Novo Orbe Serafico Brasilico. Vol. 2

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Frei Antonio Santa Maria Jaboatão

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  • i~OVO ORBE S

    ,

    FR. ANTONI E SANTA MARI JABOAT1M.IMPR~SSA EM LISBOA EM 1 61,

    VE RErMPRESSA. POR ORDEl\1DO

    VOLUME I.

    ~==--

    RIO DE I'.LI..NEIROTYP. BR.\SILlE[JSE DE M tMIA O COMES HIBEmO

    RUA n 5. 1 .~O N. 11 th

    1858.

  • DE()Lil.Hil.~.i.O.

    E.ta cdi\'a conserva quanto he posslrcl a orthografia da prlmeifll.

    BIBuonc!' DD ~ENnDO UDfRAlEste volun " __\~h.l-$a}' . tradosob nmuo ~1~(_ ,.: _.

    - '?'7 iJdo ano de L;!. :J.......__

  • ANTILOQUIO.

    ~.-

    Sendo em totIo o tempo difficullosa empreza, a de escrever{IUalquer Hisloria, esla, a que nos deslina o forle, se bem suavellreceito da obediencia, por lodos os seus principios se faz

    . ainda mais arriscada., tanlo por parle de quem a escreve, e Ibedeve dar a alma, com que lia de reviver, como pelos elemen-tos dc quc necessila, para a perfeita organizaa do seu corpo,e das parles de que esle se ha de compor.. Pelo quc a nstoca, na encarecemos a impropora da escollla; porque ajulgamos mais Providcncia superior, do que deslino dos ho-mens. Pois encarrrgando os l)relados da Provincia, ja desdee seculo passado, e neste presenle, a dous Padres della, 'desciencia, e literatura, eSla.occupaa, do primeiro s achamosalguns aponlamentos, e do segundn cousa ncnhumal A- estes ses~guio o P. M. FI'. Rafael l'Ovincia como orfailda honra, e gloria, que lhe podia resullar se pela fraze desleMeslre corressem os characler.es, e expressoeus dos seus elo-gios.

    E se estes sujeitos ele la dislincra graduaa, e literaturana' pudera-vencer, o que ns agora, com a nossa fraqueza, einsufficicncia, chegamos a conseguir, raza nos sobra para en-tendermos fora isto na lanlo disposia dos homens,. comoSuperior Providencia, que rejeil::lIldo para em prezas arduas osmais Sabias, e avuHados, escolhe llluitas vezes para ellas os maishumildes, e de menos- nola. (a) E assim lJa encarecemos ])O\'aqui a difficuldad'e da em.p'l'f.za; porque ella per si se eSl in-culcando." ~las a lllesm;la~f)vidcn;:;." que assim la SRave-mente o disps, com a me ,na lhe encaminhar os meios, emoslrar o fim, sempre desigual s nossas foras. He veruadc,que oecorrendo-nos algumas vezes e nmorlecido descuido, quP.

    (a) ALJsconisli lime fi Snpicntibus. Et rcvclasli cn pnrvulis. 1\1,,',11. 28.

  • iI.

    I1aYia naqnelles, a quem se cmellera esle emprego, me sen-lia com lIuns repentinos impulsos para elle; mas em continenteafIroxHva o espirito na consitleraa de que por falta de ca-

    -hedaes necessarios, e proprios I)ara hum a tal Obra, ainda quelhe dessemos principio na lhe chegaramos.a pr o fim, e ser-l'iria enta de Fabula repelida aos que repassassem pela me-moria o nosso atrevimento, e pocleria contar da nossa presumida ignorancia o que da pobreza de outro se conta, que semlan.ar as medidas ao cabedal qn.e Linha, comeou a obra, qu edepois, por indigencia, na poele acabar. (h) E principalmente,

    . quando para tanto empenho nos faltava o mais solido funda-mento, que era o elficaz preeeilo da Obediencia, para po~lercom a sua virlude superar os nossos defeilos, e vencer tantas,e ta conhecidas ditnculdades. (r.)

    Tambem se na fazia este empenIlo menos difficil, por parte'dos elementos precisos para esta Chronica. Era este3, o sup-plemento certo, e irrefragavel das noticias, e papeis espalhados pelos Al'chivos lIos Conventos de toda a Provincia, c seusc;artorios. Para estes deterrllinara os Paures ela Mesa da Dif-finia no Capitulo Provincial de 2 de Dezembro de 1752, Cas-semos o companheiro, e Secretario do P. Provincial, para quecom a pensa de correr, e visitar com elle a Provncia, l)udes-semos entrar melhor pelo trabalho de ver os seus Archivos, re-ver papeis, e esquadrinhar noticias; o que tuelo fizemos, semreserva de algum, e sem fugir a esta laboriosa, e, , primeira.'ista, quasi infrllctifera diligencia; porque achamos nelles tal)OUCO, que registar, e estes em tal forma, que mais nos serviade embarao ao discurso, elo que de norte, e luz para a histo-ria, que sendo a verdade, a que lhe deve elar o ser, e alma,e devendo ella constar de noticias, e documentos certos,lJem se deixa ver o quanto sem estes fica dilli::ullosa a sua com-]Josia. cI. isto accrcscia outro inconveniente grave, e quasi im-possivel para ser ..vencido, e hc o ser historia esta, que lia decomprehender na s o passado, tambem o presente, o moder-no, e o antigo. E se qualquer destas partes s per si, e sepa-rada, causara nOl

  • lHo

    arriscalla a cxprcssa; (ti) quanto mais nesta, que se ha decompor destes lIous tempos, e ta encontrados. Propomos,porm, pela rerdade, que professamos, de Ila faltar com olouvor a quem o merecer, nem menos com a critica aonde fornecessaria; mas com ta justa, christa, e Religiosa medida,que neste modo de expressa na seremos predominadosue excesso algum exorbitante, nem de paixa para a critica,nem de a[ccto para o louvor.

    Satisfeitas assim as partes, que constituem arriscada, sobrellimcullos, esta Obra, ainda nos resta outra, e sem duvida amais dimcil, e he o dar-lhe titulo adequado, c que na exceua afachada do titulo a medulla, ou substancia de dentro; e porisso darcmos tambem a raza do que lhe damos. fIe este o deOrbe Serafico, novo, Brasilico, que em fraze mais commfia, heo mesmo, que Chronica Sera(ica da Provincia de Santo Anto-nio do Brasil da America lIIeridional, e Novo lIIundo, chamo-lheOrbe, li novo, na porque queira dizer que he novo este titulode Orbe; pois ja, e muito antes que ns, o deo o Padre Guber-natis. sua Obra, que escreveo de toda a Ordem, intitulando a:Orbis Sel'aphicus; porque nella se continha as Actas da Familia Franciscana, e Seraf]ca espalhada, e dispersa por todasas quatro partes do Lllund0, como Europa, Asia, Africa, e Ame-rica, as quaes juntas se chama Orbe, Redondeza, ou Mundo;e islo bastou quelle Autllor grave para que lhe viesse com pro-priedade o nome de Orbe sua Obra. Da mesma sorte se fazproprio para a nossa este nome; porque a esta s parte daAmrica, na qllal ha de tcr a Slla parte esta historia, chamaos Authores todos Novo Mundo, na obstante ser lIuma s partedelle. Assim tamhem, ainda que a historia, quc escrevemos,na abarque a todo este Novo Mundo, mas s n alguma parledelle, como he a do Brasil, lhe compete, imilaa daquelle, oo nomc de Orbe; e por consequencia o de Novo; Ila s, por-que novo se chama o Paiz, do qual esta Obra ha de cOlllr hu-ma grat](~e partc, mas tamhem, por se escrever tantos anilasdepois daquelle ele Guematis, pois he fraze cornnJlla no mes-mo mundo, qtiando nclle r('IH1~ce, ou apparece alguma cousacom o nome de outra, qUI;) ja houvc, para dislina do antigo,chamar-se novo, o qnc he moderno, e vem depois: e no mes-lllO Illundo, e parte delle, em que estamos, lemos o exemplo;pois a esta s quarta parte, que hc a America, chama os Au-

    (d) Velera, et scripla a1iis ]larala jnqlli~itio, sef! onerosa collalio; in-tacta, ri nOl'a graycs on','mre, Icyis gratia. l'lin. Jib. Ii. Epist. 8

  • IV,

    thores, como se disse, Novo Munclo, por se descatrir muitodepois das tres primeiras, que cra o ~lulldo antigo, ou primei-ro Mundo; e por isso, com uma naturalidade muHo proprla,vem tamtem " este nosso Orbe O nome de Novo; e por tratardos Frades Menores, lia de ser Serafico, como "quelle outro; cpor sei' da Provincia do Brasil, se deve denominar, ou distin-guir, com o ;Hlllilamenlo de Brasilico, E com todas estas ra-zoens, bem se conforma com esta Oura o tilulo qne lhe damos,c que na poder haver sobre elle parecer algum encontrado,que na degenre para huma critica impertinente, e mais mor-daz, do que judicios",

    Tambem esta julgamos na pde ter lugar sobre a fraze, es-tyl0, methodo, e ordem, que seguimos: 11 ordem, e methodoha de ser conforme a carreira dos anuas, e fundaoens dosConventos, pela mesma, com que prccedera huns aos oulros,e na discripa de cada hum, ahi lhe ajunlaremos tudo o quelhe pertencei', como Gasos succedidos, Religiosos, que. nellesflorecera em virludes, eahi esta sepultados, por na fazer-mos repetioens, ainda que pelo decurso do tempo aconleces-sem peregrinos, e oraoens fraze'adas, buscando as mais pmprias, enaluraes voze!>, e com que melllor se explique, e entenda humaHisloria, que ha de servil' para todos; porque assim, nem osmenos sabios a deixem de perceber por 111l1Y elevada, c cu!la~e nem os mais ente.nllidos a desgostem por muilo humilde, erasteira,

    Soure a cilaca de Authores, na duvidamos ser nOlados ueo fazermos muito poucas vezes; mas ser por aquelles, que naadvertirem, e!>crevemos a Hisloria primitiva de humaproveitamos para ella, das noticias da mesma Pro vinci a, e nemestas as achamos em livros, ou quac\ernos, onlenados com

  • 'V.

    titulos, capitulos, c numeras, e s em alguns papeis, e assenlosavulsos, e por Isso muitas vezes, ou quasl sempre, os na apon-tamos margem.

    Na descripa das CapiLanias, e suas fundaoensl quanllo henecessario, e ha lIuvldn, npontamos os AULhores, e quando nes-Les nn achamos o anno, em que aconLecera algumas dellas,e outros varias snccessos no Laveis, fazemos muito para o as-signar conforme as occulTencias do tempo. apontando os prin-cipios, e motivos para o fazermos assim; como especialmentese pde ver em a ida de Diogo Al\'ares Caramur da nahia aFrana, que por nenhum principio pollia ser no reynado deHenrique de Val6is, e CaLhariua de Medieis, conforme o escrevem todos j apontando em ouLros muitos o cerLo, como certo,e o duvidoso, como tal.

    Outra censura mais, e talvez causa das muitas, que podercahir sobre esta escrita, he o pouco tempo, que tomnmos paraella, porque, se o quizerlllos reduzir a annos, na se poderacontar por muitos, pois ainda agora, que a completamos, nachega a dous j sendo ns aproprio amanuensc, e escrevendoda nossa.letra dous volumes deste theor, lcm de outros muitostraslados, como em similhante especie he preciso: c fazemosesta repelia, na para credito, ou inculca de alguma capa-cidade, e s do nosso trabalho, e principalmente para que pos-sa merecer melhor desculpa os erros, ou descuidos, que apcrspicacia dos discretos, e apurados Leitores lhe puder des-courlr, e que com chal'ilatil'a, e fraternal advertencla emenda-remos para o diante.

  • ", ".

