Novos Espaços, Novos Acontecimentos: o jornalismo popular baiano e a (re)construção de notícias...

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Novos Espaços, Novos Acontecimentos: o jornalismo popular baiano e a (re)construção de notícias na internet 1 Camila Teles, Daniela Neves, Jamille Ribeiro, Júnia Ortiz, Verônica Vilasboas 2 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, BA Resumo A fim de refletir a respeito dos mecanismos proporcionados pelo surgimento das novas tecnologias na atualidade, este trabalho pretende analisar a forma como programas televisivos de veiculação regional se dão a ver na mídia online. Para a análise, utilizamos vídeos veiculados no site Youtube dos programas Que Venha o Povo, da TV Aratu, afiliada do SBT, e do Se Liga Bocão,da TV Itapoan, afiliada da Rede Record. Ambos produzidos na cidade de Salvador-BA, misturam jornalismo popular, sensacionalismo e entretenimento. Em primeiro lugar, observamos a espetacularização dos acontecimentos operada por estes programas e, dessa forma, estudamos como a veiculação destes produtos na mídia online colabora para a elaboração de novos sentidos na sociedade, com a participação do espectador no processo de construção das informações. Palavras-chave: jornalismo popular; mercado regional; internet. 1. Introdução O surgimento da Internet e da rede World Wide Web, representou uma grande transformação no processo comunicacional. A Internet inaugurou formas de comunicação essencialmente interativas, com a possibilidade de interação igualitária entre todos os usuários e a liberação do pólo unidirecional emissor-receptor. Uma vez que não exige coincidência entre o momento de enunciação e o de recepção, a Internet rompe com o modelo tradicional do fluxo de informação. Com isso o cidadão ganha mecanismos de participação no processo de construção das informações. Com o objetivo de entender a utilização destas ferramentas na construção de sentidos no mundo contemporâneo, analisamos as veiculações de matérias dois programas da televisão baiana no site Youtube: o Que Venha o Povo, e o Se Liga Bocão. O Que Venha o Povo é exibido pela TV Aratu, de segunda a sexta, às 12h, com resumo da semana aos sábados, e apresentado pelo jornalista Casemiro Neto. A TV Aratu alcança 80% do estado da Bahia. Está no ar desde 15 de março de 1969. Desde 1 Trabalho apresentado à disciplina Comunicação e Mercado Regional do 6º semestre do curso de Comunicação Social/Jornalismo. Orientado pelo professor Francis José. 2 Estudantes do 6º semestre do curso de Comunicação Social/Jornalismo.

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A fim de refletir a respeito dos mecanismos proporcionados pelo surgimento das novas tecnologias na atualidade, este trabalho pretende analisar a forma como programas televisivos de veiculação regional se dão a ver na mídia online. Para a análise, utilizamos vídeos veiculados no site Youtube dos programas Que Venha o Povo, da TV Aratu, afiliada do SBT, e do Se Liga Bocão,da TV Itapoan, afiliada da Rede Record. Ambos produzidos na cidade de Salvador-BA, misturam jornalismo popular, sensacionalismo e entretenimento. Em primeiro lugar, observamos a espetacularização dos acontecimentos operada por estes programas e, dessa forma, estudamos como a veiculação destes produtos na mídia online colabora para a elaboração de novos sentidos na sociedade, com a participação do espectador no processo de construção das informações.

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Novos Espaços, Novos Acontecimentos: o jornalismo popular baiano e a (re)construção de notícias na internet1

Camila Teles, Daniela Neves, Jamille Ribeiro, Júnia Ortiz, Verônica Vilasboas2

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista, BA

Resumo

A fim de refletir a respeito dos mecanismos proporcionados pelo surgimento das novas tecnologias na atualidade, este trabalho pretende analisar a forma como programas televisivos de veiculação regional se dão a ver na mídia online. Para a análise, utilizamos vídeos veiculados no site Youtube dos programas Que Venha o Povo, da TV Aratu, afiliada do SBT, e do Se Liga Bocão,da TV Itapoan, afiliada da Rede Record. Ambos produzidos na cidade de Salvador-BA, misturam jornalismo popular, sensacionalismo e entretenimento. Em primeiro lugar, observamos a espetacularização dos acontecimentos operada por estes programas e, dessa forma, estudamos como a veiculação destes produtos na mídia online colabora para a elaboração de novos sentidos na sociedade, com a participação do espectador no processo de construção das informações.

