50 (Coll 1987) Uma dessas recomendaccedilotildees a qual exprime a ideacuteia baacutesica das concepccedilotildees construtivistas a de que o aluno constroacutei seu proacuteprio conhecimento atraveacutes da accedilatildeo

eacute a de que os processos educacionais devem respeitar e favorecer a atividade do estudante e que esta deve ser o centro do processo de aprendizagem Algumas vertentes do construtivismo argumentam que qualquer atividade pedagoacutegica soacute tem valor se tiver origem no aprendiz e se este detiver pleno controle das accedilotildees para justificar uma forma de ativismo empirista Como Coll aponta

pouco importa que esta atividade consista de manipulaccedilotildees observaacuteveis ou em operaccedilotildees mentais que escapem ao observador pouco importa tambeacutem que responda total ou parcialmente agrave iniciativa do aluno ou que tenha sua origem no incentivo e nas propostas do professor O essencial eacute que se trate de uma atividade cuja organizaccedilatildeo e planejamento fique a cargo do aluno Coll (1987 p 187)

O trabalho no laboratoacuterio pode ser organizado de diversas maneiras desde demonstraccedilotildees ateacute atividades praacutetico-experimentais dirigidas diretamente pelo professor ou indiretamente atraveacutes de um roteiro Todas podem ser uacuteteis dependendo dos objetivos que o professor pretende com a realizaccedilatildeo das atividades propostas Uma alternativa que temos defendido haacute mais de uma deacutecada e mais recentemente temos investigado e utilizado com nossos alunos consiste em estruturar as atividades de laboratoacuterio como investigaccedilotildees ou problemas praacuteticos mais abertos que os alunos devem resolver sem a direccedilatildeo imposta por um roteiro fortemente estruturado ou por instruccedilotildees verbais do professor Um problema diferentemente de um exerciacutecio experimental ou de um de fim de capiacutetulo do livro-texto eacute uma situaccedilatildeo para a qual natildeo haacute uma soluccedilatildeo imediata obtida pela aplicaccedilatildeo de uma foacutermula ou algoritmo Pode natildeo existir uma soluccedilatildeo conhecida por estudantes e professores ou ateacute ocorrer que nenhuma soluccedilatildeo exata seja possiacutevel Para resolvecirc-lo tem-se que fazer idealizaccedilotildees e aproximaccedilotildees Diferentemente um exerciacutecio eacute uma situaccedilatildeo perturbadora ou incompleta mas que pode ser resolvida com base no conhecimento de quem eacute chamado a resolvecirc-lo

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Fig 1- Contiacutenuo problema-exerciacutecio

O que julgamos importante aacute chamar a atenccedilatildeo para o fato de que uma situaccedilatildeo percebida como um problema por uma pessoa pode ser entendida como um mero exerciacutecio por outra De qualquer forma para resolver um problema um estudante deve fazer mais que simplesmente lembrar-se de uma foacutermula ou de uma situaccedilatildeo similar que conseguiu resolver Nesse sentido um problema eacute um desafio proposto para o aluno e pode ser expresso em diferentes niacuteveis desde um problema completamente fechado ateacute um problema aberto (Garret 1988) No primeiro caso o problema os

procedimentos e recursos satildeo dados pelo professor livro ou roteiro ficando para o aluno a tarefa de colher dados e tirar as conclusotildees Ao contraacuterio em uma investigaccedilatildeo aberta cabe ao estudante toda a soluccedilatildeo desde a percepccedilatildeo e geraccedilatildeo do problema sua formulaccedilatildeo em uma forma suscetiacutevel de investigaccedilatildeo o planejamento do curso de suas accedilotildees a escolha dos procedimentos a seleccedilatildeo dos equipamentos e materiais a preparaccedilatildeo da montagem experimental a realizaccedilatildeo de medidas e observaccedilotildees necessaacuterias o registro dos dados em tabelas e graacuteficos a interpretaccedilatildeo dos resultados e enumeraccedilatildeo das conclusotildees A Fig 1 representa as atividades investigativas e o laboratoacuterio tradicional contrastando-os segundo trecircs aspectos o grau de abertura o objetivo da atividade e a atitude do estudante em relaccedilatildeo agrave atividade O que denominamos grau de abertura indica o quanto o professor ou o roteiro que ele fornece especifica a tarefa para o aluno

A Fig1 sugere quanto ao aspecto abertura a existecircncia de um contiacutenuo cujos extremos seriam exerciacutecios de um lado e problemas completamente abertos do outro Entre esses dois extremos que determinam quem tem o controle ou a

Aspectos Laboratoacuterio Tradicional Atividades Investigativas

Quanto ao grau de abertura

Roteiro preacute-definido

Restrito grau de abertura

Variado grau de abertura

Liberdade total no planejamento

Objetivo da Comprovar leis Explorar fenocircmenos

Atitude do estudante

Compromisso com o resultado Responsabilidade na investigaccedilatildeo

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responsabilidade por certas etapas da atividade praacutetica haacute um nuacutemero de possibilidades com divisatildeo dessas tarefas entre o professor e os estudantes Outra forma de entender essa distinccedilatildeo entre problema fechado e aberto foi proposta por Tamir (1991) baseada em estudos anteriores e mostrado na Fig2 Ele propotildee a categorizaccedilatildeo das atividades investigativas em quatro niacuteveis de acordo com a Fig2 No niacutevel 0 o qual corresponde aproximadamente ao extremo de problema fechado satildeo dados o problema os procedimentos e aquilo que se deseja observarverificar ficando a cargo dos estudantes coletar dados e confirmar ou natildeo as conclusotildees No niacutevel 1 o problema e procedimentos satildeo definidos pelo professor atraveacutes de um roteiro por exemplo Ao estudante cabe coletar os dados indicados e obter as conclusotildees No niacutevel 2 apenas a situaccedilatildeo-problema eacute dada ficando para o estudante decidir como e que dados coletar fazer as mediccedilotildees requeridas e obter conclusotildees a partir deles Finalmente no niacutevel 3

o niacutevel mais aberto de investigaccedilatildeo

o estudante deve fazer tudo desde a formulaccedilatildeo do problema ateacute chegar agraves conclusotildees

Um sistema de categorias mesmo simples como este serve como um organizador de nosso entendimento do que estaacute envolvido no grau de abertura de uma situaccedilatildeo-problema Como exemplo de um problema de niacutevel 2 considere a situaccedilatildeo a seguir que realizamos recentemente com todas as turmas do primeiro ano de ensino meacutedio trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes cada como uma atividade normal de laboratoacuterio durante o estudo de cinemaacutetica A Fig 3 reproduz o esquema apresentado aos alunos O problema foi especificado e a montagem previamente preparada mas natildeo fornecemos indicaccedilatildeo do que e como deveria ser medido portanto parecia correto nosso entendimento de que se tratava de um problema de niacutevel 2 Apoacutes uma fase raacutepida de planejamento do grupo praticamente todos decidiram por medir a altura maacutexima que a bolinha atingia ou o tempo necessaacuterio para ela atingir o ponto de maior altura A partir dos valores obtidos eles usaram uma das equaccedilotildees para movimento com aceleraccedilatildeo constante por exemplo a equaccedilatildeo de Torricelli para determinar Vo Apesar de simples a atividade propiciou discussotildees sobre como medir a altura maacutexima alcanccedilada pela bolinha a pouca acuracidade conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso com o tempo de reaccedilatildeo deles

atividade que jaacute haviam feito anteriormente) e a necessidade do experimento ser replicado Nem todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o problema dentro do periacuteodo do laboratoacuterio e recorrem ao professor ou aos seus colegas em busca de sugestotildees de procedimento Para estes grupos natildeo podemos dizer que a atividade eacute um problema de niacutevel 2 mas talvez de niacutevel 1

Um curso baseado em investigaccedilotildees apresenta a caracteriacutestica uacutenica de combinar processos conceitos e procedimentos na soluccedilatildeo de um problema Vaacuterios estudos foram realizados em nosso grupo procurando compreender as dificuldades que os estudantes com e sem experiecircncia pessoal com trabalhos praacuteticos escolares enfrentam ao formular um problema a partir de uma situaccedilatildeo proposta a eles em planejar a sua soluccedilatildeo e executar o seu planejamento Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas sugere que uma atividade aberta pode ser muito difiacutecil para estudantes sem

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conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

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meacutetodos ativos de ensino-aprendizagem satildeo entendidos como se defendessem a ideacuteia de que os estudantes aprendem melhor por experiecircncia direta Embora verdadeiro em algumas situaccedilotildees esse entendimento eacute uma simplificaccedilatildeo grosseira como apontam os trabalhos baseados nas ideacuteias de Dewey Piaget e Vigotsky entre outros O importante natildeo eacute a manipulaccedilatildeo de objetos e artefatos concretos e sim o envolvimento comprometido com a busca de respostassoluccedilotildees bem articuladas para as questotildees colocadas em atividades que podem ser puramente de pensamento Nesse sentido podemos pensar que o nuacutecleo dos meacutetodos ativos (pode-se ateacute chamaacute-lo de trabalhos ou atividades praacuteticas para significar que estaacute orientado para algum propoacutesito) natildeo envolve necessariamente atividades tiacutepicas do laboratoacuterio escolar

Atividades de resoluccedilatildeo de problemas modelamento e representaccedilatildeo com simulaccedilotildees em computador desenhos pinturas colagens ou simplesmente atividades de encenaccedilatildeo e teatro cumprem esse papel de mobilizar o envolvimento do aprendiz Essas atividades apresentam muitas vezes vantagens claras sobre o laboratoacuterio usual uma vez que natildeo requerem a simples manipulaccedilatildeo agraves vezes repetitiva e irrefletida de objetos concretos mas de ideacuteias e representaccedilotildees com o propoacutesito de comunicar outras ideacuteias e percepccedilotildees Obviamente todas elas podem ser associadas a certos aspectos materiais A materializaccedilatildeo de um modelo de uma representaccedilatildeo de uma encenaccedilatildeo etc requer objetos que natildeo satildeo necessariamente os mesmos de uma atividade de laboratoacuterio A riqueza desse tipo de atividade estaacute em propiciar ao estudante a oportunidade e ele precisa estar consciente disso

de trabalhar com coisas e objetos como se fossem outras coisas e objetos em um exerciacutecio de simbolizaccedilatildeo ou representaccedilatildeo Ela permite conectar siacutembolos com coisas e situaccedilotildees imaginadas o que raramente eacute buscado no laboratoacuterio expandindo os horizontes de sua compreensatildeo

II O laboratoacuterio tradicional

Para um paiacutes onde uma fraccedilatildeo consideraacutevel dos estudantes nunca teve a oportunidade de entrar em um laboratoacuterio de ciecircncias pode parecer um contra-senso questionar a validade de aulas praacuteticas especialmente porque na maioria das escolas elas simplesmente natildeo existem De fato haacute uma corrente de opiniatildeo que defende a ideacuteia de que muitos dos problemas do ensino de ciecircncias se devem agrave ausecircncia de aulas de laboratoacuterio Para os que compartilham desta opiniatildeo uma condiccedilatildeo necessaacuteria para a melhoria da qualidade de ensino consiste em equipar as escolas com laboratoacuterios e treinar os professores para utilizaacute-los Entretanto mesmo nos paiacuteses onde a tradiccedilatildeo de ensino experimental estaacute bem sedimentada a funccedilatildeo que o laboratoacuterio pode e deve ter bem como a sua eficaacutecia em promover as aprendizagens desejadas tecircm sido objeto de questionamentos o que contribui para manter a discussatildeo sobre a questatildeo haacute alguns anos (veja Woolnough 1991 White1996)

Dessa discussatildeo parece resultar uma posiccedilatildeo unacircnime de desaconselhar o uso de laboratoacuterios no esquema tradicionalmente usado pelo seu impacto negativo sobre a aprendizagem dos estudantes White comenta que os resultados e conclusotildees de

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muitas pesquisas sobre a eficaacutecia dos laboratoacuterios decepcionam pois conflita com teorias e expectativas Noacutes preferimos pensar que os laboratoacuterios funcionam porque acrescentam cor a curiosidade de objetos natildeo-usuais e eventos diferentes e um contraste com a praacutetica comum na sala de aula de permanecer assentado

(White 1996 p761) No que eacute denominado laboratoacuterio tradicional o aluno realiza atividades praacuteticas envolvendo observaccedilotildees e medidas acerca de fenocircmenos previamente determinados pelo professor (Tamir 1991) Em geral os alunos trabalham em pequenos grupos e seguem as instruccedilotildees de um roteiro O objetivo da atividade praacutetica pode ser o de testar uma lei cientiacutefica ilustrar ideacuteias e conceitos aprendidos nas aulas teoacutericas descobrir ou formular uma lei acerca de um fenocircmeno especiacutefico ver na praacutetica o que acontece na teoria ou aprender a utilizar algum instrumento ou teacutecnica de laboratoacuterio especiacutefica Natildeo se pode deixar de reconhecer alguns meacuteritos nesse tipo de atividade por exemplo a recomendaccedilatildeo de se trabalhar em pequenos grupos o que possibilita a cada aluno a oportunidade de interagir com as montagens e instrumentos especiacuteficos enquanto divide responsabilidades e ideacuteias sobre o que devem fazer e como fazecirc-lo outro eacute o caraacuteter mais informal do laboratoacuterio em contraposiccedilatildeo agrave formalidade das demais aulas

As principais criacuteticas que se fazem a estas atividades praacuteticas eacute que elas natildeo satildeo efetivamente relacionadas aos conceitos fiacutesicos que muitas delas natildeo satildeo relevantes do ponto de vista dos estudantes jaacute que tanto o problema como o procedimento para resolvecirc-lo estatildeo previamente determinados que as operaccedilotildees de montagem dos equipamentos as atividades de coleta de dados e os caacutelculos para obter respostas esperadas consomem muito ou todo o tempo disponiacutevel Com isso os estudantes dedicam pouco tempo agrave anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos resultados e do proacuteprio significado da atividade realizada Em geral eles percebem as atividades praacuteticas como eventos isolados onde o objetivo eacute chegar agrave resposta certa (Tamir 1989) Natildeo eacute surpreendente assim que o laboratoacuterio seja pouco efetivo em provocar mudanccedilas nas concepccedilotildees e modelos preacutevios dos estudantes em proporcionar uma apreciaccedilatildeo sobre a natureza da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica e em facilitar o desenvolvimento de habilidades estrateacutegicas (White 1996 Gagneacute 1970) Alguns criacuteticos mais veementes argumentam que aleacutem disso os laboratoacuterios de ciecircncias satildeo caros que o uso de equipamentos soacute encontrados nos laboratoacuterios torna o ensino distante da experiecircncia fora de sala de aula do aluno e que a proacutepria complexidade das montagens constitui uma forte barreira para que o estudante compreenda as ideacuteias e conceitos envolvidos nas atividades praacuteticas

As criacuteticas que se colocam ao modo como as atividades praacuteticas satildeo tradicionalmente utilizadas nas escolas apontam que aleacutem de sua completa inadequaccedilatildeo pedagoacutegica sua fundamentaccedilatildeo epistemoloacutegica eacute equivocada (Hodson 1988 Millar 1991) Esse quadro natildeo eacute exclusivo do laboratoacuterio haja visto que vaacuterios dos livros-textos de Fiacutesica e de ciecircncias mais populares no paiacutes sofrem da mesma deficiecircncia (Moreira e Ostermann 1993) Essa concepccedilatildeo empirista-indutivista da ciecircncia a qual Chalmers (1993) denomina de indutivismo ingecircnuo assume que o conhecimento cientiacutefico eacute a verdade provada ou descoberta que tem origem no acuacutemulo de

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observaccedilotildees cuidadosas de algum fenocircmeno por uma mente livre de preacute-concepccedilotildees e sentimentos que aplica o meacutetodo cientiacutefico para chegar a generalizaccedilotildees cientificamente vaacutelidas Essa concepccedilatildeo de ciecircncia acaba por conferir um peso excessivo agrave observaccedilatildeo em detrimento das ideacuteias preacutevias e imaginaccedilatildeo dos estudantes Aleacutem disso representa o meacutetodo cientiacutefico como um algoritmo infaliacutevel capaz de produzir conhecimento cientificamente provado comeccedilando com observaccedilotildees objetivas e neutras formulaccedilatildeo de hipoacuteteses comprovaccedilatildeo experimental e generalizaccedilatildeo das conclusotildees Haacute dois problemas seacuterios e sem soluccedilatildeo com essa visatildeo

Em primeiro lugar essa concepccedilatildeo particular do processo de produccedilatildeo do conhecimento sugere para professores e estudantes que as atividades praacuteticas escolares satildeo da mesma natureza e tecircm a mesma finalidade que as atividades experimentais e de observaccedilatildeo que os cientistas fazem nos seus laboratoacuterios de pesquisa As atividades praacuteticas e os experimentos cientiacuteficos satildeo atividades bem distintas com objetivos bastante diferentes O cientista passou anos de sua vida estudando uma determinada aacuterea da ciecircncia e quando se prepara para realizar um experimento ou conjunto de experimentos ele o faz para resolver um problema que o interessa e para o qual pode estar buscando uma soluccedilatildeo haacute muito tempo Assim quando ele realiza um experimento este vem precedido de muito estudo e reflexatildeo planejamento e preparaccedilatildeo Nesse periacuteodo anterior agrave efetiva concretizaccedilatildeo do experimento o cientista toma uma seacuterie de decisotildees para definir e delimitar o que iraacute fazer e medirobservar que criteacuterios usaraacute para checar a precisatildeo e a confiabilidade dos resultados que controles exerceraacute sobre a situaccedilatildeo entre outras Em segundo lugar tendo sido criticada por vaacuterios filoacutesofos como por exemplo Popper Russel-Hanson Feyerabend Kuhn e Toulmin esta imagem da ciecircncia que ainda permeia muitos dos nossos livros didaacuteticos de ciecircncias naturais especialmente aqueles utilizados na Educaccedilatildeo Baacutesica estaacute completamente superada nos ciacuterculos acadecircmicos haacute vaacuterias deacutecadas

A aceitaccedilatildeo dessas criacuteticas natildeo implica entretanto aceitar a argumentaccedilatildeo de que as atividades praacutetico-experimentais de ciecircncias satildeo supeacuterfluas e que elas podem portanto ser descartadas para o bem dos professores dos estudantes e da proacutepria escola que estes poderiam repensar o aproveitamento do tempo destinado a tais atividades bem como dos espaccedilos ocupados por salas especiais de laboratoacuterio onde existem Aliaacutes da forma como vemos a questatildeo natildeo haacute a necessidade de um ambiente especial reservado para tais atividades com instrumentos e mesas para experiecircncias mas somente que haja planejamento e clareza dos objetivos das atividades propostas Segundo Tamir (1991) um dos principais problemas com o laboratoacuterio de ciecircncias eacute que se pretende atingir uma variedade de objetivos nem sempre compatiacuteveis com um mesmo tipo de atividade Eacute certo que com um mesmo conjunto de materiais um professor criativo pode planejar vaacuterias atividades diferentes com objetivos claramente distintos como por exemplo aprender a usar um instrumento para fazer leituras obter uma imagem de um fenocircmeno ainda natildeo observado aprender estrateacutegias para lidar com os erros e incertezas inerentes ao processo de mediccedilatildeo procurar evidecircncias da existecircncia de alguma relaccedilatildeo entre grandezas envolvidas na situaccedilatildeo e outros Sem

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duacutevida que as atividades praacuteticas podem propiciar ao estudante imagens vividas e memoraacuteveis de fenocircmenos interessantes e importantes para a compreensatildeo dos conceitos cientiacuteficos Atraveacutes delas o estudante pode ser educado para fazer mediccedilotildees corretamente e procurar relaccedilotildees entre variaacuteveis

A questatildeo que se coloca eacute o laboratoacuterio pode ter um papel mais relevante para a aprendizagem escolar Se pode de que maneira ele deve ser organizado A resposta para a primeira questatildeo eacute sem duacutevida afirmativa o laboratoacuterio pode e deve ter um papel mais relevante para a aprendizagem de ciecircncias O fato de estarmos insatisfeitos com a qualidade da aprendizagem natildeo soacute de ciecircncias sugere que todo o sistema escolar deve ser continuamente repensado Com raras exceccedilotildees natildeo se cogita a extinccedilatildeo da escola por causa de suas dificuldades Da mesma forma o que precisamos eacute encontrar novas maneiras de usar as atividades praacutetico-experimentais mais criativa e eficientemente e com propoacutesitos bem definidos mesmo sabendo que isso apenas natildeo eacute soluccedilatildeo para os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias

A ciecircncia em sua forma final se apresenta como um sistema de natureza teoacuterica Contudo eacute necessaacuterio que procuremos criar oportunidades para que o ensino experimental e o ensino teoacuterico se efetuem em concordacircncia permitindo ao estudante integrar conhecimento praacutetico e conhecimento teoacuterico Descartar a possibilidade de que os laboratoacuterios tecircm um papel importante no ensino de ciecircncias significa destituir o conhecimento cientiacutefico de seu contexto reduzindo-o a um sistema abstrato de definiccedilotildees leis e foacutermulas Muito do que se faz nas aulas de Fiacutesica em nossas escolas de ensino meacutedio e universidades assemelham-se a isso preocupando-se mais com a apresentaccedilatildeo das definiccedilotildees conceitos e foacutermulas que os alunos memorizam para resolver exerciacutecios Sem duacutevida que as teorias fiacutesicas satildeo construccedilotildees teoacutericas e expressas em forma matemaacutetica mas o conhecimento que elas carregam soacute faz sentido se nos permite compreender como o mundo funciona e porquecirc as coisas satildeo como satildeo e natildeo de outra forma Isso natildeo significa admitir que podemos adquirir uma compreensatildeo de conceitos teoacutericos atraveacutes de experimentos mas que as dimensotildees teoacuterica e empiacuterica do conhecimento cientiacutefico natildeo satildeo isoladas Natildeo se trata pois de contrapor o ensino experimental ao teoacuterico mas de encontrar formas que evitem essa fragmentaccedilatildeo no conhecimento para tornar a aprendizagem mais interessante motivadora e acessiacutevel aos estudantes

III Os objetivos do laboratoacuterio

Mesmo em locais com forte tradiccedilatildeo de ensino experimental por exemplo nos cursos superiores e cursos das escolas teacutecnicas quase nunca ocorre o planejamento sistemaacutetico das atividades com a explicitaccedilatildeo e discussatildeo dos objetivos de tal ensino A formulaccedilatildeo de um planejamento para as atividades de ensino quando existe destina-se mais a atender agraves demandas burocraacuteticas do que explicitar as diretrizes de accedilatildeo do professor e dos estudantes ao longo de um curso Assim o professor trabalha quase sempre com objetivos de ensino pouco claros e impliacutecitos confiando em sua

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experiecircncia anterior com cursos similares Com isso os estudantes natildeo percebem outros propoacutesitos para as atividades praacuteticas que natildeo os de verificar e comprovar fatos e leis cientiacuteficas Isso eacute determinante na sua compreensatildeo acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia (Hodson 1988) e tambeacutem da importacircncia que eles atribuem agraves atividades experimentais Alguns dos objetivos impliacutecitos que os professores e estudantes tradicionalmente associam aos laboratoacuterios de ciecircncias seratildeo discutidos a seguir

II1 Verificarcomprovar leis e teorias cientiacuteficas

Este objetivo eacute enganoso pois o sucesso da atividade eacute garantido de antematildeo por sua preparaccedilatildeo adequada O teste que se pretende fazer eacute em geral de um aspecto especiacutefico de uma lei ou teoria e natildeo de seus fundamentos Hodson (1988) aponta que como consequumlecircncia o estudante tende a exagerar a importacircncia de seus resultados experimentais aleacutem de originar um entendimento equivocado da relaccedilatildeo entre teoria e observaccedilatildeo Outro aspecto eacute que o estudante logo percebe que sua experiecircncia deve produzir o resultado previsto pela teoria ou que alguma regularidade deve ser encontrada Quando ele natildeo obteacutem a resposta esperada fica desconcertado com seu erro mas se percebe que o erro pode afetar suas notas ele intencionalmente corrige suas observaccedilotildees e dados para obter a resposta correta e as atividades experimentais passam a ter o caraacuteter de um jogo viciado Infelizmente este eacute daquele tipo de jogo que se aprende a jogar muito rapidamente Muitas vezes os proacuteprios professores satildeo viacutetimas desse raciociacutenio e sentem-se inseguros quando as atividades que propotildeem natildeo funcionam como esperavam passando a evitaacute-las no futuro porque natildeo datildeo certo As causas do erro natildeo satildeo investigadas e uma situaccedilatildeo potencialmente valiosa de aprendizagem se perde muitas vezes por falta de tempo Nesse sentido o que se consegue no laboratoacuterio eacute similar ao que se aprende na sala de aula onde o resultado se torna mais importante que o processo em detrimento da aprendizagem

II2 Ensinar o meacutetodo cientiacutefico

Muitas vezes o que o professor deseja eacute que o aluno aprenda ou adquira uma apreciaccedilatildeo sobre o meacutetodo cientiacutefico e a natureza da ciecircncia A compreensatildeo subjacente eacute a de que fazer ciecircncia significa descobrir fatos e leis pela aplicaccedilatildeo de um meacutetodo experimental indutivo e fazer invenccedilotildees A motivaccedilatildeo para a atividade experimental dos cientistas eacute verificar se suas proacuteprias ideacuteias estatildeo corretas Tal concepccedilatildeo assume que existe um uacutenico meacutetodo cientiacutefico que pode ser adequadamente representado como uma sequumlecircncia de etapas como um algoritmo Essa concepccedilatildeo do papel das atividades praacuteticas e as suas consequumlecircncias para a aprendizagem de ciecircncias foram discutidas por vaacuterios autores (Hodson 1986 Millar 1991 Moreira e Ostermann 1993) Ela assume que a atividade experimental eacute essencial agrave ciecircncia e que a observaccedilatildeo e a experimentaccedilatildeo fornecem dados puros verdadeiros e objetivos e por isso mesmo confiaacuteveis em vista de sua independecircncia de quaisquer ideacuteias teoacutericas do observador

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ou seja estaacute apoiada na ideacuteia de que qualquer observador natildeo tendencioso registraraacute as mesmas observaccedilotildees sobre aquela parte da realidade para a qual ele volta sua atenccedilatildeo A essecircncia daquela parte observada da realidade descortina-se e impotildee-se da mesma forma para todos os observadores com esse perfil

Haacute uma ingenuidade inerente a esse entendimento que consiste em assumir que os dados satildeo imediatos no sentido de que satildeo lidos diretamente da parcela observada do mundo e natildeo problemaacuteticos Tudo o que o cientista precisa fazer eacute selecionar quais os fenocircmenos ou aspectos da realidade deseja investigar e entatildeo aplicar o meacutetodo cientiacutefico A naturezarealidade se encarregaraacute de produzir as respostas do tipo simnatildeo para as suas indagaccedilotildees (Hodson 1986) A descoberta cientiacutefica assemelha-se assim (para usar uma analogia mais acessiacutevel) agrave descoberta de novas terras pelos navegantes de uns poucos seacuteculos atraacutes os quais treinados com uma pequena frota e tripulaccedilatildeo (ou mesmo um barco isolado) perscrutando os mares pouco navegados com olhos atentos para os indiacutecios de novas terras e ilhas como paacutessaros e raiacutezes e troncos nas aacuteguas Alguns podiam ateacute tardar em conseguir sucesso mas as terras e ilhas desconhecidas estavam laacute a espera de algum descobridor atento e destemido Esta concepccedilatildeo assume tambeacutem que os professores e estudantes percebem o propoacutesito de um experimento escolar em ciecircncias de forma clara igual e inequiacutevoca o que os conduziraacute agrave descoberta de novos fatos e leis conforme prescrito pelo roteiro de atividades

Haacute vaacuterias deacutecadas eacute amplamente questionada a ideacuteia de que a descoberta seja um processo ou um conjunto hieraacuterquico de processos loacutegicos Apesar de que os informes e relatos das descobertas cientiacuteficas especialmente como apresentado nos livros escolares e pelos meios de comunicaccedilatildeo sugiram para o leigo que as descobertas cientiacuteficas resultam do acuacutemulo de vastos conjuntos de observaccedilotildees detalhadas e repetidas acerca de um fenocircmeno segundo as prescriccedilotildees do meacutetodo cientiacutefico ou entatildeo resultem de ideacuteias inspiradas de mentes geniais o processo eacute bem diferente disso Os cientistas utilizam meacutetodos mas isso natildeo significa que haja um meacutetodo cientiacutefico que determine exatamente como fazer para produzir conhecimento O laboratoacuterio pode proporcionar excelentes oportunidades para que os estudantes testem suas proacuteprias hipoacuteteses sobre fenocircmenos particulares para que planejem suas accedilotildees e as executem de forma a produzir resultados dignos de confianccedila Para que isso seja efetivo deve-se programar atividades de explicitaccedilatildeo dessas hipoacuteteses antes da realizaccedilatildeo das atividades Faz-se tambeacutem necessaacuterio que os professores enfatizem as diferenccedilas entre os experimentos realizados no laboratoacuterio escolar com fins pedagoacutegicos e a investigaccedilatildeo empiacuterica realizada por cientistas Eacute necessaacuteria uma anaacutelise mais cuidadosa da relaccedilatildeo entre observaccedilatildeo experimento e teoria (Chalmers 1993) Aleacutem disso devem encorajar a discussatildeo aberta das limitaccedilotildees e suposiccedilotildees que permeiam cada atividade no laboratoacuterio escolar

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II3 Facilitar a aprendizagem e compreensatildeo de conceitos

Para se alcanccedilar este objetivo recomenda-se que a atividade concentre-se apenas nos aspectos desejados com um planejamento cuidadoso que considere as ideacuteias preacutevias dos estudantes a respeito da situaccedilatildeo estudada o tempo necessaacuterio para completar a atividade as habilidades requeridas e aspectos ligados agrave seguranccedila (Hodson 1988) Ao desenvolver tais atividades o professor deve ter em mente que aquilo que qualquer pessoa observa depende fortemente de seu conhecimento preacutevio e de suas expectativas (Hanson 1958 Chalmers 1993) Em um laboratoacuterio tradicional com atividades realizadas sob a orientaccedilatildeo do professor e seguindo os roteiros fornecidos pode-se acreditar que tal objetivo possa ser conseguido Mas natildeo se pode tomar como certo que se todos os membros de um grupo vecircem o mesmo fenocircmeno todos o interpretem da mesma forma ou aceitem a validade e legitimidade das observaccedilotildees (Gunstone 1991) O fato de um estudante realizar uma atividade adequadamente planejada natildeo garante que ele aprenda aquilo que era pretendido