  • I\EAl\IGULO

    AO NOVO ORBE 8ERAFICO,BRASILIGO.

    lN.~~SSIM como, o que penende entrar a primeira vez-em alguma Cidade, ou outra qualquer pane do mundo.>aonde nuuea foy, ou atravessar algum caminho, peloqual ainda no passou, para ir mais advertido das suascrratas.> e melhor pratico dos costumes do Paiz, procuralevar guia experiente, Oll tornar falia anticipada ; assimagora, para que, os que quizerern entrar a uiscorrer poreste novo Orbe, no tropecem, ou por ignorantes, oucomo inadvertidos, em algum lrpo, expresso, ou outraqualquer passagem, que lhes possa senil' de pedl':l deescandalo-, pal'u formar contra eUe alguma critica, ouao lllenos queixa, lhe pomos aos olhos este tlesvio, parao declinar de todo o tropeo, e embarao; e por issocom proprietlade lhe chamamos Prcmnbulo, que quel'dizer em boa fraze, o Passador, ou Gu~'a, que vay diautedescobrindo, daudo passos, mo::.traudo o caminho, fa-zendo explicaoens, e notas a quem o segue; porquepara discorrer com acel'lo por uum novo Orbe, ouMundo novo, sa necessarias primeiro certas en tradas,e passeyos, que he o que em todo o seu sentido signi-fica a palavra latina, ou o verbo Pn(]lt171bu!o.

    JAnOATAAI. "OL. I. 1

  • 22: Compem-se toda a rCUollt Jza deste novo Orbe deduas partes principncs, que lhe dn todo o sei', e adr-nn todo o seu granrle corpo, qne vem a ser, os douscspeciaes distinctivos ele Se7'a(ico~ c Btasilico ; e nestesconrrsponc1em tambem dous descobrimentos seus, comoobjeclos principaes de toda (sta LJisloria, hum temporal,oulro espiritual. Pelo espirilnal he todo Serafico, emqnanto dizemos, foy descoberto pelos Frades Menores,filhos do Serafico Patl'iarcha, como melhor explica-remos no livro Ante-primeiro a toda a historia, que acl1es perlcnce nesle novo Orbe. Pelo temporal heBrasiUco todo, e isto he o que agora vay a mostrar este

    P1'eambi!lo~ e assim entra elle ja como guia particlllar~e certo demonstrador, a fazer as suas Digresses, ouPass((gens de humas a ontras parles do novo Orbe, eem cada hnll1a dellas snas pansas, 011 Eslancias~ ex-pondo, (leclal'ando, e explic:lndo nellas tndo o que forneccssario para que o novo Caminhante, ou curiosoPnsseador, que pOl' elle quizer enlrar, ou applcar-se sna leitUl'a, possa entender lutio o que for necessariopara o scu perfeito conhecimento; como, e por qnem'foy descoberto, sua elitensa, principaes Rios, e prtos,alturas da sna siluaa, primeiros Irlbitadol'es Genti-licos, flHll]aa das Sllas Capitanias, Cidades, Villas, ePovo

  • DIGRESSA~l I.Passa do Rerno para a Jndia Nos de Portugurzes, descobrem por der-

    rota a Csta do llrasil, toma porlo llella, e do mais que alli braraat proseguirem outra I'ez "iogam.

    1I1oslra como partindo de Lisboa htl1na Esquadra de Nos para a India,tora descobrir a Csta do Brasil.

    3. Detel'minado O venturoso Rcy D. Manoel, dedigua memoria~ em proseguir a conquista da lodia, queno anno dc 197 com relices principias havia conse-guido o famoso, c sempre celebrado Vasco da Gama,neste de 1500 mandava para ella com hUllla armadade trcze Nos, a Pedro Alvares Cabrlll por Capita. Ecomo devia de ser medida dos de Deos, os dcsejosdesLe piedoso Uey, na dilataa das suas Conquistas,quiz complet-los o Senhor, com o descobrimento deontra, quc pelo Lempo adiante seria sem duvida muitomayol'. E pOl'q ue entendesse aquelle Monarcha, quecra esta dadiva toda da sna liberat e OmnipoLente II'Ja,qlliz tambcm que a ficasse devcndo na ao commllmdesvlo dos homens, lllas s ao destino particular doCeo. Porquc, sahindo do POI'Lo de Lisboa em nove dcl\laro dcste anno, arrebaLados das furias dos ventos,e impellidos de asperas tormentas, pcrdida a carreirada Iudia, viera a dar elD viote quatro de AbrjJ~ sc-gunda oitava da Pascoa, em !Jum continente, que esti-mado primeiro por Ilha, e depois por terra firme,nunca d'alltes vista, ncm agora conhecida, ao longo da

    qual~ depois de varias consultas~ c opi[)ies~ tendo cor-l'ido por alguns dias a sua Csta, que hia vendo comsohrada admiraa, dera fundo em hum lagardella,.

  • li

    'lHC pelo achar com a c:lpaciJade sufficienle para neno:mchorar, c por se verem livres alli dos passados peri-gos, lhe der:l o nome de POTlo SeguTo.

    . Aqui, como quem se via j seguro neste parlo,saltara em terra alegres, e com. duplicados motivospara bum grande contentamcnto, e goslo; porque pi-zava hum Paiz ignto, como senlJorcs, c scm obstaculodc scns n:lturaes, qne na rcpugnantes, e com moslrasde agrado, ou por cstupidos com a novidade, ou comoinermes para a dcfeza, e resistcllcia, recebia agora lJu-manos, como a hospedes, nquel1ns mesmas Gentes, queos havia conquistar depois como inimigos, e despojarcomo tYl'annos, a lIuns da liberdade, a muitos das vidas,e a todos da inveterada posse, que t)or lantas centelHlSde annos lhes tinha dado o Cco de huma Rcgia, queconlleci

  • 5Do mais que obrara os novos Descobridores, at continuar a Jliartemda India.

    5. Passada esta primeira AC':l de graas, logo a tresde lVIayo, dia ela Invena da Santa Cruz, depois dehcnzcr o Padl'e Fl'. Henrique huma muy formosa, qnefabricara de madeira, se ordenon huma devota pro-cissa desde a praya at ao mais alto de hum pequenomonte, que alli se levantava, no qual, sendo levada sobreos hombros daquelles Religiosos, e ue algumas pessoasdas principaes, foy arvorado este sagrado Estandarte dasnossas victorias em a terra novamenle descoberta,'aque o Geucral Religiosamcnte agrdecido, e em reve-rencia deste fausto dia, dro o titnlo de Provincia deSanta Cnlz, que a indiscreta politica dos homens, oua sua imprudente nmbia mudou depois em o de Pro-vincia do Brasil, mostrando sem o querer, que faziamais estimaa do valor destes pos vermelhos, de quedependem os seus lucros temporaes, do quc do inesti-mavel preo daquelle 1Hlgrado Madeiro, donde com outramelhor cr, c sem comparaa alguma, pcndeo todo onosso espiritual remedio l Ao p desta consagrada Ar-vore levantara Altar, cclebrara Missa, e uouve Sermacom grande jnbilo dos Catholicos, e alegria dos Gentios,que a seu modo, c com suas musicas desentoadas, eJ'usticos instrumentos ajlldava a celebrar estes pri-meiros annllncios do Santo Evangelho, c AltissimosMysterios da Santa F na sua terra. Com esla acaCatbolica, que por bora a 111tirna, tomou para o Monar-cha Portugllcz Pedro Alvares Cabral a posse da vastaIlegia do Brasil, que comeando em hum gro Australno llio das Amazonas, Oll Gra Par, acaba no daPrata, em mais de trinta c cinco para o Plo Antarc(),~com quasi mil e oitocentas legoas pelas CosIas llll"II:L-

  • 6timas, posto que pelos Sertes sem limile certo. Hl1mmez se deteve Pedro Alvares nestas operaes; e ha-vendo despachado para o Reyno a Gaspar de Lemos emsua No a dar parte a EIRey do novo descobrimento, edeixando em terra dons Degradados para serem ins-truidos em a lingua dos natllraes, continuou para aIntlia a sua viagem com os varios successos, que relataos seus Escl'i iltores.

    6. Participadas ao memol'avel Rei D. M.anoel as no-ticias certas deste novo descobri mento, e recebiJas pelopiedoso M.onarcba com aquelle alvoroo de cspirilo, queencobria o seu dilatado corao com o augwento dasnovas conquistas, mandou (quando teve occasia dizemllUus, e outros dizem o mais breve que pode) a esta doBrasil bum cosmographo Floreutino, chnmado AmericoVespucio, homem sciente, e praLico, a reconhecer, edemarcar os portos, e Costas desla parte do novoMundo.. que do seu nome tomou todo elle o de AmB1'ca,e com mais dita do que fundamento; porque a gloria deDescobridor primeiro da Hegia de SanLa Cl'UZ, quechamara depois Brasil, a cOllcedeo o Ceo a Pedro Al-vares Cabral, como a Colon a da oUil'a parte; vindoestes a perder por naturaes, o que adquirio aquellepor estrangeiro: achaque falai, e que s se pga aosPortugllezes, desestimarem o proprlo, por avaliar o pe-regrino.

    7. Voltou o Florentino para o Ueyno, feitas, como lheordenava o Principe, todas as diligcncias, e accrescen-tando ao que primeiro annunciou o Cabrl 110VOS, masbem fundados encarecimentos, e largas esperallas daterra descoberta, da sua grande exlensa, (ln fertilidadeque mostrava, das varias producoens, que continha, edos 1UCl'OS e ava IIOS qne promellia. Com estas boas infor-maoens repetia o mcsmo Monarcln segundos explora-dores, e [oraestes: Gonallo Coell.lo, e outrosCapitaensmais em hUl11a ESCluaclra de seis Nos, que dilatando-se

  • 7alguns tempos pO\' estas Costas, descobria varios Portos,Rios, e Ellscada~ .. sahio a terra, ps balizas, meteomarcos com as armas do Beyno, tomando ,por elle aposse, cOllllllunicando com o Gentio. c tirando desteaquel1as informaoens, que para o elIeito lhe era ne-cessarias, e na melhor frma que da sua rudeza se po-dia colher. O que tudo feito, voltou ao Beyno.. ondefoy recebido pelo Bey D. JO() 111, que ja neste temposustentava a Cora, por ter fallecido o saudoso MonarchaD. Manoel.

    ESTAN(;JJA. .III.lI-Iostra a raza, ou sentido, cem que se di:: 110 titulo (ora' descoberto este

    novo Orbe, culti'vado, e estabelecido por ReligiosoS 11'lenores, e a influxosda soberana luz do glol'ioso Portuguez Santo Antonio.

    8. Por quanto se dein escrito no iitnlo, ou frontis-picio deste novo Orbe, fora elle descoberto, cultivado,e estabelecido por Religiosos Menores, e a inlfuxos damystica luz de Santo Antonio, e na Estancia passadaassentamos este descobrimento; parece justo, depoisde vermos este por Pedro Alval"es Cabral, expliquemosagora o COlllO se pde entender, foy, ou possa ser estemcsmo descobrfl1lcnto aLLribuido ao nosso PortugnezSnnto Antonio, e seus Olhos os Frades Menol'es. Emqnnto a mim, bem me parece escllzada esta Estancia;pOl'f{lIC qne discul'sO ser ta inadvertido, qlle deixe deperceber se nn I~llla alli do descobrimento materialOll polilico da Provincia, e Estado do Brasil .. mas sim,c s do espiritunl, ou myslico pertencente aos frudesl\1enores de Sanw Antonio, a infill1>OS do qual, no mes-mo scnti

  • 8serem elles os que no seu primeiro descobrimento Seachara... seodo assim, cntre todas as Ordens de Reli-giosos, os primeiros, que na s descobrira, c pizaraa terra do Brasil, e novo Mundo; UJas lambem os quea saotificara, primeiro que todos, com o tremendo Sa-crificio do Allar; elles os primeiros, que sellleara nella,e plantarOl a semente da Prgi.la E\'angelica, os pri-meiros, queedificara nella Templos para Deos; e osprimeiros, que a regara com o seu sangue, como maislargamente em sen lugar se dir. E suppOSlO que ain-da llaquelle tempo na estava a Provincia de Saolo An-tonio de Reformados em Portugal, de que sallio esta doBrasil, separada da Observancia, na embaraa istodizer-se qae a inl1uxos da soberana luz de Antonio fi-zera seus fHhos este espiritual descobrimento, e obra-ra o mais; porque para congruencia do dito basta fos-sGm os Religiosos Menores da Provincia de PortugalObservante, da qual havia descender por linha rectacsta do Brasil, e ser Santo Ahtonio Alumno della; aosquaes coubesse a sorte deste ministerio, para pouermosallribuil' sua reverberante luz este influxo, como aAstro .superiormellte destinauo para Presidente do Es-tado dos Menores neste novo Orbe, que por todos estestitulos lhe toca, com toda a propl~edade, o de ser des-coberto, cultivado, e estabelecido pelos particularesinfluxos desta brilhanle luz. No livro Ante-primeiroexporemos o mais, que por parle desta Primazia, e nes-te novo Orbe toca aos Religiosos Menores... e U cada llUlllUdas suas Familias.