Palavras-chave: jornalismo popular; mercado regional; internet.

1. Introdução

O surgimento da Internet e da rede World Wide Web, representou uma grande

transformação no processo comunicacional. A Internet inaugurou formas de

comunicação essencialmente interativas, com a possibilidade de interação igualitária

entre todos os usuários e a liberação do pólo unidirecional emissor-receptor. Uma vez

que não exige coincidência entre o momento de enunciação e o de recepção, a Internet

rompe com o modelo tradicional do fluxo de informação. Com isso o cidadão ganha

mecanismos de participação no processo de construção das informações.

Com o objetivo de entender a utilização destas ferramentas na construção de

sentidos no mundo contemporâneo, analisamos as veiculações de matérias dois

programas da televisão baiana no site Youtube: o Que Venha o Povo, e o Se Liga

Bocão. O Que Venha o Povo é exibido pela TV Aratu, de segunda a sexta, às 12h, com

resumo da semana aos sábados, e apresentado pelo jornalista Casemiro Neto. A TV

Aratu alcança 80% do estado da Bahia. Está no ar desde 15 de março de 1969. Desde

1 Trabalho apresentado à disciplina Comunicação e Mercado Regional do 6º semestre do curso de Comunicação Social/Jornalismo. Orientado pelo professor Francis José.2 Estudantes do 6º semestre do curso de Comunicação Social/Jornalismo.

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junho de 1997 é afiliada do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão). Já o Se Liga Bocão,

apresentado por José Eduardo, é exibido no horário de 13h, também de segunda a sexta,

pela TV Itapoan.

Primeiramente, analisamos a forma como se dá a transformação dos problemas

cotidianos em verdadeiros espetáculos, operada pela mídia televisiva. A partir daí,

investigamos como algumas matérias retiradas destes programas se reconstroem ao

serem expostas na internet, proporcionando a constituição de novos contornos

interpretativos.

2. Espetacularização dos Acontecimentos

O sensacional tornou-se uma tendência crescente na sociedade atual. As

peculiaridades da vida privada têm ganhado cada vez mais espaço nos meios de

comunicação, de modo geral. O particular é alçado ao conhecimento social como algo

relevante e notório, produzindo um espetáculo de shows e entretenimento.

O jornalista norte-americano Neal Gabler, em sua obra “Vida, o filme: como o

entretenimento conquistou a realidade”, sustenta a tese de que a indústria do

entretenimento pode ser considerada um dos maiores fenômenos da sociedade pós-

moderna. O autor defende que o entretenimento moldou e reestruturou o meio social,

especificamente a vida humana.

Outro crítico da sociedade do espetáculo, o francês Guy Debord, também

reafirma o império da mídia na construção e representação de personagens. Em sua

concepção, o espetáculo está se tornando uma mercadoria que ocupou totalmente o

espaço da vida social, numa relação de poder e eficácia. Nessa mesma perspectiva,

Debord acrescenta:

A mais velha especialização social, a especialização do poder, encontra-se na raiz do espetáculo. Assim, o espetáculo é uma atividade especializada que responde por todas as outras. É a representação diplomática da sociedade hierárquica diante de si mesma, na qual toda fala é banida. No caso, o mais moderno é também o mais arcaico (DEBORD, 1997, p.20).

O vídeo do programa “Que venha o povo”, postado no Youtube no dia 26 de

junho de 2009, ilustra como essa espetacularização é evidenciada na soma da notícia

com a dramatização dos fatos. Sob o título “Pigmeu assassino”, o vídeo foi exibido mais

de 8.000 vezes. Um anão é personagem central da narrativa, acusado de homicídio. No

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decorrer dos quase três minutos de duração do post, apresentador e repórter usam

expressões como “meio metro de pura perversidade” e “anão do mal” para referir-se ao

réu. Além disso, ao longo do programa várias legendas como “anão miserável: nos

menores frascos, os piores venenos” e “meio metro de bandido: o anãozinho cruel”, vão

se sucedendo na tela.

