Novos Atores Organicos

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Alfio Brandenburg Jeane Rucinski Pedro Silva Junior Os novos atores e o consumo de alimentos ecológicos: a associação de consumidores de produtos orgânicos do Paraná –ACOPA Introdução Este trabalho analisa a emergência de novos atores 1 , tomando como referência o consumo de alimentos ecológicos 2 e a construção da Associação de Consumidores de Produtos Orgânicos do Paraná (ACOPA). A criação da Associação foi acompanhada, desde o seu início, nas suas diversas atividades por um dos pesquisadores, le- gitimando-se dessa forma a técnica de investigação observação- participante. Complementarmente, com o propósito de realizar a coleta de dados e informações, foram aplicados questionários e realizadas entrevistas com os associados, e feita uma análise docu- mental de boletins informativos e panfletos utilizados nas campa- Alfio Brandenburg é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFPR ([email protected]); Jeane Rucinski é mestre em sociologia, Pro- grama de Pós-Graduação em Sociologia da UFPR (jeanerucinski@ bol.com.br); Pedro Silva Junior é mestrando em sociologia, Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPR ([email protected]).

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NOVOS ATORES ORGANICOS

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    Os novos atores e o consumo de alimentos ecolgicos...

    Alfio BrandenburgJeane RucinskiPedro Silva Junior

    Os novos atores e o consumo de alimentos ecolgicos:a associao de consumidores de produtos orgnicos

    do Paran ACOPA

    Introduo

    Este trabalho analisa a emergncia de novos atores1, tomando comoreferncia o consumo de alimentos ecolgicos2 e a construo daAssociao de Consumidores de Produtos Orgnicos do Paran(ACOPA). A criao da Associao foi acompanhada, desde o seuincio, nas suas diversas atividades por um dos pesquisadores, le-gitimando-se dessa forma a tcnica de investigao observao-participante. Complementarmente, com o propsito de realizar acoleta de dados e informaes, foram aplicados questionrios erealizadas entrevistas com os associados, e feita uma anlise docu-mental de boletins informativos e panfletos utilizados nas campa-

    Alfio Brandenburg professor do Departamento de Cincias Sociais daUFPR ([email protected]); Jeane Rucinski mestre em sociologia, Pro-grama de Ps-Graduao em Sociologia da UFPR ([email protected]); Pedro Silva Junior mestrando em sociologia, Programa dePs-Graduao em Sociologia da UFPR ([email protected]).

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    nhas da Associao. Merecem destaque as entrevistas com infor-mantes qualificados, isto , com aqueles que tiveram uma partici-pao ativa na criao da associao. No entanto, para serem obti-das informaes sobre o processo de participao na construoda associao foram entrevistados todos os associados que contri-buam com a anuidade, totalizando um universo de 31 informan-tes. Trata-se, pois, de um estudo de caso que alia um conjunto detcnicas de investigao, visando melhor apreender as diversasdimenses relacionadas com a mobilizao dos atores.

    O processo de formao desses novos atores da esfera do consu-mo foi analisado com base na perspectiva construtivista que buscacompreender, segundo Hannigan (1995), como os problemasambientais so reunidos, apresentados e contestados. Nesse senti-do, foi fundamental para entender os processos de formulao econtestao dos problemas ambientais a idia de rede (SCHERER-WARREN, 1999) e de atores sociais (TOURAINE, 1994). A associ-ao, como ator, s adquire sentido contestatrio quando articula-da com um conjunto de atores na forma de rede. Assim sendo,duas unidades institucionais merecem destaque: de um lado, aAssociao de Agricultores Orgnicos do Paran, diretamente en-volvida com a produo de alimentos e, de outro, a Associao deConsumidores. Isso nos levou igualmente a considerar aspectosda relao rural-urbano na anlise da reconstruo das relaessocioambientas. O consumo de alimentos ecolgicos, ao mesmotempo que reconstri relaes com o ambiente natural e promovea estratgia de sobrevivncia de agricultores no espao agrrio,apresenta-se como alternativa para a segurana alimentar do con-sumidor e restabelece formas solidrias de relao entre agentesprodutores e consumidores. Assim, outro aspecto deve ser ressal-tado na anlise das relaes entre esses atores, qual seja, o nasci-mento de um ator que no apenas constri novas relaes socioam-bientais, mas ao mesmo tempo constri-se como sujeito, que dian-te de sua experincia busca dar sentido a um projeto de vida quearticula racionalidade e subjetividade, ou razo e identidade.

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    O mercado de alimentos na sociedade de consumo

    Tornou-se senso comum o fato de que a moderna sociedade demercado massificou-se, dando origem a condutas padronizadasde consumo, o que se poderia designar de conseqncia da inds-tria cultural. A industrializao, uma das quatro principais dimen-ses da modernidade conforme Giddens (1991), apropria-segradativamente dos processos naturais, como por exemplo, o deproduo de alimentos, at ento reservada atividade agrcola.Dessa forma, surge a indstria agroalimentar que produz macia-mente segundo padres de qualidade, tornando o consumo maisatraente, do ponto de vista de sua apresentao, seguindo a lgicado conjunto de produo de mercadorias. Esse processo deagroindustrializao est fundamentado num modelo de produ-o tcnico-cientfico que inclui sementes hbridas, enxertos, inter-venes genticas, agroqumicos, formas de cultivo e explorao einstrumentos tcnicos, em que se pode identificar, dentre outrosparmetros da modernidade, a aparncia do alimento: atenodirigida e eleita como uma das favoritas da sociedade de consu-mo. Ao consumidor, diante da oferta do mercado, no haveria outrasada a no ser consumir o que for produzido pela indstria.

    No entanto, se deixarmos de lado a viso clssica da sociedade demercado, como se configura atualmente o mercado de alimentos?Para esclarecer esta pergunta, preciso lanar um olhar sobre arealidade concreta, analisar a produo e oferta do mercado dealimentos e, conseqentemente, como isso se reflete na sociedade,ou, mais apropriadamente, na atitude do consumidor.

    Ao se pensar a questo do consumo, compreende-se a sociedadecontempornea articulada ao cotidiano do consumidor, pois, en-tre os consumidores, h diferenas no modo de consumir, seja quan-to maneira de satisfazer suas necessidades, seja quanto aos seusanseios e desejos. Observe-se, ainda, que a sociedade de consumono est atrelada somente simples relao de oferta e procura,mas tambm s vises de mundo, aquilo que chamado de pecu-

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    liaridades culturais. A tendncia da cultura de consumo para di-ferenciar, para estimular o jogo das diferenas, precisa ser matiza-da pela observao de que as diferenas precisam ser reconheci-das e legitimadas socialmente. (FEATHERSTONE, 1995: 125).