  • DIGfi ESSA~t II.Discorre pelas varias naoens de Gentios, que hnbitava as Cslas do llra"il,

    desde o Gra Par at o nio da Prata. districto de cada huma dellas, scusnomes, costumes, e Gcntilidades mais nOlaveis.

    ES'.I'ANUIA I.

    Dos chamados TaplIyas, e limites da slIa habitaa pela Csta.

    9. Foy esta gente em commum, e sem fazermos aindal1islina de hUl11as a ontras naoens, aquellc Povo, aqllem na repal'tla do mun~lo deo o Crendor deIle ainveterada, se bem desconhecida, posse de hllma dassuas partes, que se na ue a mayol' das outras juntas~excede na grandeza a cada huma dellas de per si, taocculta especulaa mais viva, que sabendo-se traZel'a sua origem do pl'meiro homem, ainda na alcana-ra os mesmos homens os principios certos, de-que seoriginara neHa tantas, e ta estranhas diferenas detoda a mais gente, que no mesmo Mundo se conhece;de qlle Tribu descendem, quando, e como passara da-quelle antigo para este novo Mundo; como, sendo hUIlls Povo, se mulliplicou em naoens ta diversas, e comtanta variedade de lingllas ; seus costumes, e Genlilida-des, huns em exlremo cl'l1eis, outros mais huulanos..nns sempre barbaros todos, e salvagens, inimigos fero-zes huns dos outros.. e tanto mais visinhos, quanto maiscontrarias, e sem passarmos s oulras parles da Ame-rica la dilatadas, s nas Costas maritimas do Brasil,por donde nos tca discorrer, veremos llllma breve,mas cerla demonstraa do que fica dilo.

    1.0. Comeando a correr a Csla, desde o Cra Pardesta parte, pelo Marallha, Rio Grande fil o de Jago-lribe, totIas estas Cstas, que contm algumas du-

    .JADO,\TAAI. VOL, I. 2

  • 10

    zCllias lcguas, margens dos seus nios, e pelo Sertoensdentro era hiuitadas de innulIleraveis naoens de Gen-tios chamados geralmente Tapl1Y'ls, mas tantas, e tadiversas em uomes, e linguagens ta di alceis de enten-der, como para se numerarem, e I!a fazem ao nossointento; e s para comprovaa do que himos dizendo,que era chamado este [{ia Grande, ue que aqui fallamos,o Rio dos Tllpuyas, tanto pela 1l11l1tida aeHes, que ohauitava, como por dilTerena de outro Rio, que tam-bem c\)ama Grande, o qnal se vem metter no de Ja-guariuejunlo sua barra, e era este o cxtrc"lo, ou de-mnrcaa, onde acabava o terreno, ou Cstas, qne ha-bitnva estes Tapllyas, illnumeraveis pelas ditas Cstas,e immcnsos pelos interiol'es dos Sertocns, e soure tudopelas ribeiras do chamado Rio Gl'ande dos TapuYas.

    H. Este vocablllo Tapuya, como advertem os curio-sos indagadores desta ling'ua, na he nome propriamentede naa" mas dizem he s de di[erena, e val tantocomo dizer, Conl]'{t1'i(J; porque era o mesmo ver ou-tra qnalquer naa hum destes TaplIyas, que vel' huminimigo declarado por nome, e arrecto. Porque como anaa dos Tapayas era gente atl'aioada, e tragadora,que igualmente andavn ti caa da gente, e das fras,para pasto da gula" c a todas as mais tinha feito muitosdalllnos, c graves insultos" por isso era lida de todasas ma~s por inimiga, e con~r:ll'ia. Tinha esta muito maiscopia de gente, que algumas das outras naoens" e mui-tos cuida, que mais ainda que todas as outras juntas,e que comprellendia debaixo deEte nome Tnpuya pertode hum cellto de lnguas differentes, e por conseguintefllltras taBtas especies deJles. E por isso, na s eslaCosta" que deixamos demarcada desde o Maranha at ollio Grande, que entra no de Jagoaribe, e os seus Ser-loens, era hahitada destes Tnpuyas" tambem o el'atodos os mais interiores da terra at o Hio da Prata"para o qual, como depois diremos, clJegava li habitar

  • l!lIma grande distancia daqllellas Costns Il1nl'ilhl1ns;porque assim como sa naoens mais fcrozes~ fora Lam-bem mais a[eiondas s entranhas das brenhns, e centrodos Serloens; e ordinariamente quasi todas ellas entresi mesmas em contnHas gllerras~ tirando, s por fmeto

    destas~ satisfazer o seu mais que brutal appelite~ de secomerem llns aos outros. Assim destes~ camadas mais,na ex.pomos os seus costullles~ e Gelltilidades~ tantopai' na pertencerem ao nosso intcnto, como pOf seremja hoje sabidas por tod06~ e s o faremos de alguilla par-ticular menos conhecida, ou mais extravagante.

    12. Supposto damos nesta Eslancia, o primeiro lugar naa dos Tapuyas~ isto se deve entender, em razade comearmos a COI'I'er a Csta do Brasil do Nortc parao Sul, e darmos principio por aquella parte, que ellesoccupava, e por isso lhes coube o primeiro lugar, naporque eIles o tivessem entre as mais naoens. Paraintelligencia do que pomos aqui a sua diviza~ com apreeminencia, que lograva entre si l\Uns aos outros.Tuelo o qt;e era gente do Brasil, dividia a melhor opi-nia em duas partes, em Gentio bravo, e em Indiosmansos. Mansos charnava a todos nquelles, que comalgum moela de Republica ( ainda que lasca) era maistrataveis, e se domel?licava melhor: Bravos~ pelo con-trario, er aqllelles~ que vivia sem moela algum deRepublica, illtl'atavcis, c que com dillculdade se dei-xava instruil'~ e domesticar. A este genero se redu-zia todos os que deixamos dito se chamava Tapuyas,e se dividin na multida de especies, que fica referi-das. Do genel'o dos mansos se fazia tambem alguma di-viza em suas especies, e vinha a sei' em todn~ aqueIlasnaoens, que l'alIava a mesma lingua comma, comoera Tobay

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    rem, 011 do primeiro, e principal, em fluem comeoua sua divi:m. Costume antigo dos primeiros Povoa-flores de todas as Provincias do mundo, como de Roma,ou ROlllUlo os Romanos, de Luso os Lusitanos, de Agl'os Agarenos, de rsrlel os Israelitas; e aSf,im tambcmentre estes Iudios.. de hum Principal chamado Tupy,que dizem ser de qnem procede a gente toda... ou amayor parte delles, com o addilamento dos lugares... eoutras circunstancias occurrentes, humas'naoens to-mara os nomes de Tupynambz, outras de Tupynalll-(juz. De Puty, outro Principal, os Putygoal's, e assimoutros muitos por todas estas Cstns do Brasil, cornoiremos vendo em suas particulares Estancias.

    Da napa de IntUas chamada Putygoa1',

    13. Deste Rio Grande.. que dissemos entl'ava no deJagoaribe junto sua barra, que era o termo dos Ta-puyas, at o Rio a Paraia para a parte, ou Ribeira,que lhe fica ao Norte... por distancia de perto de ccrnlegoas de Csta ... habitava ontra naa chamada Puty-goar, dos que dissemos entrava na serie dos que sechama Indios, e Da Tapuyas. Era estes Pntygoarstidos entre si por huma das prilTcipaes naoens destaCsta, c se fizera nclla estimar, c temer por GuerrC'i-ros, c pelas armas dos seus, quc por largos anilas mo-"\'era contra os Tobayaras, e pelos quaes dizem tivel'acncontros dignos de historia, at os fazerem deixarmuitas daquellas Cstas. Era tambem grandementecOlltrarias dos vizinhos Cayets, das prtes de Pernam-huco, e os fizera pelo tempo adiante deixar as Cstas,e ribeiras da Paraiba at Tamarac. Tambem tinhaeste Gentio continuadas guerras com os Tapuyas da

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    parte de JlIgoaribe, com qnem confinava para o Norte,aindaque com estes algumas vezes fazia pazes, para sedespicat:em com os outros Tapuyas do interior do Scr-ta, que quando os lIpanhllva em guerras com os sensfronteiros, os accommettia pejas coslas~ e atraioada-mente. Era costume destes Putygoars na perdoar linenhum dos contrarias, que apanhava vivo; porqueos matava, e comia logo: e este era o motivo, ou in-teresse mayor, que obrigava COLllmUlIimente a toda estaGentilidade do Brasil, ou a mayor parte delta, a anda-rem em continuas guerras entre si~ para se comeremImns aos outros; porque entre todos os manjares nahavia para estes brutos outra iguaria de mayor gosto.Huma posta de carne humana viuha a ser para elles( diz hum seu Escritor) o fabuloso nectar dos Deoses.Com este criava os meninos mais regalados, com estealimentava os fracos, e os enfermos mais enfastiados.Em confirmaa do dito, trasladarey aqui o qne es-creve o mesmo Author. CIJegra ceno Missionario daSagrada Cnmpanhia a huma sua Aldea dos Sertes.. enella achou a hUll'la India ja muy vellJa, e no ultimo davida. AppHcou-lhe primeiro toda a medicina da alma,c vendo-a ja bem disposta espiritualmente, e a grandefraqueza em que estava~ e o smo fastio, que mostrava,querendo-lhe applic:ll' t:ll11bem algum alento para ocorpo.. lhe disse: (fallando-lhe ao modo da terra) mi-nha A.v, ( assim chama s que sa mny velhas) se euvos dera agora hum bocado de aucar, ou algum outrocon farto l das nossas partes d mar, nu o comerias?Respoildeo-Ihe a vellla, e a que ja julgava o Padre bemdisposta para morrer: Ay meu Neto, nenhuma cansa davida desejo, tudo me aborrece ja, s huma cousa mepoderia tirar agora este fastio. Se eu tivera agora humamuziu!Ja de hum Rapaz Tapuya, de pouca idade, etenrinlJa, e lhe chupara aquelles ossinhos, enta me pa-rece tomra algum alento: perem eu, coitada demi'm~

  • lAja na tenho quem me v [recuar hum destes! Pareceest assaz explicado o appetite desta Gente para a co-mida da carne humana. Esta era a principal cansa paraas suas continuadas guerras. A outra vinha a ser sobreqnem bavia occnpar as margens, e beiradas dos Riosmais ferteis de peix.es, e caas, que estes el'a todos osbens, e haveres, a que aspirava, e nisto era muy extre-moso este Gentio Potygnar; porque na contente como seu terreno do Rio de Jagoaribe at a Paraiba, pas-sou deste para o Sul, e parle ele Pernambuco, lanandodestas Costas, e terreno aos TobaY:1I's, que uinda oc-cupava algumas partes del\as, e aos Cayets... qne eraos que domillava as mais, chegando a fazerem-se Se-nhores do districtg de Goyana, Tamarac, e parte dode Pernambuco, e Olinda, c nisto mostrava ser guer-reiro... atrevido, e alnbicioso. E bem o e~perimenlaJ'aos nossos POJ'tugnezes, primeiros Povoadores das Ca-pitanias de Pernambuco, Tamarac, Paraiba, e RioGrande, nas repetidas guerras, e estra~os, que lhes fi-zera, e Cflusara nellas este Gentio, Da tanto por si,corno pela industria, e ajucl::\ dos Francezes, com osquaes CODservara por muitos annos boa amizade, eunia, c s a viera a fazer com os nossos, quando detodo se lanara os Francezes daquellas Costas, e pr-tos, vendo-se destituidos da sua ajuda, e imitaa dosTobayars, que fOla em toda a parle os primeiros,como entre elles os principaes, qne com os nossos secongraciara, e DOS ajudara contra os mais, e princi-palmente contra estes Putygoars, dos quaes por snasantigas razoens de Estado era os Tol>ayal's ueclaradosInimigos.