A espetacularização, em programas como este, vai desde o modo como o

apresentador se coloca frente às câmeras até a maneira como às notícias são construídas.

Estas, em geral, são voltadas para o deboche, independente da situação narrada. No

vídeo postado em 14 de julho de 2007, por exemplo, o personagem principal da

narrativa foi preso em flagrante ao roubar um aparelho de som automotivo. Ao longo

dos dois minutos de post, a entrevista com o acusado é conduzida ao som da música

“Larga o doce pivete”, da banda Parangolê, numa analogia ao objeto furtado pelo autor

do crime. Além disso, o repórter Zé Bim coloca-se diante do entrevistado numa postura

diferente da habitualmente adotada nesses casos. Mantém uma relação mais próxima do

acusado, “brincando” em vários momentos da entrevista. Nesse sentido, as pessoas

começaram a assumir espaços que não eram os seus e os seus verdadeiros papéis

tornaram-se roteiros para a dramaturgia. Tudo o que era vivido diretamente, tornou-se

uma representação. No sensacional, segundo Debord, o capital chegou a um grau de

acumulação que se transformou em imagem.

A primeira fase da dominação da economia sobra a vida social acarretou, no modo de definir toda a realização humana, uma evidente degradação do ser para o ter. A fase atual, em que a vida social está totalmente tomada pelos resultados acumulados da economia, leva a um deslizamento generalizado do ter para o parecer, do qual todo ‘ter’ efetivo deve extrair seu prestígio imediato e sua função última. Ao mesmo tempo, toda realidade individual tornou-se social, diretamente dependente da força social, moldada por ela (DEBORD, 1997, p.18).

Para Debord, o espetáculo está intimamente relacionado à vida humana e, por

isso mesmo, desperta tanto interesse nos mais variados públicos. Dessa forma, diante da

separação que foi, de fato, consumada entre realidade e representação, não seria exagero

afirmar que o homem transformou-se em ator e platéia do seu próprio espetáculo. A

nossa sociedade não se apresenta senão como uma imensa acumulação de espetáculos,

diz Debord.

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2.1. Descrição das matérias analisadas

A história do sensacionalismo se confunde com a do jornalismo. Apesar de

alguns autores atribuírem a Joseph Pulitzer e William Randolp a criação da imprensa

marrom, ela está presente desde o início da imprensa. Os primeiros jornais franceses

Nouvelles Ordinairs e Gazette de France se utilizavam de notícias sensacionais pra

chamar a atenção do público.

O estilo sensacionalista se difere do padrão a partir de algumas características.

Valorização da emoção, com discursos exagerados e dramáticos; valorização do

extraordinário, espetacular; os assuntos mais recorrentes são violência, sexo, desastres,

escândalos; a linguaguem é coloquial. Com a finalidade de chocar o público, este estilo

jornalístico não se utiliza da neutralidade, não busca o distanciamento e sim o

envolvimento. O público deve se emocionar com as histórias.

O sensacionalismo está presente na mídia impressa, televisiva, no rádio e na

internet. Cada um dos meios usa de artifícios próprios para promover este estilo. Porém

os meios de comunicação que utilizam esses critérios são marginalizados. Tanto que

quando se quer denegrir a imagem de um meio é só chamá-lo de sensacionalista. Os

meios que utilizam o sensacionalismo pretendem aumentar a audiência e serem

populares. O público de modo geral, projeta suas próprias fantasias através do que lhes é

apresentado, personificam seus instintos.

Na Bahia existem vários programas de televisão que se utilizam do

sensacionalismo. Exibidos no horário de meio dia, Que Venha o Povo, Se Liga Bocão e

Na Mira do SBT; Balanço Geral da Record. Interessante notar a proliferação deste tipo

de jornalismo nos programas locais da Bahia. Neste trabalho, analisaremos dois

programas: Que Venha o Povo e Se liga Bocão. Os vídeos foram tirados da internet no

site do Youtube. São duas edições do programa Que Venha o Povo e onze edições do

programa Se Liga Bocão.