    Entretanto, algumas vertentes que tm como objeto de anlise asociedade de consumo ou cultura de massa tendem a considerartodas as manifestaes culturais como absolutamente padroniza-das, reduzindo os indivduos a seres passivos e conformistas.Touraine (1994) critica essas linhas tericas que explicam o atorpelo sistema, dizendo que o consumidor se desprende de seu lu-gar na ordem social, o ator se desprende do sistema. A entrada nasociedade de consumo significa, mais que qualquer outra mudan-a social, a sada da sociedade moderna, uma vez que o melhorque a define que as condutas so determinadas pelo lugar dosatores no processo de modernizao (TOURAINE, 1994: 153).

    No h como conceber a sociedade agindo imperativamente sobretodos os comportamentos, todas as manifestaes individuais comose supunha classicamente. H movimentos e lgicas que no secorrespondem entre si, e a realidade comporta conflitos e diversi-dades. As prticas de consumo esto inseridas nas sociedades sobvrias manifestaes. Mercados diferenciados, produtos artesanaise ecolgicos so alternativas para o consumidor. Nessa perspecti-va, ganha corpo o consumo do verde, quer na forma de produtos,quer na forma de imagens, ambientes ou espaos. Os alimentosecolgicos ganham lugares diferenciados e comeam a disputarespaos de redes de mercado, at h pouco tempo de domnio ex-clusivo da agroindstria. Para um mercado diferenciado equivaledizer consumidor diferenciado e, no caso de alimentos, consumi-dor ecolgico.

    O consumidor ecolgico crtico pode ser definido como aquele que,alm da relao qualidade/preo, inclui, em seu poder de esco-lha, os critrios ambiental e social. Ele seria a mola propulsora parao uso e desenvolvimento de tecnologias limpas, se exigisse o aten-

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    dimento a suas preferncias na hora da compra e boicotasse osprodutos que degradam o meio ambiente. Mediante sua atitudeindividual, o consumidor pode ser o responsvel pelas mudanasnas matrizes energticas e tecnolgicas do sistema de produo.

    Complementando essa lgica, vale destacar que o consumo temsido visto como lugar, por excelncia, de exerccio de cidadania.Canclini (1995) ressalta que as mudanas na maneira de consumirvm alterando as formas de exercer a cidadania, surgindo umacumplicidade entre consumo e cidadania. Vale lembrar os cdigosde defesa do consumidor e as associaes de consumidores de de-terminados produtos, como, por exemplo, a Associao dos Con-sumidores de Produtos Orgnicos do Paran (ACOPA). Entida-des como esta, que lutam para difundir novas alternativas de con-sumo, podem reforar o surgimento de um consumidor que sejatambm cidado (PORTILHO, 2005). Assim, consumir torna-se si-nnimo de participar, assumindo uma conotao no apenas deum dever e obrigao cvica, mas de um ao contestadora, de umareivindicao, uma reao em que a cidadania passa a ser exercita-da mediante novos padres.

    O consumidor ecolgico tem na sua escolha a responsabilidadeambiental que evocada nesse tipo de agricultura e simultanea-mente mostra-se crtico quanto ao consumo massificado e desme-dido que provoca a degradao do meio ambiente. Visto dessamaneira, tal consumidor tambm se v entre as contradies domercado e opta por consumir alimentos ecolgicos primordialmen-te para precaver-se de riscos com relao sua sade.

    Novos atores na esfera do consumo de alimentos

    Diante das contradies da sociedade de mercado, o consumidorecolgico surge como um crtico ou um contestador das prticasde produo agroindustrial. Uma contestao que nasce dos efei-tos implcitos dessas prticas, as quais passam a ser percebidoscomo de risco para a sade e para a qualidade de vida. Os indi-

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    cadores de risco alimentar, tais como o mal da vaca louca e a mortepor intoxicaes, que proliferam nessa etapa da modernidade, cons-tituem os chamados efeitos colaterais de que fala Beck (1995). Elesseriam, juntamente com outros indicadores de carter ambiental esocial, resultantes de uma construo social que nos conduzem auma sociedade de riscos. Nesse contexto, no h mais como teruma confiana cega, passiva e plena nas instituies, empresas ena prpria cincia. Faz-se necessrio estabelecer uma confianaativa, ou seja, uma confiana que esteja sempre regenerando suacrena perante os fatos (GIDDENS, 1991).

    Diante de tal problemtica, existem consumidores que se negam aconsumir produtos da agroindstria e encontram na agriculturaorgnica uma opo segura, como indicou a pesquisa realizadapor Rucinski (1999), na qual 94% dos consumidores de alimentosorgnicos apontam a sade como o principal motivo para compra-rem produtos orgnicos.

    Essa reconstruo de padres de confiana significa, no caso dasegurana alimentar, uma opo por alimentos livres de agrotxicose resduos qumicos. Essa opo leva os consumidores a se organi-zarem e a se posicionarem como atores sociais que reivindicam aconsolidao de suas escolhas, visando a manuteno de uma ali-mentao saudvel.

    No entanto, esse processo de conquista de alternativas e opes dealimentos oriundos de diferentes modelos de produo implica aao de diferentes atores de forma articulada. dessa forma que aatuao em rede permite que a ao possa ser organizada de for-ma complementar pelos diferentes atores que dela participam.Assim, na perspectiva construtivista de tratamento das questesambientais, a primeira etapa relativa construo social do pro-blema aquela formulada, nesse caso, pelos consumidoresdispersos na sociedade de consumo e que comeam a perceber ris-cos para a sade nos produtos industrializados. Essa percepo,contudo, passa ao mesmo tempo pela formulao de certas exi-

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    gncias que encontram legitimidade na esfera dos especialistas,ou seja, nos resultados de pesquisa dos profissionais da cincia.

    Na sua primeira fase, a da construo do problema ambiental, importante destacar o conjunto de dados e indicadores que sus-tentam as reivindicaes. Nesse sentido, deve-se destacar o Pri-meiro Encontro de Consumidores Orgnicos, realizado em novem-bro de 2001, na Casa do Estudante Luterano Universitrio emCuritiba. Nessa oportunidade, especialistas das reas mdica, ali-mentar e agronmica apresentaram dados de pesquisa indicandoque, de fato, o uso indiscriminado de agrotxicos afeta o meioambiente, agricultores e consumidores.

    Os resduos de agrotxicos em vegetais e frutas cada vez mais somotivos de preocupao da populao em geral, sendo de conhe-cimento da sociedade que alguns agrotxicos podem causar cn-cer. A literatura cientfica apresenta tambm muitos trabalhos demutagenicidade dos agrotxicos (GRISOLIA, 2005). Os riscos des-ses efeitos adversos dependem da quantidade e da variedade dasformulaes utilizadas, isto , o nvel de risco est associado doseda intensidade de exposio.3 Estudos realizados no sentido deavaliar a qualidade de hortcolas convencionais, orgnicas ehidropnicas identificaram ndices de resduos txicos em alimen-tos, superiores aos permitidos pela legislao brasileira. A anlisede diversos produtos cultivados na Regio Metropolitana deCuritiba mostrou que, entre as hortcolas, a alface, o espinafre, oagrio e a cenoura foram as que apresentaram maior risco ao con-sumo humano. Ainda segundo este estudo, o uso de aditivos qu-micos muda estruturalmente os alimentos e interfere em sua com-posio nutricional (STERTZ, 2004).