    1ft.. Por estes Putygoars, [ra dos encontros deguerra, e falsa f, fora mortos, c comidos lIluiLosPortugllezes. Pai' elles o fora alguns da companhiados fi lhos de Joa de Barros, que depois de perdidosnos baixos do Maranba, c vindo correndo a Costa,

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    quando vollava pal'a o Reyno, mandando alguns ho-mens a terra, onde tinha porto, no Rio cbamado Ba upique em 5. gros de altura, antes de chegar ao da Pa-raiba, fora morLos, e comidos por este Gentio, induzi-dos para isso pelos I' rancezes. Tambern por elles foramortas para o mesmo fim mniLas pessoas de Pernam-buco, Tamarac, e da Paraiba algumas mulheres, emeninos, que desta Cidade se reLirava com Francis\.;Castrcja.. o qual, desamparada a fortaleza da dita Pa-raba, se acolhia de Tamarac.. sendo aquella Capi-tanja muitas vezes desLruda por este GenLio.. e Fran-c('zes seus confederados. E outra muita gente de losPortllgllezas, e Castelhanas.. que por aquellas Costasfazia naurragios, e quando lhes parecia que os marescom algnrna hnmanidade os lanava vivos ssua' prayas,achava a sepnlLura no venLre deslJUmano deste GellLio.Entre estes -acllou Diogo Paes, homem de Pernambuco,e grande lingua delles, a certo Castelhano.. com o bei-os furados, e mais costumes barbaras do Genti.o, oqual homem havia muiLos anuos vivia com elles nas ri-beiras de outro Rio Grande JUDto ao Cabo de S. Roq ena Costa da Paraiba, e dam se embarcou e te Ca te-lhano com os Francezes para lhes servil' de lincrna, comos mais Intlios nos seus resgates, e cmercios. Era esteGentio de meya estatura, grandes lavradores dos seusmanlimentos.. de que eslava sempre bem providos:fallava a lngua geral da Costa, que era a mesm~, qneja dissemos dos Tobayal's, Tupynambs, e outros, comas mesmas Gentilidades COIl1UHl.aS ti lodos.

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    ESTANUlA.. III.Do Gentio Cave/.

    i5. Da Paraiba at o Rio de S. fl'ancisco por Costade mais de cem legoas habitava o Gentio chamado Ca-yet. Era este mllY inclinado a guerras, e assim as traziacontinuamente com os Putygoars da parle da Paraiba,que, como dissemos, pelos tempos os fora lanandodaqllellas ribeiras para as de Pernambuco, como tam-bem as trazia com os Tllpyuambs da outra parle doRio de S. Francisco para a Bal1ia. Para passarem estesaquelle Rio, que he bum dos mayores do Brasil, e iremda outra parte a fazer suas cn tradas pelas terras dosTupynambs. llsava de embarcaoens, que fazia decertas palbas compridas, a modo de Tabus, a queainda chama todos Piripri, e fazem dellas. os moradores daquellas partes esteiras, e enxergoens para as ca-mas. Estas depois de bem seccas ao SGl, ajllntava emmolhos, dentro dos quaes metia varapos do compri-mento que lhes era necessario, e atad05 em roda destesmuito bem aquelles molhos, com cyps, a que chamaTymbs, brandos, e fortes, e assim unidos huns molhoscom outros, [ormava huma larga esteira, seguras, eligadas com outras travessas de pos maneira dasque hoje chama Jangadas, e com aquellns embarca-oens assim. atravessava o Rio, e hia dar os seus as-suILos aos Tupynambs da outra parte. E chegava atanto o seu atrevimento, que algumas vezes nestasmesmas embarcaoens [ora cmetter estes, e outrosinsultos pelas Costas do mar' at junto Bahia, quesa mais de cincoenta legoas. Pelo Serta confiuavaestes Cayets com os Tapuyas, com os quaes tambemfazia guerras, e toda a presa que tomava a comiaestes alarves, que neste costume, ou Gentilidade brutalexcedia a todas as mais naes. Era Gentio eHe muy

  • i7guerreiro, lllS llluito mais fals'O, c atrnioatlu CfUD ou-tro ~lgum, sem palavra, nem lealdade, e fizera nft-queijes primeiros tempos grandes males aos Portuglle-

    zes~ e particularmente a Duarte Coelho na fuudaa daslla Capitania de Pernambuco, e lhes na escnpavaPortuguez, que colhessem s mos, que o na comes-sem. Assim o fizera a muitos de algumas embarca-oens, qlle por aquellas Costas se perclia. Assim aoprimeiro Bispo do Brasil D. Pedro Fernnudes Sardinlw.ao Procurador da Fazentl;l dei Rey da Bahia.; a dOllsConegos daquellll S~ a duns mulheres graves, e casa-das, meninos, e outra muita gente, que passava decem pessoas, e fazia viagem da Bahia para o Reyno~ eforn ter n::lufragio a c1ezcseis ,e Junho do anno de1.556 na enseada cios Francezes, e baixos de D. Fran-cisco, entre o Rio Cllruruig, nomea(lo assim pelo Gen-tio, ou pelos nossos, Cururipe ao Sul, e ao Norte o deS. Francisco. He constante pelos cjue passa pOI' aquel-las partes~ e vem qne na brotra de enta para cmais arvore, OH planta alguma aquelle lugar, que crabum meyo alto, que allise levantava~ COlllO tambem aleo pl'esente, por serem nelle s mos de Barbaras sacri-ficadas tantas almas com o Santo Prelado, e por estaraza se ficou chamando o Monte do Bispo. Aeste bomPastor comcra como lobos carniceiros estas su.as ove-lhas, em todo o sentido famintas.. e a todos os ({ue comclle hiaO, depois de os receberem nas prayas eom mostrilsde sentimento, e agazalharem lJas suas cl10upnnas C01Hsinaes de compaixa, e guiando-os pelo caminho, quehavia de seguil', 'lt as margens do outro Rio, que lhesficava perto, dou de sahindo-lhes ao encontro lllullidados seus, que tinha de emboscada, aleivosamente forailmortos todos, e comidos depois.. Ulenos dous IIHliosmansos da Ballia~ e hum Portuguez, filho do Meirinhoda Correia da mesma Cidade, por serem lingllas.. cassim o dispor a Alta Providencia. Vej,l a Chrollica da

    1.\ nOArA~I. YOL. I. 3

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    Companhia no Bl'asi~ .. do r. Vascol1celIos no lugar cita-do.. * qncm quizer expressado ao vivo este lastimoso es-pectaclllo, qne cerlamente se na pde ouvir, on ler,sem grande magoa do coraa, e sentimento repetidodos olhos.

    16. Parece na quiz o Co deixar sem o justo cas-tigo similhante traia, e sacrilegio; porque confede-rados depois os Tnpynambs do Rio de S. Franciscocaril os Tupyns Tapuyas do Sel'ta, dando-lhes estespelas costas, aque\les por hum lado .. e pelo outroos Putygoars de Pernambuco, que ja bavia chegadopor nlli com a sna conquista, e retirando-se os Cayetspara as beiradas, e costas do mar, assilll quas! encnrra-lados, excepto alguns poucos.. que pudel'a fugit' pal'a aSerra do Aquitib.. todos os mais fOJ'a mortos, e ca-tivos. Destes hia os vencedores nos dias das suas fes-t1S comendo algnns ~os mais esforados, e vendendo osantros aos moradores da Bahia, c Pel'llambuco, a trocode qualquer cousa. Talllbem Duarte Coelho, e os que selhe fora seguindo.. os extinguio muito .. e s viera aficar aquellcs, qne se unil'a aos contrarias, sendoseus escravos, e casando depois entre elIes.. assim seveyo a extinguir das Castos maritimas de Pernambucoa m casta deste Gentio, na s crneis para os outrosmas at para os seus mesmos parentes, e amigos. TIeprova digna deste seu terrivel genio o caso s 'guinte.No anno de '1571 estando no Rio de S. Franciscoalgumas embarcaoens da Bahia ao resgate, e ne-gocio com o Genlio vCI1Cedol', em l1uma de RodrigoMarLins, entre varios resgatados, se ach:lva huma lndiaCaycl, Cjlle enfadada de lhe estar cborando, sem sequerer ncalentar, hllma crina de peito slla filha .. quetinlJa nos braos, a lanou dclles:lo mar, sem piedadeonde andou lllUitO tempo aos merglllllocns sem se a[ogar,

    :'olir. do nras. 1. I. p. 32.

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    e sem compaixa da mil), qne a .eslava vendo.. at queo dono da embarcaa a mandou tirar dos agoas quasimona, e bautizada espirou. Era estes Cayets gran-des Illusicos, e bailadores, com as ontras Gentilidadescommas aos mais, e da mesma Iingua geral.

    ESTA JUIll. IV.

    Da Gcnl ia TUIJynamb.

    1.7. Foy esta buma das mais dilatadas naoens daCosta do Brasil; pol'que ua s6 a Senhoreava desde oRio de S. Francisco da partc do Sul at toda a da Buhia,por quasi cem legoas, e muitas Ilhas da sua Enseada..com a dc ltllparica, e outras mais, mas lambem os acha-mos dispersos, c situados poroulras Capitanias, e intro-metidos cntre as mais naocns, como no Gra Par hllnspoucos, antros no lVIaranha.. Paraiba, Tamarac, Per-nambuco, e assim em algumas partes mais. Estes sejactava de serem os principaes, e ainda os primeirosPovoadores destas Costas do Brasil, e de quem os Imisdesccudia todos: e supposto nesta precedencia tinhacontra si, e com mais raza, e fundamentos aos Tabaya-rs, 11e scm duvida, que se na fora os primeiros, en-tra como Principaes na slla diviza ; e isto confirmaalgumas singularidades suas, como ser a slla lingna ge-ral com as mais naoens, que se tem por principaes, cprimciras, e jactarem-se as outras de serem parentes dosTupynambs; e serem com os destes communs os senscostumes, e gentilidades. Era esta naa tambem

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    aillllaquc com estes, era s quaudo buscados por eTles ;as mais PQrfiadas crJ com o~ antros du Balda, de dondenos seus principias lanara u mayor parle dos Tobay-rs.. 'que primeiro habitara as stlas Coslas. Era osTupynambs muy traballladores das suas larouras, queplanlava, e enlre ellas u principal u Mandioca, quedizia lhes ensinara o Apostolo S. TlloUJ, quando' vieraprgar aos sens Antepassados. Tambem era bons tra-gadores da carne do.s sens contrarias, e muilo melhordos Portuguezes. Usava de casas, ou choupanas, caIUmelhor frma que as outras naoens, com os mais cos-tumes, e Gentilidades COl1ll1Jas a todas ..

    Do Gentio l!apynamqu.