No programa Que Venha o Povo de sete de março de 2008 o assunto tratado foi

a preocupação dos moradores em relação ao barranco que ameaçava desabar. O repórter

Zé Bim gritou, pediu o apoio do prefeito, pulou no buraco que estava na rua. Ele se auto

intitula como o repórter do povo. “A gente faz o elo entre o povo e as autoridades.

Compromisso com o povo, com o lado social”, diz Zé Bim. Nos comentários, uma

pessoa se assusta ao ver Casemiro Neto no SBT. É possível notar que tanto o repórter

como Casemiro associam o sensacionalismo com o popular. Eles dizem que utilizam a

linguagem do povo e abordam assuntos da comunidade.

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No dia seis de abril de dois mil e nove o programa Que Venha o povo falou

sobre um grupo de forró. O repórter Zé Bim se encantou com a dançarina, a chamou de

gostosa. Depois foi veiculada uma matéria com a dança de Zé Bim e a mulher perereca.

Casemiro afirmou que o tapa sexo da mulher perereca havia caído. Não houve

comentários. A linguagem utilizada no programa é extremamente coloquial, são

utilizadas gírias e palavras de baixo calão. O lado sensual é explorado ao mostrar

mulheres seminuas a dançar.

O programa Se Liga Bocão de fevereiro de 2008 abordou o tema da violência do

carnaval de Salvador. O apresentador José Eduardo repetiu diversas vezes a cena de

uma briga entre dois homens. Mostrou a imagem do governador Jaques Wagner e pediu

que fosse feito alguma coisa para amenizar a violência na cidade. Ele afirmou que o

carnaval de Salvador é extremante violento. Os comentários foram bem racistas ao

denegrirem a imagem dos baianos e da Bahia. Pessoas de outros estados disseram que

os baianos eram preguiçosos, que deveriam trabalhar ao invés de irem para festas, que

são violentos.

Em catorze de julho de dois mil e sete o programa Se Liga Bocão exibia a

seguinte chamada: os ingênuos do planeta dos macacos, eles nada sabem, nada viram.

Maconha de ninguém: dois quilos da droga sem dono. Zé Bim acusa os suspeitos de

traficarem a droga, porém estes se dizem inocentes. Os comentários acusavam os jovens

de tráfico de entorpecentes.

No programa do dia catorze de julho o apresentador do Se Liga Bocão José

Eduardo fala sobre universitários que assassinam um policial. O repórter Zé Bim aborda

o fato de eles serem de classe média e não terem necessidade de se envolverem em

crimes. A chamada é bem sugestiva: diploma da bandidagem, universitários participam

de assassinato. Aparência de bacana, mente de bandido dos universitários do crime. Nos

comentários críticas aos baianos e aos universitários.

Também no dia catorze de julho de dois mil e sete o programa Se Liga Bocão

discutiu sobre um jovem que foi preso em flagrante, mas negava o crime. O rapaz

recebeu um sermão de Zé Bim. Os comentários acusavam o jovem.

Em onze de dezembro de dois mil e sete o programa trata sobre um traficante

preso. Ele aparece sem camisa e Zé Bim fala do seu porte atlético. Nos comentários

mulheres elogiando a beleza do jovem traficante.

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Com as chamadas: inimigo íntimo, padrasto acusado de molestar enteada de

onze anos. Tia da garota de onze anos molestada conta detalhes do abuso. Revolta

familiar: tia da criança molestada dá sermão em acusado. O programa do dia cinco de

dezembro de dois mil e sete se inicia. A criança é entrevistada por Zé Bim e chora ao

lembrar-se do que aconteceu. Não houve comentários.

No dia primeiro de setembro de dois mil e sete o programa relata a história de

dois homens que foram presos por roubarem Viagras de farmácias. O repórter Zé Bim

fez vários gracejos a respeito do tema e sugeriu que o cinegrafista precisava do remédio.

Nos comentários diversas piadas a respeito do Viagra.

Em vinte e quatro de dezembro de dois mil e seis, o programa Se Liga Bocão

falou a respeito do protesto dos estudantes da Ucsal contra o aumento das mensalidades.