Estas consideraccedilotildees sugerem a necessidade de atividades preacute e poacutes-laboratoacuterio para que os estudantes explicitem suas ideacuteias e expectativas e discutam o significado de suas observaccedilotildees e interpretaccedilotildees Antes de realizar a atividade praacutetica deve-se discutir com os estudantes a situaccedilatildeo ou fenocircmeno que seraacute tratado Pode-se pedir que eles escrevam suas previsotildees sobre o que deve acontecer e justificaacute-las Na fase poacutes-atividade faz-se a discussatildeo das observaccedilotildees resultados e interpretaccedilotildees obtidos tentando reconciliaacute-las com as previsotildees feitas Aqui eacute o momento de se discutir as falhas e limitaccedilotildees da atividade praacutetica (Gunstone 1991)

Uma vez que os estudantes natildeo satildeo desafiados a explorar desenvolver e avaliar as suas proacuteprias ideacuteias e os curriacuteculos de ciecircncias natildeo oferecem oportunidades para a abordagem de questotildees acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica (Carey et al 1989) A forma de trabalhar proposta proporciona o contexto adequado para a discussatildeo desse tipo de questatildeo

II4 Ensinar habilidades praacuteticas

A aquisiccedilatildeo de habilidades praacuteticas e teacutecnicas de laboratoacuterio eacute um objetivo que pode e deve ser almejado nas atividades praacuteticas Haacute entretanto um certo grau de confusatildeo sobre o que tais habilidades e teacutecnicas satildeo Para alguns trata-se de habilidades cognitivas relacionadas com os processos baacutesicos da ciecircncia Vaacuterios curriacuteculos de ciecircncias desenvolvidos nos Estados Unidos Canadaacute e Europa adotaram tal perspectiva buscando ensinar ou desenvolver certas habilidades gerais e independentes do contexto tais como fazer observaccedilotildees classificar prever formular hipoacuteteses que poderiam entatildeo ser aplicadas em outros contextos Haacute uma forte criacutetica acerca da possibilidade de transferecircncia destas habilidades entre contextos distintos da necessidade e mesmo da possibilidade de se ensinaacute-las (Millar e Driver 1987 Millar 1988)

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O argumento utilizado eacute que elas satildeo processos cognitivos gerais que as pessoas empregam desde muito cedo e que associaacute-las com os processos da ciecircncia eacute o mesmo que insistir em uma concepccedilatildeo ultrapassada da atividade cientiacutefica Como Millar e Driver (1987) argumentam pode-se desejar que as crianccedilas aprendam a observar cuidadosamente a notar detalhes a fazer observaccedilotildees relevantes Entretanto o que eacute ou natildeo relevante depende das expectativas e ideacuteias preacutevias de cada um acerca de um fenocircmeno Natildeo existe algo relevante em uma situaccedilatildeo ou fenocircmeno independentemente de quem o observa ou formula hipoacuteteses sobre ele

Millar (1988 1991) argumenta que haacute um conjunto de habilidades praacuteticas ou teacutecnicas baacutesicas de laboratoacuterio que vale a pena ser ensinado Por exemplo aprender a usar equipamentos e instrumentos especiacuteficos medir grandezas fiacutesicas e realizar pequenas montagens satildeo coisas que dificilmente o estudante tem oportunidade de aprender fora do laboratoacuterio escolar Dentro de cada laboratoacuterio haacute um conjunto baacutesico de teacutecnicas que pode ser ensinado e que forma uma base experiencial sobre a qual os estudantes podem construir um sistema de noccedilotildees que lhes permitiratildeo relacionar-se melhor com os objetos tecnoloacutegicos do cotidiano Aleacutem delas existem as chamadas teacutecnicas de investigaccedilatildeo (Millar 1991) satildeo ferramentas importantes e uacuteteis para qualquer cidadatildeo e relacionam-se com a obtenccedilatildeo de conhecimento e a sua comunicaccedilatildeo Por exemplo repetir procedimentos para aumentar a confiabilidade dos resultados obtidos aprender a colocar e a obter informaccedilatildeo de diferentes formas de representaccedilatildeo como diagramas esquemas graacuteficos tabelas etc Muitas dessas habilidades satildeo utilizadas inconscientemente por todas as pessoas e se refletem nas decisotildees e procedimentos que cada um de noacutes toma ou se utiliza ao resolver problemas ou ao lidar com situaccedilotildees praacuteticas Elas fazem parte do nosso arsenal de estrateacutegias de pensamento informal que toda a pessoa inteligente deveria estar apta a empregar em qualquer situaccedilatildeo Embora possam ser desenvolvidas atraveacutes da escolarizaccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente vinculadas agrave aprendizagem de ciecircncias A organizaccedilatildeo das atividades para se conseguir tais objetivos dependeraacute do conhecimento que os estudantes jaacute possuem Por exemplo se o objetivo eacute que os alunos sem nenhum conhecimento anterior aprendam a utilizar corretamente o voltiacutemetro e o amperiacutemetro entatildeo uma atividade orientada pelo professor e baseada em um roteiro pode ser a melhor alternativa Se ao contraacuterio eles jaacute tecircm algum conhecimento em circuitos eleacutetricos provavelmente eacute melhor que eles aprendam a partir do estudo dos manuais teacutecnicos que acompanham os equipamentos

IV Alternativas para o laboratoacuterio escolar

As pesquisas sobre ensino-aprendizagem de ciecircncias produziram evidecircncias de que as crianccedilas trazem para a escola um conjunto de concepccedilotildees sobre vaacuterios aspectos do mundo mesmo antes de qualquer introduccedilatildeo agrave ciecircncia escolar Estas concepccedilotildees alternativas satildeo adquiridas a partir de sua inserccedilatildeo na cultura comum e da experiecircncia cotidiana com fenocircmenos e eventos e frequumlentemente interferem com a

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aprendizagem das ideacuteias cientiacuteficas A psicologia cognitiva tem contribuiacutedo junto com a pesquisa em ensino e aprendizagem de ciecircncias para a anaacutelise da praacutetica educacional Entretanto pela proacutepria complexidade da questatildeo o que tem sido possiacutevel fazer eacute a obtenccedilatildeo de diretrizes muito geneacutericas sobre como ensinar e como contribuir para a aprendizagem escolar o que eacute ainda muito distante das expectativas excessivamente otimistas da deacutecada de 50 (Coll 1987) Uma dessas recomendaccedilotildees a qual exprime a ideacuteia baacutesica das concepccedilotildees construtivistas a de que o aluno constroacutei seu proacuteprio conhecimento atraveacutes da accedilatildeo

eacute a de que os processos educacionais devem respeitar e favorecer a atividade do estudante e que esta deve ser o centro do processo de aprendizagem Algumas vertentes do construtivismo argumentam que qualquer atividade pedagoacutegica soacute tem valor se tiver origem no aprendiz e se este detiver pleno controle das accedilotildees para justificar uma forma de ativismo empirista Como Coll aponta

pouco importa que esta atividade consista de manipulaccedilotildees observaacuteveis ou em operaccedilotildees mentais que escapem ao observador pouco importa tambeacutem que responda total ou parcialmente agrave iniciativa do aluno ou que tenha sua origem no incentivo e nas propostas do professor O essencial eacute que se trate de uma atividade cuja organizaccedilatildeo e planejamento fique a cargo do aluno Coll (1987 p 187)

O trabalho no laboratoacuterio pode ser organizado de diversas maneiras desde demonstraccedilotildees ateacute atividades praacutetico-experimentais dirigidas diretamente pelo professor ou indiretamente atraveacutes de um roteiro Todas podem ser uacuteteis dependendo dos objetivos que o professor pretende com a realizaccedilatildeo das atividades propostas Uma alternativa que temos defendido haacute mais de uma deacutecada e mais recentemente temos investigado e utilizado com nossos alunos consiste em estruturar as atividades de laboratoacuterio como investigaccedilotildees ou problemas praacuteticos mais abertos que os alunos devem resolver sem a direccedilatildeo imposta por um roteiro fortemente estruturado ou por instruccedilotildees verbais do professor Um problema diferentemente de um exerciacutecio experimental ou de um de fim de capiacutetulo do livro-texto eacute uma situaccedilatildeo para a qual natildeo haacute uma soluccedilatildeo imediata obtida pela aplicaccedilatildeo de uma foacutermula ou algoritmo Pode natildeo existir uma soluccedilatildeo conhecida por estudantes e professores ou ateacute ocorrer que nenhuma soluccedilatildeo exata seja possiacutevel Para resolvecirc-lo tem-se que fazer idealizaccedilotildees e aproximaccedilotildees Diferentemente um exerciacutecio eacute uma situaccedilatildeo perturbadora ou incompleta mas que pode ser resolvida com base no conhecimento de quem eacute chamado a resolvecirc-lo

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Fig 1- Contiacutenuo problema-exerciacutecio

O que julgamos importante aacute chamar a atenccedilatildeo para o fato de que uma situaccedilatildeo percebida como um problema por uma pessoa pode ser entendida como um mero exerciacutecio por outra De qualquer forma para resolver um problema um estudante deve fazer mais que simplesmente lembrar-se de uma foacutermula ou de uma situaccedilatildeo similar que conseguiu resolver Nesse sentido um problema eacute um desafio proposto para o aluno e pode ser expresso em diferentes niacuteveis desde um problema completamente fechado ateacute um problema aberto (Garret 1988) No primeiro caso o problema os

procedimentos e recursos satildeo dados pelo professor livro ou roteiro ficando para o aluno a tarefa de colher dados e tirar as conclusotildees Ao contraacuterio em uma investigaccedilatildeo aberta cabe ao estudante toda a soluccedilatildeo desde a percepccedilatildeo e geraccedilatildeo do problema sua formulaccedilatildeo em uma forma suscetiacutevel de investigaccedilatildeo o planejamento do curso de suas accedilotildees a escolha dos procedimentos a seleccedilatildeo dos equipamentos e materiais a preparaccedilatildeo da montagem experimental a realizaccedilatildeo de medidas e observaccedilotildees necessaacuterias o registro dos dados em tabelas e graacuteficos a interpretaccedilatildeo dos resultados e enumeraccedilatildeo das conclusotildees A Fig 1 representa as atividades investigativas e o laboratoacuterio tradicional contrastando-os segundo trecircs aspectos o grau de abertura o objetivo da atividade e a atitude do estudante em relaccedilatildeo agrave atividade O que denominamos grau de abertura indica o quanto o professor ou o roteiro que ele fornece especifica a tarefa para o aluno

A Fig1 sugere quanto ao aspecto abertura a existecircncia de um contiacutenuo cujos extremos seriam exerciacutecios de um lado e problemas completamente abertos do outro Entre esses dois extremos que determinam quem tem o controle ou a

Aspectos Laboratoacuterio Tradicional Atividades Investigativas

Quanto ao grau de abertura

Roteiro preacute-definido

Restrito grau de abertura

Variado grau de abertura

Liberdade total no planejamento

Objetivo da Comprovar leis Explorar fenocircmenos

Atitude do estudante

Compromisso com o resultado Responsabilidade na investigaccedilatildeo

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responsabilidade por certas etapas da atividade praacutetica haacute um nuacutemero de possibilidades com divisatildeo dessas tarefas entre o professor e os estudantes Outra forma de entender essa distinccedilatildeo entre problema fechado e aberto foi proposta por Tamir (1991) baseada em estudos anteriores e mostrado na Fig2 Ele propotildee a categorizaccedilatildeo das atividades investigativas em quatro niacuteveis de acordo com a Fig2 No niacutevel 0 o qual corresponde aproximadamente ao extremo de problema fechado satildeo dados o problema os procedimentos e aquilo que se deseja observarverificar ficando a cargo dos estudantes coletar dados e confirmar ou natildeo as conclusotildees No niacutevel 1 o problema e procedimentos satildeo definidos pelo professor atraveacutes de um roteiro por exemplo Ao estudante cabe coletar os dados indicados e obter as conclusotildees No niacutevel 2 apenas a situaccedilatildeo-problema eacute dada ficando para o estudante decidir como e que dados coletar fazer as mediccedilotildees requeridas e obter conclusotildees a partir deles Finalmente no niacutevel 3

o niacutevel mais aberto de investigaccedilatildeo

o estudante deve fazer tudo desde a formulaccedilatildeo do problema ateacute chegar agraves conclusotildees

Um sistema de categorias mesmo simples como este serve como um organizador de nosso entendimento do que estaacute envolvido no grau de abertura de uma situaccedilatildeo-problema Como exemplo de um problema de niacutevel 2 considere a situaccedilatildeo a seguir que realizamos recentemente com todas as turmas do primeiro ano de ensino meacutedio trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes cada como uma atividade normal de laboratoacuterio durante o estudo de cinemaacutetica A Fig 3 reproduz o esquema apresentado aos alunos O problema foi especificado e a montagem previamente preparada mas natildeo fornecemos indicaccedilatildeo do que e como deveria ser medido portanto parecia correto nosso entendimento de que se tratava de um problema de niacutevel 2 Apoacutes uma fase raacutepida de planejamento do grupo praticamente todos decidiram por medir a altura maacutexima que a bolinha atingia ou o tempo necessaacuterio para ela atingir o ponto de maior altura A partir dos valores obtidos eles usaram uma das equaccedilotildees para movimento com aceleraccedilatildeo constante por exemplo a equaccedilatildeo de Torricelli para determinar Vo Apesar de simples a atividade propiciou discussotildees sobre como medir a altura maacutexima alcanccedilada pela bolinha a pouca acuracidade conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso com o tempo de reaccedilatildeo deles

atividade que jaacute haviam feito anteriormente) e a necessidade do experimento ser replicado Nem todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o problema dentro do periacuteodo do laboratoacuterio e recorrem ao professor ou aos seus colegas em busca de sugestotildees de procedimento Para estes grupos natildeo podemos dizer que a atividade eacute um problema de niacutevel 2 mas talvez de niacutevel 1

Um curso baseado em investigaccedilotildees apresenta a caracteriacutestica uacutenica de combinar processos conceitos e procedimentos na soluccedilatildeo de um problema Vaacuterios estudos foram realizados em nosso grupo procurando compreender as dificuldades que os estudantes com e sem experiecircncia pessoal com trabalhos praacuteticos escolares enfrentam ao formular um problema a partir de uma situaccedilatildeo proposta a eles em planejar a sua soluccedilatildeo e executar o seu planejamento Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas sugere que uma atividade aberta pode ser muito difiacutecil para estudantes sem

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conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

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muitas pesquisas sobre a eficaacutecia dos laboratoacuterios decepcionam pois conflita com teorias e expectativas Noacutes preferimos pensar que os laboratoacuterios funcionam porque acrescentam cor a curiosidade de objetos natildeo-usuais e eventos diferentes e um contraste com a praacutetica comum na sala de aula de permanecer assentado

(White 1996 p761) No que eacute denominado laboratoacuterio tradicional o aluno realiza atividades praacuteticas envolvendo observaccedilotildees e medidas acerca de fenocircmenos previamente determinados pelo professor (Tamir 1991) Em geral os alunos trabalham em pequenos grupos e seguem as instruccedilotildees de um roteiro O objetivo da atividade praacutetica pode ser o de testar uma lei cientiacutefica ilustrar ideacuteias e conceitos aprendidos nas aulas teoacutericas descobrir ou formular uma lei acerca de um fenocircmeno especiacutefico ver na praacutetica o que acontece na teoria ou aprender a utilizar algum instrumento ou teacutecnica de laboratoacuterio especiacutefica Natildeo se pode deixar de reconhecer alguns meacuteritos nesse tipo de atividade por exemplo a recomendaccedilatildeo de se trabalhar em pequenos grupos o que possibilita a cada aluno a oportunidade de interagir com as montagens e instrumentos especiacuteficos enquanto divide responsabilidades e ideacuteias sobre o que devem fazer e como fazecirc-lo outro eacute o caraacuteter mais informal do laboratoacuterio em contraposiccedilatildeo agrave formalidade das demais aulas

As principais criacuteticas que se fazem a estas atividades praacuteticas eacute que elas natildeo satildeo efetivamente relacionadas aos conceitos fiacutesicos que muitas delas natildeo satildeo relevantes do ponto de vista dos estudantes jaacute que tanto o problema como o procedimento para resolvecirc-lo estatildeo previamente determinados que as operaccedilotildees de montagem dos equipamentos as atividades de coleta de dados e os caacutelculos para obter respostas esperadas consomem muito ou todo o tempo disponiacutevel Com isso os estudantes dedicam pouco tempo agrave anaacutelise e interpretaccedilatildeo dos resultados e do proacuteprio significado da atividade realizada Em geral eles percebem as atividades praacuteticas como eventos isolados onde o objetivo eacute chegar agrave resposta certa (Tamir 1989) Natildeo eacute surpreendente assim que o laboratoacuterio seja pouco efetivo em provocar mudanccedilas nas concepccedilotildees e modelos preacutevios dos estudantes em proporcionar uma apreciaccedilatildeo sobre a natureza da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica e em facilitar o desenvolvimento de habilidades estrateacutegicas (White 1996 Gagneacute 1970) Alguns criacuteticos mais veementes argumentam que aleacutem disso os laboratoacuterios de ciecircncias satildeo caros que o uso de equipamentos soacute encontrados nos laboratoacuterios torna o ensino distante da experiecircncia fora de sala de aula do aluno e que a proacutepria complexidade das montagens constitui uma forte barreira para que o estudante compreenda as ideacuteias e conceitos envolvidos nas atividades praacuteticas

As criacuteticas que se colocam ao modo como as atividades praacuteticas satildeo tradicionalmente utilizadas nas escolas apontam que aleacutem de sua completa inadequaccedilatildeo pedagoacutegica sua fundamentaccedilatildeo epistemoloacutegica eacute equivocada (Hodson 1988 Millar 1991) Esse quadro natildeo eacute exclusivo do laboratoacuterio haja visto que vaacuterios dos livros-textos de Fiacutesica e de ciecircncias mais populares no paiacutes sofrem da mesma deficiecircncia (Moreira e Ostermann 1993) Essa concepccedilatildeo empirista-indutivista da ciecircncia a qual Chalmers (1993) denomina de indutivismo ingecircnuo assume que o conhecimento cientiacutefico eacute a verdade provada ou descoberta que tem origem no acuacutemulo de

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observaccedilotildees cuidadosas de algum fenocircmeno por uma mente livre de preacute-concepccedilotildees e sentimentos que aplica o meacutetodo cientiacutefico para chegar a generalizaccedilotildees cientificamente vaacutelidas Essa concepccedilatildeo de ciecircncia acaba por conferir um peso excessivo agrave observaccedilatildeo em detrimento das ideacuteias preacutevias e imaginaccedilatildeo dos estudantes Aleacutem disso representa o meacutetodo cientiacutefico como um algoritmo infaliacutevel capaz de produzir conhecimento cientificamente provado comeccedilando com observaccedilotildees objetivas e neutras formulaccedilatildeo de hipoacuteteses comprovaccedilatildeo experimental e generalizaccedilatildeo das conclusotildees Haacute dois problemas seacuterios e sem soluccedilatildeo com essa visatildeo

Em primeiro lugar essa concepccedilatildeo particular do processo de produccedilatildeo do conhecimento sugere para professores e estudantes que as atividades praacuteticas escolares satildeo da mesma natureza e tecircm a mesma finalidade que as atividades experimentais e de observaccedilatildeo que os cientistas fazem nos seus laboratoacuterios de pesquisa As atividades praacuteticas e os experimentos cientiacuteficos satildeo atividades bem distintas com objetivos bastante diferentes O cientista passou anos de sua vida estudando uma determinada aacuterea da ciecircncia e quando se prepara para realizar um experimento ou conjunto de experimentos ele o faz para resolver um problema que o interessa e para o qual pode estar buscando uma soluccedilatildeo haacute muito tempo Assim quando ele realiza um experimento este vem precedido de muito estudo e reflexatildeo planejamento e preparaccedilatildeo Nesse periacuteodo anterior agrave efetiva concretizaccedilatildeo do experimento o cientista toma uma seacuterie de decisotildees para definir e delimitar o que iraacute fazer e medirobservar que criteacuterios usaraacute para checar a precisatildeo e a confiabilidade dos resultados que controles exerceraacute sobre a situaccedilatildeo entre outras Em segundo lugar tendo sido criticada por vaacuterios filoacutesofos como por exemplo Popper Russel-Hanson Feyerabend Kuhn e Toulmin esta imagem da ciecircncia que ainda permeia muitos dos nossos livros didaacuteticos de ciecircncias naturais especialmente aqueles utilizados na Educaccedilatildeo Baacutesica estaacute completamente superada nos ciacuterculos acadecircmicos haacute vaacuterias deacutecadas

A aceitaccedilatildeo dessas criacuteticas natildeo implica entretanto aceitar a argumentaccedilatildeo de que as atividades praacutetico-experimentais de ciecircncias satildeo supeacuterfluas e que elas podem portanto ser descartadas para o bem dos professores dos estudantes e da proacutepria escola que estes poderiam repensar o aproveitamento do tempo destinado a tais atividades bem como dos espaccedilos ocupados por salas especiais de laboratoacuterio onde existem Aliaacutes da forma como vemos a questatildeo natildeo haacute a necessidade de um ambiente especial reservado para tais atividades com instrumentos e mesas para experiecircncias mas somente que haja planejamento e clareza dos objetivos das atividades propostas Segundo Tamir (1991) um dos principais problemas com o laboratoacuterio de ciecircncias eacute que se pretende atingir uma variedade de objetivos nem sempre compatiacuteveis com um mesmo tipo de atividade Eacute certo que com um mesmo conjunto de materiais um professor criativo pode planejar vaacuterias atividades diferentes com objetivos claramente distintos como por exemplo aprender a usar um instrumento para fazer leituras obter uma imagem de um fenocircmeno ainda natildeo observado aprender estrateacutegias para lidar com os erros e incertezas inerentes ao processo de mediccedilatildeo procurar evidecircncias da existecircncia de alguma relaccedilatildeo entre grandezas envolvidas na situaccedilatildeo e outros Sem

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duacutevida que as atividades praacuteticas podem propiciar ao estudante imagens vividas e memoraacuteveis de fenocircmenos interessantes e importantes para a compreensatildeo dos conceitos cientiacuteficos Atraveacutes delas o estudante pode ser educado para fazer mediccedilotildees corretamente e procurar relaccedilotildees entre variaacuteveis

A questatildeo que se coloca eacute o laboratoacuterio pode ter um papel mais relevante para a aprendizagem escolar Se pode de que maneira ele deve ser organizado A resposta para a primeira questatildeo eacute sem duacutevida afirmativa o laboratoacuterio pode e deve ter um papel mais relevante para a aprendizagem de ciecircncias O fato de estarmos insatisfeitos com a qualidade da aprendizagem natildeo soacute de ciecircncias sugere que todo o sistema escolar deve ser continuamente repensado Com raras exceccedilotildees natildeo se cogita a extinccedilatildeo da escola por causa de suas dificuldades Da mesma forma o que precisamos eacute encontrar novas maneiras de usar as atividades praacutetico-experimentais mais criativa e eficientemente e com propoacutesitos bem definidos mesmo sabendo que isso apenas natildeo eacute soluccedilatildeo para os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias

A ciecircncia em sua forma final se apresenta como um sistema de natureza teoacuterica Contudo eacute necessaacuterio que procuremos criar oportunidades para que o ensino experimental e o ensino teoacuterico se efetuem em concordacircncia permitindo ao estudante integrar conhecimento praacutetico e conhecimento teoacuterico Descartar a possibilidade de que os laboratoacuterios tecircm um papel importante no ensino de ciecircncias significa destituir o conhecimento cientiacutefico de seu contexto reduzindo-o a um sistema abstrato de definiccedilotildees leis e foacutermulas Muito do que se faz nas aulas de Fiacutesica em nossas escolas de ensino meacutedio e universidades assemelham-se a isso preocupando-se mais com a apresentaccedilatildeo das definiccedilotildees conceitos e foacutermulas que os alunos memorizam para resolver exerciacutecios Sem duacutevida que as teorias fiacutesicas satildeo construccedilotildees teoacutericas e expressas em forma matemaacutetica mas o conhecimento que elas carregam soacute faz sentido se nos permite compreender como o mundo funciona e porquecirc as coisas satildeo como satildeo e natildeo de outra forma Isso natildeo significa admitir que podemos adquirir uma compreensatildeo de conceitos teoacutericos atraveacutes de experimentos mas que as dimensotildees teoacuterica e empiacuterica do conhecimento cientiacutefico natildeo satildeo isoladas Natildeo se trata pois de contrapor o ensino experimental ao teoacuterico mas de encontrar formas que evitem essa fragmentaccedilatildeo no conhecimento para tornar a aprendizagem mais interessante motivadora e acessiacutevel aos estudantes

III Os objetivos do laboratoacuterio

Mesmo em locais com forte tradiccedilatildeo de ensino experimental por exemplo nos cursos superiores e cursos das escolas teacutecnicas quase nunca ocorre o planejamento sistemaacutetico das atividades com a explicitaccedilatildeo e discussatildeo dos objetivos de tal ensino A formulaccedilatildeo de um planejamento para as atividades de ensino quando existe destina-se mais a atender agraves demandas burocraacuteticas do que explicitar as diretrizes de accedilatildeo do professor e dos estudantes ao longo de um curso Assim o professor trabalha quase sempre com objetivos de ensino pouco claros e impliacutecitos confiando em sua

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experiecircncia anterior com cursos similares Com isso os estudantes natildeo percebem outros propoacutesitos para as atividades praacuteticas que natildeo os de verificar e comprovar fatos e leis cientiacuteficas Isso eacute determinante na sua compreensatildeo acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia (Hodson 1988) e tambeacutem da importacircncia que eles atribuem agraves atividades experimentais Alguns dos objetivos impliacutecitos que os professores e estudantes tradicionalmente associam aos laboratoacuterios de ciecircncias seratildeo discutidos a seguir

II1 Verificarcomprovar leis e teorias cientiacuteficas

Este objetivo eacute enganoso pois o sucesso da atividade eacute garantido de antematildeo por sua preparaccedilatildeo adequada O teste que se pretende fazer eacute em geral de um aspecto especiacutefico de uma lei ou teoria e natildeo de seus fundamentos Hodson (1988) aponta que como consequumlecircncia o estudante tende a exagerar a importacircncia de seus resultados experimentais aleacutem de originar um entendimento equivocado da relaccedilatildeo entre teoria e observaccedilatildeo Outro aspecto eacute que o estudante logo percebe que sua experiecircncia deve produzir o resultado previsto pela teoria ou que alguma regularidade deve ser encontrada Quando ele natildeo obteacutem a resposta esperada fica desconcertado com seu erro mas se percebe que o erro pode afetar suas notas ele intencionalmente corrige suas observaccedilotildees e dados para obter a resposta correta e as atividades experimentais passam a ter o caraacuteter de um jogo viciado Infelizmente este eacute daquele tipo de jogo que se aprende a jogar muito rapidamente Muitas vezes os proacuteprios professores satildeo viacutetimas desse raciociacutenio e sentem-se inseguros quando as atividades que propotildeem natildeo funcionam como esperavam passando a evitaacute-las no futuro porque natildeo datildeo certo As causas do erro natildeo satildeo investigadas e uma situaccedilatildeo potencialmente valiosa de aprendizagem se perde muitas vezes por falta de tempo Nesse sentido o que se consegue no laboratoacuterio eacute similar ao que se aprende na sala de aula onde o resultado se torna mais importante que o processo em detrimento da aprendizagem

II2 Ensinar o meacutetodo cientiacutefico

Muitas vezes o que o professor deseja eacute que o aluno aprenda ou adquira uma apreciaccedilatildeo sobre o meacutetodo cientiacutefico e a natureza da ciecircncia A compreensatildeo subjacente eacute a de que fazer ciecircncia significa descobrir fatos e leis pela aplicaccedilatildeo de um meacutetodo experimental indutivo e fazer invenccedilotildees A motivaccedilatildeo para a atividade experimental dos cientistas eacute verificar se suas proacuteprias ideacuteias estatildeo corretas Tal concepccedilatildeo assume que existe um uacutenico meacutetodo cientiacutefico que pode ser adequadamente representado como uma sequumlecircncia de etapas como um algoritmo Essa concepccedilatildeo do papel das atividades praacuteticas e as suas consequumlecircncias para a aprendizagem de ciecircncias foram discutidas por vaacuterios autores (Hodson 1986 Millar 1991 Moreira e Ostermann 1993) Ela assume que a atividade experimental eacute essencial agrave ciecircncia e que a observaccedilatildeo e a experimentaccedilatildeo fornecem dados puros verdadeiros e objetivos e por isso mesmo confiaacuteveis em vista de sua independecircncia de quaisquer ideacuteias teoacutericas do observador

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ou seja estaacute apoiada na ideacuteia de que qualquer observador natildeo tendencioso registraraacute as mesmas observaccedilotildees sobre aquela parte da realidade para a qual ele volta sua atenccedilatildeo A essecircncia daquela parte observada da realidade descortina-se e impotildee-se da mesma forma para todos os observadores com esse perfil

Haacute uma ingenuidade inerente a esse entendimento que consiste em assumir que os dados satildeo imediatos no sentido de que satildeo lidos diretamente da parcela observada do mundo e natildeo problemaacuteticos Tudo o que o cientista precisa fazer eacute selecionar quais os fenocircmenos ou aspectos da realidade deseja investigar e entatildeo aplicar o meacutetodo cientiacutefico A naturezarealidade se encarregaraacute de produzir as respostas do tipo simnatildeo para as suas indagaccedilotildees (Hodson 1986) A descoberta cientiacutefica assemelha-se assim (para usar uma analogia mais acessiacutevel) agrave descoberta de novas terras pelos navegantes de uns poucos seacuteculos atraacutes os quais treinados com uma pequena frota e tripulaccedilatildeo (ou mesmo um barco isolado) perscrutando os mares pouco navegados com olhos atentos para os indiacutecios de novas terras e ilhas como paacutessaros e raiacutezes e troncos nas aacuteguas Alguns podiam ateacute tardar em conseguir sucesso mas as terras e ilhas desconhecidas estavam laacute a espera de algum descobridor atento e destemido Esta concepccedilatildeo assume tambeacutem que os professores e estudantes percebem o propoacutesito de um experimento escolar em ciecircncias de forma clara igual e inequiacutevoca o que os conduziraacute agrave descoberta de novos fatos e leis conforme prescrito pelo roteiro de atividades

