Novo Sindicalismo, 40 anos depois...40 anos depois SINDICAL Marcos Jakoby* O movimento emergido em...

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54 ESQUERDA PETISTA #10 - Agosto-Setembro 2019 Novo Sindicalismo, 40 anos depois SINDICAL Marcos Jakoby* O movimento emergido em 1978 colocaria em cena uma nova classe trabalhadora, configurada no contexto da ditadura militar e ainda pouco experimentada na luta política e na luta de massas E m 2018 completaram- -se quarenta anos do que se convencionou chamar, tanto no movi- mento sindical quanto em meios acadêmicos, de Novo Sindicalismo. Ressurgia, em 1978, no cenário nacional, um amplo movimento sindical que se ca- racterizaria como uma novidade no cam- po sindical e político, tanto em razão da adoção de práticas distintas, quanto por marcar um novo ciclo na história da clas- se trabalhadora e do país. O movimento emergido em 1978 co- locaria em cena uma nova classe traba- lhadora, configurada no contexto da di- tadura militar e ainda pouca experimen- tada na luta política e na luta de massas. Em 1979, Lula, a principal liderança sur- gida do ciclo que se abria, fazia a seguinte constatação: “o que está existindo lá no ABC, principalmente em São Bernardo, é uma massa jovem de trabalhadores, pessoas que não aceitam esse tipo de exploração, que querem participar da vida política do país, que não viveram o populismo de Getúlio Vargas” (SILVA, 1981:179). O movimento operário e sindical, que ascende a partir de 1978, é o principal fato político e social do final daquela década, contribuindo, de forma determinante, para a derrota da di- tadura militar. Para aqueles que se alinhavam à com- preensão de que surgia um novo sindicalis- mo, estabeleceu-se o entendimento de que se tratava de algo diferente em termos de organização, luta e padrão de atuação do movimento sindical. Dizia-se mais: trata- va-se uma ruptura com o velho sindicalismo, muitas vezes denominado de populista. Era um recorte, sobretudo, com o sindicalismo constituído no período entre 1945 e 1964. Era, ademais, um modo de se contrapor às correntes sindicais que tiveram grande influência sindical no pré-1964, especial- mente às ligadas aos trabalhistas e comu- nistas, que ainda estavam presentes no movimento sindical no final da década de 1970 disputando com o novo sindicalismo a hegemonia no movimento sindical. A caracterização do sindicalismo po- pulista acentuava que a derrota da clas- se trabalhadora e da esquerda diante do golpe civil-militar de 1964 derivava do caráter passivo dos trabalhadores perante o patronato e do atrelamento de suas orga- nizações ao Estado. Assim, salientava-se a fragilidade do sindicalismo no pré-1964, o qual estaria preso a uma espécie de “camisa de força”. De um lado, a ação dos trabalhadores estaria submetida a uma estrutura sindical corporativista que inviabilizava uma atuação autônoma; e, por outro lado, o populismo político que, utilizando da demagogia e da manipulação, teria orientado os trabalhadores e suas organizações para uma política de colabo- ração de classes.

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Novo Sindicalismo, 40 anos depois

SINDICAL

Marcos Jakoby*O movimento emergido

em 1978 colocaria em cena uma nova

classe trabalhadora, configurada no

contexto da ditadura militar e ainda pouco

experimentada na luta política e na luta

de massas

Em 2018 completaram--se quarenta anos do que se convencionou chamar, tanto no movi-mento sindical quanto em meios acadêmicos, de Novo Sindicalismo.

Ressurgia, em 1978, no cenário nacional, um amplo movimento sindical que se ca-racterizaria como uma novidade no cam-po sindical e político, tanto em razão da adoção de práticas distintas, quanto por marcar um novo ciclo na história da clas-se trabalhadora e do país.

O movimento emergido em 1978 co-locaria em cena uma nova classe traba-lhadora, configurada no contexto da di-tadura militar e ainda pouca experimen-tada na luta política e na luta de massas. Em 1979, Lula, a principal liderança sur-gida do ciclo que se abria, fazia a seguinte constatação: “o que está existindo lá no ABC, principalmente em São Bernardo, é uma massa jovem de trabalhadores, pessoas que não aceitam esse tipo de exploração, que querem participar da vida política do país, que não viveram o populismo de Getúlio Vargas” (SILVA, 1981:179). O movimento operário e sindical, que ascende a partir de 1978, é o principal fato político e social do final daquela década, contribuindo, de forma determinante, para a derrota da di-tadura militar.