    18. Sabindo da enseada da Bahia da sua barra parao Sul, c Morro de S. Paulo, nove leguas adiante deste,est o rio de Camamu em altura de 14 gros. Todaesta Costa at outro Rio chamado Crcar.. em 18 grosadiante do das Caravlas, por mais de setenta legoas,cra habitada de Gentio, a que chamava Tupynamqui.Estas Costas habitava este Genlio ao tempo, cm que osnossos Portllguezes viera fundar as Capitanias.. que seacha por ellas, que sa a dos IllJeos, Porlo Seguro, eEspi-rilo Santo, que ao principio tivera todos com ellsgrandes guerras, e das quaes recebera os IJOSSOS gl'avesdamnos. Passados porem alguns tempos.. viera a fazerpazes, que guardal'a fielmente, e de cnta para o diantefora elles muy Ieaes aos ,Portuguezes, e os ajudal'amuito contra os Ayrnol's Tapuyas que nestes lIleyostem pos descera dos Sertoells buscando as beiradaslia mar, e de tal sorte apertara aos TUPYllamquis portodas as partes, e os Tupynamhs tambem pelas do Ca~

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    mamt't, c Bahia, quc dc todo sc apartara os Tupynam-quis das Coslas do mar para os Serloells, na ficandomais que os Cllrislos, rcduzidos a duas Aldeas, e uni-dos com os POrluguczes. Estes Tupynamquis com os'fupyns, que era outra IIna, que com elles confinavapellas cabeceiras do Serta, desceudia todos de bUIlJtronco, 011, corno ja tocamos, de hum dos primeirosprincipaes destas Costas.. clwmado TlIpy, corno tambemoutros mais; e por isso estas duas, como mais equivo-cadas, ou parecidas ao seu originaria principio.. e entresi mesmas, Tupy, Tupynamqllls, Tupyns, Ila setinhapor cOlltrarias, aindaqlle clJtre elles, pclo seu nalural,havia algumns vczes suas p,~lejas; mas com a entradados Aymors pelos seus districtos, fugindo os Tupynam-quis das Costas para os TlIpynaz, dos Serloells, ficaratodos unidos, eapareutados. Tratava de suas lavouras,plantava a Maudioca, e outros legumcs: tinha as mes-mas Gentilidades dos Tupynambs scus ,'izinhos; ede quem se fazia tambem pareutcs, canlar, baHnr,beber, com as outras commuas, mas sempre gente demuito trabalho, e que nos njlluara muito depois, oufosse conveniencia, ou nccessidade, contra os AymorsTapllyas do Serla.. e 'fumoyos do Rio de Janeiro, eCabo Frio; porque nos fora muito fieis, e nas cousasde guerra lm de valentes, muy industriosos, e homenspara muito, e de quem.. a seu modo, fazia o outro Gen-tio grande estimaa; a sua linguagem era a cOllllllados Tobnyars, Tupynambs etc.

    ES'rAN()IA "VI.Do Gentio Po.pans.

    19. Na OCCup:lJ'a os Tupynalllqulz Jogo nos seusprincipias toda a Costa, que deixamos demarcada desdeo Camam1t at o ontro Rio adiante do das Caravlas ;

  • porCJue por este, c outros mais entre o de Porto Seguro,c Espirita Santo, habi\ava~ antes que alli chegassem osPonugllezes, !luma naa a que chamava Papan
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    que havia Gcado dc peyor partido, e se fora para huIllas serralllns muy asperas, pclo interior do Scrta dosllheos, e Camarn, que por esta causa se ficara cha-tnnlldo nt hoje dos Aymors. Alli residira aluitos an-nos, sem verem outra gentc, e os que daquelles des-cenderB viera a perder de todo a liogullgem materna,e illvcntara- outrtl nova, que se na entendia de naaalguUln. A'lli se Illultiplicara de maneira, que nn ca-bendo ja naqllellas Serranlns.. comeara a descer paraas Costas do mar, pelo Rio das Caravlas abah:o, juntoa Porto Seguro, e a correr as beil'adas do mar.. e terrasvizinhas de Parlo Seguro, Ilhe05, e Cnillllm, at vi-rem n saltear os caminhos, c moradores da llba de Ti-nhar, e Morro de S. Pallle. Era asna cr baa, comon dos mais, mas mny corpulentos.. robustos, e forosos.Pclejava com urcos, e Ilechas mllY grnndes, e tl des-tros, que lHl CITavn hUlll s tiro. Em grande-mnneiraligeiros, e corredorcs de vantagem. Na vivia estessalvagens em casas, nem houve nunca quem lhas vissepor essas serras, e matos paI' onde habilava; porqueandava sempre de huma para outra parte. Pelos cam-pos, c brenhas, a sua cama era o clia, lanando pri-meiro algumas folhas sobre elle; se Ibes chovia.. arri-maVll-SC a huma arvorc, e ao p do seu tl'onco enge-11 lia V

  • a sua avanada era traia, dando assaltos pelas l:lVOl1 dras, e caminhos, por onde andava espreita assim doantro GenLio~ como cIos Portuguczes; armava ciladaspor detraz das arvores~ e caela hum ele persi, ou muy

    poucos~ e se lhes fazia rosto, logo fugia, e cada umpara a sna parte a esconder-se, at verem a genLe ou-tra YCZ desmandadl, 01] psslr-lhes adianle para lhesdarempells costas_ Na sabia estes barbaros ao prin-cipio nldlr~ e qualquer Rio, que se na passava a vaobastava para se defenderem deBes; mas ao depojs o fi-zera como as mais, c se antes lhes era preciso atraves-sar algum, hiJ por elle acima muitas legoJs, at acha-rem passagem de p. Comia estes brutos carne hmana por manlimento comlm~m, o que na usavam os

    lllais~ qJie s a gostava por vingana dos seus adias, e- salisfaa dos seus agravos. Foy este Centio o qUD maior

    damno fez s Capitanias dos llheos, e Parlo Seguro,depois que elles lanara fora destas aos Tnpyna1l1quis,que quasi ficara estas despovoadas de POl'tuguezes ie ainda pelos tempos ao diante, retirando-se doquellasde Porto Seguro~ e Ilheos paro os interiores dos Ser-toel1s, fora notaveis, e lastimosos os insultos~ que porvarias vezes viera commeLter- aos dislJ'CtQS da Villa deCayr, e terra'firme delles, e ta conLinuados, qlle ain-da nestes tempos na cessara de toelo, do que daremos

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    Do Gentio Goaytacc.

    21. Esta naa, que sendo huma s cm genero denome, se dividia em tres * diversas gentes salvagens, eque amIa va cm CaD ti nuas gnerras en Ire si.. e se co-lUia lJUDS aos outros com mais vontade.. que a caa domato, hal5ilava as Costas, que correm desde o RioReritygb, que desagoa quinze leguas ao Sul do EspiritaSanto, por quasi sessenta, at o Rio da Paraiba do Norte,que fica sete antes do Cabo de S. Thom em 22 gros.Neste entremeyo corre huroa grande, e espaosa pla-nicie de ca.mpinas frescas e amenas, que para esta genteera, como outros Campos Elysios, e ainda boje (:on-serva o nome de Campos dos Goaytacazes: c nellestem fazendas, e propriedades os Viz-Condes da Assca..desde o tempo que seus IIIuslres Ascendentes povoara,e fora Governadores muitos annos do Rio de Janeiro.Confinava este Gentio pelo Espirita Santo com os Tu-pynamqnis, de quem ja [aliamos, e com os Tobayars,de que diremos ainda; e para o Sul ou Cabo de S. Tho-m com os Tnmoyos, como adiante veremos. Este foyo Gentio, que fez despovoar a Pedro de' Goes.. quandoveyo fundai' fi. sua Capitania de S, Thom, ou Paraibado Sul, c que deo tanto em que cnidar a Vasco Fel'llandesCoutinho na sua do Espirita Santo, como em seu lugarse dir. Tinha este Gentio a CI' mais clara qne os maisdestas Costas, e com dj[erente linguagem, e muito bar-bnra, como elles tambem o era. A Slla lavoura era sele legumes, de que se mantiuha, da caa, e peixe, queapanhavn. Na costumava pelejar no mato, mas emcampo descuberto, como criados nos campos. Dormiano cha sobre folhas, de que fazia camn. Costumava,por na ter outro modo.. andar de nado pelas ribei-

    Gooytocilmopi. GooylociJguo, GOOl'locojocoril.lADOATAnI, VOL. I. ti

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    ras do mal' esperando os Tubaroens, com hum pomny aguado na ma, e em remeltendo Tubara aelles, lhes engastava a ponta pela garganta a dentro,com tanta fora, que o afl'ogava, e morto assim o tra-zia tenn, ta Dto para lhe comerem a ca rne, como parase aproveitarem dos dentes, que apontava nas flechaspara os seus arcos. Na fallamos nos mnis costumes, eGentilidades, que quasi em todo o Gentio era osmesmos.

    ESTANlJIA.. IX.Do Gentio Tamoyo.

    22. Ao tempo, que os nossos Portuguezes descobriraesta Provincia do Brasil, senhoreava a Costa de1ledesde o Rio, que ja dissemos junto Cabo de S. Thom,at a Angra dos Reys adiante dez leguas do nio de Ja-neiro, o Gentio Tamoyo, e constava toda a Costa, queclles occupava, de mais de h legoas, com todas asEnseadas de 'Cabo Frio, Rio de Janeiro, Angra dosReys, Ilhas, e margens de outras muitas ribeiras, quenellas vem entrar, dos quaes limites fora ultimamentelanados pelos Portnguezes em tempo do GovernadorMem de S, do Rio de Janeiro, e pelo Doutor AntonioSalema, quando alli governou, do Cabo Frio, depois de muitosestragos, que aos nossos fizera, em quanto unidos comos Fraocezes, com quem tivera grande communicaanos principias destas conquistas, dando-lhes prtosne1las, deixando-os fortificaI', cmerciando com elles,e ajudando-se huns aos outros nas guerras, que faziaaos Portuguezes. Era este Gentio, grande de corpo,homens robustos, muy valentes gucl'I'eiros, e contrariasa todo o mais Gentio, menos os Tapynambs, de quemse fnzin parentes, e se parecia na falia muito buns comos outros. Era os sellS mayol'e-s Inimigos os Goayta-

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    cazes~ com quem confinavam por buma parle do Espi-rilo Santo, e andava em continuas guerras, e se co-mia com muito gosto huns aos ou ros, como tambemsena perdoava os Goayanazes~ que lhes ficavam porhuma pal'te de S. Vicente. As snas casas era mais fortesainda que as dos Tupynambzes, e de Olltl'O qualquel'Gentio, e tinba as suas Aldeas muy fortificadas, comboas cercas de madeiras, Era ouvidos estes Tamoyospor grandes musicas, e bailadores entre todo o mais Gen-tio. Fora elles os primeiros que gostara das celebra-das aguas das correntes do Carioca do Rio de Janeiro,e experimentaria melhor os seus efeilos, e por issoera estimados do mais Gentio onde se achava; eporque ao som da voz compunha tambem suas cantigas,e cbanonetas, que ao seu modo rnslico repetia comsingular donaire, e graa, Tambem usava furar o beiode baixo, como os Tapuyas, e Putygoars, e meter-lhepor dentro hum osso com sua cabea, maneira deprego, de sorte, que sahisse buma ponta comprida paraa parte de f6ra, que tinha por bum grande enfeite, e oaugmcntava nas suas festas com capas, e carapuas de!)ennas de varias cres, com outras Gentilidades com-mnas aos mais. Se certa a tradia commna, que emtoda esta gente h, de que os primeiros Povoadores dasCostlS do Brasil fora dous irmos, com suas familias,que de outras partes do mundo viera dal' a estas, eapartaram em Cabo Frio, e dahi por certas contendas,que sobre a posse de hum papagayo bem fallallle quebouve entre as mulbC'es destes, de que resultou apar-tarse hum delles com todos os seus daquella Provinciapara outra, ua duvidaremos dizer seria estes os To-bayars, ou Tnpyuambs, de quem os Tamoyos de-Cabo Frio se jactam de parentes, e todas estas Familias,as primeil'as, e principaes das C05tas do Brasil. Estes-Tamoyos em fim, depois de bem desenganados, de quena podia prevalecer contra os Portnguezes, principal--

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    mente depois de expulsos os Francezes daql1ellas partes,e seguindo o exemplo dos Tobayars, viera a pedirpazes, e com o crescimento das Povoaoens dos Portll-guezes se fom retirando para os SerLOens.. ficando sentre os nossos alguns Cllristos, e Aldeauos.

    Do Gentio Goa,yans.