O apresentador José Eduardo afirmou que os estudantes pediram a presença de Zé Bim

no local. Não houve comentários.

O programa do dia vinte e seis de junho de dois mil e nove teve as seguintes

chamadas: anão miserável, nos menores frascos os piores venenos. Meio metro de

bandido: o anãozinho cruel. O pigmeu do crime: ele vira gigante da perversidade. Ele

matou seis pessoas. O repórter Zé Bim fez várias piadas pelo fato de o criminoso ser

anão. Nos comentários gracejos sobre as piadas de Zé Bim.

No programa do dia primeiro de setembro de dois mil e sete o tema abordado é

sobre um golpista que prometeu emprego na Petrobrás a uma mulher em troca de cento

e cinqüenta reais. Nos comentários, pessoas criticando a ingenuidade da mulher.

No dia vinte e seis de junho de dois mil e nove o programa Se Liga Bocão teve a

seguinte chamada: Nina e Guiga duas bibas na delegacia. O apresentador José Eduardo

disse que elas fizeram amizade com Zé Bim e uma delas pediu o ombro do repórter para

chorar de arrependimento. Os comentários foram a favor dos travestis e contra os

policiais.

A partir da análise dos vídeos é possível constatar que a linguaguem utilizada é

bastante coloquial, são utilizadas palavras de baixo calão, e sempre são usados os

mesmos bordões. A casa caiu, larga o doce pivete, estas expressões são utilizadas em

quase todos os programas analisados. Os assuntos abordados são na maioria sobre

crimes. Os acusados são entrevistados e os seus rostos são filmados. Há um exagero no

tratamento das notícias, tenta-se utilizar o tom dramático para comover o público.

3. Audiência: televisão x internet

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O site de veiculação de vídeos www.youtube.com ficou conhecido mundialmente

por exibir conteúdos antes inimagináveis (até mesmo proibidos), engraçados, chocantes,

enfim qualquer gravação considerada interessante. Atualmente a população, em geral,

criou o costume de expor neste site partes de programas de televisão que tiveram

audiência elevada, ou se não obtiveram grande “sucesso” no momento da exibição na

TV, possivelmente, no Youtube terão.

Mas então, o que significaria o termo “audiência”? De acordo com o dicionário

Michaelis audiência é: s. f. 1. Atenção que se presta a quem fala. 2. Recepção dada por

qualquer autoridade a pessoas que lhe desejam falar. 3. Grupo de ouvintes ou

espectadores de um programa de rádio ou televisão. 4. Dir. Sessão solene do tribunal.

O significado ao qual este artigo se refere é o número três acima, para constatar

esta quantidade de pessoas o Ibope – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e

Estatística realiza o seguinte procedimento: uma amostra é traçada considerando classe

econômica, escolaridade, faixa etária, sexo e moradia. Então, algumas residências são

selecionadas e os moradores são convidados a participar da pesquisa, instalando em

suas TVs aparelhos especiais que monitoram a sintonia de canal. Essa informação

é enviada por radiofreqüência a diversas antenas espalhadas pela cidade escolhida e, por

sua vez, a enviam à central do Ibope. É importante ressaltar que cada ponto de audiência

equivale a 1% da população.

Em nosso objeto de análise, os vídeos assistidos no Youtube demonstram, por

conta do tipo de conteúdo veiculado, o aumento do número da audiência. Fato também

justificado pelo número de visualizações no site. O vídeo mais visto no Youtube do

primeiro programa é intitulado de ‘Apresentação "Que venha o povo"’3, com 6370

exibições até a data de acesso. Já o do “Se Liga Bocão”4, por nome “CARNAVAL EM

SALVADOR 2008 - VIOLENCIA 1º DIA”, tem cerca de 512520 visualizações. Ambos

tentam mostrar indignação diante de um fato, e assim agradar seu público alvo: a

população da baixa renda de Salvador - Bahia.

4. Globalização: regional x global

O fenômeno da globalização traz consigo novas exigências para o mercado

comunicacional. Entendendo que esta se constitui numa das “mais básicas

3 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=2uwEylpleIc. Acesso em: 18 de maio de 2010.4 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=FM7U_Rm_FaU&feature=related. Acesso em: 18 de maio de 2010.