Para aqueles que se alinhavam à com-preensão de que surgia um novo sindicalis-mo, estabeleceu-se o entendimento de que se tratava de algo diferente em termos de organização, luta e padrão de atuação do movimento sindical. Dizia-se mais: trata-va-se uma ruptura com o velho sindicalismo, muitas vezes denominado de populista. Era um recorte, sobretudo, com o sindicalismo constituído no período entre 1945 e 1964. Era, ademais, um modo de se contrapor às correntes sindicais que tiveram grande influência sindical no pré-1964, especial-mente às ligadas aos trabalhistas e comu-nistas, que ainda estavam presentes no movimento sindical no final da década de 1970 disputando com o novo sindicalismo a hegemonia no movimento sindical.

A caracterização do sindicalismo po-pulista acentuava que a derrota da clas-se trabalhadora e da esquerda diante do golpe civil-militar de 1964 derivava do caráter passivo dos trabalhadores perante o patronato e do atrelamento de suas orga-nizações ao Estado. Assim, salientava-se a fragilidade do sindicalismo no pré-1964, o qual estaria preso a uma espécie de “camisa de força”. De um lado, a ação dos trabalhadores estaria submetida a uma estrutura sindical corporativista que inviabilizava uma atuação autônoma; e, por outro lado, o populismo político que, utilizando da demagogia e da manipulação, teria orientado os trabalhadores e suas organizações para uma política de colabo-ração de classes.

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Essa caracterização, contudo, atu-almente é relativizada e contestada em muitos aspectos pela historiografia. Ao olharmos e analisarmos a experiência da classe trabalhadora daquele período, in-clusive em âmbito sindical, perceberemos que a caracterização acima se mostra pro-blemática e insuficiente. Ao mesmo tem-po, muitas lideranças e setores cutistas reconhecem hoje no “velho sindicalismo” uma herança importante de lutas e tra-jetórias, que não podem ser ignoradas, identificando entre o velho e o novo sin-dicalismo rupturas, mas também conti-nuidades.

No período subsequente, a partir do golpe militar de 1964, desenvolveu-se, por meio do Estado, uma nova política

salarial e trabalhista que aumentava o grau de exploração sobre a classe trabalhadora assa-lariada, estabelecia o fim da estabilidade no emprego, permitindo assim aumentar a margem dos lucros por meio da incor-poração de novos trabalhadores com sa-lários menores. O fim da estabilidade no setor privado teve também o objetivo de minar a organização sindical, uma vez que muitos de seus dirigentes e represen-tantes tinham na estabilidade uma pro-teção contra ameaças e demissões. Todas essas condições favoreceram o cresci-mento econômico entre 1968 a 1974, que atingiu índices de crescimento entre 9% a 10%.

É dentro deste contexto que se dese-nhará uma nova configuração da classe tra-balhadora: “A intensificação da introdução de plantas industriais modernas e sua con-centração geográfica (processo que se inicia em fins dos anos 1950) vão possibilitar o surgimento do que se convencionou cha-mar de “nova classe operária”. Ainda que não exclusivamente, serão estes os atores que despontarão mais tarde, auxiliando na crise final da ditadura militar.” (SANTANA, 2014: 172).

Entre 1978 e 1979 a classe trabalha-dora voltaria, depois de muitos anos e diante do arrocho salarial, a mobilizar-se de forma mais aberta e combativa, ini-ciando um intenso processo de mobiliza-ção que contribuiu na luta pela transição democrática. “O ponto inicial desse ciclo de lutas é a greve na fábrica Saab Scania do Brasil, deflagrada no dia 12 de maio de 1978. É nesse contexto que o “novo sindicalismo” emerge na cena política do país chamando a atenção de amplos setores da sociedade, por meio do Sindi-cato dos Metalúrgicos De São Bernardo do Campo”.(MELLI, COSTA e VISCOVI-NI, 2013: 07). A disseminação das greves

em 1978, que não ocorreu somente no ABC paulista, ou tampouco no eixo Rio-São Paulo, mas em todo país, representava um enfren-tamento à ditadura e aos capitalistas; e, tal situação, revelou a existência de contra-dições, posturas e táticas diferentes fren-te à conjuntura no movimento sindical.

É possível identificar, no movimento sindical do final da década de 1970, dois grandes blocos, “de um lado, os chama-dos sindicalistas autênticos reunidos em torno dos sindicalistas metalúrgicos do ABC, agregando sindicalistas de diver-sas categorias e partes do País, os quais, com os grupos integrantes das chamadas Oposições Sindicais compunham o autode-nominado bloco combativo”, de outro lado “a Unidade Sindical que agrupava lideran-ças tradicionais no interior do movimen-to sindical, muitos deles vinculados aos setores denominados pelegos, e os mili-tantes de setores da esquerda, tais como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista do Brasil (PC do B) e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8). Estes dois blocos seriam as bases de sustentação dos organismos intersin-dicais de cúpula.” (SANTANA, 1998:21).