    23. Occnpava e~ta naa desue Angra ,dos Reys, ato Rio de Canana ao Sul, aonde bia confinar com osCarijs, por algumas cincoenta legoas de Costa. Talll-bem com os seus vizinhos, os Tamoyos da Angra doReys, tinha suas guerras.. mas era quando provocadosPQr clles, e fra de guerra na matava este Gentio a on-tro, mas dos que ficava prisionei-rps, s se servia del-les, como de escravos. Se encontrava com gentebranca.. na lhe fazia mal, antes boa companuia. Nacostumava fazel' guerra aos seus contrarias fra dosseus limites, nem os hia buscar s suas terras, e vi-vendas; porque na sabia pelejar entre o mato, sena110 campo, aonde vivia, e se defendia dos Tamoyos,quando os buscava rnuy valorosamente. Na era ma-liciosos, nem falsarios, antes gente simplez, e bemacondicionada, e muy Caceis para crerem qualquerc,ousa, que se lhes introduzia, e com estes teve poucoque fazer :Mal'tim Alfonso de Souza cm S. Vicente nafundaa desta Capitania. Na plantava lavouras, e susava, para sustento, da caa, peixe, e fruetas sylves-ires. Na vivia em Aldeas, com casas arrumadas comoos Tamoyos, sens visinhos.. ms em covas pelos camposdebaixo da terra, Das quaes tillha fogo de dia, e denoite, e fazia as suas camas de pelles dos aniruaes, quematava para comer. A sua Jinguagem era diferentedas dos seus visinhos, mas entendia-se com a dos Ca-

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    rijs, na cr, e pora do corpo como os Tamoyos.A'lm das mais Gentilidades commuas a todos, tillhalluma muy extravagante na morLe dos seus. Quanuo fal-lecia algum destes, com elle enforcava juntamente bumcerto numero de pessoas, que fossem mais chegadas aodefunto, ou em parentesco, ou amizade; machos, se erahomem o morto, e femeas, se era mulher, para o qualsacrificio se oiferecia elles mesmos: mas quando estes,'oluntarios na chegava conta, obrigava aos mais aench-la por fora. Isto se entendia assim, sendo o de-funto pessoa particular, que se era dos principaes, ouHegulos, que tinha subditos, ou Vassallos, destes, ena dos parentes, era os que se tomava para aquellaabominavel victima. Tarnbem estes, ou fossem dos Vas-sallos, se era Principe, ou dos amigos, e parentes, seera particular, ou llomens, ou mulheres, llavia ser damesma idade do defunto; e dizia elles, devia ser assim,para que o defunto l na outra vida tivesse gente do seupartido, e condia, com quem conversar, e divertir-se.

    2li.. Com este Gentio confinava para o Serta, e dis-tricto de S. Paulo, naquelles tempos, que os nossospor alli andava, outra naa, chamada Payagu, e vaterminar pela terra dentro com o Paragm.y, Provinciados Castelbanos do Reyno do Perit. E supposto fica estanaa fra das Costas do Brasil, e por isso tambem doslimi tes da nossa escri ta, como tocamos nella por ter-minar pelo Serta com os Goayannzes da Costa, dellanotaremos tambem de passagem hum das suas Genti-licas ceremonias, pelo qUE', sendo barbara, tem de ga-lante. E he, que todo o velho, ou que chega idade de-crepita, os enterra vivos; e esta he a barbaridade, e ogalante est no modo, e ceremouias do seu enterro.Quando este tal, ou por muilo envelhecido, ou porcausa e algum achaque parece estar enfadado, ou comoaborrecido deste mundo, elle mesmo be o que se oife-recc para a execua daquelle diabolico Rito. Enta os

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    mais, depois de o terem todo muito bem untado de re-zinas das arvores.. e bem empenado por todo o corpo depennas de aves de varias cores, com muitas festas, ehailes, o metlem dentro de llUma tina de barro, quepara isso tem preparado, e accommodada em hllrnacva, que abrem na terra, e lanado dentro desta tina,ou jarra, o desgraado velho, que caminhou para ellaruais alegre.. e festivo, que se fora para algumas pri-meiras bodas, lhe pem logo encima da boca da tinahum testo, ou cobertura do mesmo barro.. muy pesado,e lanando-lhe terra, fica o pobre aiuda em vivo duasvezes sepulLado.

    ESTANVIll. XI.Do Gentio Carij6.

    25. El'a a lIabitaa deste Gentio, desde o Uio Ca-nana at o dos Patos, que est em 28 gros, por ql1asisetenta lcgoas de Costa. Confiuava pela Canana comos. Goayanazes, como se disse.. e pelo Rio dos Patos comos Tapuyas, como logo veremos. Tinha os Goayanazessuas peleja~, mas em campo descoberto, e tauto que oque ficava de peyol' partido se acolhia ao mato, se davapor seguro.. porque nem huns, nem outros sabia pelejarentre eUe. Era pouco bellicoso, e de muita raza.. e omostmva especialmente em na comerem de nenuumasorte carne bumana, nem matava a pessoa branca.Sustentava-se de peixe, e caas, e de algumas lavouras,e plantava a mandioca. Vivia esta gente em casas bemcobertas, e taipadas cam cascas de arvores, pelo frio,que he grande por aquellas partes, e vestiase nesletempo com pelles de animaes, que matava par'a comer,lanando huma para diante, e oulra para traz. A lin-guagem era a commua das Costas, com as mnis genti-lidades.

  • 3!

    EST.&NCIA XII..

    Do Gentio Tapuya.

    26. Do Rio dos Patos, termo dos Carijs, entraoutra vez os chamados Tapuyas at o Rio da Prata, quefica cm 36 gros na Ilha, qne chama de Maldonado,desta parte do Norte, por algumas cento e cincoentalegoas, confrme os gros do Plo. He esta--Costa todade estendirll\s, e continuadas campinas, de dez, c quinzelegoas, entre as Ribeiras do mar, e aquellas falladasSerranias, que comeando a poucas leguas adiante daVilla de S. Jorge da Capitania dos Ilheos, nas Serrasdos Aymores. Vay continuando esta cordilheira dellas,mais, 011 menos levantadas" at as margens do Rio daPrata, ficando entre ellas, e o mar as sobreditas cam-pinas, retalhadas de frescas ribeiras de agoas" humasde mais avultadas correntes, e outras ele menos c~bedalclellas, adornadas de varias reboledas de verdes arvore-dos, e chas de immensidades de gados, cavallos" caas,porcos Lllontezes, e muitos outros generos, que andaem manadas" e na mesma frma de variedade de espe-cies de formosas, c vistosas Aves, que em bandos,humas corta os ares, outras correm os campos, e tudogoza esta naa de Tapllyas, gente mais domestica, etratavel do que os outros Tapuyas, de que fallamos aoprincipio das partes do M.aranha, e muy singularesestes para o Rio da Prata, em na comerem tam-bem, corno os Carijs, de nenhuma maneira carnehumana.

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    ES~\4.~f:'I.&. XIII.

    Do Gentio Tabayar.

    27. Por na acharmos em toua a Costa do Bt'asillugar determinado a esta naa, como o tinha todas asmais, a deixmos para este ullimo. Mas isto na tima que lhe demos e~tre todas o prilneiro, como a na'lprincipal, ou primeira de toda esta CosIa. Elia, pelomenos, disso se gloriava, e muito, e pat'ecc tinha paraisso grandes, e forosas razoens. A primeira, e funda-mental tiuha elles na significaa, e etymologia dosen proprio nome: Toba-yarc,. porque na sua lingua-gem YaT quer dizer Senho1', Tab-significa Rosto, ouFace; e vinha a dizer o nome Tobayar, que cJles eraos Senhores do Rosto, ou face da terra. face, ouRosto da terra cllarnava elles a toda a fronteira, eCosta maritima, a respeito do Scrta, e terra interior;e isto mostrava a muita parte deslas Costas, que ellesao tempq dos Portuguezes ainda babitava; porque portodas eHas, aindaque espalhados, 05 achara os nossos,no Par huns poucos, outros no Maranha, na Par:.tiba~Pernambuco, Bahia, e assim em alguns lugares maisat contestar com os Tamoyos, lm do Espil'ito Santo;demonstraa certa, de que em algum tempo povoaraelles ss todas as Costas, e que o mesmo tempo, e asmais naoens, que com elle fora crescendo, e sobrevin-do, pelas costumadas guerras, e natural appetenciadestas gentes, de occnparem huns aquellas estanciasmelhores, em que habitava os outros, os fora dividin-do, e intromettendo-se entre ellcs outras naes. Daquise mostra tambem serem estes Tobayars os daquellafamlia, que vindo aportar com a outra dos Tamoyosem Cabo Frio, e apartando-se dalli pelas dirrerenas,que na Estancia daquelles deixamos referidas, a familiado irma mais moo, sallindo de Cabo Frio, e correndo

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    ns Costas, fo)' enlrar pelo Grande Rio da Prata, e indopaI' elle acima, foy assenlar 11 sua lltlbitaa da parle doSul, e estes dizia elles foy o primeiro Povoador das Pro,:incias de Buenos Ayres, Chile, (Juito, Per, e as maisdas Illllias de Cl1stelia. A do mais velho, que ficou emCabo Fl'io~ crescendo em gente, se foy espalhando parao Norie, e Costa da Bahia, porque achara esta a me-lhor, que alall tinha pizado, lhe dera o nOlllede Ros-to on Frente de toda a lelTa, que na sua linguagem heToM; e porque ellcs fora os primeiros, que as habi-

    Iara~ e possuil'a, accrescenlando' ao nome To a pa-lavra Ym'; que quer llizer Senltor, se fic

  • primilivos Povoadores destas CoSt3S da Bahia. e as ma i!)para o Norte corno Rosto, e Frente da terra do Brasil.E he sem duvida, que como taes fora sempre estes To-bayars revereuciados entre os mais Inelios, por pri-meiros, ele gr,ande Senhorio, valenles guel'l'eil'os, cmllY fieis aos seus amigos; e elles o mostrara assim aosnossos naqlle\las conquistas, em que Hnha habit3a ;porque em todas rora elles os primeiros para a paz, osmais firmes para as guardar, leaes aos P01'lllguezes,promptos para a convel'sa da Fr., valentes, fnes, cconstanles para nos ajudarem contra todo olltro Genlio,obrando acoens de lanto valor, destreza, ousadia, cesforo, qlle bem mCl'cccra enlrar em o numero dosCipilaes de nome, e Hel'es da fama. Esla conseguiuhnm famoso Tabyr, na conquista de Pernambuco, COulOua1'le Coelho: e outros similhantes feitos se cOllla dograncle Pyragibc, ou Brao de Peixe, na da ParaIba ;tacs faanhas obrou em defensa dos Portuguezes, quefoy premiado por ElRey com habito, e lena. OUlras

    ~uilas se conla d~ hum llagib, 011 Brao de Ferro..e de outros mais Tobayars daquellas mesmas pat'tes dePernambnco, com adjutorio dos quaes se fora remon-tando as outras naoens para os iuteriores da terra .. ccrescendo as nossas conquislas.

    . Enlre o Gentio Tapuya, de qlle [

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    fel'til, ah1daquc cm grande maneira fria. Tem esln gentehum Rito, ou barbaridad'C notavel, e he, que quando lhesmorre algum parente, cortam hum dedo da ma pelaprimeira junta de cima, e se algum he ta desgraado..que lhe morrera militas parentes, e tem ja os dedoscariados todos pela primeira junta, comea a cort-lospela segunda; e aebase entre elles militas velhos, scom as mos sem dedos, e da por causa, que he, paraqlle com a dr do golpe, que recebem, chorem com maisvras a morte do parente. Eu vi, diz qnem escreve estanoticia, hum Rapagn, que era escravo destes, e de ou- _tra casta de gente.. com hum dedo cortado, que o Se-nhol' lho cariara com a morle de hum parente, e antroa si proprio.

    DIGRESSAII III.D noticia de Diogo Alvares CorrOa. Caramuru, como passou do Re~'no

    no Brasil, seu naufragio na entrada da Bahia, e circunstancias admira-veis dcllc; como paJ'sou a Fran~a, c tornou Bahia, com outros maisparticulurcs acontecimentos, dignos de memoria, CIl1 quc, C0ll10 princi-pal, entra o da miraculosa J magem dc Nossa Senbora da Graa.