Haacute vaacuterias deacutecadas eacute amplamente questionada a ideacuteia de que a descoberta seja um processo ou um conjunto hieraacuterquico de processos loacutegicos Apesar de que os informes e relatos das descobertas cientiacuteficas especialmente como apresentado nos livros escolares e pelos meios de comunicaccedilatildeo sugiram para o leigo que as descobertas cientiacuteficas resultam do acuacutemulo de vastos conjuntos de observaccedilotildees detalhadas e repetidas acerca de um fenocircmeno segundo as prescriccedilotildees do meacutetodo cientiacutefico ou entatildeo resultem de ideacuteias inspiradas de mentes geniais o processo eacute bem diferente disso Os cientistas utilizam meacutetodos mas isso natildeo significa que haja um meacutetodo cientiacutefico que determine exatamente como fazer para produzir conhecimento O laboratoacuterio pode proporcionar excelentes oportunidades para que os estudantes testem suas proacuteprias hipoacuteteses sobre fenocircmenos particulares para que planejem suas accedilotildees e as executem de forma a produzir resultados dignos de confianccedila Para que isso seja efetivo deve-se programar atividades de explicitaccedilatildeo dessas hipoacuteteses antes da realizaccedilatildeo das atividades Faz-se tambeacutem necessaacuterio que os professores enfatizem as diferenccedilas entre os experimentos realizados no laboratoacuterio escolar com fins pedagoacutegicos e a investigaccedilatildeo empiacuterica realizada por cientistas Eacute necessaacuteria uma anaacutelise mais cuidadosa da relaccedilatildeo entre observaccedilatildeo experimento e teoria (Chalmers 1993) Aleacutem disso devem encorajar a discussatildeo aberta das limitaccedilotildees e suposiccedilotildees que permeiam cada atividade no laboratoacuterio escolar

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II3 Facilitar a aprendizagem e compreensatildeo de conceitos

Para se alcanccedilar este objetivo recomenda-se que a atividade concentre-se apenas nos aspectos desejados com um planejamento cuidadoso que considere as ideacuteias preacutevias dos estudantes a respeito da situaccedilatildeo estudada o tempo necessaacuterio para completar a atividade as habilidades requeridas e aspectos ligados agrave seguranccedila (Hodson 1988) Ao desenvolver tais atividades o professor deve ter em mente que aquilo que qualquer pessoa observa depende fortemente de seu conhecimento preacutevio e de suas expectativas (Hanson 1958 Chalmers 1993) Em um laboratoacuterio tradicional com atividades realizadas sob a orientaccedilatildeo do professor e seguindo os roteiros fornecidos pode-se acreditar que tal objetivo possa ser conseguido Mas natildeo se pode tomar como certo que se todos os membros de um grupo vecircem o mesmo fenocircmeno todos o interpretem da mesma forma ou aceitem a validade e legitimidade das observaccedilotildees (Gunstone 1991) O fato de um estudante realizar uma atividade adequadamente planejada natildeo garante que ele aprenda aquilo que era pretendido

Estas consideraccedilotildees sugerem a necessidade de atividades preacute e poacutes-laboratoacuterio para que os estudantes explicitem suas ideacuteias e expectativas e discutam o significado de suas observaccedilotildees e interpretaccedilotildees Antes de realizar a atividade praacutetica deve-se discutir com os estudantes a situaccedilatildeo ou fenocircmeno que seraacute tratado Pode-se pedir que eles escrevam suas previsotildees sobre o que deve acontecer e justificaacute-las Na fase poacutes-atividade faz-se a discussatildeo das observaccedilotildees resultados e interpretaccedilotildees obtidos tentando reconciliaacute-las com as previsotildees feitas Aqui eacute o momento de se discutir as falhas e limitaccedilotildees da atividade praacutetica (Gunstone 1991)

Uma vez que os estudantes natildeo satildeo desafiados a explorar desenvolver e avaliar as suas proacuteprias ideacuteias e os curriacuteculos de ciecircncias natildeo oferecem oportunidades para a abordagem de questotildees acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica (Carey et al 1989) A forma de trabalhar proposta proporciona o contexto adequado para a discussatildeo desse tipo de questatildeo

II4 Ensinar habilidades praacuteticas

A aquisiccedilatildeo de habilidades praacuteticas e teacutecnicas de laboratoacuterio eacute um objetivo que pode e deve ser almejado nas atividades praacuteticas Haacute entretanto um certo grau de confusatildeo sobre o que tais habilidades e teacutecnicas satildeo Para alguns trata-se de habilidades cognitivas relacionadas com os processos baacutesicos da ciecircncia Vaacuterios curriacuteculos de ciecircncias desenvolvidos nos Estados Unidos Canadaacute e Europa adotaram tal perspectiva buscando ensinar ou desenvolver certas habilidades gerais e independentes do contexto tais como fazer observaccedilotildees classificar prever formular hipoacuteteses que poderiam entatildeo ser aplicadas em outros contextos Haacute uma forte criacutetica acerca da possibilidade de transferecircncia destas habilidades entre contextos distintos da necessidade e mesmo da possibilidade de se ensinaacute-las (Millar e Driver 1987 Millar 1988)

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O argumento utilizado eacute que elas satildeo processos cognitivos gerais que as pessoas empregam desde muito cedo e que associaacute-las com os processos da ciecircncia eacute o mesmo que insistir em uma concepccedilatildeo ultrapassada da atividade cientiacutefica Como Millar e Driver (1987) argumentam pode-se desejar que as crianccedilas aprendam a observar cuidadosamente a notar detalhes a fazer observaccedilotildees relevantes Entretanto o que eacute ou natildeo relevante depende das expectativas e ideacuteias preacutevias de cada um acerca de um fenocircmeno Natildeo existe algo relevante em uma situaccedilatildeo ou fenocircmeno independentemente de quem o observa ou formula hipoacuteteses sobre ele

Millar (1988 1991) argumenta que haacute um conjunto de habilidades praacuteticas ou teacutecnicas baacutesicas de laboratoacuterio que vale a pena ser ensinado Por exemplo aprender a usar equipamentos e instrumentos especiacuteficos medir grandezas fiacutesicas e realizar pequenas montagens satildeo coisas que dificilmente o estudante tem oportunidade de aprender fora do laboratoacuterio escolar Dentro de cada laboratoacuterio haacute um conjunto baacutesico de teacutecnicas que pode ser ensinado e que forma uma base experiencial sobre a qual os estudantes podem construir um sistema de noccedilotildees que lhes permitiratildeo relacionar-se melhor com os objetos tecnoloacutegicos do cotidiano Aleacutem delas existem as chamadas teacutecnicas de investigaccedilatildeo (Millar 1991) satildeo ferramentas importantes e uacuteteis para qualquer cidadatildeo e relacionam-se com a obtenccedilatildeo de conhecimento e a sua comunicaccedilatildeo Por exemplo repetir procedimentos para aumentar a confiabilidade dos resultados obtidos aprender a colocar e a obter informaccedilatildeo de diferentes formas de representaccedilatildeo como diagramas esquemas graacuteficos tabelas etc Muitas dessas habilidades satildeo utilizadas inconscientemente por todas as pessoas e se refletem nas decisotildees e procedimentos que cada um de noacutes toma ou se utiliza ao resolver problemas ou ao lidar com situaccedilotildees praacuteticas Elas fazem parte do nosso arsenal de estrateacutegias de pensamento informal que toda a pessoa inteligente deveria estar apta a empregar em qualquer situaccedilatildeo Embora possam ser desenvolvidas atraveacutes da escolarizaccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente vinculadas agrave aprendizagem de ciecircncias A organizaccedilatildeo das atividades para se conseguir tais objetivos dependeraacute do conhecimento que os estudantes jaacute possuem Por exemplo se o objetivo eacute que os alunos sem nenhum conhecimento anterior aprendam a utilizar corretamente o voltiacutemetro e o amperiacutemetro entatildeo uma atividade orientada pelo professor e baseada em um roteiro pode ser a melhor alternativa Se ao contraacuterio eles jaacute tecircm algum conhecimento em circuitos eleacutetricos provavelmente eacute melhor que eles aprendam a partir do estudo dos manuais teacutecnicos que acompanham os equipamentos

IV Alternativas para o laboratoacuterio escolar

As pesquisas sobre ensino-aprendizagem de ciecircncias produziram evidecircncias de que as crianccedilas trazem para a escola um conjunto de concepccedilotildees sobre vaacuterios aspectos do mundo mesmo antes de qualquer introduccedilatildeo agrave ciecircncia escolar Estas concepccedilotildees alternativas satildeo adquiridas a partir de sua inserccedilatildeo na cultura comum e da experiecircncia cotidiana com fenocircmenos e eventos e frequumlentemente interferem com a

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aprendizagem das ideacuteias cientiacuteficas A psicologia cognitiva tem contribuiacutedo junto com a pesquisa em ensino e aprendizagem de ciecircncias para a anaacutelise da praacutetica educacional Entretanto pela proacutepria complexidade da questatildeo o que tem sido possiacutevel fazer eacute a obtenccedilatildeo de diretrizes muito geneacutericas sobre como ensinar e como contribuir para a aprendizagem escolar o que eacute ainda muito distante das expectativas excessivamente otimistas da deacutecada de 50 (Coll 1987) Uma dessas recomendaccedilotildees a qual exprime a ideacuteia baacutesica das concepccedilotildees construtivistas a de que o aluno constroacutei seu proacuteprio conhecimento atraveacutes da accedilatildeo

eacute a de que os processos educacionais devem respeitar e favorecer a atividade do estudante e que esta deve ser o centro do processo de aprendizagem Algumas vertentes do construtivismo argumentam que qualquer atividade pedagoacutegica soacute tem valor se tiver origem no aprendiz e se este detiver pleno controle das accedilotildees para justificar uma forma de ativismo empirista Como Coll aponta

pouco importa que esta atividade consista de manipulaccedilotildees observaacuteveis ou em operaccedilotildees mentais que escapem ao observador pouco importa tambeacutem que responda total ou parcialmente agrave iniciativa do aluno ou que tenha sua origem no incentivo e nas propostas do professor O essencial eacute que se trate de uma atividade cuja organizaccedilatildeo e planejamento fique a cargo do aluno Coll (1987 p 187)

O trabalho no laboratoacuterio pode ser organizado de diversas maneiras desde demonstraccedilotildees ateacute atividades praacutetico-experimentais dirigidas diretamente pelo professor ou indiretamente atraveacutes de um roteiro Todas podem ser uacuteteis dependendo dos objetivos que o professor pretende com a realizaccedilatildeo das atividades propostas Uma alternativa que temos defendido haacute mais de uma deacutecada e mais recentemente temos investigado e utilizado com nossos alunos consiste em estruturar as atividades de laboratoacuterio como investigaccedilotildees ou problemas praacuteticos mais abertos que os alunos devem resolver sem a direccedilatildeo imposta por um roteiro fortemente estruturado ou por instruccedilotildees verbais do professor Um problema diferentemente de um exerciacutecio experimental ou de um de fim de capiacutetulo do livro-texto eacute uma situaccedilatildeo para a qual natildeo haacute uma soluccedilatildeo imediata obtida pela aplicaccedilatildeo de uma foacutermula ou algoritmo Pode natildeo existir uma soluccedilatildeo conhecida por estudantes e professores ou ateacute ocorrer que nenhuma soluccedilatildeo exata seja possiacutevel Para resolvecirc-lo tem-se que fazer idealizaccedilotildees e aproximaccedilotildees Diferentemente um exerciacutecio eacute uma situaccedilatildeo perturbadora ou incompleta mas que pode ser resolvida com base no conhecimento de quem eacute chamado a resolvecirc-lo

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Fig 1- Contiacutenuo problema-exerciacutecio

O que julgamos importante aacute chamar a atenccedilatildeo para o fato de que uma situaccedilatildeo percebida como um problema por uma pessoa pode ser entendida como um mero exerciacutecio por outra De qualquer forma para resolver um problema um estudante deve fazer mais que simplesmente lembrar-se de uma foacutermula ou de uma situaccedilatildeo similar que conseguiu resolver Nesse sentido um problema eacute um desafio proposto para o aluno e pode ser expresso em diferentes niacuteveis desde um problema completamente fechado ateacute um problema aberto (Garret 1988) No primeiro caso o problema os

procedimentos e recursos satildeo dados pelo professor livro ou roteiro ficando para o aluno a tarefa de colher dados e tirar as conclusotildees Ao contraacuterio em uma investigaccedilatildeo aberta cabe ao estudante toda a soluccedilatildeo desde a percepccedilatildeo e geraccedilatildeo do problema sua formulaccedilatildeo em uma forma suscetiacutevel de investigaccedilatildeo o planejamento do curso de suas accedilotildees a escolha dos procedimentos a seleccedilatildeo dos equipamentos e materiais a preparaccedilatildeo da montagem experimental a realizaccedilatildeo de medidas e observaccedilotildees necessaacuterias o registro dos dados em tabelas e graacuteficos a interpretaccedilatildeo dos resultados e enumeraccedilatildeo das conclusotildees A Fig 1 representa as atividades investigativas e o laboratoacuterio tradicional contrastando-os segundo trecircs aspectos o grau de abertura o objetivo da atividade e a atitude do estudante em relaccedilatildeo agrave atividade O que denominamos grau de abertura indica o quanto o professor ou o roteiro que ele fornece especifica a tarefa para o aluno

A Fig1 sugere quanto ao aspecto abertura a existecircncia de um contiacutenuo cujos extremos seriam exerciacutecios de um lado e problemas completamente abertos do outro Entre esses dois extremos que determinam quem tem o controle ou a

Aspectos Laboratoacuterio Tradicional Atividades Investigativas

Quanto ao grau de abertura

Roteiro preacute-definido

Restrito grau de abertura

Variado grau de abertura

Liberdade total no planejamento

Objetivo da Comprovar leis Explorar fenocircmenos

Atitude do estudante

Compromisso com o resultado Responsabilidade na investigaccedilatildeo

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responsabilidade por certas etapas da atividade praacutetica haacute um nuacutemero de possibilidades com divisatildeo dessas tarefas entre o professor e os estudantes Outra forma de entender essa distinccedilatildeo entre problema fechado e aberto foi proposta por Tamir (1991) baseada em estudos anteriores e mostrado na Fig2 Ele propotildee a categorizaccedilatildeo das atividades investigativas em quatro niacuteveis de acordo com a Fig2 No niacutevel 0 o qual corresponde aproximadamente ao extremo de problema fechado satildeo dados o problema os procedimentos e aquilo que se deseja observarverificar ficando a cargo dos estudantes coletar dados e confirmar ou natildeo as conclusotildees No niacutevel 1 o problema e procedimentos satildeo definidos pelo professor atraveacutes de um roteiro por exemplo Ao estudante cabe coletar os dados indicados e obter as conclusotildees No niacutevel 2 apenas a situaccedilatildeo-problema eacute dada ficando para o estudante decidir como e que dados coletar fazer as mediccedilotildees requeridas e obter conclusotildees a partir deles Finalmente no niacutevel 3

o niacutevel mais aberto de investigaccedilatildeo

o estudante deve fazer tudo desde a formulaccedilatildeo do problema ateacute chegar agraves conclusotildees

Um sistema de categorias mesmo simples como este serve como um organizador de nosso entendimento do que estaacute envolvido no grau de abertura de uma situaccedilatildeo-problema Como exemplo de um problema de niacutevel 2 considere a situaccedilatildeo a seguir que realizamos recentemente com todas as turmas do primeiro ano de ensino meacutedio trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes cada como uma atividade normal de laboratoacuterio durante o estudo de cinemaacutetica A Fig 3 reproduz o esquema apresentado aos alunos O problema foi especificado e a montagem previamente preparada mas natildeo fornecemos indicaccedilatildeo do que e como deveria ser medido portanto parecia correto nosso entendimento de que se tratava de um problema de niacutevel 2 Apoacutes uma fase raacutepida de planejamento do grupo praticamente todos decidiram por medir a altura maacutexima que a bolinha atingia ou o tempo necessaacuterio para ela atingir o ponto de maior altura A partir dos valores obtidos eles usaram uma das equaccedilotildees para movimento com aceleraccedilatildeo constante por exemplo a equaccedilatildeo de Torricelli para determinar Vo Apesar de simples a atividade propiciou discussotildees sobre como medir a altura maacutexima alcanccedilada pela bolinha a pouca acuracidade conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso com o tempo de reaccedilatildeo deles

atividade que jaacute haviam feito anteriormente) e a necessidade do experimento ser replicado Nem todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o problema dentro do periacuteodo do laboratoacuterio e recorrem ao professor ou aos seus colegas em busca de sugestotildees de procedimento Para estes grupos natildeo podemos dizer que a atividade eacute um problema de niacutevel 2 mas talvez de niacutevel 1

Um curso baseado em investigaccedilotildees apresenta a caracteriacutestica uacutenica de combinar processos conceitos e procedimentos na soluccedilatildeo de um problema Vaacuterios estudos foram realizados em nosso grupo procurando compreender as dificuldades que os estudantes com e sem experiecircncia pessoal com trabalhos praacuteticos escolares enfrentam ao formular um problema a partir de uma situaccedilatildeo proposta a eles em planejar a sua soluccedilatildeo e executar o seu planejamento Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas sugere que uma atividade aberta pode ser muito difiacutecil para estudantes sem

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conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

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observaccedilotildees cuidadosas de algum fenocircmeno por uma mente livre de preacute-concepccedilotildees e sentimentos que aplica o meacutetodo cientiacutefico para chegar a generalizaccedilotildees cientificamente vaacutelidas Essa concepccedilatildeo de ciecircncia acaba por conferir um peso excessivo agrave observaccedilatildeo em detrimento das ideacuteias preacutevias e imaginaccedilatildeo dos estudantes Aleacutem disso representa o meacutetodo cientiacutefico como um algoritmo infaliacutevel capaz de produzir conhecimento cientificamente provado comeccedilando com observaccedilotildees objetivas e neutras formulaccedilatildeo de hipoacuteteses comprovaccedilatildeo experimental e generalizaccedilatildeo das conclusotildees Haacute dois problemas seacuterios e sem soluccedilatildeo com essa visatildeo

Em primeiro lugar essa concepccedilatildeo particular do processo de produccedilatildeo do conhecimento sugere para professores e estudantes que as atividades praacuteticas escolares satildeo da mesma natureza e tecircm a mesma finalidade que as atividades experimentais e de observaccedilatildeo que os cientistas fazem nos seus laboratoacuterios de pesquisa As atividades praacuteticas e os experimentos cientiacuteficos satildeo atividades bem distintas com objetivos bastante diferentes O cientista passou anos de sua vida estudando uma determinada aacuterea da ciecircncia e quando se prepara para realizar um experimento ou conjunto de experimentos ele o faz para resolver um problema que o interessa e para o qual pode estar buscando uma soluccedilatildeo haacute muito tempo Assim quando ele realiza um experimento este vem precedido de muito estudo e reflexatildeo planejamento e preparaccedilatildeo Nesse periacuteodo anterior agrave efetiva concretizaccedilatildeo do experimento o cientista toma uma seacuterie de decisotildees para definir e delimitar o que iraacute fazer e medirobservar que criteacuterios usaraacute para checar a precisatildeo e a confiabilidade dos resultados que controles exerceraacute sobre a situaccedilatildeo entre outras Em segundo lugar tendo sido criticada por vaacuterios filoacutesofos como por exemplo Popper Russel-Hanson Feyerabend Kuhn e Toulmin esta imagem da ciecircncia que ainda permeia muitos dos nossos livros didaacuteticos de ciecircncias naturais especialmente aqueles utilizados na Educaccedilatildeo Baacutesica estaacute completamente superada nos ciacuterculos acadecircmicos haacute vaacuterias deacutecadas

A aceitaccedilatildeo dessas criacuteticas natildeo implica entretanto aceitar a argumentaccedilatildeo de que as atividades praacutetico-experimentais de ciecircncias satildeo supeacuterfluas e que elas podem portanto ser descartadas para o bem dos professores dos estudantes e da proacutepria escola que estes poderiam repensar o aproveitamento do tempo destinado a tais atividades bem como dos espaccedilos ocupados por salas especiais de laboratoacuterio onde existem Aliaacutes da forma como vemos a questatildeo natildeo haacute a necessidade de um ambiente especial reservado para tais atividades com instrumentos e mesas para experiecircncias mas somente que haja planejamento e clareza dos objetivos das atividades propostas Segundo Tamir (1991) um dos principais problemas com o laboratoacuterio de ciecircncias eacute que se pretende atingir uma variedade de objetivos nem sempre compatiacuteveis com um mesmo tipo de atividade Eacute certo que com um mesmo conjunto de materiais um professor criativo pode planejar vaacuterias atividades diferentes com objetivos claramente distintos como por exemplo aprender a usar um instrumento para fazer leituras obter uma imagem de um fenocircmeno ainda natildeo observado aprender estrateacutegias para lidar com os erros e incertezas inerentes ao processo de mediccedilatildeo procurar evidecircncias da existecircncia de alguma relaccedilatildeo entre grandezas envolvidas na situaccedilatildeo e outros Sem

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duacutevida que as atividades praacuteticas podem propiciar ao estudante imagens vividas e memoraacuteveis de fenocircmenos interessantes e importantes para a compreensatildeo dos conceitos cientiacuteficos Atraveacutes delas o estudante pode ser educado para fazer mediccedilotildees corretamente e procurar relaccedilotildees entre variaacuteveis

A questatildeo que se coloca eacute o laboratoacuterio pode ter um papel mais relevante para a aprendizagem escolar Se pode de que maneira ele deve ser organizado A resposta para a primeira questatildeo eacute sem duacutevida afirmativa o laboratoacuterio pode e deve ter um papel mais relevante para a aprendizagem de ciecircncias O fato de estarmos insatisfeitos com a qualidade da aprendizagem natildeo soacute de ciecircncias sugere que todo o sistema escolar deve ser continuamente repensado Com raras exceccedilotildees natildeo se cogita a extinccedilatildeo da escola por causa de suas dificuldades Da mesma forma o que precisamos eacute encontrar novas maneiras de usar as atividades praacutetico-experimentais mais criativa e eficientemente e com propoacutesitos bem definidos mesmo sabendo que isso apenas natildeo eacute soluccedilatildeo para os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias

A ciecircncia em sua forma final se apresenta como um sistema de natureza teoacuterica Contudo eacute necessaacuterio que procuremos criar oportunidades para que o ensino experimental e o ensino teoacuterico se efetuem em concordacircncia permitindo ao estudante integrar conhecimento praacutetico e conhecimento teoacuterico Descartar a possibilidade de que os laboratoacuterios tecircm um papel importante no ensino de ciecircncias significa destituir o conhecimento cientiacutefico de seu contexto reduzindo-o a um sistema abstrato de definiccedilotildees leis e foacutermulas Muito do que se faz nas aulas de Fiacutesica em nossas escolas de ensino meacutedio e universidades assemelham-se a isso preocupando-se mais com a apresentaccedilatildeo das definiccedilotildees conceitos e foacutermulas que os alunos memorizam para resolver exerciacutecios Sem duacutevida que as teorias fiacutesicas satildeo construccedilotildees teoacutericas e expressas em forma matemaacutetica mas o conhecimento que elas carregam soacute faz sentido se nos permite compreender como o mundo funciona e porquecirc as coisas satildeo como satildeo e natildeo de outra forma Isso natildeo significa admitir que podemos adquirir uma compreensatildeo de conceitos teoacutericos atraveacutes de experimentos mas que as dimensotildees teoacuterica e empiacuterica do conhecimento cientiacutefico natildeo satildeo isoladas Natildeo se trata pois de contrapor o ensino experimental ao teoacuterico mas de encontrar formas que evitem essa fragmentaccedilatildeo no conhecimento para tornar a aprendizagem mais interessante motivadora e acessiacutevel aos estudantes

III Os objetivos do laboratoacuterio

Mesmo em locais com forte tradiccedilatildeo de ensino experimental por exemplo nos cursos superiores e cursos das escolas teacutecnicas quase nunca ocorre o planejamento sistemaacutetico das atividades com a explicitaccedilatildeo e discussatildeo dos objetivos de tal ensino A formulaccedilatildeo de um planejamento para as atividades de ensino quando existe destina-se mais a atender agraves demandas burocraacuteticas do que explicitar as diretrizes de accedilatildeo do professor e dos estudantes ao longo de um curso Assim o professor trabalha quase sempre com objetivos de ensino pouco claros e impliacutecitos confiando em sua

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experiecircncia anterior com cursos similares Com isso os estudantes natildeo percebem outros propoacutesitos para as atividades praacuteticas que natildeo os de verificar e comprovar fatos e leis cientiacuteficas Isso eacute determinante na sua compreensatildeo acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia (Hodson 1988) e tambeacutem da importacircncia que eles atribuem agraves atividades experimentais Alguns dos objetivos impliacutecitos que os professores e estudantes tradicionalmente associam aos laboratoacuterios de ciecircncias seratildeo discutidos a seguir

II1 Verificarcomprovar leis e teorias cientiacuteficas

Este objetivo eacute enganoso pois o sucesso da atividade eacute garantido de antematildeo por sua preparaccedilatildeo adequada O teste que se pretende fazer eacute em geral de um aspecto especiacutefico de uma lei ou teoria e natildeo de seus fundamentos Hodson (1988) aponta que como consequumlecircncia o estudante tende a exagerar a importacircncia de seus resultados experimentais aleacutem de originar um entendimento equivocado da relaccedilatildeo entre teoria e observaccedilatildeo Outro aspecto eacute que o estudante logo percebe que sua experiecircncia deve produzir o resultado previsto pela teoria ou que alguma regularidade deve ser encontrada Quando ele natildeo obteacutem a resposta esperada fica desconcertado com seu erro mas se percebe que o erro pode afetar suas notas ele intencionalmente corrige suas observaccedilotildees e dados para obter a resposta correta e as atividades experimentais passam a ter o caraacuteter de um jogo viciado Infelizmente este eacute daquele tipo de jogo que se aprende a jogar muito rapidamente Muitas vezes os proacuteprios professores satildeo viacutetimas desse raciociacutenio e sentem-se inseguros quando as atividades que propotildeem natildeo funcionam como esperavam passando a evitaacute-las no futuro porque natildeo datildeo certo As causas do erro natildeo satildeo investigadas e uma situaccedilatildeo potencialmente valiosa de aprendizagem se perde muitas vezes por falta de tempo Nesse sentido o que se consegue no laboratoacuterio eacute similar ao que se aprende na sala de aula onde o resultado se torna mais importante que o processo em detrimento da aprendizagem

II2 Ensinar o meacutetodo cientiacutefico

Muitas vezes o que o professor deseja eacute que o aluno aprenda ou adquira uma apreciaccedilatildeo sobre o meacutetodo cientiacutefico e a natureza da ciecircncia A compreensatildeo subjacente eacute a de que fazer ciecircncia significa descobrir fatos e leis pela aplicaccedilatildeo de um meacutetodo experimental indutivo e fazer invenccedilotildees A motivaccedilatildeo para a atividade experimental dos cientistas eacute verificar se suas proacuteprias ideacuteias estatildeo corretas Tal concepccedilatildeo assume que existe um uacutenico meacutetodo cientiacutefico que pode ser adequadamente representado como uma sequumlecircncia de etapas como um algoritmo Essa concepccedilatildeo do papel das atividades praacuteticas e as suas consequumlecircncias para a aprendizagem de ciecircncias foram discutidas por vaacuterios autores (Hodson 1986 Millar 1991 Moreira e Ostermann 1993) Ela assume que a atividade experimental eacute essencial agrave ciecircncia e que a observaccedilatildeo e a experimentaccedilatildeo fornecem dados puros verdadeiros e objetivos e por isso mesmo confiaacuteveis em vista de sua independecircncia de quaisquer ideacuteias teoacutericas do observador

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ou seja estaacute apoiada na ideacuteia de que qualquer observador natildeo tendencioso registraraacute as mesmas observaccedilotildees sobre aquela parte da realidade para a qual ele volta sua atenccedilatildeo A essecircncia daquela parte observada da realidade descortina-se e impotildee-se da mesma forma para todos os observadores com esse perfil

Haacute uma ingenuidade inerente a esse entendimento que consiste em assumir que os dados satildeo imediatos no sentido de que satildeo lidos diretamente da parcela observada do mundo e natildeo problemaacuteticos Tudo o que o cientista precisa fazer eacute selecionar quais os fenocircmenos ou aspectos da realidade deseja investigar e entatildeo aplicar o meacutetodo cientiacutefico A naturezarealidade se encarregaraacute de produzir as respostas do tipo simnatildeo para as suas indagaccedilotildees (Hodson 1986) A descoberta cientiacutefica assemelha-se assim (para usar uma analogia mais acessiacutevel) agrave descoberta de novas terras pelos navegantes de uns poucos seacuteculos atraacutes os quais treinados com uma pequena frota e tripulaccedilatildeo (ou mesmo um barco isolado) perscrutando os mares pouco navegados com olhos atentos para os indiacutecios de novas terras e ilhas como paacutessaros e raiacutezes e troncos nas aacuteguas Alguns podiam ateacute tardar em conseguir sucesso mas as terras e ilhas desconhecidas estavam laacute a espera de algum descobridor atento e destemido Esta concepccedilatildeo assume tambeacutem que os professores e estudantes percebem o propoacutesito de um experimento escolar em ciecircncias de forma clara igual e inequiacutevoca o que os conduziraacute agrave descoberta de novos fatos e leis conforme prescrito pelo roteiro de atividades