O primeiro bloco, sintonizado com o que seria chamado de novo sindicalismo, o qual desembocaria na formação da CUT e que se constituiu como importante ver-tente do Partido dos Trabalhadores (PT), defendia a mobilização, a organização autôno-ma dos trabalhadores e o enfrentamento por meio da greve, quando necessário. Já o segun-do bloco “apesar de reconhecer a legiti-midade das demandas dos trabalhadores, achavam que o momento político vivido pelo país era muito delicado e a prioridade da agenda da nação era a garantia da aber-tura democrática e, portanto, o momento não era de confronto, o que não significou, por sua vez, que não dessem apoio as lutas

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operárias” (MELLI, COSTA e VISCOVI-NI, 2013: 08). Hoje, ao fazermos um ba-lanço das implicações destas diferentes orientações, é razoável afirmarmos que a postura de mobilização aberta e de con-testação política, que preponderou, foi um ponto de apoio fundamental para a derrota da ditadura militar e a transição democráti-ca. Acumulou forças para organização e consciência da classe trabalhadora, bem como para assegurar importantes direitos sociais e trabalhistas na Constituição Fe-deral de 1988.

A CUT, fundada em 1983, na esteira no do novo sindicalismo, surgiu com o compromisso de lutar pela mudança da estrutura sindical visando conquistar a liberdade e autonomia sindicais, de pau-tar um sindicalismo classista e comba-tivo, que primasse pela organização nos locais de trabalho, mantendo a autono-mia e a independência frente ao Estado e ao patronato. Hoje, passados mais de 40 anos da emergência do Novo Sindicalismo, pode-se dizer que muitas conquistas fo-ram obtidas e que importantes avanços na organização da classe foram constru-ídos. Contudo, a superação completa da estrutura sindical corporativista ainda está por ser feita - e se mostra mais difí-

cil do que se previa - e, por outro lado, há lideranças e setores dentro e fora da CUT que rebaixaram os objetivos e o perfil do Novo Sindicalismo surgido no final da dé-cada de 1970.

Por fim, cabe ressaltar que hoje, o sindicalismo combativo e surgido do Novo Sindicalismo tem um desafio tão grande quanto àquele do final da déca-da de 1970: ajudar derrotar o golpismo e toda a coalizão que levou o bolsona-rismo ao governo, cujas medidas se caracterizam por uma sucessão de ata-ques aos direitos e conquistas da classe trabalhadora, inclusive a sua possibili-dade de se organizar e de lutar. Neste sentido, as lutas sindicais e operárias daquele período nos legaram uma li-ção: será necessário muita organização, mobilização de massas e uma orientação de confronto político com as classes dominantes com vistas a criar as condições que tor-ne possível às forças populares e demo-cráticas saírem da defensiva e abrirem caminho para um ciclo de profundas transformações em nosso país.

*MARCOS JAKOBY é professor da rede municipal de Sapucaia do Sul /RS e militante petista.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA FORTES, Alexandre [et al]. Na luta por direitos: leitu-ras recentes em história social do trabalho. Campi-nas, SP: Editora da Unicamp, 1999

JAKOBY, Marcos André. A organização sindical dos trabalhadores metalúrgicos de Porto Alegre no perí-odo de 1960 a 1964. Dissertação de Mestrado, UFF. 2008.

MELLI, Ana Paula; COSTA, Hélio da; VISCONVINI, Le-nir. O Novo Sindicalismo e a Fundação da CUT. Carti-lha da CUT, São Paulo. 2013.

MUKANATA, k. O lugar do movimento operário. Anais do Encontro Regional da ANPUH/SP. Araraquara, ANPUH/UNESP, 1980.

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SANTANA, Marco Aurélio. O ‘Novo’ e o ‘Velho’ sindi-calismo: Análise de um debate. In: Revista de Socio-logia e Política, Curitiba, 1998.

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WEFFORT, Francisco. Origens do sindicalismo popu-lista no Brasil. Estudos Cebrap, n. 4, 1973.

Foto: Vera Jursis

Congresso de fundação da CUT em São Bernardo do Campo. Agosto 1983

A CUT, fundada em 1983, na esteira no do novo sindicalismo, surgiu com o compromisso de lutar pela mudança da estrutura sindical visando conquistar a liberdade e autonomia sindicais