    Os anabolizantes, bem como os hormnios artificiais, antibiticos,tranqilizantes e demais compostos qumicos que so usados nacriao de animais, atuam como agentes transformadores, dese-quilibrando o organismo. Segundo o mdico Cludio Paciornick,4

    os compostos organoclorados e organofosforados, quando ingeri-

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    dos, alteram 510 sistemas no ser humano, entrando em uma ca-deia de combinao qumica sem que se saiba quais sero as con-seqncias. Nessa mesma perspectiva, o estudo do mdico e pes-quisador Higashi (2002), que acompanhou 124 pacientes, identifi-cou em 100% deles a presena de algum tipo de agente qumico,conforme indica a tabela 1.

    Tabela 1 Distribuio de agentes qumicos (agrotxicos) em 124pacientes, analisados entre jan. e set. de 2000, Londrina, PR

    ocimuqetnegA)ocixtorga(

    aicnqerFsetneicaped.n(

    oiubirtsiD

    enadniL 18 36,37

    edirteriP 46 81,85

    sohpodimnahteM 36 72,75

    nirtemreP 36 72,75

    D-4,2 95 36,35

    aidrulicA 35 81,84

    otalircaixoteM 94 45,44

    setahpecA 54 09,04

    anizartA 14 72,73

    ociltemnoihtaraP 13 81,82

    etasofilGopurG 03 71,72

    sodarofsofonagrO 92 63,62

    lozairtopurG 82 54,52

    Fonte: HIGASHI (2002).

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    Muitos desses princpios ativos so encontrados nos agrotxicos(HIGASHI, 2002). Sabe-se que h quadros agudos de intoxicao,identificados nos agricultores que manipulam agrotxicos, e queapresentam problemas gastrointestinais, no aparelho respiratrioe no sistema nervoso central que podem levar incapacidade e morte. H tambm o problema de intoxicao crnica, que se dpor meio da ingesto diria de pequenas ou mdias quantidadesdesses produtos e que com o passar dos anos acumulam-se no or-ganismo.5

    Os dados e informaes aqui citados referendam a conduta de con-sumidores cticos, no apenas quanto ao consumo de alimentosde origem industrial, mas tambm em relao ao conhecimentoque orienta a sua produo. Desse modo possvel entender comoa sabedoria popular e o saber cientfico tendem a complementar-se resultando em novas condutas e prticas cotidianas. Identifi-cam-se, assim, outros saberes que, em conjugao com a cincia,6

    apontam para a busca de alternativas para determinado(s)pblico(s), resultando em um microcomponente transformador decondutas sociais, mesmo que de maneira aparentemente incipiente.Nesse sentido, Morin (1994) afirma que o conhecimento cientficocomporta um eixo na razo, mas tambm composto por outrasfacetas da racionalidade no-cientfica.

    H registros do cotidiano que provm do senso comum e auxiliamna legitimao dos riscos advindos de alimentos contaminados poragrotxicos, como nos seguintes depoimentos:

    A partir da idia de que o produto com agrotxico vem embala-do naquelas condies e com todas aquelas advertncias, leva acrer que ele tem um poder ofensivo. Eu acredito que o alimentoorgnico melhor. Eu peguei o fim de uma poca que o comr-cio de frutas e verduras era feito de uma forma bem rudimen-tar, nas portas das casas, que alguns ainda vinham com suascarroas vender na cidade. Existia a tarefa de escolher o alimen-to com aparncia melhor, mas algo que saiu da terra e foi paraa carroa. Ou a mudana da forma de comercializao de frutas

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    e verduras com introduo dos supermercados, a prpria mu-dana de mentalidade que as pessoas comearam a exigir fru-tas e verduras bonitas, escovadas e perfeitas, lgico que existea demanda, a ponta da oferta vai procurar montar aquele pro-duto e para fazer isso de uma forma rpida e produtiva aten-dendo o capitalismo, sem nenhum agrotxico na cadeia de pro-duo ... no comeo todo mundo achava timo e o coitado queestava com frutas que no eram bonitas foi tendo que sair domercado ou passar a comprar os agrotxicos para poder sobre-viver que demorou esta retomada de conscincia da populao... durante muito tempo se voc quisesse encontrar algo dife-rente, no encontrava diferente daquilo que o mercado oferecia(associado da ACOPA).

    Ou ento:Minha filha quando criana manifestou alergia uva, que umade suas frutas prediletas. A cada vez que comia, o corpo delaficava repleto de feridas. Certa vez, quando fui feirinha deorgnicos, trouxe alguns cachos de uva, ela no resistiu e co-meu. Para nossa surpresa no surgiu nenhuma ferida sequer.Ento o que ela tem no alergia uva, mas sim quantidadede agrotxicos que absorvida pela uva (associada da ACOPA).

    Como esses, h vrios relatos relacionados a outras frutas, verdu-ras, gros e demais alimentos, informando que, aps um check-upmdico, a orientao clnica recaiu na mudana de hbitos alimen-tares e que, ao transformar a alimentao e torn-la orgnica, ossintomas desapareceram.

    Aqui fica notrio que nas percepes e apreenses dos fatos quese inicia o processo de reconstruo da realidade social. Essa per-cepo no se restringe somente sade humana, mas abrange asade do planeta, referindo-se a uma produo que envolve o solo,os lenis freticos, os animais, a vegetao.

    Os riscos dos agrotxicos esto contaminando toda a natureza,comea pela natureza, pelo ar, pelo mar e o corpo humano, um dos maiores agressores. Se voc tem uma plantao de ba-tatas no morro, o agrotxico vai estar correndo pelo rio, notem como dimensionar os estragos. Na agricultura orgnica no

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    se corta rvore para se fazer o plantio, vai ser em meio s rvo-res, no se desfaz das ervas daninhas, tudo na natureza h umafinalidade (associada da ACOPA).

    Apesar do malefcio do produto em si, h a falta de critrio nouso. Existe a forma de produo sem a utilizao de equipa-mentos de proteo como mscaras e luvas. O agricultor notem conhecimento e preparo [muitos so analfabetos e no con-seguem ler e interpretar o modo de usar descrito nos rtulosdas embalagens]. Precisaria haver uma reformalao geral, atpelo restrito mercado, no uma gama de produtos, no umafonte orgnica que alcance a totalidade (associado da ACOPA).