Haacute vaacuterias deacutecadas eacute amplamente questionada a ideacuteia de que a descoberta seja um processo ou um conjunto hieraacuterquico de processos loacutegicos Apesar de que os informes e relatos das descobertas cientiacuteficas especialmente como apresentado nos livros escolares e pelos meios de comunicaccedilatildeo sugiram para o leigo que as descobertas cientiacuteficas resultam do acuacutemulo de vastos conjuntos de observaccedilotildees detalhadas e repetidas acerca de um fenocircmeno segundo as prescriccedilotildees do meacutetodo cientiacutefico ou entatildeo resultem de ideacuteias inspiradas de mentes geniais o processo eacute bem diferente disso Os cientistas utilizam meacutetodos mas isso natildeo significa que haja um meacutetodo cientiacutefico que determine exatamente como fazer para produzir conhecimento O laboratoacuterio pode proporcionar excelentes oportunidades para que os estudantes testem suas proacuteprias hipoacuteteses sobre fenocircmenos particulares para que planejem suas accedilotildees e as executem de forma a produzir resultados dignos de confianccedila Para que isso seja efetivo deve-se programar atividades de explicitaccedilatildeo dessas hipoacuteteses antes da realizaccedilatildeo das atividades Faz-se tambeacutem necessaacuterio que os professores enfatizem as diferenccedilas entre os experimentos realizados no laboratoacuterio escolar com fins pedagoacutegicos e a investigaccedilatildeo empiacuterica realizada por cientistas Eacute necessaacuteria uma anaacutelise mais cuidadosa da relaccedilatildeo entre observaccedilatildeo experimento e teoria (Chalmers 1993) Aleacutem disso devem encorajar a discussatildeo aberta das limitaccedilotildees e suposiccedilotildees que permeiam cada atividade no laboratoacuterio escolar

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II3 Facilitar a aprendizagem e compreensatildeo de conceitos

Para se alcanccedilar este objetivo recomenda-se que a atividade concentre-se apenas nos aspectos desejados com um planejamento cuidadoso que considere as ideacuteias preacutevias dos estudantes a respeito da situaccedilatildeo estudada o tempo necessaacuterio para completar a atividade as habilidades requeridas e aspectos ligados agrave seguranccedila (Hodson 1988) Ao desenvolver tais atividades o professor deve ter em mente que aquilo que qualquer pessoa observa depende fortemente de seu conhecimento preacutevio e de suas expectativas (Hanson 1958 Chalmers 1993) Em um laboratoacuterio tradicional com atividades realizadas sob a orientaccedilatildeo do professor e seguindo os roteiros fornecidos pode-se acreditar que tal objetivo possa ser conseguido Mas natildeo se pode tomar como certo que se todos os membros de um grupo vecircem o mesmo fenocircmeno todos o interpretem da mesma forma ou aceitem a validade e legitimidade das observaccedilotildees (Gunstone 1991) O fato de um estudante realizar uma atividade adequadamente planejada natildeo garante que ele aprenda aquilo que era pretendido

Estas consideraccedilotildees sugerem a necessidade de atividades preacute e poacutes-laboratoacuterio para que os estudantes explicitem suas ideacuteias e expectativas e discutam o significado de suas observaccedilotildees e interpretaccedilotildees Antes de realizar a atividade praacutetica deve-se discutir com os estudantes a situaccedilatildeo ou fenocircmeno que seraacute tratado Pode-se pedir que eles escrevam suas previsotildees sobre o que deve acontecer e justificaacute-las Na fase poacutes-atividade faz-se a discussatildeo das observaccedilotildees resultados e interpretaccedilotildees obtidos tentando reconciliaacute-las com as previsotildees feitas Aqui eacute o momento de se discutir as falhas e limitaccedilotildees da atividade praacutetica (Gunstone 1991)

Uma vez que os estudantes natildeo satildeo desafiados a explorar desenvolver e avaliar as suas proacuteprias ideacuteias e os curriacuteculos de ciecircncias natildeo oferecem oportunidades para a abordagem de questotildees acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica (Carey et al 1989) A forma de trabalhar proposta proporciona o contexto adequado para a discussatildeo desse tipo de questatildeo

II4 Ensinar habilidades praacuteticas

A aquisiccedilatildeo de habilidades praacuteticas e teacutecnicas de laboratoacuterio eacute um objetivo que pode e deve ser almejado nas atividades praacuteticas Haacute entretanto um certo grau de confusatildeo sobre o que tais habilidades e teacutecnicas satildeo Para alguns trata-se de habilidades cognitivas relacionadas com os processos baacutesicos da ciecircncia Vaacuterios curriacuteculos de ciecircncias desenvolvidos nos Estados Unidos Canadaacute e Europa adotaram tal perspectiva buscando ensinar ou desenvolver certas habilidades gerais e independentes do contexto tais como fazer observaccedilotildees classificar prever formular hipoacuteteses que poderiam entatildeo ser aplicadas em outros contextos Haacute uma forte criacutetica acerca da possibilidade de transferecircncia destas habilidades entre contextos distintos da necessidade e mesmo da possibilidade de se ensinaacute-las (Millar e Driver 1987 Millar 1988)

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O argumento utilizado eacute que elas satildeo processos cognitivos gerais que as pessoas empregam desde muito cedo e que associaacute-las com os processos da ciecircncia eacute o mesmo que insistir em uma concepccedilatildeo ultrapassada da atividade cientiacutefica Como Millar e Driver (1987) argumentam pode-se desejar que as crianccedilas aprendam a observar cuidadosamente a notar detalhes a fazer observaccedilotildees relevantes Entretanto o que eacute ou natildeo relevante depende das expectativas e ideacuteias preacutevias de cada um acerca de um fenocircmeno Natildeo existe algo relevante em uma situaccedilatildeo ou fenocircmeno independentemente de quem o observa ou formula hipoacuteteses sobre ele

Millar (1988 1991) argumenta que haacute um conjunto de habilidades praacuteticas ou teacutecnicas baacutesicas de laboratoacuterio que vale a pena ser ensinado Por exemplo aprender a usar equipamentos e instrumentos especiacuteficos medir grandezas fiacutesicas e realizar pequenas montagens satildeo coisas que dificilmente o estudante tem oportunidade de aprender fora do laboratoacuterio escolar Dentro de cada laboratoacuterio haacute um conjunto baacutesico de teacutecnicas que pode ser ensinado e que forma uma base experiencial sobre a qual os estudantes podem construir um sistema de noccedilotildees que lhes permitiratildeo relacionar-se melhor com os objetos tecnoloacutegicos do cotidiano Aleacutem delas existem as chamadas teacutecnicas de investigaccedilatildeo (Millar 1991) satildeo ferramentas importantes e uacuteteis para qualquer cidadatildeo e relacionam-se com a obtenccedilatildeo de conhecimento e a sua comunicaccedilatildeo Por exemplo repetir procedimentos para aumentar a confiabilidade dos resultados obtidos aprender a colocar e a obter informaccedilatildeo de diferentes formas de representaccedilatildeo como diagramas esquemas graacuteficos tabelas etc Muitas dessas habilidades satildeo utilizadas inconscientemente por todas as pessoas e se refletem nas decisotildees e procedimentos que cada um de noacutes toma ou se utiliza ao resolver problemas ou ao lidar com situaccedilotildees praacuteticas Elas fazem parte do nosso arsenal de estrateacutegias de pensamento informal que toda a pessoa inteligente deveria estar apta a empregar em qualquer situaccedilatildeo Embora possam ser desenvolvidas atraveacutes da escolarizaccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente vinculadas agrave aprendizagem de ciecircncias A organizaccedilatildeo das atividades para se conseguir tais objetivos dependeraacute do conhecimento que os estudantes jaacute possuem Por exemplo se o objetivo eacute que os alunos sem nenhum conhecimento anterior aprendam a utilizar corretamente o voltiacutemetro e o amperiacutemetro entatildeo uma atividade orientada pelo professor e baseada em um roteiro pode ser a melhor alternativa Se ao contraacuterio eles jaacute tecircm algum conhecimento em circuitos eleacutetricos provavelmente eacute melhor que eles aprendam a partir do estudo dos manuais teacutecnicos que acompanham os equipamentos

IV Alternativas para o laboratoacuterio escolar

As pesquisas sobre ensino-aprendizagem de ciecircncias produziram evidecircncias de que as crianccedilas trazem para a escola um conjunto de concepccedilotildees sobre vaacuterios aspectos do mundo mesmo antes de qualquer introduccedilatildeo agrave ciecircncia escolar Estas concepccedilotildees alternativas satildeo adquiridas a partir de sua inserccedilatildeo na cultura comum e da experiecircncia cotidiana com fenocircmenos e eventos e frequumlentemente interferem com a

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aprendizagem das ideacuteias cientiacuteficas A psicologia cognitiva tem contribuiacutedo junto com a pesquisa em ensino e aprendizagem de ciecircncias para a anaacutelise da praacutetica educacional Entretanto pela proacutepria complexidade da questatildeo o que tem sido possiacutevel fazer eacute a obtenccedilatildeo de diretrizes muito geneacutericas sobre como ensinar e como contribuir para a aprendizagem escolar o que eacute ainda muito distante das expectativas excessivamente otimistas da deacutecada de 50 (Coll 1987) Uma dessas recomendaccedilotildees a qual exprime a ideacuteia baacutesica das concepccedilotildees construtivistas a de que o aluno constroacutei seu proacuteprio conhecimento atraveacutes da accedilatildeo

eacute a de que os processos educacionais devem respeitar e favorecer a atividade do estudante e que esta deve ser o centro do processo de aprendizagem Algumas vertentes do construtivismo argumentam que qualquer atividade pedagoacutegica soacute tem valor se tiver origem no aprendiz e se este detiver pleno controle das accedilotildees para justificar uma forma de ativismo empirista Como Coll aponta

pouco importa que esta atividade consista de manipulaccedilotildees observaacuteveis ou em operaccedilotildees mentais que escapem ao observador pouco importa tambeacutem que responda total ou parcialmente agrave iniciativa do aluno ou que tenha sua origem no incentivo e nas propostas do professor O essencial eacute que se trate de uma atividade cuja organizaccedilatildeo e planejamento fique a cargo do aluno Coll (1987 p 187)

O trabalho no laboratoacuterio pode ser organizado de diversas maneiras desde demonstraccedilotildees ateacute atividades praacutetico-experimentais dirigidas diretamente pelo professor ou indiretamente atraveacutes de um roteiro Todas podem ser uacuteteis dependendo dos objetivos que o professor pretende com a realizaccedilatildeo das atividades propostas Uma alternativa que temos defendido haacute mais de uma deacutecada e mais recentemente temos investigado e utilizado com nossos alunos consiste em estruturar as atividades de laboratoacuterio como investigaccedilotildees ou problemas praacuteticos mais abertos que os alunos devem resolver sem a direccedilatildeo imposta por um roteiro fortemente estruturado ou por instruccedilotildees verbais do professor Um problema diferentemente de um exerciacutecio experimental ou de um de fim de capiacutetulo do livro-texto eacute uma situaccedilatildeo para a qual natildeo haacute uma soluccedilatildeo imediata obtida pela aplicaccedilatildeo de uma foacutermula ou algoritmo Pode natildeo existir uma soluccedilatildeo conhecida por estudantes e professores ou ateacute ocorrer que nenhuma soluccedilatildeo exata seja possiacutevel Para resolvecirc-lo tem-se que fazer idealizaccedilotildees e aproximaccedilotildees Diferentemente um exerciacutecio eacute uma situaccedilatildeo perturbadora ou incompleta mas que pode ser resolvida com base no conhecimento de quem eacute chamado a resolvecirc-lo

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Fig 1- Contiacutenuo problema-exerciacutecio

O que julgamos importante aacute chamar a atenccedilatildeo para o fato de que uma situaccedilatildeo percebida como um problema por uma pessoa pode ser entendida como um mero exerciacutecio por outra De qualquer forma para resolver um problema um estudante deve fazer mais que simplesmente lembrar-se de uma foacutermula ou de uma situaccedilatildeo similar que conseguiu resolver Nesse sentido um problema eacute um desafio proposto para o aluno e pode ser expresso em diferentes niacuteveis desde um problema completamente fechado ateacute um problema aberto (Garret 1988) No primeiro caso o problema os

procedimentos e recursos satildeo dados pelo professor livro ou roteiro ficando para o aluno a tarefa de colher dados e tirar as conclusotildees Ao contraacuterio em uma investigaccedilatildeo aberta cabe ao estudante toda a soluccedilatildeo desde a percepccedilatildeo e geraccedilatildeo do problema sua formulaccedilatildeo em uma forma suscetiacutevel de investigaccedilatildeo o planejamento do curso de suas accedilotildees a escolha dos procedimentos a seleccedilatildeo dos equipamentos e materiais a preparaccedilatildeo da montagem experimental a realizaccedilatildeo de medidas e observaccedilotildees necessaacuterias o registro dos dados em tabelas e graacuteficos a interpretaccedilatildeo dos resultados e enumeraccedilatildeo das conclusotildees A Fig 1 representa as atividades investigativas e o laboratoacuterio tradicional contrastando-os segundo trecircs aspectos o grau de abertura o objetivo da atividade e a atitude do estudante em relaccedilatildeo agrave atividade O que denominamos grau de abertura indica o quanto o professor ou o roteiro que ele fornece especifica a tarefa para o aluno

A Fig1 sugere quanto ao aspecto abertura a existecircncia de um contiacutenuo cujos extremos seriam exerciacutecios de um lado e problemas completamente abertos do outro Entre esses dois extremos que determinam quem tem o controle ou a

Aspectos Laboratoacuterio Tradicional Atividades Investigativas

Quanto ao grau de abertura

Roteiro preacute-definido

Restrito grau de abertura

Variado grau de abertura

Liberdade total no planejamento

Objetivo da Comprovar leis Explorar fenocircmenos

Atitude do estudante

Compromisso com o resultado Responsabilidade na investigaccedilatildeo

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responsabilidade por certas etapas da atividade praacutetica haacute um nuacutemero de possibilidades com divisatildeo dessas tarefas entre o professor e os estudantes Outra forma de entender essa distinccedilatildeo entre problema fechado e aberto foi proposta por Tamir (1991) baseada em estudos anteriores e mostrado na Fig2 Ele propotildee a categorizaccedilatildeo das atividades investigativas em quatro niacuteveis de acordo com a Fig2 No niacutevel 0 o qual corresponde aproximadamente ao extremo de problema fechado satildeo dados o problema os procedimentos e aquilo que se deseja observarverificar ficando a cargo dos estudantes coletar dados e confirmar ou natildeo as conclusotildees No niacutevel 1 o problema e procedimentos satildeo definidos pelo professor atraveacutes de um roteiro por exemplo Ao estudante cabe coletar os dados indicados e obter as conclusotildees No niacutevel 2 apenas a situaccedilatildeo-problema eacute dada ficando para o estudante decidir como e que dados coletar fazer as mediccedilotildees requeridas e obter conclusotildees a partir deles Finalmente no niacutevel 3

o niacutevel mais aberto de investigaccedilatildeo

o estudante deve fazer tudo desde a formulaccedilatildeo do problema ateacute chegar agraves conclusotildees

Um sistema de categorias mesmo simples como este serve como um organizador de nosso entendimento do que estaacute envolvido no grau de abertura de uma situaccedilatildeo-problema Como exemplo de um problema de niacutevel 2 considere a situaccedilatildeo a seguir que realizamos recentemente com todas as turmas do primeiro ano de ensino meacutedio trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes cada como uma atividade normal de laboratoacuterio durante o estudo de cinemaacutetica A Fig 3 reproduz o esquema apresentado aos alunos O problema foi especificado e a montagem previamente preparada mas natildeo fornecemos indicaccedilatildeo do que e como deveria ser medido portanto parecia correto nosso entendimento de que se tratava de um problema de niacutevel 2 Apoacutes uma fase raacutepida de planejamento do grupo praticamente todos decidiram por medir a altura maacutexima que a bolinha atingia ou o tempo necessaacuterio para ela atingir o ponto de maior altura A partir dos valores obtidos eles usaram uma das equaccedilotildees para movimento com aceleraccedilatildeo constante por exemplo a equaccedilatildeo de Torricelli para determinar Vo Apesar de simples a atividade propiciou discussotildees sobre como medir a altura maacutexima alcanccedilada pela bolinha a pouca acuracidade conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso com o tempo de reaccedilatildeo deles

atividade que jaacute haviam feito anteriormente) e a necessidade do experimento ser replicado Nem todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o problema dentro do periacuteodo do laboratoacuterio e recorrem ao professor ou aos seus colegas em busca de sugestotildees de procedimento Para estes grupos natildeo podemos dizer que a atividade eacute um problema de niacutevel 2 mas talvez de niacutevel 1

Um curso baseado em investigaccedilotildees apresenta a caracteriacutestica uacutenica de combinar processos conceitos e procedimentos na soluccedilatildeo de um problema Vaacuterios estudos foram realizados em nosso grupo procurando compreender as dificuldades que os estudantes com e sem experiecircncia pessoal com trabalhos praacuteticos escolares enfrentam ao formular um problema a partir de uma situaccedilatildeo proposta a eles em planejar a sua soluccedilatildeo e executar o seu planejamento Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas sugere que uma atividade aberta pode ser muito difiacutecil para estudantes sem

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conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

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duacutevida que as atividades praacuteticas podem propiciar ao estudante imagens vividas e memoraacuteveis de fenocircmenos interessantes e importantes para a compreensatildeo dos conceitos cientiacuteficos Atraveacutes delas o estudante pode ser educado para fazer mediccedilotildees corretamente e procurar relaccedilotildees entre variaacuteveis

A questatildeo que se coloca eacute o laboratoacuterio pode ter um papel mais relevante para a aprendizagem escolar Se pode de que maneira ele deve ser organizado A resposta para a primeira questatildeo eacute sem duacutevida afirmativa o laboratoacuterio pode e deve ter um papel mais relevante para a aprendizagem de ciecircncias O fato de estarmos insatisfeitos com a qualidade da aprendizagem natildeo soacute de ciecircncias sugere que todo o sistema escolar deve ser continuamente repensado Com raras exceccedilotildees natildeo se cogita a extinccedilatildeo da escola por causa de suas dificuldades Da mesma forma o que precisamos eacute encontrar novas maneiras de usar as atividades praacutetico-experimentais mais criativa e eficientemente e com propoacutesitos bem definidos mesmo sabendo que isso apenas natildeo eacute soluccedilatildeo para os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias

A ciecircncia em sua forma final se apresenta como um sistema de natureza teoacuterica Contudo eacute necessaacuterio que procuremos criar oportunidades para que o ensino experimental e o ensino teoacuterico se efetuem em concordacircncia permitindo ao estudante integrar conhecimento praacutetico e conhecimento teoacuterico Descartar a possibilidade de que os laboratoacuterios tecircm um papel importante no ensino de ciecircncias significa destituir o conhecimento cientiacutefico de seu contexto reduzindo-o a um sistema abstrato de definiccedilotildees leis e foacutermulas Muito do que se faz nas aulas de Fiacutesica em nossas escolas de ensino meacutedio e universidades assemelham-se a isso preocupando-se mais com a apresentaccedilatildeo das definiccedilotildees conceitos e foacutermulas que os alunos memorizam para resolver exerciacutecios Sem duacutevida que as teorias fiacutesicas satildeo construccedilotildees teoacutericas e expressas em forma matemaacutetica mas o conhecimento que elas carregam soacute faz sentido se nos permite compreender como o mundo funciona e porquecirc as coisas satildeo como satildeo e natildeo de outra forma Isso natildeo significa admitir que podemos adquirir uma compreensatildeo de conceitos teoacutericos atraveacutes de experimentos mas que as dimensotildees teoacuterica e empiacuterica do conhecimento cientiacutefico natildeo satildeo isoladas Natildeo se trata pois de contrapor o ensino experimental ao teoacuterico mas de encontrar formas que evitem essa fragmentaccedilatildeo no conhecimento para tornar a aprendizagem mais interessante motivadora e acessiacutevel aos estudantes

III Os objetivos do laboratoacuterio

Mesmo em locais com forte tradiccedilatildeo de ensino experimental por exemplo nos cursos superiores e cursos das escolas teacutecnicas quase nunca ocorre o planejamento sistemaacutetico das atividades com a explicitaccedilatildeo e discussatildeo dos objetivos de tal ensino A formulaccedilatildeo de um planejamento para as atividades de ensino quando existe destina-se mais a atender agraves demandas burocraacuteticas do que explicitar as diretrizes de accedilatildeo do professor e dos estudantes ao longo de um curso Assim o professor trabalha quase sempre com objetivos de ensino pouco claros e impliacutecitos confiando em sua

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experiecircncia anterior com cursos similares Com isso os estudantes natildeo percebem outros propoacutesitos para as atividades praacuteticas que natildeo os de verificar e comprovar fatos e leis cientiacuteficas Isso eacute determinante na sua compreensatildeo acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia (Hodson 1988) e tambeacutem da importacircncia que eles atribuem agraves atividades experimentais Alguns dos objetivos impliacutecitos que os professores e estudantes tradicionalmente associam aos laboratoacuterios de ciecircncias seratildeo discutidos a seguir

II1 Verificarcomprovar leis e teorias cientiacuteficas

Este objetivo eacute enganoso pois o sucesso da atividade eacute garantido de antematildeo por sua preparaccedilatildeo adequada O teste que se pretende fazer eacute em geral de um aspecto especiacutefico de uma lei ou teoria e natildeo de seus fundamentos Hodson (1988) aponta que como consequumlecircncia o estudante tende a exagerar a importacircncia de seus resultados experimentais aleacutem de originar um entendimento equivocado da relaccedilatildeo entre teoria e observaccedilatildeo Outro aspecto eacute que o estudante logo percebe que sua experiecircncia deve produzir o resultado previsto pela teoria ou que alguma regularidade deve ser encontrada Quando ele natildeo obteacutem a resposta esperada fica desconcertado com seu erro mas se percebe que o erro pode afetar suas notas ele intencionalmente corrige suas observaccedilotildees e dados para obter a resposta correta e as atividades experimentais passam a ter o caraacuteter de um jogo viciado Infelizmente este eacute daquele tipo de jogo que se aprende a jogar muito rapidamente Muitas vezes os proacuteprios professores satildeo viacutetimas desse raciociacutenio e sentem-se inseguros quando as atividades que propotildeem natildeo funcionam como esperavam passando a evitaacute-las no futuro porque natildeo datildeo certo As causas do erro natildeo satildeo investigadas e uma situaccedilatildeo potencialmente valiosa de aprendizagem se perde muitas vezes por falta de tempo Nesse sentido o que se consegue no laboratoacuterio eacute similar ao que se aprende na sala de aula onde o resultado se torna mais importante que o processo em detrimento da aprendizagem

II2 Ensinar o meacutetodo cientiacutefico

Muitas vezes o que o professor deseja eacute que o aluno aprenda ou adquira uma apreciaccedilatildeo sobre o meacutetodo cientiacutefico e a natureza da ciecircncia A compreensatildeo subjacente eacute a de que fazer ciecircncia significa descobrir fatos e leis pela aplicaccedilatildeo de um meacutetodo experimental indutivo e fazer invenccedilotildees A motivaccedilatildeo para a atividade experimental dos cientistas eacute verificar se suas proacuteprias ideacuteias estatildeo corretas Tal concepccedilatildeo assume que existe um uacutenico meacutetodo cientiacutefico que pode ser adequadamente representado como uma sequumlecircncia de etapas como um algoritmo Essa concepccedilatildeo do papel das atividades praacuteticas e as suas consequumlecircncias para a aprendizagem de ciecircncias foram discutidas por vaacuterios autores (Hodson 1986 Millar 1991 Moreira e Ostermann 1993) Ela assume que a atividade experimental eacute essencial agrave ciecircncia e que a observaccedilatildeo e a experimentaccedilatildeo fornecem dados puros verdadeiros e objetivos e por isso mesmo confiaacuteveis em vista de sua independecircncia de quaisquer ideacuteias teoacutericas do observador

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ou seja estaacute apoiada na ideacuteia de que qualquer observador natildeo tendencioso registraraacute as mesmas observaccedilotildees sobre aquela parte da realidade para a qual ele volta sua atenccedilatildeo A essecircncia daquela parte observada da realidade descortina-se e impotildee-se da mesma forma para todos os observadores com esse perfil

Haacute uma ingenuidade inerente a esse entendimento que consiste em assumir que os dados satildeo imediatos no sentido de que satildeo lidos diretamente da parcela observada do mundo e natildeo problemaacuteticos Tudo o que o cientista precisa fazer eacute selecionar quais os fenocircmenos ou aspectos da realidade deseja investigar e entatildeo aplicar o meacutetodo cientiacutefico A naturezarealidade se encarregaraacute de produzir as respostas do tipo simnatildeo para as suas indagaccedilotildees (Hodson 1986) A descoberta cientiacutefica assemelha-se assim (para usar uma analogia mais acessiacutevel) agrave descoberta de novas terras pelos navegantes de uns poucos seacuteculos atraacutes os quais treinados com uma pequena frota e tripulaccedilatildeo (ou mesmo um barco isolado) perscrutando os mares pouco navegados com olhos atentos para os indiacutecios de novas terras e ilhas como paacutessaros e raiacutezes e troncos nas aacuteguas Alguns podiam ateacute tardar em conseguir sucesso mas as terras e ilhas desconhecidas estavam laacute a espera de algum descobridor atento e destemido Esta concepccedilatildeo assume tambeacutem que os professores e estudantes percebem o propoacutesito de um experimento escolar em ciecircncias de forma clara igual e inequiacutevoca o que os conduziraacute agrave descoberta de novos fatos e leis conforme prescrito pelo roteiro de atividades

Haacute vaacuterias deacutecadas eacute amplamente questionada a ideacuteia de que a descoberta seja um processo ou um conjunto hieraacuterquico de processos loacutegicos Apesar de que os informes e relatos das descobertas cientiacuteficas especialmente como apresentado nos livros escolares e pelos meios de comunicaccedilatildeo sugiram para o leigo que as descobertas cientiacuteficas resultam do acuacutemulo de vastos conjuntos de observaccedilotildees detalhadas e repetidas acerca de um fenocircmeno segundo as prescriccedilotildees do meacutetodo cientiacutefico ou entatildeo resultem de ideacuteias inspiradas de mentes geniais o processo eacute bem diferente disso Os cientistas utilizam meacutetodos mas isso natildeo significa que haja um meacutetodo cientiacutefico que determine exatamente como fazer para produzir conhecimento O laboratoacuterio pode proporcionar excelentes oportunidades para que os estudantes testem suas proacuteprias hipoacuteteses sobre fenocircmenos particulares para que planejem suas accedilotildees e as executem de forma a produzir resultados dignos de confianccedila Para que isso seja efetivo deve-se programar atividades de explicitaccedilatildeo dessas hipoacuteteses antes da realizaccedilatildeo das atividades Faz-se tambeacutem necessaacuterio que os professores enfatizem as diferenccedilas entre os experimentos realizados no laboratoacuterio escolar com fins pedagoacutegicos e a investigaccedilatildeo empiacuterica realizada por cientistas Eacute necessaacuteria uma anaacutelise mais cuidadosa da relaccedilatildeo entre observaccedilatildeo experimento e teoria (Chalmers 1993) Aleacutem disso devem encorajar a discussatildeo aberta das limitaccedilotildees e suposiccedilotildees que permeiam cada atividade no laboratoacuterio escolar

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II3 Facilitar a aprendizagem e compreensatildeo de conceitos

Para se alcanccedilar este objetivo recomenda-se que a atividade concentre-se apenas nos aspectos desejados com um planejamento cuidadoso que considere as ideacuteias preacutevias dos estudantes a respeito da situaccedilatildeo estudada o tempo necessaacuterio para completar a atividade as habilidades requeridas e aspectos ligados agrave seguranccedila (Hodson 1988) Ao desenvolver tais atividades o professor deve ter em mente que aquilo que qualquer pessoa observa depende fortemente de seu conhecimento preacutevio e de suas expectativas (Hanson 1958 Chalmers 1993) Em um laboratoacuterio tradicional com atividades realizadas sob a orientaccedilatildeo do professor e seguindo os roteiros fornecidos pode-se acreditar que tal objetivo possa ser conseguido Mas natildeo se pode tomar como certo que se todos os membros de um grupo vecircem o mesmo fenocircmeno todos o interpretem da mesma forma ou aceitem a validade e legitimidade das observaccedilotildees (Gunstone 1991) O fato de um estudante realizar uma atividade adequadamente planejada natildeo garante que ele aprenda aquilo que era pretendido

Estas consideraccedilotildees sugerem a necessidade de atividades preacute e poacutes-laboratoacuterio para que os estudantes explicitem suas ideacuteias e expectativas e discutam o significado de suas observaccedilotildees e interpretaccedilotildees Antes de realizar a atividade praacutetica deve-se discutir com os estudantes a situaccedilatildeo ou fenocircmeno que seraacute tratado Pode-se pedir que eles escrevam suas previsotildees sobre o que deve acontecer e justificaacute-las Na fase poacutes-atividade faz-se a discussatildeo das observaccedilotildees resultados e interpretaccedilotildees obtidos tentando reconciliaacute-las com as previsotildees feitas Aqui eacute o momento de se discutir as falhas e limitaccedilotildees da atividade praacutetica (Gunstone 1991)

Uma vez que os estudantes natildeo satildeo desafiados a explorar desenvolver e avaliar as suas proacuteprias ideacuteias e os curriacuteculos de ciecircncias natildeo oferecem oportunidades para a abordagem de questotildees acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica (Carey et al 1989) A forma de trabalhar proposta proporciona o contexto adequado para a discussatildeo desse tipo de questatildeo

II4 Ensinar habilidades praacuteticas

A aquisiccedilatildeo de habilidades praacuteticas e teacutecnicas de laboratoacuterio eacute um objetivo que pode e deve ser almejado nas atividades praacuteticas Haacute entretanto um certo grau de confusatildeo sobre o que tais habilidades e teacutecnicas satildeo Para alguns trata-se de habilidades cognitivas relacionadas com os processos baacutesicos da ciecircncia Vaacuterios curriacuteculos de ciecircncias desenvolvidos nos Estados Unidos Canadaacute e Europa adotaram tal perspectiva buscando ensinar ou desenvolver certas habilidades gerais e independentes do contexto tais como fazer observaccedilotildees classificar prever formular hipoacuteteses que poderiam entatildeo ser aplicadas em outros contextos Haacute uma forte criacutetica acerca da possibilidade de transferecircncia destas habilidades entre contextos distintos da necessidade e mesmo da possibilidade de se ensinaacute-las (Millar e Driver 1987 Millar 1988)

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O argumento utilizado eacute que elas satildeo processos cognitivos gerais que as pessoas empregam desde muito cedo e que associaacute-las com os processos da ciecircncia eacute o mesmo que insistir em uma concepccedilatildeo ultrapassada da atividade cientiacutefica Como Millar e Driver (1987) argumentam pode-se desejar que as crianccedilas aprendam a observar cuidadosamente a notar detalhes a fazer observaccedilotildees relevantes Entretanto o que eacute ou natildeo relevante depende das expectativas e ideacuteias preacutevias de cada um acerca de um fenocircmeno Natildeo existe algo relevante em uma situaccedilatildeo ou fenocircmeno independentemente de quem o observa ou formula hipoacuteteses sobre ele