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características das instituições modernas” (GIDDENS, 1991, p. 69). Giddens conceitua

a globalização como sendo “a intensificação das relações sociais em escala mundial,

que liga localidades distintas de tal maneira que acontecimentos locais são modelados

por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa” (GIDDENS, 1991, p.

69).

Assim, próximo e distante, local e global, nacional e internacional, periferia e centro podem conectar-se das mais diferentes maneiras e pelos mais diversos modos e pelas mais diversas razões em uma dinâmica rotacional e ininterrupta. (MATOS, 2008, p. 88)

Com essa redução das distâncias, pode-se observar como conseqüência

provocada pela globalização, pela mídia e pelo advento das novas tecnologias, uma

alteração na relação dos sujeitos com o tempo e com o espaço. “O homem, nessa

dinâmica, desterritorializa-se; desindividualiza-se e desnacionaliza-se no afã, mesmo

que inconsciente de ser um cidadão do mundo” (MATOS, 2008, p. 91). Nesse sentido, o

mundo globalizado traz influências diretas no processo de construção de significados,

visto que, segundo Hall, tempo e espaço são as coordenadas básicas de todos os

sistemas de representação.

Os fluxos culturais, entre nações, e o consumismo global criam possibilidades de ‘identidades partilhadas’ – como ‘consumidores’ para os mesmos bens, ‘clientes’ para os mesmos serviços, ‘públicos’ para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão bastante distantes umas das outras no espaço e no tempo. (HALL apud TASSO, 2006, 138)

Voltando o olhar para o nosso objeto de análise, é possível notarmos claramente

os efeitos produzidos pela globalização. Com a possibilidade de interação

proporcionada pela internet, pessoas de todo o mundo agora podem compartilhar das

mesmas mensagens, que através da televisão, só seriam veiculadas em âmbito regional.

Este fato também contribui para a criação de certos sentidos no que diz respeito à

construção da imagem sobre a Bahia.

5. Mercado regional e novas mídias

Com o surgimento de meios de transmissão modernos e facilitadores, o ser

humano passou a ter outras necessidades e apoiar o seu desejo em aparatos eletrônicos

com tempo de vida cada vez menor. Deu-se, então, a corrida pela evolução dessas novas

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mídias. Da disponibilidade mundial da World Wide Web, fundada por Tim Berners-

Lee, para o atual Ipad da Apple, foram apenas dezenove anos.

Esse processo de evolução possibilitou a disseminação de informações,

rompendo limites antes determinados de tempo e espaço. Pessoas de diferentes países

conseguem manter contato em tempo real por meio de redes cibernéticas. E os

programas vêm se aprimorando no sentido de atenderem às necessidades da sociedade

contemporânea.

Muitos sites e blogs foram criados ou adaptados com o intuito de informar os

internautas, deixando-os atualizados. O Youtube, invenção de Steve Chen, Jawed Karim

e Chad Hurley, surgiu em 2005, como consta no próprio site, para construir

comunidades virtuais gerenciadas por publicações de vídeos pessoais. Para divulgar um

filme basta se cadastrar no endereço web. Pode-se observar, pois, uma nova linha de

comércio para informações, dentro de interesses econômicos e políticos, ou somente em

conformidade com a sede de entretenimento da população mundial.

Nessa história, o momento de sucesso chegou em outubro de 2006, quando o Google pagou 1,65 bilhão de dólares pelo YouTube. Em novembro de 2007, ele já era o site de entretenimento mais popular do Reino Unido, com o site da BBC ficando em segundo. No começo de 2008, de acordo com vários serviços de medição de tráfego da web, já figurava de maneira consistente entre os dez sites mais visitados do mundo. Em abril de 2008, o Youtube já hospedava algo em torno de 85 milhões de vídeos, um número que representa um aumento dez vezes maior em comparação ao ano anterior e que continua a crescer exponencialmente. A comScore, empresa de pesquisa de mercado da internet, divulgou que o serviço respondia por 37% de todos os vídeos assistidos nos Estados Unidos, com o segundo maior serviço do tipo, a Fox Interactive Media, ficando com apenas 4,2%. Como uma comunidade de conteúdo gerado por usuários, seu tamanho gigantesco e sua popularidade entre as massas eram sem precedentes. (BURGESS E GREEN, 2009, p. 18)

O poder que é ofertado ao público de eleger vídeos com teor jornalístico para

publicação permeia uma série de fatores, os quais participam de uma rede de contextos.