    A Associao dos Consumidores de Produtos Orgnicos doParan (ACOPA)

    A ACOPA congrega cerca de 260 simpatizantes, ou seja, so pes-soas que podem aderir aos propsitos da Associao. Aproxima-damente, esto cadastrados 35 associados. Nosso estudo consta-tou duas categorias de associados: os atuantes, que seriam aque-les que, alm de pagar anuidade, participam ou participaram efe-tivamente de alguma maneira na atuao da ACOPA, e os no-atuantes, que apenas contribuem com a anuidade e tm uma par-ticipao que poderia ser considerada passiva perante a Associ-ao, pois no se articulam com os demais integrantes.

    Entre os associados atuantes, o nmero de mulheres e homens equivalente, e todos possuem nvel superior de ensino. Com rela-o aos associados no-atuantes, com exceo de um, todos tmterceiro grau completo.

    Os riscos dos alimentos que os associados da ACOPA mais perce-bem esto relacionados com o meio ambiente, responsabilizandopor eles o Estado, o industrialismo, o consumismo exacerbado, ouainda a falta de informao. Entre os tpicos mais citados comoproblema ambiental esto: o lixo, a gua, o ar, o solo, os alimentos,a falta de educao ambiental.

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    O comportamento que um nmero crescente de cidados assume exigir mais informao, tentando escapar do status incmodo deleigo, fazendo, de forma competente ou no, propostas para me-lhorar o sistema social e produtivo. Esses personagens agem nonvel da probabilidade e querem diminuir o risco de uma falha nosistema que possa afetar sua sade.

    Os modos como os associados apreendem os riscos no ocorremde forma isolada, h sempre relaes que lhes so conferidas. importante saber como o problema absorvido no cotidiano paraque se possa entender como o processo de construo de exignci-as realizado pelo grupo em questo (HANNIGAN, 1995).

    O espao da feira ecolgica e um novo ator coletivo

    A posio dos novos atores diante dos produtos da agroindstria contestatria; logo, as condies para a criao de uma associa-o perpassam pela vontade poltica que repercute em formasassociativas de organizao social. A ao dos atores aponta parao desejo de conquistar um objetivo, pela fora da unio dos indiv-duos, associada ao projeto de querer legitimar a sua identidadeperante a sociedade. Essa busca est presente por parte tanto da-queles que esto diretamente envolvidos no consumo como dosagricultores que se organizam em associaes, ou que buscam oapoio de ONGs, institutos ou outras instituies que visam con-trapor-se agroindstria e fazer com que a agroecologia se legiti-me e cresa.

    A Acopa surge como um elo da Associao de Agricultores Org-nicos do Paran (AOPA), que, por meio da estratgia das feiras deprodutos orgnicos, busca, na relao direta com o consumidor,atender s suas necessidades econmicas.

    A feira ecolgica que se realiza por um grupo de agricultoresfiliados AOPA ocorre em dois espaos pblicos, duas vezes porsemanas, na cidade de Curitiba, no Paran. No entanto, esses es-

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    paos no constituem apenas alternativas de relao com o merca-do ou de comercializao direta. Eles tambm se traduzem em es-paos de sociabilidade, de reeducao de sabores, de troca de in-formaes, de encontros informais, de reconhecimento e, assim,de afirmao da identidade de um personagem que sabe mais doque somente plantar e cultivar: o agricultor agroecolgico.

    A atmosfera criada pela feira caracterizada pela descontraoque propicia conversas, constri relaes de confiana e uma soci-abilidade comunitria que parece estar extinta nos diversos ambi-entes urbanos. um ambiente que d vida a uma economia maissolidria ou, segundo Morin (1997), uma economia mutualista,que inclua iniciativas que apiem solidariedades locais para for-mar cooperativas e associaes sem fins lucrativos, para prestarservios sociais de proximidade. Sob essa perspectiva solidria umaligao prxima entre consumidor e agricultor se estabelece.

    Eu gosto de fazer amigos entre os feirantes, alguns eu visitocomo amiga. Como participante da ACOPA, no conheo to-dos, mas me sinto muito bem de saber que quem vende omesmo que planta. Eu percebi que, mesmo que os produtoresno tendo um nvel de escolaridade alto, possvel conversarlongamente com eles sobre questes ambientais, sociais, eles tmuma conscincia interessante. Esta opo por trabalhar com agri-cultura orgnica no isolada, pois j tem conscincia de ou-tros aspectos. Isso foi para mim uma descoberta muito gratifi-cante. (associada da ACOPA).

    uma experincia reveladora para alguns consumidores, pois boaparte dos agricultores no possui alto grau de instruo, mas mes-mo assim detm saberes e conhecimentos relacionados com o pro-cesso da produo orgnica. Os consumidores reconhecem aindaque as feiras orgnicas so distintas das convencionais (onde ocontato somente de compra e venda), pois ali o vendedor tam-bm aquele que produziu, portanto sabe informar a origem doproduto, quais so os ciclos dos alimentos, sob que condies cli-mticas a produo se desenvolveu etc.

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    Eu acho excelente, vamos comparar a feira verde com a con-vencional: aqui voc est realmente comprando com o produ-tor, ele sabe como produzido, ento se tem algum problemacom o produto, se o tomate est furado, se a batata ficou peque-na ele ter as explicaes para estas questes: porque choveumuito, porque teve seca, no consegui plantar ou plantei numaterra que no era muito boa. Isso no acontece na feira conven-cional, porque os feirantes que esto nestas feiras convencio-nais compram tudo no CEASA e no sabem a procedncia doproduto, ento no tem esta rastreabilidade daqui, onde vocsabe que est comprando daquele produtor e mesmo que eletenha pego de outro produtor vizinho dele, ele ir falar da ori-gem do produto, sabe de onde vem e se der algum problema,voc chega no problema. Agora este vendedor da feira que com-pra no CEASA, voc nem sabe de onde vem o produto, de ondeele comprou, o risco de voc estar comprando um alimento con-taminado bem maior. Ento eu acho que a relao aqui mui-to boa, ento uma relao bem direta consumidor-produtor.Antigamente a feira era assim como a orgnica, mas hoje emdia j descaracterizou (associado da ACOPA).

    O espao da feira livre funciona como uma espcie de ponto deacesso ao conhecimento de como se produz e tambm de relacio-namento com o profissional da produo, no caso o agricultor eco-lgico. Pode ainda ser identificado como ponto estratgico de re-conquista de confiana, como indica Giddens (1991), num contex-to de uma sociedade em que os modernos processos produtivos ede relaes sociais distanciam o produtor do consumidor.

    A confiana o elemento fundamental nesse relacionamento deaproximao. Todo incio pressupe uma espcie de confirmaoda noo de confiabilidade especfica de cada grupo e de rituaissem formalidades que ocorrem num encontro aproximado e que social. Essa interao entre comprador e produtor enseja um reco-nhecimento do trabalho deste ltimo, bem como a compreensodas razes de o produto ecolgico ser um pouco mais caro que oconvencional.7

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    Essa relao faz um circuito adverso ao cenrio marcado pelaindividualizao estabelecida na era da globalizao, que serve depalco de incertezas, de relaes frias e impessoais que destroem asegurana e que conseqentemente ativam e disseminam carnci-as individuais que acabam sendo compensadas pelo consumismodesmedido. O que parece vital aqui so as premissas fraternas deum clima informal que colabora para uma maior proximidade eno se rende a relaes fragmentadas, distantes e frias.