    ESTANVIA I.

    lIfostra como vem ter Bahia Diogo Alvares Corr~a, seu naufragio, esuccessos deHe. e porque se deve ter este 7Jelo seu primeiro Descobridor.

    28. Posto que no vulgo seja la notaria o caw naBahia acontecido ao celebrado Caramur, Diogo Alva-res Correa, c todos os Escritores destas conquistas 1ra-ta delle; como em alguns se acha circunstancias, qucnllta em olItros, e em todos muitas cOllsas.. que IHlconcorda com o tempo, e vergade da sua occnrrencia,daremos agora com e~pecia1idade asna Ilarraa, tirada

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    a substancia della de hum antigo Manuscrito, que acha-mos no Archivo do Convento da mesma Bnhia, e quepela fraze, c modo com que o relata, mostra ser escritopor pessoa, que existin, sena no mesmo.. l1luy propin-qua quelle tempo. Outra razn, e muy forosa, nosmove a iutrometermos nesta escrita os feitos deste He-re, e he, confl'me a ordem, que levamos, descrever asCapitanias do Brasil, por onde anclara (lntes, c funua-ra depois Conventos os nossos TIeligiosos, quando sedescobrira ellas, e quaes fora os seus primeiros Po-voadores, e os qne as fundara; e como esta gloria sedeve na da Babia a Diogo Alvares Correa, antes qnefallemos em os primeiros l1cligiosos nossos, qne vieraler, POL' disposia do Ceo, a ella.. he preciso digamostambem quem foy, por acaso da fortlln~l, o seu primeiroDescobridor.

    29. Foy este Diogo Alvares Corren, natnral de Vi-Cluna, pessoa nobre.. e de linhagem conhecida da Pro-vincia de Entre Douro.. e l\Jinlw. Era moo, e o desejo,que levava a antros muitos sujeitos da sua qnalhladellaquelles tempos a sauir de suas patrias, e buscar nasnovas Conquistas do TIeyuo alguma avelltura, o arras"tava agora para a da India em companhia de hum tio seu,que em certa No fazia para l a sua derrota. Outrosdizem, que esta viagem era para a Capitania de S. Vi-cente 110 mesmo Brasil, o que na pdc ser, por quautolluquelle tempo, e anno, como logo veremos, se lla cui-dava na fUDdaa destn Capitania, que roy alguns unnosadiante, nem de outra alguma. l\Ias, ou fosse pctl'a esln,ou aqnella, a sua No se veyo meter na grande bocu daEuseada da Bahia, agitada de ventos contrarios, ondesobrevindo-lhe outra tempestade, deo com ella.. que-brados os mastros, e perdido o rumo, nos baixos, quefica li Lste da sua harr3, a que o Gentio chamavaMairagiquiig; em froDte donde se mete no mar o RioVermelho, huma legou distante da ponta, que dizem do

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    Paclra. Aqui tivera todos~ conl a perda da No, lasti-moso naufragio, do qual os que livrara com vida, naescapara de serem prezas do barbara Gentio Tupy-namb, que babilava nqllella Costn, e alli aeudio, fa-zendo pilhagem, I1:l s no que a clespedaau:l. No lan-ava s prayas, milito melhor dos miseraveis naufraga-dos, que recolhidos s suas cstacadns, lhes fot'a ser-viilclo de gostoso manjar para repetidos dias. l\lenosDiogo Alvares Correa, que ou a sua sorte, ou a sua vi-veza, ou ludo junto com superior destino, llle adminis-trou para isso meyos opporll!nos. Era moo, esperto,agil, e de entendimento vivo, e vendo aquella gentell1UY occupalla na colheita dos varios despojos da per-dida No, introduzido com ellcs os ajndava a comboyarpara onde via que elles os hia accollll1lodauclo : e aquicomeou a fOrLUll:l a tranr a sorte de Diogo Alvares.Este os servia cuidadoso, e elles o aLLendia alegres.Sempre o beneficio conciliou ngraclo de quem o faz paraquem o recebe, pois ainda o mais bruto reconhece oseu bem feitor, e a Illnyol' ferocidade se mostr.a huma-nada ao qne lhe commullica o bem. O Lea defendeo aohomem, que IlIe curou n chaga, tirando-lhe primeiro danJcl o cspinho; o peITO de ma... cm remllneraa daisca, que lhe lana o salteador ela vinha, faz entregadclla quclle mesmo, qne de outra sorte seria estragofatal das snas prezas; com os sinaes da vida, que per-cebia Diogo Alvares elos barbaros semblantes, ja maisalentado elo primeiro susto, leve adverlencia para reco-lher entre os mais despojos algumas armas de fogo, bar-riz de polvora, e ('unheres de blas... tudo prevenoens,ja da sna astucia, e ja ue lJuma presagios'l, e vindolll'afortuna.

    30. Havendo ja recolhitlo o Gentio s suas Estanciastudo o que do naufragio ententleo Ih'es podia servir, eelles ja tambem mais socegados nas suas cabanas, tra-tou Diogo Alvares de preparar algumas daquellas al'-

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    mas-; carrega hUlllU, faz tiro com cJla a cerla presa( seria a alguma ave) d com elh em terra, c foy taloalvoroo no incauto Gentio, que meninos.. e mulheresse lJunha em fugida .. e os mayores em espanto.. e admi-raa, de verem, e ouvirem hurna tal cousa, e especi-almente o damno, e estrago, que causava as blas semserem vistns. Algum genero de desconfiana alcanouDiogo Alvares do espanto, e temor do Gentio, lllas elleno lll~lhor modo que pode os deixou salsfeitos, daudo-lbes a entender, que aquclle genero de iustrumento nafazia damnos mais que a inimigos, que com faciJidnde,e menos perigo podia ser vencidos com aquellas novasarmas, do que com os seus antigos arcos, e frechas.Era costume barbara desta Gentilidade, como repetidasvezes deixamos Dotado, trazerem continuamente guer-ras huos com ou tros, e nesta occasia as ha via gra ndesentre estes da Bahin, e os habitadores de Pass em seislegoas de distancia.. e querendo experimentar Destesinimigos, o que fazia Diogo Alvares nas caas com o seu

    - arcabUz.. sabira em slIa demanda, levando-o por Ca-pila. Avistara~se os Exercitas, travara as suas pracli-cas, como costumava antes de accommetler, e sem es-perar que estas se concluissem.. segura Diogo Alvares oMayoral do inimigo.. que estava na frente do seu Exer-cito, faz-lhe pontaria aos peitos, dispara a arma.. e dcom eJle em terra, cahindo repentinamente, sem menearcom parte alguma do corpo, que era hnstantemellteavultado. Do qual damno, e estrondo, c de outros, quetrazia carregados, e foy disparando com o mesmo cfeito,confusos, e atemorizados todos os do Exercito inimigo,Da s se puzera em fngida, at o Ingar dcsamparara;e outros mais dos vizinhos, aonde chegava a noticia dohomem do fogo.. liame que lhe deo o mesmo Gentio,pelo que via sahir do seu arcabuz, desde a primeira vez,que vista delles o disparou.. c se foy estendendo por to-dos os mais, ficando Diogo Alvares em tanta repulaa

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    com estes da Bahia .. e com o seu Mayoral.. ou Principe,que detel'minnl'a de o na matar.. pela grande utilidade,que com elle se lbes seguia para as suas guerras; e aquino fogo deste arcabz se acabou de forjar toda a fortunade Diogo Alvares. Nesta occasia, escrevem alguns lhefoy posto o celebrado nome de Cam1nur-Gua.. quequer dizer, aillrma os mesmos: Dm[Ja que sahio domar; porque, como hum Draga, sabia do mar este ho-mem para estrago do Gentio da terra. Outra significa-a mais propria, e.natur

  • fLO

    c nellas nssislio nt o nllllO de 152lJ em que sahio pai'aFrana, como logo ~e dir.

    3:2. Supposto dissemos, com os mais Escritores, queo nome CaramuI'-Gua l'ra posto pelo Gentio a-Diogo Alvares pela braveza, com que como hum Draga

    ~ahira do 111'11' para destruir, e ~ragar a ll1uitos daquel-les barbaras.. na concordamos que fosse esta a causaprimitiva daquelle nome.. antes outra, corno ngora dire-mos.. seguindo a commo.a tradia do mesmo Geutio,participada destes, e do mesmo' Caramur nos seusdescendentes. He tradia constante derivada dos pI'i-meiros at os de agora, que naufragada a No ele DiogoAlvares, como fica dito, entre os baixos do Rio Verme-lho.. da entrada da Rahia, e acudindo alli o Gentio, como Mayoral destes acompanhou Lambem sua filha, de quem[aliamos.. e que andaildoella com o pay, por entre aquel-las pederneiras, por estar de todo vazia a mar, co-lheita dos despojos.. vira li tallndia a Diogo Alvares emli concavidade de hllma dellas.. onde o susto.. e temor dollUmCI'OSO, e bravo Gcntio o havia escondido, condialJatural, e innata 110 homem, occllllar-se do inimigo, oque se na acha com mc-yos opportunos para a sua de-reza. Entl a lndia, ou como admirada da sua primeira,'ista.. ou compadecida da sua fortuna, chamra pelo pay,c apontando para Diogo Alvares, entre aquellas aber-turas", dissra assim: Caramur-Gna, que foy olllesmo, que dizer: Olha pay, que UOl'a ta grande 1E que logo aITei('.oada da sua vista, pcdl'a ao pay que o1H1 matassc; e que levado para a pl'aya. como se viocom sinaes de "ida, c hUlll tal patl'ocinio, ajudado doseu natural genio c espCrLcz3.. se introduzia com cllesna arrccadaa.. e COIH.lucta dos despojos da No. EstaIle a tradia antiga deste succcsso, e em ludo lllUY ajus-tada, e confrruc com o nome de Caramw'-Gua, quefoy posto a Diogo Alvares por este Gentio. Porque Ca-,.amur.. na sua lingua, qUCl' dizcr Morda, especie dc

  • pescallo.. que tem pl' hahitaa as cav'Crnas das p-erder-neiras, e nestas do Rio Vermelho, em que succedcoaquclle naufragio.. as havia la grll1UeS, e deforme5,que chegava a tragar os Indios como se fossem frostl1barOeFls, e Gua qner dizer Grande, como he vul-gar na mesma lingua. E como Diogo Alvares foy achadoentre aquellas pederneiras, habitaa uestas Moras,como se fosstl algnma dellas.. e das grandes.. lhe fcyposto o nome de Caramu1'l-Gua. Eassim concordamos)que este nome lhe foy posto.. propria, natural) e histo-ricamente falJando, por ser achado entre as concavida-des daqucllas pederneil'as do scu naufragio, fosse pOl.'quem qucr que fosse, conlo hUllJa grande l\fora, e imitaa {las muitas .. quc nellas hahitava; e moralmenteappropriado a elle mcsmo, quando na primeira guerravcnceo com o seu arcabz aquelles iuimigos, como humgrandc: e I'crz Drnga, quc sahira das agoas para ostragar; porqne s por appropriaa, ou methaphora .. sepodia dizcr Draga do mar o que neHe fora achadocomo grande Mora. Este primeiro lho ps natnralmente, incliuada Judia, quando como Mora grande o tiroude entre as pedras, pal'a lhc dar piedosa a vidn ; o se-gundo lhe foy apPl'opriado pelo Gentio, quando elle comobum cruel Draga, que sahio do mar.. atirou a muitos;{l assim, significando o nomc Ca1'amun-Gua, hum sindividuo, aindaquc grande, ficou Diogo Alvares, comestc grande nome.. hUIll s Camnntl'-Guar, com donssignificados; com o primeiro de M01'a Grande, pelallaturaHel1dc daqnelle caso; com o scgundo de Dragado mm'.. por appropl'iaa elo seu valor. Foy esle llan-[ragio de Diogo AI vares pelos unllos de 1.518, com poucadilferena.. ou mais certo no de 1516.. pelas razes deconjectlu'a, que logo diremos.