Os programas Que Venha o Povo e Se Liga Bocão são publicados com sentidos

políticos, econômicos e de entretenimento mais amplos do que na televisão. Eles saem

dos padrões estabelecidos pelos donos das emissoras com o propósito de atingir uma

parte limitada da sociedade. Podemos constatar, então, uma fuga ao controle dos meios

e da cultura organizacional para um novo mundo interativo e sem fronteiras claramente

estabelecidas, já que todo o mundo pode ter contato com o vídeo.

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As pessoas ganham voz e capacidade de intervir rompendo com o esquema tradicional emissor-receptor, na medida em que os tradicionais receptores passam agora também a emissores. Esta é uma das consequências da simplificação do acesso à difusão de conteúdos na web. Mas daí a podermos chamar a estes cidadãos-jornalistas ainda vai um longo caminho. (RODRIGUES, 2007, p. 3)

A posição do jornalista acaba por ser invertida, pois quem escolhe as pautas

dessa vez é o público internauta. E, além do mais, o profissional de comunicação deve

se adequar às mudanças e fazer um trabalho diferente, não mais focado para a televisão

e muito menos para o mercado regional antes estabelecido. Sabendo que estará exposto

a diversos comentários no youtube. Devemos, ainda, pensar em outro fator dos novos

meios: fragmentação do programa, que por sua vez gera novos focos de interesse. O

público elege as matérias que pretendem assistir sem precisar ver o programa por

inteiro, ao contrário do que geralmente ocorre com a tevê.

As imagens, que antes só eram vistas pelos baianos, espetacularizam

acontecimentos e pessoas, oferecendo grande dose de deboche a figuras que preenchem

um roteiro de legendas e falas voltadas para a criação de estereótipos, os quais dizem

respeito a Bahia. Com isso, pessoas de outros estados, que já têm construído um

mosaico de imagens estereotipadas acerca dos baianos, acabam por ter as suas idéias

reafirmadas pelo programa. Uma constatação disso é o seguinte comentário feito por

vavadamere1 no mês de maio: “esses baianos além de viados preguiçosos são covardes

cambadas de filhos da puta vão caçar um tarbalho seus viadosssssssssss”.

6. Considerações finais

A partir de seus instrumentos, a mídia tem realizado a tarefa de construir

realidades. Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, ao longo dos anos,

novos mecanismos foram surgindo e modificando o consumo midiático, o que trouxe,

em conseqüência, transformações sociais, com novas formas de ação e interação. O

advento da televisão e a capacidade de unir imagem e som representaram um marco na

história da comunicação. Mais recentemente, o surgimento da internet marcou o

rompimento do universo comunicativo dando poder, espaço e voz ao leitor.

Partindo do entendimento de que a interatividade é uma das principais diferenças

do jornalismo praticado na internet em relação aos outros meios, verificamos a

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produção de novos sentidos a partir da participação dos receptores na construção das

informações. Com a possibilidade de fazer sua opinião conhecida através da postagem

na seção de comentários que acompanha cada matéria veiculada no Youtube, cria-se um

ambiente de troca, o que modifica a maneira como as mensagens serão compreendidas

por leitores posteriores. Também verificamos como a mídia regional tem se adequado a

esse novo ambiente de interações, levando as produções regionais ao conhecimento de

um público em escala mundial.

Não podemos deixar de observar como os cidadãos comuns estão sendo

representados na mídia. Discutimos a respeito da espetacularização e, a partir daí,

percebemos que existe, por parte destes programas, uma exploração da imagem do

sujeito criminoso, estabelecendo certas significações que circulam e se proliferam na

esfera midiática. Dessa forma, essa abertura para o mundo, possibilitada pelo meio

online, transporta os espetáculos televisivos para a internet, reforçando imaginários no

meio social.

7. Referências

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