    A feira proporciona um lugar para conhecer a vida do agricultorna rea rural, suas dificuldades, seus limites, suas apreenses, comotambm suas singularidades. Enfim, todo o seu contexto absor-vido pelo associado que no o v como um vendedor de mercado-rias, mas sim como algum que lhe familiar.

    Eu vejo um amigo, uma relao diferente de outras feiras con-vencionais que eu freqentava e nunca fiz amizade. Agora nafeira, eu gosto de tantas pessoas l da feira, mas um gostarmesmo. Se me chamar para tomar um caf eu vou com o maiorprazer e eu sei que ela vai estar me convidando de corao.Conseguimos estabelecer uma relao naturalmente e eu per-cebo que isso ocorre com a maioria dos consumidores, umarelao de amizade (associada da ACOPA).

    Outro ponto a destacar a troca de experincias. H um encontrode conhecimento, uma mescla de saber cientfico e popular que secomunga e se dissemina.

    Quando voc vai feira se v nitidamente pela feio do rostodo agricultor que ele tem uma outra vibrao, no como nafeira convencional. So pessoas que esto de bem com a vida,so cultas, tem engenheiro agrnomo; mesmo outros que notenham o ensino formal tm princpios pela prpria escola davida, fora o que voc aprende com eles que nenhum graduadopoderia proporcionar. O relacionamento timo, um prazerir feira encontrar aquelas pessoas. Outra coisa que eu percebo que sempre que eu precisei de alguma informao nunca mefoi sonegada. O objetivo do conhecimento transmitido, existeuma solidariedade fora do lugar comum que procura se ajudar(associado da ACOPA).

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    Essa relao, que se construiu e se constri no espao da feira, pro-longa-se e ultrapassa a dimenso comercial.8 Foi o prolongamentodessa relao que proporcionou o surgimento da Associao dosConsumidores, pois foi mediante o convvio que os consumidoresse conheceram e gestaram o propsito de contribuir de algumaforma com o crescimento da agricultura ecolgica e, conseqente-mente, com o fornecimento de um alimento de qualidade. No in-cio, alguns consumidores tomaram a iniciativa de informalmentepromover visitas s propriedades agrcolas e elaborar boletins in-formativos sobre a alimentao com produtos ecolgicos. Simul-taneamente ao surgimento deste primeiro ncleo organizacionaldo consumidor, a AOPA prope aos consumidores ocuparem umavaga no Conselho de Agricultura Orgnica do Estado do Paran9.A participao no Conselho pesou substancialmente na criao daAssociao dos Consumidores, que surge impulsionada por agen-tes ligados Associao de Agricultores e desta forma fortalece arede de relaes que envolvem a produo e o consumo de produ-tos ecolgicos.

    A construo social da ACOPA

    A partir da idia dos riscos que os alimentos industrializados re-presentam para os consumidores, o foco principal da ACOPA passaa ser a mobilizao dos seus associados no sentido de apresentarpara a sociedade as diversas implicaes relacionadas com a pro-duo de alimentos. Corresponde, na abordagem construtivista deHannigan (1995), ao processo de criao das exigncias. O pressu-posto dessa ao est fundamentado na seguinte formulao: como domnio de informaes, o consumidor passa a demandar pro-dutos que, segundo sua avaliao, correspondem aos seus interes-ses de atenuar riscos e obter alimentos que assegurem a qualidadenutricional. Dessa forma, so as atividades de disseminao deinformaes propriamente dita que predominam nas aes dessesnovos atores. So aes que se situam numa rede de entidades que

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    reconstroem novas condutas em relao sociedade de consumoe em relao natureza.

    Dentre as atividades para alcanar a meta de construir-se comoator, esto: visitas s unidades de produo; criao e distribuiode boletins informativos (com o intuito de esclarecer sobre os dife-rentes alimentos, dicas para uma vida mais saudvel, alguns tpi-cos para vivenciar prticas ecolgicas etc.); participao no Conse-lho Estadual de Agricultura Orgnica do Paran; campanhas paraangariar novos associados; campanha dos reciclados (sensibilizaodos consumidores para a retornarem os recipientes utilizados pe-los feirantes, beneficiando o agricultor e o meio ambiente); realiza-o do primeiro Encontro de Consumidores de Alimentos Orgni-cos;10 criao da logomarca; confeco de cartazes sobre alimenta-o orgnica, flder e filipeta para livros; e de camisetas e bonscom a logomarca da ACOPA11 (RUCINSKI, 2003).

    Entre as estratgias elaboradas por esse grupo de consumidorespara atingir seus propsitos, merecem ainda destaque as visitas sunidades de produo agrcola, pois proporcionam o fortalecimen-to da relao produtor-consumidor. Ao entrar em contato diretocom as condies de origem do produto, o consumidor reavivasua confiana na agricultura ecolgica e, simultaneamente, passaa valorizar mais o trabalho do agricultor. Constata-se in loco a pr-tica de uma experincia cuja informao foi inicialmente obtida nafeira ou em conversas informais, conforme j mencionado.

    A ACOPA no desenvolve estratgias agressivas nem uma lutademasiado conflituosa para consolidar sua legitimidade perante asociedade. preciso deixar claro que os associados atuam de ma-neira quase subterrnea na sociedade, ou melhor, atuam comoobreiros ou artfices no sentido de construir uma obra, levandosempre em considerao que um trabalho voluntrio situado nombito de um microcosmo social que pode ter um maior ou me-nor grau de ressonncia na sociedade ao longo do tempo. A tarefade disseminar informaes tendencialmente tem efeitos

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    multiplicadores, ao que tudo indica, nos elos da rede de produode alimentos ecolgicos em que a agroecologia sublinhada.

    A formao do ator em rede

    Como no Brasil no h um forte apoio poltico que fomente a pro-duo ecolgica12 nem existe um marco referencial nas polticas dedesenvolvimento que a impulsione, por meio das ONGs, associ-aes, institutos e cidados organizados voltados para essa ques-to que novos caminhos para a expanso desse movimento po-dem ser criados. As novas vias de comercializao que viabilizama economia agroecolgica so constatadas em feiras, disk-orgni-co, armazns, exposies, convenes com bancas para degusta-o ou venda nas prprias propriedades, como j foi dito.