Millar (1988 1991) argumenta que haacute um conjunto de habilidades praacuteticas ou teacutecnicas baacutesicas de laboratoacuterio que vale a pena ser ensinado Por exemplo aprender a usar equipamentos e instrumentos especiacuteficos medir grandezas fiacutesicas e realizar pequenas montagens satildeo coisas que dificilmente o estudante tem oportunidade de aprender fora do laboratoacuterio escolar Dentro de cada laboratoacuterio haacute um conjunto baacutesico de teacutecnicas que pode ser ensinado e que forma uma base experiencial sobre a qual os estudantes podem construir um sistema de noccedilotildees que lhes permitiratildeo relacionar-se melhor com os objetos tecnoloacutegicos do cotidiano Aleacutem delas existem as chamadas teacutecnicas de investigaccedilatildeo (Millar 1991) satildeo ferramentas importantes e uacuteteis para qualquer cidadatildeo e relacionam-se com a obtenccedilatildeo de conhecimento e a sua comunicaccedilatildeo Por exemplo repetir procedimentos para aumentar a confiabilidade dos resultados obtidos aprender a colocar e a obter informaccedilatildeo de diferentes formas de representaccedilatildeo como diagramas esquemas graacuteficos tabelas etc Muitas dessas habilidades satildeo utilizadas inconscientemente por todas as pessoas e se refletem nas decisotildees e procedimentos que cada um de noacutes toma ou se utiliza ao resolver problemas ou ao lidar com situaccedilotildees praacuteticas Elas fazem parte do nosso arsenal de estrateacutegias de pensamento informal que toda a pessoa inteligente deveria estar apta a empregar em qualquer situaccedilatildeo Embora possam ser desenvolvidas atraveacutes da escolarizaccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente vinculadas agrave aprendizagem de ciecircncias A organizaccedilatildeo das atividades para se conseguir tais objetivos dependeraacute do conhecimento que os estudantes jaacute possuem Por exemplo se o objetivo eacute que os alunos sem nenhum conhecimento anterior aprendam a utilizar corretamente o voltiacutemetro e o amperiacutemetro entatildeo uma atividade orientada pelo professor e baseada em um roteiro pode ser a melhor alternativa Se ao contraacuterio eles jaacute tecircm algum conhecimento em circuitos eleacutetricos provavelmente eacute melhor que eles aprendam a partir do estudo dos manuais teacutecnicos que acompanham os equipamentos

IV Alternativas para o laboratoacuterio escolar

As pesquisas sobre ensino-aprendizagem de ciecircncias produziram evidecircncias de que as crianccedilas trazem para a escola um conjunto de concepccedilotildees sobre vaacuterios aspectos do mundo mesmo antes de qualquer introduccedilatildeo agrave ciecircncia escolar Estas concepccedilotildees alternativas satildeo adquiridas a partir de sua inserccedilatildeo na cultura comum e da experiecircncia cotidiana com fenocircmenos e eventos e frequumlentemente interferem com a

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aprendizagem das ideacuteias cientiacuteficas A psicologia cognitiva tem contribuiacutedo junto com a pesquisa em ensino e aprendizagem de ciecircncias para a anaacutelise da praacutetica educacional Entretanto pela proacutepria complexidade da questatildeo o que tem sido possiacutevel fazer eacute a obtenccedilatildeo de diretrizes muito geneacutericas sobre como ensinar e como contribuir para a aprendizagem escolar o que eacute ainda muito distante das expectativas excessivamente otimistas da deacutecada de 50 (Coll 1987) Uma dessas recomendaccedilotildees a qual exprime a ideacuteia baacutesica das concepccedilotildees construtivistas a de que o aluno constroacutei seu proacuteprio conhecimento atraveacutes da accedilatildeo

eacute a de que os processos educacionais devem respeitar e favorecer a atividade do estudante e que esta deve ser o centro do processo de aprendizagem Algumas vertentes do construtivismo argumentam que qualquer atividade pedagoacutegica soacute tem valor se tiver origem no aprendiz e se este detiver pleno controle das accedilotildees para justificar uma forma de ativismo empirista Como Coll aponta

pouco importa que esta atividade consista de manipulaccedilotildees observaacuteveis ou em operaccedilotildees mentais que escapem ao observador pouco importa tambeacutem que responda total ou parcialmente agrave iniciativa do aluno ou que tenha sua origem no incentivo e nas propostas do professor O essencial eacute que se trate de uma atividade cuja organizaccedilatildeo e planejamento fique a cargo do aluno Coll (1987 p 187)

O trabalho no laboratoacuterio pode ser organizado de diversas maneiras desde demonstraccedilotildees ateacute atividades praacutetico-experimentais dirigidas diretamente pelo professor ou indiretamente atraveacutes de um roteiro Todas podem ser uacuteteis dependendo dos objetivos que o professor pretende com a realizaccedilatildeo das atividades propostas Uma alternativa que temos defendido haacute mais de uma deacutecada e mais recentemente temos investigado e utilizado com nossos alunos consiste em estruturar as atividades de laboratoacuterio como investigaccedilotildees ou problemas praacuteticos mais abertos que os alunos devem resolver sem a direccedilatildeo imposta por um roteiro fortemente estruturado ou por instruccedilotildees verbais do professor Um problema diferentemente de um exerciacutecio experimental ou de um de fim de capiacutetulo do livro-texto eacute uma situaccedilatildeo para a qual natildeo haacute uma soluccedilatildeo imediata obtida pela aplicaccedilatildeo de uma foacutermula ou algoritmo Pode natildeo existir uma soluccedilatildeo conhecida por estudantes e professores ou ateacute ocorrer que nenhuma soluccedilatildeo exata seja possiacutevel Para resolvecirc-lo tem-se que fazer idealizaccedilotildees e aproximaccedilotildees Diferentemente um exerciacutecio eacute uma situaccedilatildeo perturbadora ou incompleta mas que pode ser resolvida com base no conhecimento de quem eacute chamado a resolvecirc-lo

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Fig 1- Contiacutenuo problema-exerciacutecio

O que julgamos importante aacute chamar a atenccedilatildeo para o fato de que uma situaccedilatildeo percebida como um problema por uma pessoa pode ser entendida como um mero exerciacutecio por outra De qualquer forma para resolver um problema um estudante deve fazer mais que simplesmente lembrar-se de uma foacutermula ou de uma situaccedilatildeo similar que conseguiu resolver Nesse sentido um problema eacute um desafio proposto para o aluno e pode ser expresso em diferentes niacuteveis desde um problema completamente fechado ateacute um problema aberto (Garret 1988) No primeiro caso o problema os

procedimentos e recursos satildeo dados pelo professor livro ou roteiro ficando para o aluno a tarefa de colher dados e tirar as conclusotildees Ao contraacuterio em uma investigaccedilatildeo aberta cabe ao estudante toda a soluccedilatildeo desde a percepccedilatildeo e geraccedilatildeo do problema sua formulaccedilatildeo em uma forma suscetiacutevel de investigaccedilatildeo o planejamento do curso de suas accedilotildees a escolha dos procedimentos a seleccedilatildeo dos equipamentos e materiais a preparaccedilatildeo da montagem experimental a realizaccedilatildeo de medidas e observaccedilotildees necessaacuterias o registro dos dados em tabelas e graacuteficos a interpretaccedilatildeo dos resultados e enumeraccedilatildeo das conclusotildees A Fig 1 representa as atividades investigativas e o laboratoacuterio tradicional contrastando-os segundo trecircs aspectos o grau de abertura o objetivo da atividade e a atitude do estudante em relaccedilatildeo agrave atividade O que denominamos grau de abertura indica o quanto o professor ou o roteiro que ele fornece especifica a tarefa para o aluno

A Fig1 sugere quanto ao aspecto abertura a existecircncia de um contiacutenuo cujos extremos seriam exerciacutecios de um lado e problemas completamente abertos do outro Entre esses dois extremos que determinam quem tem o controle ou a

Aspectos Laboratoacuterio Tradicional Atividades Investigativas

Quanto ao grau de abertura

Roteiro preacute-definido

Restrito grau de abertura

Variado grau de abertura

Liberdade total no planejamento

Objetivo da Comprovar leis Explorar fenocircmenos

Atitude do estudante

Compromisso com o resultado Responsabilidade na investigaccedilatildeo

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responsabilidade por certas etapas da atividade praacutetica haacute um nuacutemero de possibilidades com divisatildeo dessas tarefas entre o professor e os estudantes Outra forma de entender essa distinccedilatildeo entre problema fechado e aberto foi proposta por Tamir (1991) baseada em estudos anteriores e mostrado na Fig2 Ele propotildee a categorizaccedilatildeo das atividades investigativas em quatro niacuteveis de acordo com a Fig2 No niacutevel 0 o qual corresponde aproximadamente ao extremo de problema fechado satildeo dados o problema os procedimentos e aquilo que se deseja observarverificar ficando a cargo dos estudantes coletar dados e confirmar ou natildeo as conclusotildees No niacutevel 1 o problema e procedimentos satildeo definidos pelo professor atraveacutes de um roteiro por exemplo Ao estudante cabe coletar os dados indicados e obter as conclusotildees No niacutevel 2 apenas a situaccedilatildeo-problema eacute dada ficando para o estudante decidir como e que dados coletar fazer as mediccedilotildees requeridas e obter conclusotildees a partir deles Finalmente no niacutevel 3

o niacutevel mais aberto de investigaccedilatildeo

o estudante deve fazer tudo desde a formulaccedilatildeo do problema ateacute chegar agraves conclusotildees

Um sistema de categorias mesmo simples como este serve como um organizador de nosso entendimento do que estaacute envolvido no grau de abertura de uma situaccedilatildeo-problema Como exemplo de um problema de niacutevel 2 considere a situaccedilatildeo a seguir que realizamos recentemente com todas as turmas do primeiro ano de ensino meacutedio trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes cada como uma atividade normal de laboratoacuterio durante o estudo de cinemaacutetica A Fig 3 reproduz o esquema apresentado aos alunos O problema foi especificado e a montagem previamente preparada mas natildeo fornecemos indicaccedilatildeo do que e como deveria ser medido portanto parecia correto nosso entendimento de que se tratava de um problema de niacutevel 2 Apoacutes uma fase raacutepida de planejamento do grupo praticamente todos decidiram por medir a altura maacutexima que a bolinha atingia ou o tempo necessaacuterio para ela atingir o ponto de maior altura A partir dos valores obtidos eles usaram uma das equaccedilotildees para movimento com aceleraccedilatildeo constante por exemplo a equaccedilatildeo de Torricelli para determinar Vo Apesar de simples a atividade propiciou discussotildees sobre como medir a altura maacutexima alcanccedilada pela bolinha a pouca acuracidade conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso com o tempo de reaccedilatildeo deles

atividade que jaacute haviam feito anteriormente) e a necessidade do experimento ser replicado Nem todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o problema dentro do periacuteodo do laboratoacuterio e recorrem ao professor ou aos seus colegas em busca de sugestotildees de procedimento Para estes grupos natildeo podemos dizer que a atividade eacute um problema de niacutevel 2 mas talvez de niacutevel 1

Um curso baseado em investigaccedilotildees apresenta a caracteriacutestica uacutenica de combinar processos conceitos e procedimentos na soluccedilatildeo de um problema Vaacuterios estudos foram realizados em nosso grupo procurando compreender as dificuldades que os estudantes com e sem experiecircncia pessoal com trabalhos praacuteticos escolares enfrentam ao formular um problema a partir de uma situaccedilatildeo proposta a eles em planejar a sua soluccedilatildeo e executar o seu planejamento Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas sugere que uma atividade aberta pode ser muito difiacutecil para estudantes sem

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conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

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experiecircncia anterior com cursos similares Com isso os estudantes natildeo percebem outros propoacutesitos para as atividades praacuteticas que natildeo os de verificar e comprovar fatos e leis cientiacuteficas Isso eacute determinante na sua compreensatildeo acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia (Hodson 1988) e tambeacutem da importacircncia que eles atribuem agraves atividades experimentais Alguns dos objetivos impliacutecitos que os professores e estudantes tradicionalmente associam aos laboratoacuterios de ciecircncias seratildeo discutidos a seguir

II1 Verificarcomprovar leis e teorias cientiacuteficas

Este objetivo eacute enganoso pois o sucesso da atividade eacute garantido de antematildeo por sua preparaccedilatildeo adequada O teste que se pretende fazer eacute em geral de um aspecto especiacutefico de uma lei ou teoria e natildeo de seus fundamentos Hodson (1988) aponta que como consequumlecircncia o estudante tende a exagerar a importacircncia de seus resultados experimentais aleacutem de originar um entendimento equivocado da relaccedilatildeo entre teoria e observaccedilatildeo Outro aspecto eacute que o estudante logo percebe que sua experiecircncia deve produzir o resultado previsto pela teoria ou que alguma regularidade deve ser encontrada Quando ele natildeo obteacutem a resposta esperada fica desconcertado com seu erro mas se percebe que o erro pode afetar suas notas ele intencionalmente corrige suas observaccedilotildees e dados para obter a resposta correta e as atividades experimentais passam a ter o caraacuteter de um jogo viciado Infelizmente este eacute daquele tipo de jogo que se aprende a jogar muito rapidamente Muitas vezes os proacuteprios professores satildeo viacutetimas desse raciociacutenio e sentem-se inseguros quando as atividades que propotildeem natildeo funcionam como esperavam passando a evitaacute-las no futuro porque natildeo datildeo certo As causas do erro natildeo satildeo investigadas e uma situaccedilatildeo potencialmente valiosa de aprendizagem se perde muitas vezes por falta de tempo Nesse sentido o que se consegue no laboratoacuterio eacute similar ao que se aprende na sala de aula onde o resultado se torna mais importante que o processo em detrimento da aprendizagem

II2 Ensinar o meacutetodo cientiacutefico

Muitas vezes o que o professor deseja eacute que o aluno aprenda ou adquira uma apreciaccedilatildeo sobre o meacutetodo cientiacutefico e a natureza da ciecircncia A compreensatildeo subjacente eacute a de que fazer ciecircncia significa descobrir fatos e leis pela aplicaccedilatildeo de um meacutetodo experimental indutivo e fazer invenccedilotildees A motivaccedilatildeo para a atividade experimental dos cientistas eacute verificar se suas proacuteprias ideacuteias estatildeo corretas Tal concepccedilatildeo assume que existe um uacutenico meacutetodo cientiacutefico que pode ser adequadamente representado como uma sequumlecircncia de etapas como um algoritmo Essa concepccedilatildeo do papel das atividades praacuteticas e as suas consequumlecircncias para a aprendizagem de ciecircncias foram discutidas por vaacuterios autores (Hodson 1986 Millar 1991 Moreira e Ostermann 1993) Ela assume que a atividade experimental eacute essencial agrave ciecircncia e que a observaccedilatildeo e a experimentaccedilatildeo fornecem dados puros verdadeiros e objetivos e por isso mesmo confiaacuteveis em vista de sua independecircncia de quaisquer ideacuteias teoacutericas do observador

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ou seja estaacute apoiada na ideacuteia de que qualquer observador natildeo tendencioso registraraacute as mesmas observaccedilotildees sobre aquela parte da realidade para a qual ele volta sua atenccedilatildeo A essecircncia daquela parte observada da realidade descortina-se e impotildee-se da mesma forma para todos os observadores com esse perfil

Haacute uma ingenuidade inerente a esse entendimento que consiste em assumir que os dados satildeo imediatos no sentido de que satildeo lidos diretamente da parcela observada do mundo e natildeo problemaacuteticos Tudo o que o cientista precisa fazer eacute selecionar quais os fenocircmenos ou aspectos da realidade deseja investigar e entatildeo aplicar o meacutetodo cientiacutefico A naturezarealidade se encarregaraacute de produzir as respostas do tipo simnatildeo para as suas indagaccedilotildees (Hodson 1986) A descoberta cientiacutefica assemelha-se assim (para usar uma analogia mais acessiacutevel) agrave descoberta de novas terras pelos navegantes de uns poucos seacuteculos atraacutes os quais treinados com uma pequena frota e tripulaccedilatildeo (ou mesmo um barco isolado) perscrutando os mares pouco navegados com olhos atentos para os indiacutecios de novas terras e ilhas como paacutessaros e raiacutezes e troncos nas aacuteguas Alguns podiam ateacute tardar em conseguir sucesso mas as terras e ilhas desconhecidas estavam laacute a espera de algum descobridor atento e destemido Esta concepccedilatildeo assume tambeacutem que os professores e estudantes percebem o propoacutesito de um experimento escolar em ciecircncias de forma clara igual e inequiacutevoca o que os conduziraacute agrave descoberta de novos fatos e leis conforme prescrito pelo roteiro de atividades

Haacute vaacuterias deacutecadas eacute amplamente questionada a ideacuteia de que a descoberta seja um processo ou um conjunto hieraacuterquico de processos loacutegicos Apesar de que os informes e relatos das descobertas cientiacuteficas especialmente como apresentado nos livros escolares e pelos meios de comunicaccedilatildeo sugiram para o leigo que as descobertas cientiacuteficas resultam do acuacutemulo de vastos conjuntos de observaccedilotildees detalhadas e repetidas acerca de um fenocircmeno segundo as prescriccedilotildees do meacutetodo cientiacutefico ou entatildeo resultem de ideacuteias inspiradas de mentes geniais o processo eacute bem diferente disso Os cientistas utilizam meacutetodos mas isso natildeo significa que haja um meacutetodo cientiacutefico que determine exatamente como fazer para produzir conhecimento O laboratoacuterio pode proporcionar excelentes oportunidades para que os estudantes testem suas proacuteprias hipoacuteteses sobre fenocircmenos particulares para que planejem suas accedilotildees e as executem de forma a produzir resultados dignos de confianccedila Para que isso seja efetivo deve-se programar atividades de explicitaccedilatildeo dessas hipoacuteteses antes da realizaccedilatildeo das atividades Faz-se tambeacutem necessaacuterio que os professores enfatizem as diferenccedilas entre os experimentos realizados no laboratoacuterio escolar com fins pedagoacutegicos e a investigaccedilatildeo empiacuterica realizada por cientistas Eacute necessaacuteria uma anaacutelise mais cuidadosa da relaccedilatildeo entre observaccedilatildeo experimento e teoria (Chalmers 1993) Aleacutem disso devem encorajar a discussatildeo aberta das limitaccedilotildees e suposiccedilotildees que permeiam cada atividade no laboratoacuterio escolar

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II3 Facilitar a aprendizagem e compreensatildeo de conceitos

Para se alcanccedilar este objetivo recomenda-se que a atividade concentre-se apenas nos aspectos desejados com um planejamento cuidadoso que considere as ideacuteias preacutevias dos estudantes a respeito da situaccedilatildeo estudada o tempo necessaacuterio para completar a atividade as habilidades requeridas e aspectos ligados agrave seguranccedila (Hodson 1988) Ao desenvolver tais atividades o professor deve ter em mente que aquilo que qualquer pessoa observa depende fortemente de seu conhecimento preacutevio e de suas expectativas (Hanson 1958 Chalmers 1993) Em um laboratoacuterio tradicional com atividades realizadas sob a orientaccedilatildeo do professor e seguindo os roteiros fornecidos pode-se acreditar que tal objetivo possa ser conseguido Mas natildeo se pode tomar como certo que se todos os membros de um grupo vecircem o mesmo fenocircmeno todos o interpretem da mesma forma ou aceitem a validade e legitimidade das observaccedilotildees (Gunstone 1991) O fato de um estudante realizar uma atividade adequadamente planejada natildeo garante que ele aprenda aquilo que era pretendido

Estas consideraccedilotildees sugerem a necessidade de atividades preacute e poacutes-laboratoacuterio para que os estudantes explicitem suas ideacuteias e expectativas e discutam o significado de suas observaccedilotildees e interpretaccedilotildees Antes de realizar a atividade praacutetica deve-se discutir com os estudantes a situaccedilatildeo ou fenocircmeno que seraacute tratado Pode-se pedir que eles escrevam suas previsotildees sobre o que deve acontecer e justificaacute-las Na fase poacutes-atividade faz-se a discussatildeo das observaccedilotildees resultados e interpretaccedilotildees obtidos tentando reconciliaacute-las com as previsotildees feitas Aqui eacute o momento de se discutir as falhas e limitaccedilotildees da atividade praacutetica (Gunstone 1991)

Uma vez que os estudantes natildeo satildeo desafiados a explorar desenvolver e avaliar as suas proacuteprias ideacuteias e os curriacuteculos de ciecircncias natildeo oferecem oportunidades para a abordagem de questotildees acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica (Carey et al 1989) A forma de trabalhar proposta proporciona o contexto adequado para a discussatildeo desse tipo de questatildeo

II4 Ensinar habilidades praacuteticas

A aquisiccedilatildeo de habilidades praacuteticas e teacutecnicas de laboratoacuterio eacute um objetivo que pode e deve ser almejado nas atividades praacuteticas Haacute entretanto um certo grau de confusatildeo sobre o que tais habilidades e teacutecnicas satildeo Para alguns trata-se de habilidades cognitivas relacionadas com os processos baacutesicos da ciecircncia Vaacuterios curriacuteculos de ciecircncias desenvolvidos nos Estados Unidos Canadaacute e Europa adotaram tal perspectiva buscando ensinar ou desenvolver certas habilidades gerais e independentes do contexto tais como fazer observaccedilotildees classificar prever formular hipoacuteteses que poderiam entatildeo ser aplicadas em outros contextos Haacute uma forte criacutetica acerca da possibilidade de transferecircncia destas habilidades entre contextos distintos da necessidade e mesmo da possibilidade de se ensinaacute-las (Millar e Driver 1987 Millar 1988)

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O argumento utilizado eacute que elas satildeo processos cognitivos gerais que as pessoas empregam desde muito cedo e que associaacute-las com os processos da ciecircncia eacute o mesmo que insistir em uma concepccedilatildeo ultrapassada da atividade cientiacutefica Como Millar e Driver (1987) argumentam pode-se desejar que as crianccedilas aprendam a observar cuidadosamente a notar detalhes a fazer observaccedilotildees relevantes Entretanto o que eacute ou natildeo relevante depende das expectativas e ideacuteias preacutevias de cada um acerca de um fenocircmeno Natildeo existe algo relevante em uma situaccedilatildeo ou fenocircmeno independentemente de quem o observa ou formula hipoacuteteses sobre ele

Millar (1988 1991) argumenta que haacute um conjunto de habilidades praacuteticas ou teacutecnicas baacutesicas de laboratoacuterio que vale a pena ser ensinado Por exemplo aprender a usar equipamentos e instrumentos especiacuteficos medir grandezas fiacutesicas e realizar pequenas montagens satildeo coisas que dificilmente o estudante tem oportunidade de aprender fora do laboratoacuterio escolar Dentro de cada laboratoacuterio haacute um conjunto baacutesico de teacutecnicas que pode ser ensinado e que forma uma base experiencial sobre a qual os estudantes podem construir um sistema de noccedilotildees que lhes permitiratildeo relacionar-se melhor com os objetos tecnoloacutegicos do cotidiano Aleacutem delas existem as chamadas teacutecnicas de investigaccedilatildeo (Millar 1991) satildeo ferramentas importantes e uacuteteis para qualquer cidadatildeo e relacionam-se com a obtenccedilatildeo de conhecimento e a sua comunicaccedilatildeo Por exemplo repetir procedimentos para aumentar a confiabilidade dos resultados obtidos aprender a colocar e a obter informaccedilatildeo de diferentes formas de representaccedilatildeo como diagramas esquemas graacuteficos tabelas etc Muitas dessas habilidades satildeo utilizadas inconscientemente por todas as pessoas e se refletem nas decisotildees e procedimentos que cada um de noacutes toma ou se utiliza ao resolver problemas ou ao lidar com situaccedilotildees praacuteticas Elas fazem parte do nosso arsenal de estrateacutegias de pensamento informal que toda a pessoa inteligente deveria estar apta a empregar em qualquer situaccedilatildeo Embora possam ser desenvolvidas atraveacutes da escolarizaccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente vinculadas agrave aprendizagem de ciecircncias A organizaccedilatildeo das atividades para se conseguir tais objetivos dependeraacute do conhecimento que os estudantes jaacute possuem Por exemplo se o objetivo eacute que os alunos sem nenhum conhecimento anterior aprendam a utilizar corretamente o voltiacutemetro e o amperiacutemetro entatildeo uma atividade orientada pelo professor e baseada em um roteiro pode ser a melhor alternativa Se ao contraacuterio eles jaacute tecircm algum conhecimento em circuitos eleacutetricos provavelmente eacute melhor que eles aprendam a partir do estudo dos manuais teacutecnicos que acompanham os equipamentos

IV Alternativas para o laboratoacuterio escolar

As pesquisas sobre ensino-aprendizagem de ciecircncias produziram evidecircncias de que as crianccedilas trazem para a escola um conjunto de concepccedilotildees sobre vaacuterios aspectos do mundo mesmo antes de qualquer introduccedilatildeo agrave ciecircncia escolar Estas concepccedilotildees alternativas satildeo adquiridas a partir de sua inserccedilatildeo na cultura comum e da experiecircncia cotidiana com fenocircmenos e eventos e frequumlentemente interferem com a

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aprendizagem das ideacuteias cientiacuteficas A psicologia cognitiva tem contribuiacutedo junto com a pesquisa em ensino e aprendizagem de ciecircncias para a anaacutelise da praacutetica educacional Entretanto pela proacutepria complexidade da questatildeo o que tem sido possiacutevel fazer eacute a obtenccedilatildeo de diretrizes muito geneacutericas sobre como ensinar e como contribuir para a aprendizagem escolar o que eacute ainda muito distante das expectativas excessivamente otimistas da deacutecada de 50 (Coll 1987) Uma dessas recomendaccedilotildees a qual exprime a ideacuteia baacutesica das concepccedilotildees construtivistas a de que o aluno constroacutei seu proacuteprio conhecimento atraveacutes da accedilatildeo

eacute a de que os processos educacionais devem respeitar e favorecer a atividade do estudante e que esta deve ser o centro do processo de aprendizagem Algumas vertentes do construtivismo argumentam que qualquer atividade pedagoacutegica soacute tem valor se tiver origem no aprendiz e se este detiver pleno controle das accedilotildees para justificar uma forma de ativismo empirista Como Coll aponta

pouco importa que esta atividade consista de manipulaccedilotildees observaacuteveis ou em operaccedilotildees mentais que escapem ao observador pouco importa tambeacutem que responda total ou parcialmente agrave iniciativa do aluno ou que tenha sua origem no incentivo e nas propostas do professor O essencial eacute que se trate de uma atividade cuja organizaccedilatildeo e planejamento fique a cargo do aluno Coll (1987 p 187)

O trabalho no laboratoacuterio pode ser organizado de diversas maneiras desde demonstraccedilotildees ateacute atividades praacutetico-experimentais dirigidas diretamente pelo professor ou indiretamente atraveacutes de um roteiro Todas podem ser uacuteteis dependendo dos objetivos que o professor pretende com a realizaccedilatildeo das atividades propostas Uma alternativa que temos defendido haacute mais de uma deacutecada e mais recentemente temos investigado e utilizado com nossos alunos consiste em estruturar as atividades de laboratoacuterio como investigaccedilotildees ou problemas praacuteticos mais abertos que os alunos devem resolver sem a direccedilatildeo imposta por um roteiro fortemente estruturado ou por instruccedilotildees verbais do professor Um problema diferentemente de um exerciacutecio experimental ou de um de fim de capiacutetulo do livro-texto eacute uma situaccedilatildeo para a qual natildeo haacute uma soluccedilatildeo imediata obtida pela aplicaccedilatildeo de uma foacutermula ou algoritmo Pode natildeo existir uma soluccedilatildeo conhecida por estudantes e professores ou ateacute ocorrer que nenhuma soluccedilatildeo exata seja possiacutevel Para resolvecirc-lo tem-se que fazer idealizaccedilotildees e aproximaccedilotildees Diferentemente um exerciacutecio eacute uma situaccedilatildeo perturbadora ou incompleta mas que pode ser resolvida com base no conhecimento de quem eacute chamado a resolvecirc-lo

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Fig 1- Contiacutenuo problema-exerciacutecio

O que julgamos importante aacute chamar a atenccedilatildeo para o fato de que uma situaccedilatildeo percebida como um problema por uma pessoa pode ser entendida como um mero exerciacutecio por outra De qualquer forma para resolver um problema um estudante deve fazer mais que simplesmente lembrar-se de uma foacutermula ou de uma situaccedilatildeo similar que conseguiu resolver Nesse sentido um problema eacute um desafio proposto para o aluno e pode ser expresso em diferentes niacuteveis desde um problema completamente fechado ateacute um problema aberto (Garret 1988) No primeiro caso o problema os

procedimentos e recursos satildeo dados pelo professor livro ou roteiro ficando para o aluno a tarefa de colher dados e tirar as conclusotildees Ao contraacuterio em uma investigaccedilatildeo aberta cabe ao estudante toda a soluccedilatildeo desde a percepccedilatildeo e geraccedilatildeo do problema sua formulaccedilatildeo em uma forma suscetiacutevel de investigaccedilatildeo o planejamento do curso de suas accedilotildees a escolha dos procedimentos a seleccedilatildeo dos equipamentos e materiais a preparaccedilatildeo da montagem experimental a realizaccedilatildeo de medidas e observaccedilotildees necessaacuterias o registro dos dados em tabelas e graacuteficos a interpretaccedilatildeo dos resultados e enumeraccedilatildeo das conclusotildees A Fig 1 representa as atividades investigativas e o laboratoacuterio tradicional contrastando-os segundo trecircs aspectos o grau de abertura o objetivo da atividade e a atitude do estudante em relaccedilatildeo agrave atividade O que denominamos grau de abertura indica o quanto o professor ou o roteiro que ele fornece especifica a tarefa para o aluno

A Fig1 sugere quanto ao aspecto abertura a existecircncia de um contiacutenuo cujos extremos seriam exerciacutecios de um lado e problemas completamente abertos do outro Entre esses dois extremos que determinam quem tem o controle ou a