    No mbito do mercado convencional, h alguns anos eram poucosos supermercados que vendiam alimentos ecolgicos. Atualmen-te, tais produtos esto presentes na maioria das grandes redes desupermercados. No entanto, o que se constata que, em geral, osalimentos ecolgicos so postos em meio a outros produtos deno-minados selecionados, alimentos advindos da agricultura con-vencional ou hidropnica, embalados com pacotes plsticos oucolocados em uma bandeja de isopor. Isso leva a constatar que hcerto aproveitamento do apelo ecolgico, pelos supermercados,pois h uma confuso das terminologias e marcas, e por vezes amesma fonte comercializa ambos os tipos de produtos: convencio-nal e ecolgico. Da a importncia de realizar aes por parte dasorganizaes dos consumidores para que seja informada com cla-reza a diferena entre os diversos tipos de produtos como diet, light,natural, de qualidade, ecolgico etc. Essa exploso de diversida-de de produtos agroindustriais que ocorreu nos ltimos anos nofala por si s; ao contrrio, so produtos com embalagens e rtulosde difcil distino pelo pblico leigo. Seja como for, trata-se deesclarecer as derivaes que surgem de acordo com o prprio cres-cimento do mercado de ecoprodutos.

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    Se pensarmos na atuao da ACOPA isoladamente, constata-se queem princpio no h confrontos oriundos do mbito da subpoltica,no se configurando uma contestao explcita. No entanto, se forpensada como uma conduta que se alia ao movimento da rede daagricultura ecolgica,13 sua importncia assume outra dimenso.

    Antes de tudo, est em jogo o prprio consumo, pois sem deman-da no h oferta, isto , se no houvesse consumidores, a agricul-tura ecolgica no existiria. Um dos objetivos principais da ACOPA aumentar no s o nmero de associados, mas tambm o nme-ro de consumidores e, assim, fazer com que aumente acomercializao mediante os meios de divulgao que elabora e,desta forma, torn-la compreensvel, desmistificando-a.

    A ACOPA, em seu micromovimento, realiza-se como um ator quese integra na rede agroecolgica. Seu apoio se faz, mesmo que in-diretamente, mediante interferncias que tornam possvel o am-plo movimento da agricultura ecolgica. Este movimento no con-texto atual j encontrou legitimidade social, proporcionou mudan-as no sistema legal, contestou a agricultura convencional e fezcom que o agricultor familiar encontrasse na agroecologia umaoportunidade de permanecer no campo. A maior sustentabilidadenas suas dimenses sociais, econmicas e tcnicas da agriculturaecolgica foi demonstrada por Darolt (2002), ao estudar os agri-cultores orgnicos da Regio Metropolitana de Curitiba.

    Por enquanto, a ACOPA est restrita Regio Metropolitana deCuritiba, mas isso no impede que avance em outros plos e queestabelea novas alianas nesta rede, mesmo porque pode abran-ger o Estado do Paran, uma vez que j foi solicitada a atuar emoutros ncleos.

    Sublinha-se aqui que na relao com o outro que o ator reco-nhecido, portanto no contato direto entre consumidor e produ-tor que os elos so reforados. Ento, conviver revitaliza a solida-riedade que corresponde ao elemento construtor e mediador de

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    novas relaes sociais. A ACOPA foi fundada sob esses princpiose em tais circunstncias os elos se confirmam, se articulam e sealastram pela rede que configura o movimento ecolgico.

    O que se pode considerar hipoteticamente que a atuao daACOPA junto com o movimento de agricultores ecolgicos, emescala maior, tem perspectivas de consolidar outros elos. H no-vos plos surgindo, como o caso da prpria rede ECOVIDA, for-mada por 21 ncleos constitudos por 180 grupos de famlias. Aotodo participam 2 mil famlias, portanto cada grupo possui cercade 11 famlias. A rede tem 100 feiras cadastradas, cinco cooperati-vas de consumo, oito empresas de alimentos e conta com o apoiode 21 ONGs. assim que a ACOPA torna-se mais um elo no movi-mento orgnico em geral.

    H uma comunicao informal que se institui entre todos os pon-tos que formam a rede do movimento agroecolgico, ainda que sepossam estabelecer outras comunicaes. Possivelmente a prprianoo de rede induz a pensar em algo semelhante idia de quetudo ocorre de maneira sincrnica. Dessa forma, o aumento doconsumo de alimentos ecolgicos aproxima-nos do pensamentode Giddens (1991) medida que contribui com feixes de princpi-os de polticas de vida. Por isso, salutar identificar de que modoos atores conduzem suas iniciativas, que destacam seu modo deconstruir o mundo, bem como as alianas que podero se formarno mbito local e no regional.

    Ressalta-se que a religao do urbano com o rural via consumidorimpulsiona a rede, pois, ao se relacionar com o agricultor, o consu-midor absorve um pouco do universo rural presente em suas razes.Esse reencantamento das relaes sociais permite pensar o ruralno urbano e vice-versa. uma integrao que viabiliza o resgatede identidades rurais muitas vezes apagadas da memria dos cita-dinos que no questionam como se d o percurso dos alimentosdesde a sua produo at a chegada aos pontos de venda. A rela-o direta entre consumidor e produtor reconstri saberes que

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    apontam dimenses rurais que resistem ao processo de industria-lizao da agricultura. O consumo de alimentos ecolgicos se fazsocialmente relevante ao possibilitar ao agricultor sua permann-cia nas atividades rurais e ao mesmo tempo revigora a dimensonatural da produo agrcola valorizando saberes e modos de vidaconstrudos e concebidos no meio rural.

    Entretanto, necessrio dizer que criar condies para a sobrevi-vncia do espao rural uma tarefa rdua. um desafio que oagricultor no consegue enfrentar sozinho, da a importncia deuma ao societria, como a da ACOPA, que faz com que se ex-panda o mercado de produtos agrcolas e se dinamize a produo.Se a demanda crescente, como constatado em dados recentes so-bre a evoluo da agricultura orgnica no Paran (DAROLT, 2002), por obra da sociedade, de consumidores e de produtores.

    O consumo de produtos ecolgicos pode redefinir, em certa medi-da, a lgica produtiva, pois nessa perspectiva se inserem uma re-organizao do sistema produtivo e a emergncia de um agricul-tor e de um consumidor que, contrapondo-se lgicaagroindustrial, constroem relaes socioambientais. Dessa forma, possvel elaborar um conceito de consumidor que simultanea-mente reconhece a lgica da produo e redefine relaes sociaisdominantes.14

    O consumo desse ator emergente considerado um mecanismoprincipal de legitimao, de controle social e de formao de iden-tidades nas sociedades modernas avanadas no final do sculo(SORJ, 2000: 45). Ento, segundo essa anlise, o consumo tem acapacidade de integrar fenmenos sociais, articular valores do ru-ral e do urbano e mediar relaes que permitem que o processo deintensificao e institucionalizao da agricultura agroecolgica seorganize progressivamente.

    No contexto das relaes contrudas pela ACOPA est a procurada cidadania, tanto do consumidor como do produtor. Assim, omercado passa a ter um outro peso social, valoriza saberes e prti-

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    cas que at ento pareciam estar ultrapassadas. Verifica-se o res-gate de particularidades rurais, como um estilo de vida possvel,mesmo com todas as interferncias das diferentes dimenses damodernidade.

    O perfil e a subjetividade dos atores

    Os consumidores associados so crticos cultura de massa ditadapela sociedade de consumo. medida que buscam divulgar umdeterminado tipo de alimentao, cujo padro no homogneo,posicionam-se como diferentes quanto aos hbitos alimentares, mastambm se apresentam como interlocutores de uma nova maneirade estar no mundo e de responsabilizar-se por ele.

    O consumidor como ator social no quer ser somente resultado daditadura formada pela escolha da maioria. Ele quer sobressair comominoria, fazer valer sua escolha por uma alimentao saudvel,por uma vida distinta da que posta pela conduta padronizada,que sufoca a liberdade de criar, de tentar ser indivduo, de conse-guir expressar sua vitalidade, sua arte.

    Portanto, a ACOPA, como ator social, constri um microuniversoque resiste aos imperativos ditados pelo sistema. preciso ter cla-ro que durante muito tempo a modernidade foi apenas definidapela eficcia da racionalidade instrumental, a dona do mundo quese tornou possvel pela cincia e tcnica (TOURAINE, 1994: 219).Hoje, no entanto, os novos atores redefinem a modernidade. Omundo subjetivo permaneceu ignorado, relegado pelo imprio darazo e da objetividade absoluta, e a subjetividade muitas vezesresultou em irracionalidade. A fora da subjetividade faz ver hojeo quanto o seu movimento inseparvel da racionalidade.

    possvel estabelecer novas formas de viver que se fundamentamem elementos da subjetividade. Esse grupo tem como premissas orespeito pelo meio ambiente, a busca de sentido para suas vidasou uma nova prtica civilizatria, como defendida por Guatarri (1991).

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    Ao analisar os integrantes da ACOPA, v-se que se trata de umgrupo diferente, mais solidrio, cuja preocupao se desprendedo foco inicial, que seria sua prpria sade, para se estender bus-ca de um mercado justo, da preservao do meio ambiente, comotambm contribuir para que o agricultor continue com seu traba-lho rural.

    O anseio pela qualidade de vida perpassa pela interao com ou-tros saberes, traduz-se por bem-estar no sentido existencial e noapenas no sentido material. Incluiu a qualidade das comunicaescom os outros e das participaes afetivas e afetuosas (MORIN,1997: 153). Assim, o consumo ecolgico evoca uma dimenso quetranscende o produto em si, pois nele esto subsumidos elemen-tos que tm uma significao prpria para esses associados.

    A viso do produto ecolgico atinge outros patamares que sorevitalizados por ideais solidrios. Ao mesmo tempo que a solida-riedade regeneradora, ela reveladora da identidade da ACOPA.Ela pode ser decodificada como uma vertente principiante da eco-nomia ecolgica, visto que se desenvolvem aes socioambientaiscoletivas de interesses mtuos. Consiste em um grupo pequenode consumidores que elaboram conhecimentos subjetivos que noanulam suas anlises objetivas, examinando criticamente os pro-dutos sob a tica da qualidade e dos efeitos que podem desenca-dear. Nesta experincia, pode-se afirmar que os consumidores sereeducam, se auto-regulam e se auto-organizam com a intenode estabelecer e rever prticas mais equilibradas em relao ao meioambiente.

    Ento, verificamos, por meio desta pesquisa, que se constri umanova cultura de consumo, alternativa aos padres convencionais,em que o elemento subjetividade tem papel relevante, especifica-mente como ressignificador da racionalidade, pois aciona aesreais da vida diria, do cotidiano. So significados, valores, ideais,crenas que compem as decises destes associados, ou seja, prin-cpios constituintes da subjetividade que reavivam o exerccio da

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    cidadania, que fazem valer suas opes e convices, reafirmandoo pensamento de Touraine (1984) quando define que o ator odesejo de ser indivduo, de explorar a vida segundo suas experi-ncias individuais com o universo social. Existe o desejo de elabo-rar prticas objetivas calcadas em vivncias subjetivas, isto , ao seconsumir, prima-se por elementos da subjetividade que so resga-tados e passam a ter sentido no cotidiano. Como afirma Souza San-tos (1997: 235), uma relao complexa entre cidadania e subjeti-vidade construda na vida diria, por isso mais uma vez precisoressaltar a importncia de estudar casos que adquirem sentido nombito local.

    Finalizando, poder-se-ia perguntar: qual o principal foco a seratingido por esses associados mediante esta juno racional e sub-jetiva, detectada pelas anlises realizadas? Tendencialmente, dir-amos que construir relaes socioambientais, tanto no plano ide-olgico quanto no plano prtico, tendo em vista que se trata de umconsumo ecolgico que visa diminuir a presso sobre osecossistemas e, concomitantemente, preza no somente por suagerao, como tambm pelas futuras.

    Consideraes finais

    Este trabalho procurou entender como uma questo ambiental apresentada socialmente na forma de um problema e como se rea-liza o encaminhamento de busca de alternativas conjuntas de so-luo. O problema em questo so os alimentos agroindustriais,tidos pelos consumidores como produtos que apresentam riscospara a sade.

    A ACOPA emerge como um ator que busca construir estratgiascom a finalidade de difundir informaes relacionadas com alter-nativas ecolgicas de alimentao. Surge num espao decomercializao de produtos ecolgicos organizado pela Associa-o de Agricultores Orgnicos do Paran (AOPA): a feira munici-pal de produtos orgnicos. Nesse sentido, a feira proporciona re-

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    laes diretas entre produtor e consumidor, estimulando a cons-truo de relaes sociais que extrapolam a dimenso econmica eultrapassam o seu mbito de comercializao. Pode-se afirmar,assim, que os consumidores que irrompem na forma de atores so-ciais encontraram nas relaes interpessoais de sociabilidade, quese construram na feira, foras para construir um projeto coletivode mobilizao social. Um dos principais motivos que levaram essesatores a se organizar foi a idia de risco dos alimentosagroindustriais.

    A associao construda mediante diversas atividades informati-vas, tendo como eixo a divulgao da forma de produo, decomercializao e de componentes dos alimentos. A aproximaodos consumidores com os produtores, inicialmente na feira e de-pois nas unidades de produo agrcola, forma pontos de ligaoentre consumidor e produtor e, dessa forma, se restabelece a con-fiana entre profissionais da produo de alimentos ecolgicos(agricultores) e consumidores. Esse processo de reaproximaoenvolve dimenses subjetivas e objetivas na anlise de produodos alimentos.

    A contestao das formas convencionais de produo de alimen-tos, contudo, no ocorre apenas no mbito restrito da Associaodos Consumidores, como em princpio se poderia supor. A ACOPArepresenta uma das unidades de uma rede de atores, e nesseconjunto articulado que a contestao realizada na sua prtica,vale dizer, mais diretamente no mbito da organizao das rela-es sociais e tcnicas de produo.