Aspectos Laboratoacuterio Tradicional Atividades Investigativas

Quanto ao grau de abertura

Roteiro preacute-definido

Restrito grau de abertura

Variado grau de abertura

Liberdade total no planejamento

Objetivo da Comprovar leis Explorar fenocircmenos

Atitude do estudante

Compromisso com o resultado Responsabilidade na investigaccedilatildeo

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responsabilidade por certas etapas da atividade praacutetica haacute um nuacutemero de possibilidades com divisatildeo dessas tarefas entre o professor e os estudantes Outra forma de entender essa distinccedilatildeo entre problema fechado e aberto foi proposta por Tamir (1991) baseada em estudos anteriores e mostrado na Fig2 Ele propotildee a categorizaccedilatildeo das atividades investigativas em quatro niacuteveis de acordo com a Fig2 No niacutevel 0 o qual corresponde aproximadamente ao extremo de problema fechado satildeo dados o problema os procedimentos e aquilo que se deseja observarverificar ficando a cargo dos estudantes coletar dados e confirmar ou natildeo as conclusotildees No niacutevel 1 o problema e procedimentos satildeo definidos pelo professor atraveacutes de um roteiro por exemplo Ao estudante cabe coletar os dados indicados e obter as conclusotildees No niacutevel 2 apenas a situaccedilatildeo-problema eacute dada ficando para o estudante decidir como e que dados coletar fazer as mediccedilotildees requeridas e obter conclusotildees a partir deles Finalmente no niacutevel 3

o niacutevel mais aberto de investigaccedilatildeo

o estudante deve fazer tudo desde a formulaccedilatildeo do problema ateacute chegar agraves conclusotildees

Um sistema de categorias mesmo simples como este serve como um organizador de nosso entendimento do que estaacute envolvido no grau de abertura de uma situaccedilatildeo-problema Como exemplo de um problema de niacutevel 2 considere a situaccedilatildeo a seguir que realizamos recentemente com todas as turmas do primeiro ano de ensino meacutedio trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes cada como uma atividade normal de laboratoacuterio durante o estudo de cinemaacutetica A Fig 3 reproduz o esquema apresentado aos alunos O problema foi especificado e a montagem previamente preparada mas natildeo fornecemos indicaccedilatildeo do que e como deveria ser medido portanto parecia correto nosso entendimento de que se tratava de um problema de niacutevel 2 Apoacutes uma fase raacutepida de planejamento do grupo praticamente todos decidiram por medir a altura maacutexima que a bolinha atingia ou o tempo necessaacuterio para ela atingir o ponto de maior altura A partir dos valores obtidos eles usaram uma das equaccedilotildees para movimento com aceleraccedilatildeo constante por exemplo a equaccedilatildeo de Torricelli para determinar Vo Apesar de simples a atividade propiciou discussotildees sobre como medir a altura maacutexima alcanccedilada pela bolinha a pouca acuracidade conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso com o tempo de reaccedilatildeo deles

atividade que jaacute haviam feito anteriormente) e a necessidade do experimento ser replicado Nem todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o problema dentro do periacuteodo do laboratoacuterio e recorrem ao professor ou aos seus colegas em busca de sugestotildees de procedimento Para estes grupos natildeo podemos dizer que a atividade eacute um problema de niacutevel 2 mas talvez de niacutevel 1

Um curso baseado em investigaccedilotildees apresenta a caracteriacutestica uacutenica de combinar processos conceitos e procedimentos na soluccedilatildeo de um problema Vaacuterios estudos foram realizados em nosso grupo procurando compreender as dificuldades que os estudantes com e sem experiecircncia pessoal com trabalhos praacuteticos escolares enfrentam ao formular um problema a partir de uma situaccedilatildeo proposta a eles em planejar a sua soluccedilatildeo e executar o seu planejamento Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas sugere que uma atividade aberta pode ser muito difiacutecil para estudantes sem

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conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

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ou seja estaacute apoiada na ideacuteia de que qualquer observador natildeo tendencioso registraraacute as mesmas observaccedilotildees sobre aquela parte da realidade para a qual ele volta sua atenccedilatildeo A essecircncia daquela parte observada da realidade descortina-se e impotildee-se da mesma forma para todos os observadores com esse perfil

Haacute uma ingenuidade inerente a esse entendimento que consiste em assumir que os dados satildeo imediatos no sentido de que satildeo lidos diretamente da parcela observada do mundo e natildeo problemaacuteticos Tudo o que o cientista precisa fazer eacute selecionar quais os fenocircmenos ou aspectos da realidade deseja investigar e entatildeo aplicar o meacutetodo cientiacutefico A naturezarealidade se encarregaraacute de produzir as respostas do tipo simnatildeo para as suas indagaccedilotildees (Hodson 1986) A descoberta cientiacutefica assemelha-se assim (para usar uma analogia mais acessiacutevel) agrave descoberta de novas terras pelos navegantes de uns poucos seacuteculos atraacutes os quais treinados com uma pequena frota e tripulaccedilatildeo (ou mesmo um barco isolado) perscrutando os mares pouco navegados com olhos atentos para os indiacutecios de novas terras e ilhas como paacutessaros e raiacutezes e troncos nas aacuteguas Alguns podiam ateacute tardar em conseguir sucesso mas as terras e ilhas desconhecidas estavam laacute a espera de algum descobridor atento e destemido Esta concepccedilatildeo assume tambeacutem que os professores e estudantes percebem o propoacutesito de um experimento escolar em ciecircncias de forma clara igual e inequiacutevoca o que os conduziraacute agrave descoberta de novos fatos e leis conforme prescrito pelo roteiro de atividades

Haacute vaacuterias deacutecadas eacute amplamente questionada a ideacuteia de que a descoberta seja um processo ou um conjunto hieraacuterquico de processos loacutegicos Apesar de que os informes e relatos das descobertas cientiacuteficas especialmente como apresentado nos livros escolares e pelos meios de comunicaccedilatildeo sugiram para o leigo que as descobertas cientiacuteficas resultam do acuacutemulo de vastos conjuntos de observaccedilotildees detalhadas e repetidas acerca de um fenocircmeno segundo as prescriccedilotildees do meacutetodo cientiacutefico ou entatildeo resultem de ideacuteias inspiradas de mentes geniais o processo eacute bem diferente disso Os cientistas utilizam meacutetodos mas isso natildeo significa que haja um meacutetodo cientiacutefico que determine exatamente como fazer para produzir conhecimento O laboratoacuterio pode proporcionar excelentes oportunidades para que os estudantes testem suas proacuteprias hipoacuteteses sobre fenocircmenos particulares para que planejem suas accedilotildees e as executem de forma a produzir resultados dignos de confianccedila Para que isso seja efetivo deve-se programar atividades de explicitaccedilatildeo dessas hipoacuteteses antes da realizaccedilatildeo das atividades Faz-se tambeacutem necessaacuterio que os professores enfatizem as diferenccedilas entre os experimentos realizados no laboratoacuterio escolar com fins pedagoacutegicos e a investigaccedilatildeo empiacuterica realizada por cientistas Eacute necessaacuteria uma anaacutelise mais cuidadosa da relaccedilatildeo entre observaccedilatildeo experimento e teoria (Chalmers 1993) Aleacutem disso devem encorajar a discussatildeo aberta das limitaccedilotildees e suposiccedilotildees que permeiam cada atividade no laboratoacuterio escolar

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II3 Facilitar a aprendizagem e compreensatildeo de conceitos

Para se alcanccedilar este objetivo recomenda-se que a atividade concentre-se apenas nos aspectos desejados com um planejamento cuidadoso que considere as ideacuteias preacutevias dos estudantes a respeito da situaccedilatildeo estudada o tempo necessaacuterio para completar a atividade as habilidades requeridas e aspectos ligados agrave seguranccedila (Hodson 1988) Ao desenvolver tais atividades o professor deve ter em mente que aquilo que qualquer pessoa observa depende fortemente de seu conhecimento preacutevio e de suas expectativas (Hanson 1958 Chalmers 1993) Em um laboratoacuterio tradicional com atividades realizadas sob a orientaccedilatildeo do professor e seguindo os roteiros fornecidos pode-se acreditar que tal objetivo possa ser conseguido Mas natildeo se pode tomar como certo que se todos os membros de um grupo vecircem o mesmo fenocircmeno todos o interpretem da mesma forma ou aceitem a validade e legitimidade das observaccedilotildees (Gunstone 1991) O fato de um estudante realizar uma atividade adequadamente planejada natildeo garante que ele aprenda aquilo que era pretendido

Estas consideraccedilotildees sugerem a necessidade de atividades preacute e poacutes-laboratoacuterio para que os estudantes explicitem suas ideacuteias e expectativas e discutam o significado de suas observaccedilotildees e interpretaccedilotildees Antes de realizar a atividade praacutetica deve-se discutir com os estudantes a situaccedilatildeo ou fenocircmeno que seraacute tratado Pode-se pedir que eles escrevam suas previsotildees sobre o que deve acontecer e justificaacute-las Na fase poacutes-atividade faz-se a discussatildeo das observaccedilotildees resultados e interpretaccedilotildees obtidos tentando reconciliaacute-las com as previsotildees feitas Aqui eacute o momento de se discutir as falhas e limitaccedilotildees da atividade praacutetica (Gunstone 1991)

Uma vez que os estudantes natildeo satildeo desafiados a explorar desenvolver e avaliar as suas proacuteprias ideacuteias e os curriacuteculos de ciecircncias natildeo oferecem oportunidades para a abordagem de questotildees acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica (Carey et al 1989) A forma de trabalhar proposta proporciona o contexto adequado para a discussatildeo desse tipo de questatildeo

II4 Ensinar habilidades praacuteticas

A aquisiccedilatildeo de habilidades praacuteticas e teacutecnicas de laboratoacuterio eacute um objetivo que pode e deve ser almejado nas atividades praacuteticas Haacute entretanto um certo grau de confusatildeo sobre o que tais habilidades e teacutecnicas satildeo Para alguns trata-se de habilidades cognitivas relacionadas com os processos baacutesicos da ciecircncia Vaacuterios curriacuteculos de ciecircncias desenvolvidos nos Estados Unidos Canadaacute e Europa adotaram tal perspectiva buscando ensinar ou desenvolver certas habilidades gerais e independentes do contexto tais como fazer observaccedilotildees classificar prever formular hipoacuteteses que poderiam entatildeo ser aplicadas em outros contextos Haacute uma forte criacutetica acerca da possibilidade de transferecircncia destas habilidades entre contextos distintos da necessidade e mesmo da possibilidade de se ensinaacute-las (Millar e Driver 1987 Millar 1988)

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O argumento utilizado eacute que elas satildeo processos cognitivos gerais que as pessoas empregam desde muito cedo e que associaacute-las com os processos da ciecircncia eacute o mesmo que insistir em uma concepccedilatildeo ultrapassada da atividade cientiacutefica Como Millar e Driver (1987) argumentam pode-se desejar que as crianccedilas aprendam a observar cuidadosamente a notar detalhes a fazer observaccedilotildees relevantes Entretanto o que eacute ou natildeo relevante depende das expectativas e ideacuteias preacutevias de cada um acerca de um fenocircmeno Natildeo existe algo relevante em uma situaccedilatildeo ou fenocircmeno independentemente de quem o observa ou formula hipoacuteteses sobre ele

Millar (1988 1991) argumenta que haacute um conjunto de habilidades praacuteticas ou teacutecnicas baacutesicas de laboratoacuterio que vale a pena ser ensinado Por exemplo aprender a usar equipamentos e instrumentos especiacuteficos medir grandezas fiacutesicas e realizar pequenas montagens satildeo coisas que dificilmente o estudante tem oportunidade de aprender fora do laboratoacuterio escolar Dentro de cada laboratoacuterio haacute um conjunto baacutesico de teacutecnicas que pode ser ensinado e que forma uma base experiencial sobre a qual os estudantes podem construir um sistema de noccedilotildees que lhes permitiratildeo relacionar-se melhor com os objetos tecnoloacutegicos do cotidiano Aleacutem delas existem as chamadas teacutecnicas de investigaccedilatildeo (Millar 1991) satildeo ferramentas importantes e uacuteteis para qualquer cidadatildeo e relacionam-se com a obtenccedilatildeo de conhecimento e a sua comunicaccedilatildeo Por exemplo repetir procedimentos para aumentar a confiabilidade dos resultados obtidos aprender a colocar e a obter informaccedilatildeo de diferentes formas de representaccedilatildeo como diagramas esquemas graacuteficos tabelas etc Muitas dessas habilidades satildeo utilizadas inconscientemente por todas as pessoas e se refletem nas decisotildees e procedimentos que cada um de noacutes toma ou se utiliza ao resolver problemas ou ao lidar com situaccedilotildees praacuteticas Elas fazem parte do nosso arsenal de estrateacutegias de pensamento informal que toda a pessoa inteligente deveria estar apta a empregar em qualquer situaccedilatildeo Embora possam ser desenvolvidas atraveacutes da escolarizaccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente vinculadas agrave aprendizagem de ciecircncias A organizaccedilatildeo das atividades para se conseguir tais objetivos dependeraacute do conhecimento que os estudantes jaacute possuem Por exemplo se o objetivo eacute que os alunos sem nenhum conhecimento anterior aprendam a utilizar corretamente o voltiacutemetro e o amperiacutemetro entatildeo uma atividade orientada pelo professor e baseada em um roteiro pode ser a melhor alternativa Se ao contraacuterio eles jaacute tecircm algum conhecimento em circuitos eleacutetricos provavelmente eacute melhor que eles aprendam a partir do estudo dos manuais teacutecnicos que acompanham os equipamentos

IV Alternativas para o laboratoacuterio escolar

As pesquisas sobre ensino-aprendizagem de ciecircncias produziram evidecircncias de que as crianccedilas trazem para a escola um conjunto de concepccedilotildees sobre vaacuterios aspectos do mundo mesmo antes de qualquer introduccedilatildeo agrave ciecircncia escolar Estas concepccedilotildees alternativas satildeo adquiridas a partir de sua inserccedilatildeo na cultura comum e da experiecircncia cotidiana com fenocircmenos e eventos e frequumlentemente interferem com a

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aprendizagem das ideacuteias cientiacuteficas A psicologia cognitiva tem contribuiacutedo junto com a pesquisa em ensino e aprendizagem de ciecircncias para a anaacutelise da praacutetica educacional Entretanto pela proacutepria complexidade da questatildeo o que tem sido possiacutevel fazer eacute a obtenccedilatildeo de diretrizes muito geneacutericas sobre como ensinar e como contribuir para a aprendizagem escolar o que eacute ainda muito distante das expectativas excessivamente otimistas da deacutecada de 50 (Coll 1987) Uma dessas recomendaccedilotildees a qual exprime a ideacuteia baacutesica das concepccedilotildees construtivistas a de que o aluno constroacutei seu proacuteprio conhecimento atraveacutes da accedilatildeo

eacute a de que os processos educacionais devem respeitar e favorecer a atividade do estudante e que esta deve ser o centro do processo de aprendizagem Algumas vertentes do construtivismo argumentam que qualquer atividade pedagoacutegica soacute tem valor se tiver origem no aprendiz e se este detiver pleno controle das accedilotildees para justificar uma forma de ativismo empirista Como Coll aponta

pouco importa que esta atividade consista de manipulaccedilotildees observaacuteveis ou em operaccedilotildees mentais que escapem ao observador pouco importa tambeacutem que responda total ou parcialmente agrave iniciativa do aluno ou que tenha sua origem no incentivo e nas propostas do professor O essencial eacute que se trate de uma atividade cuja organizaccedilatildeo e planejamento fique a cargo do aluno Coll (1987 p 187)

O trabalho no laboratoacuterio pode ser organizado de diversas maneiras desde demonstraccedilotildees ateacute atividades praacutetico-experimentais dirigidas diretamente pelo professor ou indiretamente atraveacutes de um roteiro Todas podem ser uacuteteis dependendo dos objetivos que o professor pretende com a realizaccedilatildeo das atividades propostas Uma alternativa que temos defendido haacute mais de uma deacutecada e mais recentemente temos investigado e utilizado com nossos alunos consiste em estruturar as atividades de laboratoacuterio como investigaccedilotildees ou problemas praacuteticos mais abertos que os alunos devem resolver sem a direccedilatildeo imposta por um roteiro fortemente estruturado ou por instruccedilotildees verbais do professor Um problema diferentemente de um exerciacutecio experimental ou de um de fim de capiacutetulo do livro-texto eacute uma situaccedilatildeo para a qual natildeo haacute uma soluccedilatildeo imediata obtida pela aplicaccedilatildeo de uma foacutermula ou algoritmo Pode natildeo existir uma soluccedilatildeo conhecida por estudantes e professores ou ateacute ocorrer que nenhuma soluccedilatildeo exata seja possiacutevel Para resolvecirc-lo tem-se que fazer idealizaccedilotildees e aproximaccedilotildees Diferentemente um exerciacutecio eacute uma situaccedilatildeo perturbadora ou incompleta mas que pode ser resolvida com base no conhecimento de quem eacute chamado a resolvecirc-lo

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Fig 1- Contiacutenuo problema-exerciacutecio

O que julgamos importante aacute chamar a atenccedilatildeo para o fato de que uma situaccedilatildeo percebida como um problema por uma pessoa pode ser entendida como um mero exerciacutecio por outra De qualquer forma para resolver um problema um estudante deve fazer mais que simplesmente lembrar-se de uma foacutermula ou de uma situaccedilatildeo similar que conseguiu resolver Nesse sentido um problema eacute um desafio proposto para o aluno e pode ser expresso em diferentes niacuteveis desde um problema completamente fechado ateacute um problema aberto (Garret 1988) No primeiro caso o problema os

procedimentos e recursos satildeo dados pelo professor livro ou roteiro ficando para o aluno a tarefa de colher dados e tirar as conclusotildees Ao contraacuterio em uma investigaccedilatildeo aberta cabe ao estudante toda a soluccedilatildeo desde a percepccedilatildeo e geraccedilatildeo do problema sua formulaccedilatildeo em uma forma suscetiacutevel de investigaccedilatildeo o planejamento do curso de suas accedilotildees a escolha dos procedimentos a seleccedilatildeo dos equipamentos e materiais a preparaccedilatildeo da montagem experimental a realizaccedilatildeo de medidas e observaccedilotildees necessaacuterias o registro dos dados em tabelas e graacuteficos a interpretaccedilatildeo dos resultados e enumeraccedilatildeo das conclusotildees A Fig 1 representa as atividades investigativas e o laboratoacuterio tradicional contrastando-os segundo trecircs aspectos o grau de abertura o objetivo da atividade e a atitude do estudante em relaccedilatildeo agrave atividade O que denominamos grau de abertura indica o quanto o professor ou o roteiro que ele fornece especifica a tarefa para o aluno

A Fig1 sugere quanto ao aspecto abertura a existecircncia de um contiacutenuo cujos extremos seriam exerciacutecios de um lado e problemas completamente abertos do outro Entre esses dois extremos que determinam quem tem o controle ou a

Aspectos Laboratoacuterio Tradicional Atividades Investigativas

Quanto ao grau de abertura

Roteiro preacute-definido

Restrito grau de abertura

Variado grau de abertura

Liberdade total no planejamento

Objetivo da Comprovar leis Explorar fenocircmenos

Atitude do estudante

Compromisso com o resultado Responsabilidade na investigaccedilatildeo

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responsabilidade por certas etapas da atividade praacutetica haacute um nuacutemero de possibilidades com divisatildeo dessas tarefas entre o professor e os estudantes Outra forma de entender essa distinccedilatildeo entre problema fechado e aberto foi proposta por Tamir (1991) baseada em estudos anteriores e mostrado na Fig2 Ele propotildee a categorizaccedilatildeo das atividades investigativas em quatro niacuteveis de acordo com a Fig2 No niacutevel 0 o qual corresponde aproximadamente ao extremo de problema fechado satildeo dados o problema os procedimentos e aquilo que se deseja observarverificar ficando a cargo dos estudantes coletar dados e confirmar ou natildeo as conclusotildees No niacutevel 1 o problema e procedimentos satildeo definidos pelo professor atraveacutes de um roteiro por exemplo Ao estudante cabe coletar os dados indicados e obter as conclusotildees No niacutevel 2 apenas a situaccedilatildeo-problema eacute dada ficando para o estudante decidir como e que dados coletar fazer as mediccedilotildees requeridas e obter conclusotildees a partir deles Finalmente no niacutevel 3

o niacutevel mais aberto de investigaccedilatildeo

o estudante deve fazer tudo desde a formulaccedilatildeo do problema ateacute chegar agraves conclusotildees

Um sistema de categorias mesmo simples como este serve como um organizador de nosso entendimento do que estaacute envolvido no grau de abertura de uma situaccedilatildeo-problema Como exemplo de um problema de niacutevel 2 considere a situaccedilatildeo a seguir que realizamos recentemente com todas as turmas do primeiro ano de ensino meacutedio trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes cada como uma atividade normal de laboratoacuterio durante o estudo de cinemaacutetica A Fig 3 reproduz o esquema apresentado aos alunos O problema foi especificado e a montagem previamente preparada mas natildeo fornecemos indicaccedilatildeo do que e como deveria ser medido portanto parecia correto nosso entendimento de que se tratava de um problema de niacutevel 2 Apoacutes uma fase raacutepida de planejamento do grupo praticamente todos decidiram por medir a altura maacutexima que a bolinha atingia ou o tempo necessaacuterio para ela atingir o ponto de maior altura A partir dos valores obtidos eles usaram uma das equaccedilotildees para movimento com aceleraccedilatildeo constante por exemplo a equaccedilatildeo de Torricelli para determinar Vo Apesar de simples a atividade propiciou discussotildees sobre como medir a altura maacutexima alcanccedilada pela bolinha a pouca acuracidade conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso com o tempo de reaccedilatildeo deles

atividade que jaacute haviam feito anteriormente) e a necessidade do experimento ser replicado Nem todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o problema dentro do periacuteodo do laboratoacuterio e recorrem ao professor ou aos seus colegas em busca de sugestotildees de procedimento Para estes grupos natildeo podemos dizer que a atividade eacute um problema de niacutevel 2 mas talvez de niacutevel 1

Um curso baseado em investigaccedilotildees apresenta a caracteriacutestica uacutenica de combinar processos conceitos e procedimentos na soluccedilatildeo de um problema Vaacuterios estudos foram realizados em nosso grupo procurando compreender as dificuldades que os estudantes com e sem experiecircncia pessoal com trabalhos praacuteticos escolares enfrentam ao formular um problema a partir de uma situaccedilatildeo proposta a eles em planejar a sua soluccedilatildeo e executar o seu planejamento Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas sugere que uma atividade aberta pode ser muito difiacutecil para estudantes sem

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conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

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II3 Facilitar a aprendizagem e compreensatildeo de conceitos

Para se alcanccedilar este objetivo recomenda-se que a atividade concentre-se apenas nos aspectos desejados com um planejamento cuidadoso que considere as ideacuteias preacutevias dos estudantes a respeito da situaccedilatildeo estudada o tempo necessaacuterio para completar a atividade as habilidades requeridas e aspectos ligados agrave seguranccedila (Hodson 1988) Ao desenvolver tais atividades o professor deve ter em mente que aquilo que qualquer pessoa observa depende fortemente de seu conhecimento preacutevio e de suas expectativas (Hanson 1958 Chalmers 1993) Em um laboratoacuterio tradicional com atividades realizadas sob a orientaccedilatildeo do professor e seguindo os roteiros fornecidos pode-se acreditar que tal objetivo possa ser conseguido Mas natildeo se pode tomar como certo que se todos os membros de um grupo vecircem o mesmo fenocircmeno todos o interpretem da mesma forma ou aceitem a validade e legitimidade das observaccedilotildees (Gunstone 1991) O fato de um estudante realizar uma atividade adequadamente planejada natildeo garante que ele aprenda aquilo que era pretendido

Estas consideraccedilotildees sugerem a necessidade de atividades preacute e poacutes-laboratoacuterio para que os estudantes explicitem suas ideacuteias e expectativas e discutam o significado de suas observaccedilotildees e interpretaccedilotildees Antes de realizar a atividade praacutetica deve-se discutir com os estudantes a situaccedilatildeo ou fenocircmeno que seraacute tratado Pode-se pedir que eles escrevam suas previsotildees sobre o que deve acontecer e justificaacute-las Na fase poacutes-atividade faz-se a discussatildeo das observaccedilotildees resultados e interpretaccedilotildees obtidos tentando reconciliaacute-las com as previsotildees feitas Aqui eacute o momento de se discutir as falhas e limitaccedilotildees da atividade praacutetica (Gunstone 1991)

Uma vez que os estudantes natildeo satildeo desafiados a explorar desenvolver e avaliar as suas proacuteprias ideacuteias e os curriacuteculos de ciecircncias natildeo oferecem oportunidades para a abordagem de questotildees acerca da natureza e propoacutesitos da ciecircncia e da investigaccedilatildeo cientiacutefica (Carey et al 1989) A forma de trabalhar proposta proporciona o contexto adequado para a discussatildeo desse tipo de questatildeo

II4 Ensinar habilidades praacuteticas

A aquisiccedilatildeo de habilidades praacuteticas e teacutecnicas de laboratoacuterio eacute um objetivo que pode e deve ser almejado nas atividades praacuteticas Haacute entretanto um certo grau de confusatildeo sobre o que tais habilidades e teacutecnicas satildeo Para alguns trata-se de habilidades cognitivas relacionadas com os processos baacutesicos da ciecircncia Vaacuterios curriacuteculos de ciecircncias desenvolvidos nos Estados Unidos Canadaacute e Europa adotaram tal perspectiva buscando ensinar ou desenvolver certas habilidades gerais e independentes do contexto tais como fazer observaccedilotildees classificar prever formular hipoacuteteses que poderiam entatildeo ser aplicadas em outros contextos Haacute uma forte criacutetica acerca da possibilidade de transferecircncia destas habilidades entre contextos distintos da necessidade e mesmo da possibilidade de se ensinaacute-las (Millar e Driver 1987 Millar 1988)

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O argumento utilizado eacute que elas satildeo processos cognitivos gerais que as pessoas empregam desde muito cedo e que associaacute-las com os processos da ciecircncia eacute o mesmo que insistir em uma concepccedilatildeo ultrapassada da atividade cientiacutefica Como Millar e Driver (1987) argumentam pode-se desejar que as crianccedilas aprendam a observar cuidadosamente a notar detalhes a fazer observaccedilotildees relevantes Entretanto o que eacute ou natildeo relevante depende das expectativas e ideacuteias preacutevias de cada um acerca de um fenocircmeno Natildeo existe algo relevante em uma situaccedilatildeo ou fenocircmeno independentemente de quem o observa ou formula hipoacuteteses sobre ele

Millar (1988 1991) argumenta que haacute um conjunto de habilidades praacuteticas ou teacutecnicas baacutesicas de laboratoacuterio que vale a pena ser ensinado Por exemplo aprender a usar equipamentos e instrumentos especiacuteficos medir grandezas fiacutesicas e realizar pequenas montagens satildeo coisas que dificilmente o estudante tem oportunidade de aprender fora do laboratoacuterio escolar Dentro de cada laboratoacuterio haacute um conjunto baacutesico de teacutecnicas que pode ser ensinado e que forma uma base experiencial sobre a qual os estudantes podem construir um sistema de noccedilotildees que lhes permitiratildeo relacionar-se melhor com os objetos tecnoloacutegicos do cotidiano Aleacutem delas existem as chamadas teacutecnicas de investigaccedilatildeo (Millar 1991) satildeo ferramentas importantes e uacuteteis para qualquer cidadatildeo e relacionam-se com a obtenccedilatildeo de conhecimento e a sua comunicaccedilatildeo Por exemplo repetir procedimentos para aumentar a confiabilidade dos resultados obtidos aprender a colocar e a obter informaccedilatildeo de diferentes formas de representaccedilatildeo como diagramas esquemas graacuteficos tabelas etc Muitas dessas habilidades satildeo utilizadas inconscientemente por todas as pessoas e se refletem nas decisotildees e procedimentos que cada um de noacutes toma ou se utiliza ao resolver problemas ou ao lidar com situaccedilotildees praacuteticas Elas fazem parte do nosso arsenal de estrateacutegias de pensamento informal que toda a pessoa inteligente deveria estar apta a empregar em qualquer situaccedilatildeo Embora possam ser desenvolvidas atraveacutes da escolarizaccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente vinculadas agrave aprendizagem de ciecircncias A organizaccedilatildeo das atividades para se conseguir tais objetivos dependeraacute do conhecimento que os estudantes jaacute possuem Por exemplo se o objetivo eacute que os alunos sem nenhum conhecimento anterior aprendam a utilizar corretamente o voltiacutemetro e o amperiacutemetro entatildeo uma atividade orientada pelo professor e baseada em um roteiro pode ser a melhor alternativa Se ao contraacuterio eles jaacute tecircm algum conhecimento em circuitos eleacutetricos provavelmente eacute melhor que eles aprendam a partir do estudo dos manuais teacutecnicos que acompanham os equipamentos

IV Alternativas para o laboratoacuterio escolar

As pesquisas sobre ensino-aprendizagem de ciecircncias produziram evidecircncias de que as crianccedilas trazem para a escola um conjunto de concepccedilotildees sobre vaacuterios aspectos do mundo mesmo antes de qualquer introduccedilatildeo agrave ciecircncia escolar Estas concepccedilotildees alternativas satildeo adquiridas a partir de sua inserccedilatildeo na cultura comum e da experiecircncia cotidiana com fenocircmenos e eventos e frequumlentemente interferem com a

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aprendizagem das ideacuteias cientiacuteficas A psicologia cognitiva tem contribuiacutedo junto com a pesquisa em ensino e aprendizagem de ciecircncias para a anaacutelise da praacutetica educacional Entretanto pela proacutepria complexidade da questatildeo o que tem sido possiacutevel fazer eacute a obtenccedilatildeo de diretrizes muito geneacutericas sobre como ensinar e como contribuir para a aprendizagem escolar o que eacute ainda muito distante das expectativas excessivamente otimistas da deacutecada de 50 (Coll 1987) Uma dessas recomendaccedilotildees a qual exprime a ideacuteia baacutesica das concepccedilotildees construtivistas a de que o aluno constroacutei seu proacuteprio conhecimento atraveacutes da accedilatildeo

eacute a de que os processos educacionais devem respeitar e favorecer a atividade do estudante e que esta deve ser o centro do processo de aprendizagem Algumas vertentes do construtivismo argumentam que qualquer atividade pedagoacutegica soacute tem valor se tiver origem no aprendiz e se este detiver pleno controle das accedilotildees para justificar uma forma de ativismo empirista Como Coll aponta

pouco importa que esta atividade consista de manipulaccedilotildees observaacuteveis ou em operaccedilotildees mentais que escapem ao observador pouco importa tambeacutem que responda total ou parcialmente agrave iniciativa do aluno ou que tenha sua origem no incentivo e nas propostas do professor O essencial eacute que se trate de uma atividade cuja organizaccedilatildeo e planejamento fique a cargo do aluno Coll (1987 p 187)