    A rede de produo-consumo de alimentos ecolgicos reconstri,assim, relaes entre o rural e o urbano, em que, de um lado, oagricultor revitaliza o campo, mediante relaes socioambientais,e, de outro, o consumidor, ao demandar produtos ecolgicos quelhe conferem maior segurana alimentar, constri-se como um atorsocial e como um novo cidado.

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    Notas1 Noo definida por Alain Touraine, conforme se explicitar ao longo

    do texto.2 A expresso alimentos ecolgicos refere-se a produtos alimentares de

    diversas correntes da agricultura ecolgica (orgnica, agroecolgica,biodinmica e outras), embora este texto trate da construo de uma as-sociao de consumidores que se identificam como orgnicos.3 Na maioria dos pases, existe uma poltica de proteo ao consumidor

    que estabelece limites mximos de resduos de agrotxicos nos alimen-tos, de acordo com uma srie de parmetros toxicolgicos. Aqui no Bra-sil, foi editado em 4 de janeiro de 2002, o Decreto n. 4.074, que regula-menta a Lei n. 7.802 (Lei dos Agrotxicos), dispondo de modo muitomais amplo as instrues sobre pesquisa e experimentao, produo,embalagens e rotulagem, transporte e armazenamento, comercializao,propaganda comercial, importao, exportao e destino final dos res-duos e das embalagens dos agrotxicos. Nesse decreto, est previsto oestabelecimento de postos de recebimento para armazenamento provis-rio das embalagens vazias de agrotxicos, com o objetivo de reciclagem,incinerao ou destinao adequada. O abandono das embalagens nocampo e o seu reaproveitamento para outros fins sempre foram um pro-blema toxicolgico e ambiental no pas. Esse decreto define com maiorclareza as atribuies de cada rgo federal responsvel, quer sejam osMinistrios da Agricultura e da Sade (Agncia Nacional de VigilnciaSanitria), quer seja o Ministrio do Meio Ambiente (Ibama), visandomanter atualizados e aperfeioados os mecanismos destinados a garantira qualidade dos agrotxicos, tendo em vista sua eficcia agronmica e asegurana sade humana e proteo ambiental.4 Cf. palestra proferida no Primeiro Encontro de Consumidores Org-

    nicos do Paran, realizado em novembro de 2001, na Casa do EstudanteLuterano, em Curitiba.5 Anotaes de palestra do Primeiro Encontro dos Consumidores Org-

    nicos do Paran, realizado em novembro de 2001, na Casa do EstudanteLuterano, em Curitiba.

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    6 Evidencia-se aqui uma crise paradigmtica decorrente das falhas dacincia moderna, dentre as quais a recusa em admitir o carter racionalde outras formas de conhecimento (senso comum, arte, filosofia, literatu-ra, religiosidade etc.), determinando-se detentora da verdade absoluta.7 Segundo agricultores e analistas, a produo ecolgica requer mais

    mo-de-obra e ainda perde em produtividade.8 Essa relao diferenciada no tocante ao consumidor tradicional fruto

    de uma fidelidade na transao comercial atestada pela freqncia cons-tante dos feirantes. Segundo a pesquisa realizada, 58% dos freqentadoresso consumidores permanentes da feira orgnica. Nesse caso, pode-seafirmar que a alimentao orgnica tornou-se hbito na dieta alimentar,incorporando-se na composio do estilo de vida desses consumidores(RUCINSKI, 1999).9 O Conselho de Agricultura Orgnica do Estado do Paran composto

    por rgos do Governo do Estado e representantes da sociedade civil.10 Ciclo de palestras que envolveram profissionais pesquisadores na rea

    de sade.11 Todas essas atividades podem ser muito importantes para despertar

    o pblico para a problemtica ambiental (HANNIGAN,1995: 63).12 No entanto, deve-se observar que na atual poltica de apoio agricul-

    tura familiar (o PRONAF) j existe incentivo agricultura ecolgica.13 A rede de agricultura ecolgica ECOVIDA abrange os Estados do

    Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e, alm de uma atuao emrede, inovou na forma de certificao dos agricultores: implementou umprocesso de autocontrole da produo ou fiscalizao participativa.14 O fato de constatar-se que esto ocorrendo mudanas nas lgicas de

    produo e nas relaes de consumo no significa dizer que estasredefinies se tornaro hegemnicas no contexto da sociedade atual.

    Alfio Brandenburg, Jeane Rucinski & Pedro Silva Junior, Os novosatores e o consumo de alimentos ecolgicos: a associao de con-sumidores de produtos orgnicos do Paran ACOPA. EstudosSociedade e Agricultura, abril 2008, vol. 16 no. 1, p. 54-82. ISSN 1413-0580.

    Resumo. (Os novos atores e o consumo de alimentos ecolgicos: aAssociao de Consumidores de Produtos Orgnicos do Paran Acopa). Este texto trata da emergncia de novos atores na socieda-

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    Os novos atores e o consumo de alimentos ecolgicos...

    de de consumo. Mediante um estudo de caso, analisa-se como umgrupo de consumidores de alimentos ecolgicos se mobiliza nosentido de construir uma associao de consumidores: a Associa-o de Consumidores de Produtos Orgnicos do Paran-Acopa.Trata-se de um estudo orientado pela abordagem construtivista,segundo Hannigan(1995). Nesse sentido, apresentam-se as condi-es para o surgimento de novos atores na esfera do consumo dealimentos, bem como analisa-se como os consumidores articula-dos em rede constroem-se enquanto ator coletivo. O estudo mos-tra que a relao entre a Rede Ecovida de Ecologia e a Associaode Consumidores-Acopa constitui uma forma de relao rural-ur-bano em que dois tipos de atores instituem-se: o agricultorsocioambiental e o consumidor-cidado.

    Palavras-chaves: atores consumidores; organizao do consumi-dor; abastecimento alimentar; consumo de alimentos ecolgicos

    Abstract. (New Actors and the Consumption of Ecological Food: TheParan Organic Products Consumers Association). This text deals withthe emergence of new actors within the context of consumer society.I use a case study to analyze how a group of consumers of organicagricultural products get together to build a consumers association:the Paran State Association of Consumers of Organic Products (Associao de Consumidores de Produtos Orgnicos do Paran-ACOPA.) My study uses a constructivist approach, as suggestedby Hanigan (1995). Following in this vein, I discuss the conditionsin which new actors in the sphere of food product consumptionhave emerged. I then go on to analyze how consumers put networkstogether and thus become a collective actor. The study specificallydemonstrates how the relations established between the EcovidaEcology Network and the ACOPA constitute a type of rural-urbanrelationship within which two types of actores come into existence:the socio-environmental farmer and the citizen-consumer.

    Key words: consumer actors; consumer organization; food supply;consumption of organic food products.