O trabalho no laboratoacuterio pode ser organizado de diversas maneiras desde demonstraccedilotildees ateacute atividades praacutetico-experimentais dirigidas diretamente pelo professor ou indiretamente atraveacutes de um roteiro Todas podem ser uacuteteis dependendo dos objetivos que o professor pretende com a realizaccedilatildeo das atividades propostas Uma alternativa que temos defendido haacute mais de uma deacutecada e mais recentemente temos investigado e utilizado com nossos alunos consiste em estruturar as atividades de laboratoacuterio como investigaccedilotildees ou problemas praacuteticos mais abertos que os alunos devem resolver sem a direccedilatildeo imposta por um roteiro fortemente estruturado ou por instruccedilotildees verbais do professor Um problema diferentemente de um exerciacutecio experimental ou de um de fim de capiacutetulo do livro-texto eacute uma situaccedilatildeo para a qual natildeo haacute uma soluccedilatildeo imediata obtida pela aplicaccedilatildeo de uma foacutermula ou algoritmo Pode natildeo existir uma soluccedilatildeo conhecida por estudantes e professores ou ateacute ocorrer que nenhuma soluccedilatildeo exata seja possiacutevel Para resolvecirc-lo tem-se que fazer idealizaccedilotildees e aproximaccedilotildees Diferentemente um exerciacutecio eacute uma situaccedilatildeo perturbadora ou incompleta mas que pode ser resolvida com base no conhecimento de quem eacute chamado a resolvecirc-lo

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Fig 1- Contiacutenuo problema-exerciacutecio

O que julgamos importante aacute chamar a atenccedilatildeo para o fato de que uma situaccedilatildeo percebida como um problema por uma pessoa pode ser entendida como um mero exerciacutecio por outra De qualquer forma para resolver um problema um estudante deve fazer mais que simplesmente lembrar-se de uma foacutermula ou de uma situaccedilatildeo similar que conseguiu resolver Nesse sentido um problema eacute um desafio proposto para o aluno e pode ser expresso em diferentes niacuteveis desde um problema completamente fechado ateacute um problema aberto (Garret 1988) No primeiro caso o problema os

procedimentos e recursos satildeo dados pelo professor livro ou roteiro ficando para o aluno a tarefa de colher dados e tirar as conclusotildees Ao contraacuterio em uma investigaccedilatildeo aberta cabe ao estudante toda a soluccedilatildeo desde a percepccedilatildeo e geraccedilatildeo do problema sua formulaccedilatildeo em uma forma suscetiacutevel de investigaccedilatildeo o planejamento do curso de suas accedilotildees a escolha dos procedimentos a seleccedilatildeo dos equipamentos e materiais a preparaccedilatildeo da montagem experimental a realizaccedilatildeo de medidas e observaccedilotildees necessaacuterias o registro dos dados em tabelas e graacuteficos a interpretaccedilatildeo dos resultados e enumeraccedilatildeo das conclusotildees A Fig 1 representa as atividades investigativas e o laboratoacuterio tradicional contrastando-os segundo trecircs aspectos o grau de abertura o objetivo da atividade e a atitude do estudante em relaccedilatildeo agrave atividade O que denominamos grau de abertura indica o quanto o professor ou o roteiro que ele fornece especifica a tarefa para o aluno

A Fig1 sugere quanto ao aspecto abertura a existecircncia de um contiacutenuo cujos extremos seriam exerciacutecios de um lado e problemas completamente abertos do outro Entre esses dois extremos que determinam quem tem o controle ou a

Aspectos Laboratoacuterio Tradicional Atividades Investigativas

Quanto ao grau de abertura

Roteiro preacute-definido

Restrito grau de abertura

Variado grau de abertura

Liberdade total no planejamento

Objetivo da Comprovar leis Explorar fenocircmenos

Atitude do estudante

Compromisso com o resultado Responsabilidade na investigaccedilatildeo

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responsabilidade por certas etapas da atividade praacutetica haacute um nuacutemero de possibilidades com divisatildeo dessas tarefas entre o professor e os estudantes Outra forma de entender essa distinccedilatildeo entre problema fechado e aberto foi proposta por Tamir (1991) baseada em estudos anteriores e mostrado na Fig2 Ele propotildee a categorizaccedilatildeo das atividades investigativas em quatro niacuteveis de acordo com a Fig2 No niacutevel 0 o qual corresponde aproximadamente ao extremo de problema fechado satildeo dados o problema os procedimentos e aquilo que se deseja observarverificar ficando a cargo dos estudantes coletar dados e confirmar ou natildeo as conclusotildees No niacutevel 1 o problema e procedimentos satildeo definidos pelo professor atraveacutes de um roteiro por exemplo Ao estudante cabe coletar os dados indicados e obter as conclusotildees No niacutevel 2 apenas a situaccedilatildeo-problema eacute dada ficando para o estudante decidir como e que dados coletar fazer as mediccedilotildees requeridas e obter conclusotildees a partir deles Finalmente no niacutevel 3

o niacutevel mais aberto de investigaccedilatildeo

o estudante deve fazer tudo desde a formulaccedilatildeo do problema ateacute chegar agraves conclusotildees

Um sistema de categorias mesmo simples como este serve como um organizador de nosso entendimento do que estaacute envolvido no grau de abertura de uma situaccedilatildeo-problema Como exemplo de um problema de niacutevel 2 considere a situaccedilatildeo a seguir que realizamos recentemente com todas as turmas do primeiro ano de ensino meacutedio trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes cada como uma atividade normal de laboratoacuterio durante o estudo de cinemaacutetica A Fig 3 reproduz o esquema apresentado aos alunos O problema foi especificado e a montagem previamente preparada mas natildeo fornecemos indicaccedilatildeo do que e como deveria ser medido portanto parecia correto nosso entendimento de que se tratava de um problema de niacutevel 2 Apoacutes uma fase raacutepida de planejamento do grupo praticamente todos decidiram por medir a altura maacutexima que a bolinha atingia ou o tempo necessaacuterio para ela atingir o ponto de maior altura A partir dos valores obtidos eles usaram uma das equaccedilotildees para movimento com aceleraccedilatildeo constante por exemplo a equaccedilatildeo de Torricelli para determinar Vo Apesar de simples a atividade propiciou discussotildees sobre como medir a altura maacutexima alcanccedilada pela bolinha a pouca acuracidade conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso com o tempo de reaccedilatildeo deles

atividade que jaacute haviam feito anteriormente) e a necessidade do experimento ser replicado Nem todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o problema dentro do periacuteodo do laboratoacuterio e recorrem ao professor ou aos seus colegas em busca de sugestotildees de procedimento Para estes grupos natildeo podemos dizer que a atividade eacute um problema de niacutevel 2 mas talvez de niacutevel 1

Um curso baseado em investigaccedilotildees apresenta a caracteriacutestica uacutenica de combinar processos conceitos e procedimentos na soluccedilatildeo de um problema Vaacuterios estudos foram realizados em nosso grupo procurando compreender as dificuldades que os estudantes com e sem experiecircncia pessoal com trabalhos praacuteticos escolares enfrentam ao formular um problema a partir de uma situaccedilatildeo proposta a eles em planejar a sua soluccedilatildeo e executar o seu planejamento Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas sugere que uma atividade aberta pode ser muito difiacutecil para estudantes sem

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conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

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O argumento utilizado eacute que elas satildeo processos cognitivos gerais que as pessoas empregam desde muito cedo e que associaacute-las com os processos da ciecircncia eacute o mesmo que insistir em uma concepccedilatildeo ultrapassada da atividade cientiacutefica Como Millar e Driver (1987) argumentam pode-se desejar que as crianccedilas aprendam a observar cuidadosamente a notar detalhes a fazer observaccedilotildees relevantes Entretanto o que eacute ou natildeo relevante depende das expectativas e ideacuteias preacutevias de cada um acerca de um fenocircmeno Natildeo existe algo relevante em uma situaccedilatildeo ou fenocircmeno independentemente de quem o observa ou formula hipoacuteteses sobre ele

Millar (1988 1991) argumenta que haacute um conjunto de habilidades praacuteticas ou teacutecnicas baacutesicas de laboratoacuterio que vale a pena ser ensinado Por exemplo aprender a usar equipamentos e instrumentos especiacuteficos medir grandezas fiacutesicas e realizar pequenas montagens satildeo coisas que dificilmente o estudante tem oportunidade de aprender fora do laboratoacuterio escolar Dentro de cada laboratoacuterio haacute um conjunto baacutesico de teacutecnicas que pode ser ensinado e que forma uma base experiencial sobre a qual os estudantes podem construir um sistema de noccedilotildees que lhes permitiratildeo relacionar-se melhor com os objetos tecnoloacutegicos do cotidiano Aleacutem delas existem as chamadas teacutecnicas de investigaccedilatildeo (Millar 1991) satildeo ferramentas importantes e uacuteteis para qualquer cidadatildeo e relacionam-se com a obtenccedilatildeo de conhecimento e a sua comunicaccedilatildeo Por exemplo repetir procedimentos para aumentar a confiabilidade dos resultados obtidos aprender a colocar e a obter informaccedilatildeo de diferentes formas de representaccedilatildeo como diagramas esquemas graacuteficos tabelas etc Muitas dessas habilidades satildeo utilizadas inconscientemente por todas as pessoas e se refletem nas decisotildees e procedimentos que cada um de noacutes toma ou se utiliza ao resolver problemas ou ao lidar com situaccedilotildees praacuteticas Elas fazem parte do nosso arsenal de estrateacutegias de pensamento informal que toda a pessoa inteligente deveria estar apta a empregar em qualquer situaccedilatildeo Embora possam ser desenvolvidas atraveacutes da escolarizaccedilatildeo natildeo satildeo necessariamente vinculadas agrave aprendizagem de ciecircncias A organizaccedilatildeo das atividades para se conseguir tais objetivos dependeraacute do conhecimento que os estudantes jaacute possuem Por exemplo se o objetivo eacute que os alunos sem nenhum conhecimento anterior aprendam a utilizar corretamente o voltiacutemetro e o amperiacutemetro entatildeo uma atividade orientada pelo professor e baseada em um roteiro pode ser a melhor alternativa Se ao contraacuterio eles jaacute tecircm algum conhecimento em circuitos eleacutetricos provavelmente eacute melhor que eles aprendam a partir do estudo dos manuais teacutecnicos que acompanham os equipamentos

IV Alternativas para o laboratoacuterio escolar

As pesquisas sobre ensino-aprendizagem de ciecircncias produziram evidecircncias de que as crianccedilas trazem para a escola um conjunto de concepccedilotildees sobre vaacuterios aspectos do mundo mesmo antes de qualquer introduccedilatildeo agrave ciecircncia escolar Estas concepccedilotildees alternativas satildeo adquiridas a partir de sua inserccedilatildeo na cultura comum e da experiecircncia cotidiana com fenocircmenos e eventos e frequumlentemente interferem com a

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aprendizagem das ideacuteias cientiacuteficas A psicologia cognitiva tem contribuiacutedo junto com a pesquisa em ensino e aprendizagem de ciecircncias para a anaacutelise da praacutetica educacional Entretanto pela proacutepria complexidade da questatildeo o que tem sido possiacutevel fazer eacute a obtenccedilatildeo de diretrizes muito geneacutericas sobre como ensinar e como contribuir para a aprendizagem escolar o que eacute ainda muito distante das expectativas excessivamente otimistas da deacutecada de 50 (Coll 1987) Uma dessas recomendaccedilotildees a qual exprime a ideacuteia baacutesica das concepccedilotildees construtivistas a de que o aluno constroacutei seu proacuteprio conhecimento atraveacutes da accedilatildeo

eacute a de que os processos educacionais devem respeitar e favorecer a atividade do estudante e que esta deve ser o centro do processo de aprendizagem Algumas vertentes do construtivismo argumentam que qualquer atividade pedagoacutegica soacute tem valor se tiver origem no aprendiz e se este detiver pleno controle das accedilotildees para justificar uma forma de ativismo empirista Como Coll aponta

pouco importa que esta atividade consista de manipulaccedilotildees observaacuteveis ou em operaccedilotildees mentais que escapem ao observador pouco importa tambeacutem que responda total ou parcialmente agrave iniciativa do aluno ou que tenha sua origem no incentivo e nas propostas do professor O essencial eacute que se trate de uma atividade cuja organizaccedilatildeo e planejamento fique a cargo do aluno Coll (1987 p 187)

O trabalho no laboratoacuterio pode ser organizado de diversas maneiras desde demonstraccedilotildees ateacute atividades praacutetico-experimentais dirigidas diretamente pelo professor ou indiretamente atraveacutes de um roteiro Todas podem ser uacuteteis dependendo dos objetivos que o professor pretende com a realizaccedilatildeo das atividades propostas Uma alternativa que temos defendido haacute mais de uma deacutecada e mais recentemente temos investigado e utilizado com nossos alunos consiste em estruturar as atividades de laboratoacuterio como investigaccedilotildees ou problemas praacuteticos mais abertos que os alunos devem resolver sem a direccedilatildeo imposta por um roteiro fortemente estruturado ou por instruccedilotildees verbais do professor Um problema diferentemente de um exerciacutecio experimental ou de um de fim de capiacutetulo do livro-texto eacute uma situaccedilatildeo para a qual natildeo haacute uma soluccedilatildeo imediata obtida pela aplicaccedilatildeo de uma foacutermula ou algoritmo Pode natildeo existir uma soluccedilatildeo conhecida por estudantes e professores ou ateacute ocorrer que nenhuma soluccedilatildeo exata seja possiacutevel Para resolvecirc-lo tem-se que fazer idealizaccedilotildees e aproximaccedilotildees Diferentemente um exerciacutecio eacute uma situaccedilatildeo perturbadora ou incompleta mas que pode ser resolvida com base no conhecimento de quem eacute chamado a resolvecirc-lo

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Fig 1- Contiacutenuo problema-exerciacutecio

O que julgamos importante aacute chamar a atenccedilatildeo para o fato de que uma situaccedilatildeo percebida como um problema por uma pessoa pode ser entendida como um mero exerciacutecio por outra De qualquer forma para resolver um problema um estudante deve fazer mais que simplesmente lembrar-se de uma foacutermula ou de uma situaccedilatildeo similar que conseguiu resolver Nesse sentido um problema eacute um desafio proposto para o aluno e pode ser expresso em diferentes niacuteveis desde um problema completamente fechado ateacute um problema aberto (Garret 1988) No primeiro caso o problema os

procedimentos e recursos satildeo dados pelo professor livro ou roteiro ficando para o aluno a tarefa de colher dados e tirar as conclusotildees Ao contraacuterio em uma investigaccedilatildeo aberta cabe ao estudante toda a soluccedilatildeo desde a percepccedilatildeo e geraccedilatildeo do problema sua formulaccedilatildeo em uma forma suscetiacutevel de investigaccedilatildeo o planejamento do curso de suas accedilotildees a escolha dos procedimentos a seleccedilatildeo dos equipamentos e materiais a preparaccedilatildeo da montagem experimental a realizaccedilatildeo de medidas e observaccedilotildees necessaacuterias o registro dos dados em tabelas e graacuteficos a interpretaccedilatildeo dos resultados e enumeraccedilatildeo das conclusotildees A Fig 1 representa as atividades investigativas e o laboratoacuterio tradicional contrastando-os segundo trecircs aspectos o grau de abertura o objetivo da atividade e a atitude do estudante em relaccedilatildeo agrave atividade O que denominamos grau de abertura indica o quanto o professor ou o roteiro que ele fornece especifica a tarefa para o aluno

A Fig1 sugere quanto ao aspecto abertura a existecircncia de um contiacutenuo cujos extremos seriam exerciacutecios de um lado e problemas completamente abertos do outro Entre esses dois extremos que determinam quem tem o controle ou a

Aspectos Laboratoacuterio Tradicional Atividades Investigativas

Quanto ao grau de abertura

Roteiro preacute-definido

Restrito grau de abertura

Variado grau de abertura

Liberdade total no planejamento

Objetivo da Comprovar leis Explorar fenocircmenos

Atitude do estudante

Compromisso com o resultado Responsabilidade na investigaccedilatildeo

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responsabilidade por certas etapas da atividade praacutetica haacute um nuacutemero de possibilidades com divisatildeo dessas tarefas entre o professor e os estudantes Outra forma de entender essa distinccedilatildeo entre problema fechado e aberto foi proposta por Tamir (1991) baseada em estudos anteriores e mostrado na Fig2 Ele propotildee a categorizaccedilatildeo das atividades investigativas em quatro niacuteveis de acordo com a Fig2 No niacutevel 0 o qual corresponde aproximadamente ao extremo de problema fechado satildeo dados o problema os procedimentos e aquilo que se deseja observarverificar ficando a cargo dos estudantes coletar dados e confirmar ou natildeo as conclusotildees No niacutevel 1 o problema e procedimentos satildeo definidos pelo professor atraveacutes de um roteiro por exemplo Ao estudante cabe coletar os dados indicados e obter as conclusotildees No niacutevel 2 apenas a situaccedilatildeo-problema eacute dada ficando para o estudante decidir como e que dados coletar fazer as mediccedilotildees requeridas e obter conclusotildees a partir deles Finalmente no niacutevel 3

o niacutevel mais aberto de investigaccedilatildeo

o estudante deve fazer tudo desde a formulaccedilatildeo do problema ateacute chegar agraves conclusotildees

Um sistema de categorias mesmo simples como este serve como um organizador de nosso entendimento do que estaacute envolvido no grau de abertura de uma situaccedilatildeo-problema Como exemplo de um problema de niacutevel 2 considere a situaccedilatildeo a seguir que realizamos recentemente com todas as turmas do primeiro ano de ensino meacutedio trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes cada como uma atividade normal de laboratoacuterio durante o estudo de cinemaacutetica A Fig 3 reproduz o esquema apresentado aos alunos O problema foi especificado e a montagem previamente preparada mas natildeo fornecemos indicaccedilatildeo do que e como deveria ser medido portanto parecia correto nosso entendimento de que se tratava de um problema de niacutevel 2 Apoacutes uma fase raacutepida de planejamento do grupo praticamente todos decidiram por medir a altura maacutexima que a bolinha atingia ou o tempo necessaacuterio para ela atingir o ponto de maior altura A partir dos valores obtidos eles usaram uma das equaccedilotildees para movimento com aceleraccedilatildeo constante por exemplo a equaccedilatildeo de Torricelli para determinar Vo Apesar de simples a atividade propiciou discussotildees sobre como medir a altura maacutexima alcanccedilada pela bolinha a pouca acuracidade conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso com o tempo de reaccedilatildeo deles

atividade que jaacute haviam feito anteriormente) e a necessidade do experimento ser replicado Nem todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o problema dentro do periacuteodo do laboratoacuterio e recorrem ao professor ou aos seus colegas em busca de sugestotildees de procedimento Para estes grupos natildeo podemos dizer que a atividade eacute um problema de niacutevel 2 mas talvez de niacutevel 1

Um curso baseado em investigaccedilotildees apresenta a caracteriacutestica uacutenica de combinar processos conceitos e procedimentos na soluccedilatildeo de um problema Vaacuterios estudos foram realizados em nosso grupo procurando compreender as dificuldades que os estudantes com e sem experiecircncia pessoal com trabalhos praacuteticos escolares enfrentam ao formular um problema a partir de uma situaccedilatildeo proposta a eles em planejar a sua soluccedilatildeo e executar o seu planejamento Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas sugere que uma atividade aberta pode ser muito difiacutecil para estudantes sem

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conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

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aprendizagem das ideacuteias cientiacuteficas A psicologia cognitiva tem contribuiacutedo junto com a pesquisa em ensino e aprendizagem de ciecircncias para a anaacutelise da praacutetica educacional Entretanto pela proacutepria complexidade da questatildeo o que tem sido possiacutevel fazer eacute a obtenccedilatildeo de diretrizes muito geneacutericas sobre como ensinar e como contribuir para a aprendizagem escolar o que eacute ainda muito distante das expectativas excessivamente otimistas da deacutecada de 50 (Coll 1987) Uma dessas recomendaccedilotildees a qual exprime a ideacuteia baacutesica das concepccedilotildees construtivistas a de que o aluno constroacutei seu proacuteprio conhecimento atraveacutes da accedilatildeo

eacute a de que os processos educacionais devem respeitar e favorecer a atividade do estudante e que esta deve ser o centro do processo de aprendizagem Algumas vertentes do construtivismo argumentam que qualquer atividade pedagoacutegica soacute tem valor se tiver origem no aprendiz e se este detiver pleno controle das accedilotildees para justificar uma forma de ativismo empirista Como Coll aponta

pouco importa que esta atividade consista de manipulaccedilotildees observaacuteveis ou em operaccedilotildees mentais que escapem ao observador pouco importa tambeacutem que responda total ou parcialmente agrave iniciativa do aluno ou que tenha sua origem no incentivo e nas propostas do professor O essencial eacute que se trate de uma atividade cuja organizaccedilatildeo e planejamento fique a cargo do aluno Coll (1987 p 187)

O trabalho no laboratoacuterio pode ser organizado de diversas maneiras desde demonstraccedilotildees ateacute atividades praacutetico-experimentais dirigidas diretamente pelo professor ou indiretamente atraveacutes de um roteiro Todas podem ser uacuteteis dependendo dos objetivos que o professor pretende com a realizaccedilatildeo das atividades propostas Uma alternativa que temos defendido haacute mais de uma deacutecada e mais recentemente temos investigado e utilizado com nossos alunos consiste em estruturar as atividades de laboratoacuterio como investigaccedilotildees ou problemas praacuteticos mais abertos que os alunos devem resolver sem a direccedilatildeo imposta por um roteiro fortemente estruturado ou por instruccedilotildees verbais do professor Um problema diferentemente de um exerciacutecio experimental ou de um de fim de capiacutetulo do livro-texto eacute uma situaccedilatildeo para a qual natildeo haacute uma soluccedilatildeo imediata obtida pela aplicaccedilatildeo de uma foacutermula ou algoritmo Pode natildeo existir uma soluccedilatildeo conhecida por estudantes e professores ou ateacute ocorrer que nenhuma soluccedilatildeo exata seja possiacutevel Para resolvecirc-lo tem-se que fazer idealizaccedilotildees e aproximaccedilotildees Diferentemente um exerciacutecio eacute uma situaccedilatildeo perturbadora ou incompleta mas que pode ser resolvida com base no conhecimento de quem eacute chamado a resolvecirc-lo

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Fig 1- Contiacutenuo problema-exerciacutecio

O que julgamos importante aacute chamar a atenccedilatildeo para o fato de que uma situaccedilatildeo percebida como um problema por uma pessoa pode ser entendida como um mero exerciacutecio por outra De qualquer forma para resolver um problema um estudante deve fazer mais que simplesmente lembrar-se de uma foacutermula ou de uma situaccedilatildeo similar que conseguiu resolver Nesse sentido um problema eacute um desafio proposto para o aluno e pode ser expresso em diferentes niacuteveis desde um problema completamente fechado ateacute um problema aberto (Garret 1988) No primeiro caso o problema os

procedimentos e recursos satildeo dados pelo professor livro ou roteiro ficando para o aluno a tarefa de colher dados e tirar as conclusotildees Ao contraacuterio em uma investigaccedilatildeo aberta cabe ao estudante toda a soluccedilatildeo desde a percepccedilatildeo e geraccedilatildeo do problema sua formulaccedilatildeo em uma forma suscetiacutevel de investigaccedilatildeo o planejamento do curso de suas accedilotildees a escolha dos procedimentos a seleccedilatildeo dos equipamentos e materiais a preparaccedilatildeo da montagem experimental a realizaccedilatildeo de medidas e observaccedilotildees necessaacuterias o registro dos dados em tabelas e graacuteficos a interpretaccedilatildeo dos resultados e enumeraccedilatildeo das conclusotildees A Fig 1 representa as atividades investigativas e o laboratoacuterio tradicional contrastando-os segundo trecircs aspectos o grau de abertura o objetivo da atividade e a atitude do estudante em relaccedilatildeo agrave atividade O que denominamos grau de abertura indica o quanto o professor ou o roteiro que ele fornece especifica a tarefa para o aluno

A Fig1 sugere quanto ao aspecto abertura a existecircncia de um contiacutenuo cujos extremos seriam exerciacutecios de um lado e problemas completamente abertos do outro Entre esses dois extremos que determinam quem tem o controle ou a

Aspectos Laboratoacuterio Tradicional Atividades Investigativas

Quanto ao grau de abertura

Roteiro preacute-definido

Restrito grau de abertura

Variado grau de abertura

Liberdade total no planejamento

Objetivo da Comprovar leis Explorar fenocircmenos

Atitude do estudante

Compromisso com o resultado Responsabilidade na investigaccedilatildeo

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responsabilidade por certas etapas da atividade praacutetica haacute um nuacutemero de possibilidades com divisatildeo dessas tarefas entre o professor e os estudantes Outra forma de entender essa distinccedilatildeo entre problema fechado e aberto foi proposta por Tamir (1991) baseada em estudos anteriores e mostrado na Fig2 Ele propotildee a categorizaccedilatildeo das atividades investigativas em quatro niacuteveis de acordo com a Fig2 No niacutevel 0 o qual corresponde aproximadamente ao extremo de problema fechado satildeo dados o problema os procedimentos e aquilo que se deseja observarverificar ficando a cargo dos estudantes coletar dados e confirmar ou natildeo as conclusotildees No niacutevel 1 o problema e procedimentos satildeo definidos pelo professor atraveacutes de um roteiro por exemplo Ao estudante cabe coletar os dados indicados e obter as conclusotildees No niacutevel 2 apenas a situaccedilatildeo-problema eacute dada ficando para o estudante decidir como e que dados coletar fazer as mediccedilotildees requeridas e obter conclusotildees a partir deles Finalmente no niacutevel 3

o niacutevel mais aberto de investigaccedilatildeo

o estudante deve fazer tudo desde a formulaccedilatildeo do problema ateacute chegar agraves conclusotildees

Um sistema de categorias mesmo simples como este serve como um organizador de nosso entendimento do que estaacute envolvido no grau de abertura de uma situaccedilatildeo-problema Como exemplo de um problema de niacutevel 2 considere a situaccedilatildeo a seguir que realizamos recentemente com todas as turmas do primeiro ano de ensino meacutedio trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes cada como uma atividade normal de laboratoacuterio durante o estudo de cinemaacutetica A Fig 3 reproduz o esquema apresentado aos alunos O problema foi especificado e a montagem previamente preparada mas natildeo fornecemos indicaccedilatildeo do que e como deveria ser medido portanto parecia correto nosso entendimento de que se tratava de um problema de niacutevel 2 Apoacutes uma fase raacutepida de planejamento do grupo praticamente todos decidiram por medir a altura maacutexima que a bolinha atingia ou o tempo necessaacuterio para ela atingir o ponto de maior altura A partir dos valores obtidos eles usaram uma das equaccedilotildees para movimento com aceleraccedilatildeo constante por exemplo a equaccedilatildeo de Torricelli para determinar Vo Apesar de simples a atividade propiciou discussotildees sobre como medir a altura maacutexima alcanccedilada pela bolinha a pouca acuracidade conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso com o tempo de reaccedilatildeo deles

atividade que jaacute haviam feito anteriormente) e a necessidade do experimento ser replicado Nem todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o problema dentro do periacuteodo do laboratoacuterio e recorrem ao professor ou aos seus colegas em busca de sugestotildees de procedimento Para estes grupos natildeo podemos dizer que a atividade eacute um problema de niacutevel 2 mas talvez de niacutevel 1

Um curso baseado em investigaccedilotildees apresenta a caracteriacutestica uacutenica de combinar processos conceitos e procedimentos na soluccedilatildeo de um problema Vaacuterios estudos foram realizados em nosso grupo procurando compreender as dificuldades que os estudantes com e sem experiecircncia pessoal com trabalhos praacuteticos escolares enfrentam ao formular um problema a partir de uma situaccedilatildeo proposta a eles em planejar a sua soluccedilatildeo e executar o seu planejamento Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas sugere que uma atividade aberta pode ser muito difiacutecil para estudantes sem

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conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

VI Referecircncias Bibliograacuteficas

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312 Borges A T

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WOOLNOUGH B (ed) Practical Science Milton Keynes Open University Press 1991

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Fig 1- Contiacutenuo problema-exerciacutecio

O que julgamos importante aacute chamar a atenccedilatildeo para o fato de que uma situaccedilatildeo percebida como um problema por uma pessoa pode ser entendida como um mero exerciacutecio por outra De qualquer forma para resolver um problema um estudante deve fazer mais que simplesmente lembrar-se de uma foacutermula ou de uma situaccedilatildeo similar que conseguiu resolver Nesse sentido um problema eacute um desafio proposto para o aluno e pode ser expresso em diferentes niacuteveis desde um problema completamente fechado ateacute um problema aberto (Garret 1988) No primeiro caso o problema os

procedimentos e recursos satildeo dados pelo professor livro ou roteiro ficando para o aluno a tarefa de colher dados e tirar as conclusotildees Ao contraacuterio em uma investigaccedilatildeo aberta cabe ao estudante toda a soluccedilatildeo desde a percepccedilatildeo e geraccedilatildeo do problema sua formulaccedilatildeo em uma forma suscetiacutevel de investigaccedilatildeo o planejamento do curso de suas accedilotildees a escolha dos procedimentos a seleccedilatildeo dos equipamentos e materiais a preparaccedilatildeo da montagem experimental a realizaccedilatildeo de medidas e observaccedilotildees necessaacuterias o registro dos dados em tabelas e graacuteficos a interpretaccedilatildeo dos resultados e enumeraccedilatildeo das conclusotildees A Fig 1 representa as atividades investigativas e o laboratoacuterio tradicional contrastando-os segundo trecircs aspectos o grau de abertura o objetivo da atividade e a atitude do estudante em relaccedilatildeo agrave atividade O que denominamos grau de abertura indica o quanto o professor ou o roteiro que ele fornece especifica a tarefa para o aluno

A Fig1 sugere quanto ao aspecto abertura a existecircncia de um contiacutenuo cujos extremos seriam exerciacutecios de um lado e problemas completamente abertos do outro Entre esses dois extremos que determinam quem tem o controle ou a

Aspectos Laboratoacuterio Tradicional Atividades Investigativas

Quanto ao grau de abertura

Roteiro preacute-definido

Restrito grau de abertura

Variado grau de abertura

Liberdade total no planejamento

Objetivo da Comprovar leis Explorar fenocircmenos

Atitude do estudante

Compromisso com o resultado Responsabilidade na investigaccedilatildeo

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responsabilidade por certas etapas da atividade praacutetica haacute um nuacutemero de possibilidades com divisatildeo dessas tarefas entre o professor e os estudantes Outra forma de entender essa distinccedilatildeo entre problema fechado e aberto foi proposta por Tamir (1991) baseada em estudos anteriores e mostrado na Fig2 Ele propotildee a categorizaccedilatildeo das atividades investigativas em quatro niacuteveis de acordo com a Fig2 No niacutevel 0 o qual corresponde aproximadamente ao extremo de problema fechado satildeo dados o problema os procedimentos e aquilo que se deseja observarverificar ficando a cargo dos estudantes coletar dados e confirmar ou natildeo as conclusotildees No niacutevel 1 o problema e procedimentos satildeo definidos pelo professor atraveacutes de um roteiro por exemplo Ao estudante cabe coletar os dados indicados e obter as conclusotildees No niacutevel 2 apenas a situaccedilatildeo-problema eacute dada ficando para o estudante decidir como e que dados coletar fazer as mediccedilotildees requeridas e obter conclusotildees a partir deles Finalmente no niacutevel 3

o niacutevel mais aberto de investigaccedilatildeo

o estudante deve fazer tudo desde a formulaccedilatildeo do problema ateacute chegar agraves conclusotildees

Um sistema de categorias mesmo simples como este serve como um organizador de nosso entendimento do que estaacute envolvido no grau de abertura de uma situaccedilatildeo-problema Como exemplo de um problema de niacutevel 2 considere a situaccedilatildeo a seguir que realizamos recentemente com todas as turmas do primeiro ano de ensino meacutedio trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes cada como uma atividade normal de laboratoacuterio durante o estudo de cinemaacutetica A Fig 3 reproduz o esquema apresentado aos alunos O problema foi especificado e a montagem previamente preparada mas natildeo fornecemos indicaccedilatildeo do que e como deveria ser medido portanto parecia correto nosso entendimento de que se tratava de um problema de niacutevel 2 Apoacutes uma fase raacutepida de planejamento do grupo praticamente todos decidiram por medir a altura maacutexima que a bolinha atingia ou o tempo necessaacuterio para ela atingir o ponto de maior altura A partir dos valores obtidos eles usaram uma das equaccedilotildees para movimento com aceleraccedilatildeo constante por exemplo a equaccedilatildeo de Torricelli para determinar Vo Apesar de simples a atividade propiciou discussotildees sobre como medir a altura maacutexima alcanccedilada pela bolinha a pouca acuracidade conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso com o tempo de reaccedilatildeo deles

atividade que jaacute haviam feito anteriormente) e a necessidade do experimento ser replicado Nem todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o problema dentro do periacuteodo do laboratoacuterio e recorrem ao professor ou aos seus colegas em busca de sugestotildees de procedimento Para estes grupos natildeo podemos dizer que a atividade eacute um problema de niacutevel 2 mas talvez de niacutevel 1

Um curso baseado em investigaccedilotildees apresenta a caracteriacutestica uacutenica de combinar processos conceitos e procedimentos na soluccedilatildeo de um problema Vaacuterios estudos foram realizados em nosso grupo procurando compreender as dificuldades que os estudantes com e sem experiecircncia pessoal com trabalhos praacuteticos escolares enfrentam ao formular um problema a partir de uma situaccedilatildeo proposta a eles em planejar a sua soluccedilatildeo e executar o seu planejamento Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas sugere que uma atividade aberta pode ser muito difiacutecil para estudantes sem

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conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

VI Referecircncias Bibliograacuteficas

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Cad Braacutes Ens Fiacutes v 19 n3 p291-313 dez 2002 305

responsabilidade por certas etapas da atividade praacutetica haacute um nuacutemero de possibilidades com divisatildeo dessas tarefas entre o professor e os estudantes Outra forma de entender essa distinccedilatildeo entre problema fechado e aberto foi proposta por Tamir (1991) baseada em estudos anteriores e mostrado na Fig2 Ele propotildee a categorizaccedilatildeo das atividades investigativas em quatro niacuteveis de acordo com a Fig2 No niacutevel 0 o qual corresponde aproximadamente ao extremo de problema fechado satildeo dados o problema os procedimentos e aquilo que se deseja observarverificar ficando a cargo dos estudantes coletar dados e confirmar ou natildeo as conclusotildees No niacutevel 1 o problema e procedimentos satildeo definidos pelo professor atraveacutes de um roteiro por exemplo Ao estudante cabe coletar os dados indicados e obter as conclusotildees No niacutevel 2 apenas a situaccedilatildeo-problema eacute dada ficando para o estudante decidir como e que dados coletar fazer as mediccedilotildees requeridas e obter conclusotildees a partir deles Finalmente no niacutevel 3

o niacutevel mais aberto de investigaccedilatildeo

o estudante deve fazer tudo desde a formulaccedilatildeo do problema ateacute chegar agraves conclusotildees

Um sistema de categorias mesmo simples como este serve como um organizador de nosso entendimento do que estaacute envolvido no grau de abertura de uma situaccedilatildeo-problema Como exemplo de um problema de niacutevel 2 considere a situaccedilatildeo a seguir que realizamos recentemente com todas as turmas do primeiro ano de ensino meacutedio trabalhando em grupos de 3 ou 4 estudantes cada como uma atividade normal de laboratoacuterio durante o estudo de cinemaacutetica A Fig 3 reproduz o esquema apresentado aos alunos O problema foi especificado e a montagem previamente preparada mas natildeo fornecemos indicaccedilatildeo do que e como deveria ser medido portanto parecia correto nosso entendimento de que se tratava de um problema de niacutevel 2 Apoacutes uma fase raacutepida de planejamento do grupo praticamente todos decidiram por medir a altura maacutexima que a bolinha atingia ou o tempo necessaacuterio para ela atingir o ponto de maior altura A partir dos valores obtidos eles usaram uma das equaccedilotildees para movimento com aceleraccedilatildeo constante por exemplo a equaccedilatildeo de Torricelli para determinar Vo Apesar de simples a atividade propiciou discussotildees sobre como medir a altura maacutexima alcanccedilada pela bolinha a pouca acuracidade conseguida na medida do tempo (eles facilmente conectaram isso com o tempo de reaccedilatildeo deles

atividade que jaacute haviam feito anteriormente) e a necessidade do experimento ser replicado Nem todos os grupos conseguem imaginar um caminho para solucionar o problema dentro do periacuteodo do laboratoacuterio e recorrem ao professor ou aos seus colegas em busca de sugestotildees de procedimento Para estes grupos natildeo podemos dizer que a atividade eacute um problema de niacutevel 2 mas talvez de niacutevel 1

Um curso baseado em investigaccedilotildees apresenta a caracteriacutestica uacutenica de combinar processos conceitos e procedimentos na soluccedilatildeo de um problema Vaacuterios estudos foram realizados em nosso grupo procurando compreender as dificuldades que os estudantes com e sem experiecircncia pessoal com trabalhos praacuteticos escolares enfrentam ao formular um problema a partir de uma situaccedilatildeo proposta a eles em planejar a sua soluccedilatildeo e executar o seu planejamento Nosso aprendizado a partir dessas pesquisas sugere que uma atividade aberta pode ser muito difiacutecil para estudantes sem

306 Borges A T

conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

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MOREIRA M A OSTERMANN F Sobre o ensino do meacutetodo cientiacutefico Caderno Catarinense de Ensino de Fiacutesica v 10 n 2 p108-117 1993

MURPHY P Insights into pupils responses to practical investigations from the APU Physics Education v23 p331-336 1988

OCDE The OCDE Programme for International Student Assessment Pisa 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwPisaOCDEorggt

Cad Braacutes Ens Fiacutes v 19 n3 p291-313 dez 2002 313

TAMIR P Training teachers to teach effectively in the laboratory Science Edu-cation v 73 p59-70 1989

TAMIR P Practical work at school An analysis of current practice In WOOL-NOUGH B (ed) Practical Science Milton Keynes Open University Press 1991

THORNTON R K Tools for scientific thinking microcomputer-based laboratories for physics teaching Physics Education v22 p230-238 1987

WHITE R F The link between the laboratory and learning International Journal of Science Education v18 n 7 p761-774 1996

WOOLNOUGH B (ed) Practical Science Milton Keynes Open University Press 1991

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conhecimento de conteuacutedo e sem experiecircncia anterior com laboratoacuterio No entanto temos evidecircncias de que os estudantes mesmo sem conhecimento especiacutefico sofisticado e experiecircncia com aulas de laboratoacuterio conseguem formular problemas mais simples e planejar a sua soluccedilatildeo em laboratoacuterio

Niacutevel de Investigaccedilatildeo

Problemas Procedimentos

Conclusotildees

Niacutevel 0 Dados Dados Dados

Niacutevel 1 Dados Dados Em aberto

Niacutevel 2 Dados Em aberto Em aberto

Niacutevel 3 Em aberto Em aberto Em aberto

Fig2- Niacuteveis de investigaccedilatildeo no laboratoacuterio de ciecircncias

O entendimento e formulaccedilatildeo do problema satildeo as atividades que mais exigem dos alunos que muitas vezes soacute conseguem entender o que devem fazer e formular o problema de maneira mais ou menos clara depois de passar vaacuterias vezes pelas mesmas etapas De qualquer forma o processo todo de formulaccedilatildeo planejamento e soluccedilatildeo natildeo parece ser linear Apesar de demandar atenccedilatildeo e auxiacutelio do professor essa forma de organizaccedilatildeo da atividade praacutetica captura a atenccedilatildeo dos estudantes e melhora seu envolvimento com a atividade Durante as etapas de resoluccedilatildeo do problema haacute ciclos de realimentaccedilatildeo para as etapas anteriores vindas da percepccedilatildeo da necessidade de mudanccedilas no planejamento na formulaccedilatildeo do problema ou nas teacutecnicas experimentais utilizadas Nossos estudos anteriores com alunos conduzindo atividades investigativas produziram evidecircncias de que estas etapas natildeo ocorrem sequumlencialmente e independentemente umas das outras mas que ao contraacuterio elas acontecem concomitantemente e de forma recursiva conforme ilustra a figura 4 abaixo Isso nos alerta para o fato de que ao investigar como os alunos resolvem problemas e desafios natildeo devemos esperar reconhecer estas etapas nitidamente nem observar progressos raacutepidos e espetaculares em seu desempenho e em sua autonomia Podemos nos perguntar se vale o esforccedilo continuamos acreditando que sim mas natildeo nos iludamos pois ensinar e aprender a pensar criticamente eacute difiacutecil e requer tempo

Baseado nisso sugerimos que as investigaccedilotildees devam ser inicialmente simples e feitas em pequenos grupos embora com um sentido claro de progressatildeo ao longo do curso Idealmente deveriam ser introduzidas jaacute no ensino fundamental Nossos dados de pesquisa sugerem que alunos de sexta seacuterie em diante estatildeo aptos a realizar atividades desse tipo A programaccedilatildeo de atividades deve tambeacutem levar em conta tanto

Cad Braacutes Ens Fiacutes v 19 n3 p291-313 dez 2002 307

sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

308 Borges A T

determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

VI Referecircncias Bibliograacuteficas

BYBEE R W DEBOER G E Research on goals for the science curriculum In GABEL D L (ed) Handbook of Research on Science Teaching and Learning National Science Teachers Association New York McMillan Pub 1996 p357-387

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CHALMERS A F O que eacute a ciecircncia afinal Satildeo Paulo Brasiliense 1993

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MURPHY P Insights into pupils responses to practical investigations from the APU Physics Education v23 p331-336 1988

OCDE The OCDE Programme for International Student Assessment Pisa 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwPisaOCDEorggt

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sua experiecircncia com atividades do mesmo tipo como o conhecimento dos alunos referente ao toacutepico a ser investigado Quando este for pouco conhecido pode-se recorrer a consultas a livros ou a materiais especialmente preparados para apresentaacute-lo aos estudantes O professor atua como um mediador entre o grupo e a tarefa intervindo nos momentos em que haacute indecisatildeo falta de clareza ou consenso Seu objetivo deve ser deixar que o grupo progressivamente assuma maior controle sobre sua atividade Entretanto e principalmente ao iniciar cada tema novo o professor deve monitorar mais cuidadosamente o progresso dos grupos Essa eacute uma atividade que demanda muito esforccedilo do professor especialmente se haacute muitos grupos em sua turma

Desafio praacutetico

Um lanccedilador de projeacuteteis consistindo de uma mola comprimida por um ecircmbolo dentro de um tubo de pvc como o mostrado ao lado lanccedila uma pequena bola verticalmente para cima com uma velocidade inicial V0 Como vocecirc faria para determinar essa velocidade inicial Planeje um experimento que lhe permita fazer isto

Utilize a montagem do lanccedilador de projeacuteteis e faccedila as medidas que julgar necessaacuterias para resolver esse problema Escreva em seu relatoacuterio o procedimento utilizado os valores das medidas que vocecirc fez e o valor encontrado para a velocidade inicial

Fig 3- Exemplo de um problema para estudantes do 1o ano do ensino meacutedio

Defendemos que essas abordagens deveriam ser adotadas na formaccedilatildeo de professores Os licenciandos precisam exercitar o planejamento a preparaccedilatildeo e a execuccedilatildeo de atividades mais abertas se desejamos que eles venham a adotaacute-las em suas aulas no futuro Como exemplo considere o problema de determinar que tipo de material de um dado conjunto eacute melhor para confecccedilatildeo de roupas de frio Uma maneira de resolver o problema seria envolver um recipiente contendo uma certa quantidade de aacutegua gelada com amostras de cada um dos materiais do conjunto especificado e determinar o tempo gasto para a temperatura da aacutegua subir ateacute um determinado valor como consequumlecircncia da troca de calor com o ambiente em volta Dessa forma estaacute se

308 Borges A T

determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

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frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

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equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

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MOREIRA M A OSTERMANN F Sobre o ensino do meacutetodo cientiacutefico Caderno Catarinense de Ensino de Fiacutesica v 10 n 2 p108-117 1993

MURPHY P Insights into pupils responses to practical investigations from the APU Physics Education v23 p331-336 1988

OCDE The OCDE Programme for International Student Assessment Pisa 2001 Disponiacutevel em lthttpwwwPisaOCDEorggt

Cad Braacutes Ens Fiacutes v 19 n3 p291-313 dez 2002 313

TAMIR P Training teachers to teach effectively in the laboratory Science Edu-cation v 73 p59-70 1989

TAMIR P Practical work at school An analysis of current practice In WOOL-NOUGH B (ed) Practical Science Milton Keynes Open University Press 1991

THORNTON R K Tools for scientific thinking microcomputer-based laboratories for physics teaching Physics Education v22 p230-238 1987

WHITE R F The link between the laboratory and learning International Journal of Science Education v18 n 7 p761-774 1996

WOOLNOUGH B (ed) Practical Science Milton Keynes Open University Press 1991

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determinando que material fornece a melhor isolaccedilatildeo teacutermica Os estudantes podem no entanto interpretar isso em termos de concepccedilotildees alternativas concluindo que naquele caso em que a temperatura da aacutegua subir ateacute o valor desejado mais rapidamente eacute que se tem o melhor material isto eacute o material que aquece mais Foi exatamente o que aconteceu quando propusemos a uma turma de professores de ciecircncias em uma disciplina de um curso de especializaccedilatildeo que pensassem como este problema poderia ser solucionado Eles chegaram agrave mesma soluccedilatildeo errada embora muito comum pois estaacute em acordo com as concepccedilotildees preacutevias dos alunos e deles proacuteprios Ao serem questionados sobre o significado das conclusotildees que um aluno poderia formular a partir dos resultados conseguidos dessa forma os professores perceberam a inadequaccedilatildeo do procedimento para uso na sala de aula As discussotildees que se seguiram visando a modificaccedilatildeo do procedimento para evitar a possibilidade de reforccedilar as concepccedilotildees iniciais dos estudantes foram ricas e fizeram emergir algumas das dificuldades dos proacuteprios professores tanto com o toacutepico quanto com o planejamento de atividades de laboratoacuterio

Uma mudanccedila na maneira de resolver o problema tornou-se necessaacuteria repetir o procedimento mas agora comeccedilando com aacutegua da torneira agrave temperatura ambiente em lugar de aacutegua gelada A seguir repetiu-se o procedimento utilizando aacutegua quente e medindo-se quanto tempo eacute necessaacuterio em cada caso para a temperatura cair por exemplo de dez graus Essas modificaccedilotildees forneceram muitas oportunidades para se discutir as concepccedilotildees preacutevias dos estudantes sobre o fenocircmeno investigado e avaliar as possiacuteveis soluccedilotildees para o problema

Outras alternativas que tecircm o potencial de propiciar aos estudantes atividades relevantes e motivadoras que os desafiem a utilizar suas habilidades cognitivas para construiacuterem modelos mais robustos capazes de dar sentido agraves suas experiecircncias com o mundo envolve o uso de simulaccedilotildees em computador e os laboratoacuterios investigativos baseados em computadores combinados com sensores de vaacuterios tipos O computador natildeo eacute usado apenas como uma ferramenta convencional para exibir animaccedilotildees fazer graacuteficos e para o tratamento estatiacutestico de dados observacionais mas com interfaces apropriadas para a aquisiccedilatildeo e exibiccedilatildeo de dados em tempo real Sistemas desse tipo satildeo usados em algumas escolas exatamente como os equipamentos tradicionais a pouca novidade fica por conta do uso dos equipamentos de alta tecnologia Em princiacutepio um sistema desse tipo natildeo determina o que deve ser investigado nem os passos de uma investigaccedilatildeo mas temos defendido que pode mudar o papel do estudante se as atividades forem pensadas de forma adequada Em um laboratoacuterio investigativo baseado em microcomputador a coleta de dados pode ser feita em tempo real de forma raacutepida e pode ser repetida muitas vezes se necessaacuterio Em situaccedilotildees que a coleta de dados eacute lenta com material convencional (por exemplo coletar dados de intensidade da corrente ou diferenccedila de potencial durante a carga ou descarga de um capacitor ou construir uma tabela de posiccedilatildeo em funccedilatildeo do tempo para um dado movimento) ela pode ser feita raacutepida e facilmente com a aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados

Cad Braacutes Ens Fiacutes v 19 n3 p291-313 dez 2002 309

Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

310 Borges A T

frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

Cad Braacutes Ens Fiacutes v 19 n3 p291-313 dez 2002 311

equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

VI Referecircncias Bibliograacuteficas

BYBEE R W DEBOER G E Research on goals for the science curriculum In GABEL D L (ed) Handbook of Research on Science Teaching and Learning National Science Teachers Association New York McMillan Pub 1996 p357-387

CAREY S et al An experiment is when you try it and see if works International

Journal of Science education v 11 n5 p514-529 1989

CHALMERS A F O que eacute a ciecircncia afinal Satildeo Paulo Brasiliense 1993

COLL C As contribuiccedilotildees da psicologia para a educaccedilatildeo Teoria geneacutetica e aprendizagem escolar In LEITE L B MEDEIROS A A (org) Piaget e a Escola de Genebra Satildeo Paulo Cortez 1987 p164-197

GAGNEacute R M The Conditions of Learning New York Holt Rinehart and Winston 1970

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312 Borges A T

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HODSON D The nature of scientific observation School Science Review v 68 p 17-29 1986

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LINN M C LAYMAN J W NACHMIAS R Cognitive consequences of mi-crocomputer-based laboratories graphing skills development Contemporary Edu-cational Psychology v12 n3 p 244-253 1987

LINN M C SONGER N B LEWIS E L STERN J Using technology to teach thermodynamics achieving integrated understanding In FERGUSSON D L (ed) Advanced educational technologies for mathematics and science Berlin Springer-Verlag 1993 p5-60

MEC PCN Ensino Meacutedio Brasiacutelia SEMTECMEC 1999

MILLAR R DRIVER R Beyond processes Studies in Science Education v14 p 33-62 1987

MILLAR R A means to an end the role of process in science education In WOOL-NOUGH B (ed) Practical Science Milton Keynes Open University Press 1991 p 43-52

MOREIRA M A OSTERMANN F Sobre o ensino do meacutetodo cientiacutefico Caderno Catarinense de Ensino de Fiacutesica v 10 n 2 p108-117 1993

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Cad Braacutes Ens Fiacutes v 19 n3 p291-313 dez 2002 313

TAMIR P Training teachers to teach effectively in the laboratory Science Edu-cation v 73 p59-70 1989

TAMIR P Practical work at school An analysis of current practice In WOOL-NOUGH B (ed) Practical Science Milton Keynes Open University Press 1991

THORNTON R K Tools for scientific thinking microcomputer-based laboratories for physics teaching Physics Education v22 p230-238 1987

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WOOLNOUGH B (ed) Practical Science Milton Keynes Open University Press 1991

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Fig 4- Esquema de soluccedilatildeo de um problema

Atualmente haacute interfaces para ambiente Windows e calculadoras de bolso aleacutem de uma variedade enorme de sensores para detectar e medir a temperatura velocidade posiccedilatildeo aceleraccedilatildeo forccedila pressatildeo intensidade luminosa condutividade teacutermica umidade relativa do ar pressatildeo sanguumliacutenea pH e vaacuterias outras grandezas Nos uacuteltimos anos o custo desses equipamentos caiu muito e eles passaram a ser alternativas competitivas com os equipamentos convencionais de laboratoacuterio Os softwares de controle dispotildeem de muitos recursos tais como exibiccedilatildeo automaacutetica de diferentes formas de graacuteficos controle da interface via software ajustes de escalas tabelas recursos de ajuste de curvas a um conjunto de pontos entre outros Nossa experiecircncia indica que os estudantes aprendem rapidamente a usar os recursos baacutesicos do sistema O uso de laboratoacuterio baseado em computador permite que o estudante possa deixar de dedicar tanto tempo agrave coleta e apresentaccedilatildeo dos dados com isso ele dispotildee de mais tempo para o controle de outras partes do processo como o planejamento da atividade a seleccedilatildeo do que medir execuccedilatildeo da investigaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo e avaliaccedilatildeo dos resultados Aleacutem disso esses recursos permitem a execuccedilatildeo de investigaccedilotildees em tempo real bem como a pronta alteraccedilatildeo do planejamento caso seja necessaacuterio o que

310 Borges A T

frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

Cad Braacutes Ens Fiacutes v 19 n3 p291-313 dez 2002 311

equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

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MILLAR R A means to an end the role of process in science education In WOOL-NOUGH B (ed) Practical Science Milton Keynes Open University Press 1991 p 43-52

MOREIRA M A OSTERMANN F Sobre o ensino do meacutetodo cientiacutefico Caderno Catarinense de Ensino de Fiacutesica v 10 n 2 p108-117 1993

MURPHY P Insights into pupils responses to practical investigations from the APU Physics Education v23 p331-336 1988

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310 Borges A T

frequumlentemente eacute o caso numa investigaccedilatildeo Possibilitam tambeacutem que situaccedilotildees mais complexas como por exemplo as que envolvem grande nuacutemero de variaacuteveis ou as que acontecem muito rapidamente para serem observadas por meios convencionais possam ser estudadas no laboratoacuterio sob diferentes condiccedilotildees

A posiccedilatildeo que defendemos natildeo eacute a de mera adesatildeo a um modismo ou a de investir em aquisiccedilatildeo automaacutetica de dados por causa do apelo das novas tecnologias A mera escolha de equipamentos alternativos ou o uso de laboratoacuterios baseados em computador natildeo resolve os problemas relacionados com a aprendizagem de ciecircncias a partir de atividades praacutetico-experimentais A clareza sobre o que se pretende conseguir com o uso do laboratoacuterio orientada pela pesquisa educacional continua sendo tatildeo importante quanto o eacute no laboratoacuterio convencional Nosso ponto central eacute mesmo onde as atividades praacuteticas satildeo comuns onde jaacute existe uma tradiccedilatildeo de aulas de laboratoacuterio em geral acabam se tornando improdutivas ou rotineiras pois o curriacuteculo propotildee metas natildeo factiacuteveis para o laboratoacuterio escolar Aleacutem disso quase sempre o manuseio dos objetos e equipamentos e a coleta de dados passam a ser vistos por professores e alunos como as atividades mais importantes Sobra muito pouco tempo e esforccedilo para refletir discutir e tentar ajudar os alunos a compreender o significado e implicaccedilotildees das observaccedilotildees que fizeram e os resultados que obtiveram

V Conclusotildees

Haacute evidecircncias de pesquisas sugerindo que o uso de computadores como ferramentas de laboratoacuterio oferece novas maneiras para ajudar os estudantes na construccedilatildeo de conceitos fiacutesicos (Linn Songer Lewis e Stern 1993) e permitem aos estudantes planejarem seus proacuteprios experimentos Ambientes desse tipo fornecem oportunidades para propor e refinar questotildees fazer e testar previsotildees formular planos para experimentos coletar e analisar dados aleacutem de contribuir para reforccedilar a habilidade em interpretar graacuteficos e resultados (Linn Layman e Nachmias 1987) Pelo fato de serem interativos e por ligarem experiecircncias concretas de coleta de dados com a sua representaccedilatildeo simboacutelica em tempo real os laboratoacuterios baseados em computadores deixam mais tempo para os estudantes se dedicarem a atividades mais centrais para o pensamento criacutetico para a soluccedilatildeo de problemas e o monitoramento de suas accedilotildees e pensamento para modelar soluccedilotildees e testaacute-las na praacutetica em lugar de apenas responderem agraves questotildees levantadas pelo professor

O laboratoacuterio de ciecircncias fornece uma base fenomenoloacutegica sobre fenocircmenos e eventos que se contrapotildeem agrave percepccedilatildeo desordenada do cotidiano O argumento aqui desenvolvido eacute simples a introduccedilatildeo de atividades praacuteticas nos cursos de Fiacutesica e de Ciecircncias natildeo resolve as dificuldades de aprendizagem dos estudantes se continuarmos a tratar o conhecimento cientiacutefico e suas observaccedilotildees vivecircncias e mediccedilotildees como fatos que devem ser memorizados e aprendidos ao inveacutes de como eventos que requerem explicaccedilatildeo Apontamos tambeacutem que alguns dos objetivos pretendidos por professores e autores de materiais de ensino derivam de concepccedilotildees

Cad Braacutes Ens Fiacutes v 19 n3 p291-313 dez 2002 311

equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

VI Referecircncias Bibliograacuteficas

BYBEE R W DEBOER G E Research on goals for the science curriculum In GABEL D L (ed) Handbook of Research on Science Teaching and Learning National Science Teachers Association New York McMillan Pub 1996 p357-387

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GUNSTONE R Reconstructing theory from practical work In WOOLNOUGH B (ed) Practical Science Milton Keynes Open University Press 1991 p 67-77

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HODSON D Towards a philosophically more valid science curriculum Science Edu-cation v72 n1 1988

LINN M C LAYMAN J W NACHMIAS R Cognitive consequences of mi-crocomputer-based laboratories graphing skills development Contemporary Edu-cational Psychology v12 n3 p 244-253 1987

LINN M C SONGER N B LEWIS E L STERN J Using technology to teach thermodynamics achieving integrated understanding In FERGUSSON D L (ed) Advanced educational technologies for mathematics and science Berlin Springer-Verlag 1993 p5-60

MEC PCN Ensino Meacutedio Brasiacutelia SEMTECMEC 1999

MILLAR R DRIVER R Beyond processes Studies in Science Education v14 p 33-62 1987

MILLAR R A means to an end the role of process in science education In WOOL-NOUGH B (ed) Practical Science Milton Keynes Open University Press 1991 p 43-52

MOREIRA M A OSTERMANN F Sobre o ensino do meacutetodo cientiacutefico Caderno Catarinense de Ensino de Fiacutesica v 10 n 2 p108-117 1993

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Cad Braacutes Ens Fiacutes v 19 n3 p291-313 dez 2002 313

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TAMIR P Practical work at school An analysis of current practice In WOOL-NOUGH B (ed) Practical Science Milton Keynes Open University Press 1991

THORNTON R K Tools for scientific thinking microcomputer-based laboratories for physics teaching Physics Education v22 p230-238 1987

WHITE R F The link between the laboratory and learning International Journal of Science Education v18 n 7 p761-774 1996

WOOLNOUGH B (ed) Practical Science Milton Keynes Open University Press 1991

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Cad Braacutes Ens Fiacutes v 19 n3 p291-313 dez 2002 311

equivocadas acerca da natureza dos processos de aprendizagem e de produccedilatildeo de conhecimento cientificamente vaacutelido Para que as atividades praacuteticas sejam efetivas em facilitar a aprendizagem devem ser cuidadosamente planejadas levando-se em conta os objetivos pretendidos os recursos disponiacuteveis e as ideacuteias preacutevias dos estudantes sobre o assunto

Recomenda-se que o professor utilize-se de atividades preacute-laboratoacuterio para clarificar os objetivos pretendidos ideacuteias iniciais dos estudantes e suas expectativas acerca do fenocircmeno estudado Apoacutes a atividade praacutetica recomenda-se a discussatildeo dos resultados obtidos bem como as limitaccedilotildees da atividade Para evitar que os estudantes adquiram uma concepccedilatildeo errocircnea do que eacute feito nos laboratoacuterios eacute necessaacuterio que o professor distinga claramente as atividades praacuteticas para fins pedagoacutegicos da investigaccedilatildeo experimental executada por cientistas Aleacutem disso eacute urgente que livros-texto e os cursos de formaccedilatildeo de professores nos vaacuterios niacuteveis passem a se preocupar mais com as imagens sobre a natureza da ciecircncia que impliacutecita ou explicitamente transmitem aos professores e estudantes de ciecircncias

VI Referecircncias Bibliograacuteficas

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