    1.\lIOAtAM. VOL. I.

  • 42

    ESTANUIll. Ifo

    Como Dio[fo Alvares {oy a Fran{:a, e do que l passou at voltar DaMa.

    33. Havendo ja alguns anuas, que seriu sete, ouoito, quc Diogo Alvares assistia com este Gentio, appa-receo na Enseada da Balda huma No Franceza, quealfirma o ~lanuscrito, que seguimos, foi a primeira destanaa quc alli eD trou. Poy vista por Diogo AI vares dasna Estancia, desceo praya, fez sinal, mandou-lhe aNo batel, c foy recolhido nelle. Mas aludia Para-gllac, que ussilll sc chama va pela linguagem dos seus,aq \leUa, a quem elle de via a vida, vendo que na deOiogo Alvares, que se ausentava, perdia apropria,porque cuidadosa o havia espreitado, se lauou a nadoaps do batel, e a rgos de Diogo Alvarcs, que no ex-cesso apurava o affeclo, foy recebida nelle, e amboslevados No ; effeiLo que na conseguia a constanteresolua de outras mais, das que elle tinha por mu-lheres, e huma dellas dizem se arrogara, e ambos pas..

    . sara a Frana. Reynava enta alli o ChrislianissimoPrincipe Francisco I, c na Henrique de Valais, e Ca-tharina de Medicis, como escrevem todos os quc vimos,e trata esta historia. Porque este lVlonarcba entrou naposse do Beyno de Frana no anno de 15lJ.7, e nestemesmo anno foy morto, e comido pelos Tupynam-bs dc Itaparic, Francisco Pereira Coutinho, primeiroFundador por EIRey D. Joa lII, havia alguns dezannos desde o de 1537, da CnpiLania da Rahi ; e an-tes deste ja no de 153lJ., havia arribado no seu porto'lartim Alfonso de Sonsa, a tempo, que ja o Cara-

    mur Diogo Alvares havia ido a Frana, e volLado Ba-hia, como assento todos. Ese antes do reyuado de Hen-rique de Valais, c Catl~arina de 11edicis no anuo de 15lJ.7,ja de de o de '153, havia arribado Bahia Martim Ar..lonso, e no de 1537, ctIegou a clla por seu primeiro

  • Donatario, e Fundadol' Francisco Pereira Coulinho,e tOautismo, e casamento; sendo maisprovavel, e ainda certo, que o tomar aquelJe nome,pois na havia em Frana naquelle tempo Rainha cha-mada Catharioa, mas s em Portngal a que nesse mesmonnno de 1525, em o qual Diogo Alvares se achava emFrana, havia casado a cinco de Fevereiro, com ElReyD. Joa III, a Senhora D. CallJal'ina; e he sem duvida,que em reverencia destes Monal'chas l'ortugnezes, dcquem era Vassallo Diogo Alvares Caramur, e sua mu-IbCl', tomasse esta o nome de Calharina.

    3lJ.. Tambem he certo, como escrevem lodos, os querelata estes accasos de Diogo Alvares, que quando estechegou a Frana assistia na sua CorLe, na conLiunaados Estudos Civis, e Canonicos, Pedro Fel'Dandez Sar-dinha, bum PorLuguez, que foy depois o primeiro Bispoda Bahia, com quem Diogo Alvares teve communicaa,e consta dos mesmos Escritores, que neste anno de 1.525se acbava certamente em f

  • prlio no de 1552, e na haver qllem se persuada, quenos qualro annos, que va de 15117 para '1550, 0\1 51,pudesse Pedro Fernandes Sardinha assislir em hana,vil' a Portugal, passar Inclia, ser l Vigario Geral, eProvisor, tornar ao Heyuo, e achar-se no Brasil.

    35. Por todos estes principios, e fundamentos solidasde congruencia, fica evidente, qne no aono do 15211devia sabit' da Bahia para Frana Diogo Alvares Cara-mur, e sua fiel cOlilpanheira, e que naquella COrle fo-rarecebidos pelo Christianissimo Monarcha Fraucisco I,que neste tempo sustentava a Coroa deste Reyno, enelle tratados com aquelle applausa, e benevoJencia..que sabe conciliar a novidade, e huma tal, como a quedevia causal' a primeira vista de hum novo Individuo,e que vinha de outro Mundo lambem novo. Com hummui solernne acto, ( depois de bem instruida a Inclianos pontos precisos da F Catholica ) e assistencia dosmayores daquella Corte, por hum Bispo lhes rora ad-ministrados os Sacramentos, a ella o elo Bautismo pri-meiro, com o nome de Catharina, pelo motivo quapontamos da Senhora D. Catharina Rainha de Porll1-g'.1I, c a ambos o do Matrimonio, sendo-lhes cm hum, eoutro Padrinbos os Reys de I'rana, com oulras muitasbonras, e dadivas da sua Heal grandeza, llll das quea Catharina Alvares ( sobrenome, que tomou em graado marido) fizertl de vestidos, e peas ricas, outrasgrandes Senboras daquclla Corte. .

    36. Nella teve ( como fica dito) Diogo Alvares largacommunicaa com Pedro Fernandes Sardinha. A esteparticipou com imlividunes circunstancias as noticias doBrasil, e com especialidade, as que por experiencia li-nha da Bahia, as quaes todas toruando a Portugal PedroFernandes deo i:,l E1-Rey, C0010 tambem lbe havia feito})resente por carta:; as rogativas de Diogo Alvares parasolicilar o sahit' elle daquella Corte; pOl' quanlo o Frao-cez, por seus particulares interesses, o na qneria con-

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    sentil'. Mas vendo Diogo Alvares, qne nem o Rey deFrana lhe dava licena pa ra subir clalli, como Iba pedia,e nem o de Portugal cuidava em tir-lo, para se apro-veitar delle naql1ella conquista, como lhe bavia mani-festado por Pedro Fernandes Sardinha.. veyo a conseguirpela industria, o CJlIe na pede a raza. Concenou-secom certos Mercadores Franeezes a cal'reg-lhes naBabia duas Nos do po Brasil, a troco de o mandaremlanar nella, com alguns petrecbos de guerra ... e outrosaprestos, que 'julgava serem-lIie c necessurios para asua melhor segurana; e estando ellas assim preparadasem bum pono distante de Pariz dezoito legoas, secre-tamente sahio daquella Cidade, com sua ja legitima consone, e fiel companheira, prima noite, e embarcadosalli, dando logo vla, chegara BalJia com prosperaviagem, onde satisfez a promessa aos seus conuuctores,e novamente se fortalecco na sua primeira Estancia,crescendo em respeito, e cabcdaes... que o tempo, e aindustria lhe 'bia administrando, e em que foy sufici-en temente abastado.

    Es'rANUIA III.

    .Mostra como neste meyo tampo, em que Diogo ATvaI'es {oy a Frana, veyoda,' na Enseada da Duhia Christova Jaques. e da 1'a:a porque 1lomosa este depois daquelle contra a opinio dos mais.

    37. Deixamos dito, que mandado Gonalo Coelbopelo Rey D. Manoel ao descobrimento, e demarcaadas Costas, e Prtos do Brasil, * se recolhera est~,re1 nando .ia D. Joa III. Agora accrescentamos, querecebidas por este MouarclIa as noticias, que trouxe doBrasil aquelle Capita, mandou o mesmo Rey a Chris-tova Jaques propria diligencia~ e que este depois de

    * Digrcss. l. Estanc. 2. pago 6.

  • lJ.6

    navegados esses mares, e tomados varias prlOS, vieraentral' na Enseada da Bahia, correra o seu Reconcavo,e Ri9s delie, onde no de Paragua junto sua barra,a.chando duas Nos Francezas ao negocio do po ver-omelho com o Gentio da terra, e na se querendo ellasrender, as metera a fun~o, o que tudo feito, e tendoposto tambem o nome de Todos os Santos ao Promon-torio da Bahia, por lbe parecer vista hum alegre Pa-raiso, como dizem alguns, ou mais certo por entrar porella em o primeiro de Novemhro, dia dedicado pelaIgreja festividade de todos os Bemaventurados do Ce-leste Paraiso, vollra pi!ra o Reyno. -Com estas noticias,e -outras, que ja antes havia dado Pedro Lopes de Sousa,il'ma de Martim Affonso de Sousa, que tambem correraaquelles mares, e Costas, quando foy a Tamarac, ( comoa seu tempo diremos) se resolveG> ElReya mandarpara Povoadol' da Bahh, a Francisco Pereira CoutinlJo,passados alguns annos. Vindo affim a onc1uirem osEscritores todos, que fra o Coutinho o primeiro Povoa-dor da Bahia, e Christovo Jaques o seu primeiro desco-bridor. Nisto nam podemos concordar, antes assentamosque o primeiro descobridor, e povoador primeiro Por-tuguez da Bahia, e ainda antes de que os Fl'ancezes en-trassem na sua Enseada, e prtos, foy Diogo AlvaresCorrea Caramur, e com hum fundamento ta solido,como verdadeiro, tirado do mesmo curso do tempo, comque estas cousas na Babia se fru seguindo humas soutras, e de alguns prinC"ipios irrefragaveis, e que sena devem, nem pdem negar.

    38. He sem duvida, que nenllUm dos Escritores, queflla nestas Esquadras, que mandara ao Brasil osnossos Reys, ao menos os que vimos, e lemos, assignao anno da sua expedia, s dizem, que se fora seguin udo humas s ou tras, depois do primeiro de.scobrimelllopelo Cabral. Dizem, que depois deste malldra ElReyD. Manoel a Americo Vespucio; recolhido este, fra

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    enviado depois pelo mesmo Rey Gonalo CoeUIO, e quevoltra ja em tempo do reynado de D. Joa nc masnenhum nssigna os annos destas idas.. e vindas. Dizemtambem, que mandra EIRey D. Joa III a CbristovaJaques.. recebidas as noticias de Gonalo Coelho, masll:l expressa tambem em que anno fora. Dizem mais,que Bahia viern Diogo Alvares Correa, que fora a Fran-a, e lomra Bahia, e tambem lhe na da para estasjomudas anno delerminao. Destes termos la incertos,formando nsta varias conjecturas, e fundados em bums ponto fixo, assignaremos agora os annos, com poncadilIercna de bum a outro, cm que estas taes cousas pu-dera succeder. E assim assentamos.. que Americo Ves-p1lCio pal'tio para o Brasil, ou pelos fins do anno de1501.. ou no principio de 1502, * como em outro lugarexplicaremos. Assentamos tambem, que Conalo Coe-lho sahira do Heyno ao mesmo intento pelos;annos de'1520.. ou 21 em que falleceo ElRey D. Manuel, que ohavia mandado; e qne recolhendo-se ja em tempo deElRey D. Joa III, podia ser o mais breve no de 1522,pri ~iro do Beynado deste Principe, que tomou a Co-roa pelo meyo de Dezembro do anno, que acabava de1521. E assim lambem concordamos, que CbristovaJaques, sendo enviado ao mesmo Brasil pelo sobrcditoRey D. Joa IlI, depois que recebeo as noticias deGonalo Coelho no rel"erido allllO de 1.522 por todo elle,s podia salJir do I1eyno no seguinte alll19 de 1523, eque detendo-se pelos mais prtos, e Costas do Brasil nasdiligencias de os ver, e demarcar; qunndo veyo a desco-hrl' o da Bnhia, e a entrar pela sua.Enseada, foy ja noanno de 152; e que neste lempo ja Diogo Alvares Ca-ramur havia sete, ou oito annos, tinba vindo dar Ballia, e se achava partido paJ:a Fran('a nesta conjun-a, e VllY o fundamento solido, e verdadeiro destas

    ~onjccturas Liv. Antep. cap.

  • ot'. Achamos nas Chronicas do Reyno, como tambemnas da Ordem, qne no anilo de 1534 fora mnndado deLisbca para Prelado mayor da nova Custodia de S.Thom na Iudia o P. Pr. Diogo de Borba, 'com outroscompanheiros, e que estes fora para l em companhiade M.artim Atfonso de SOUSll, que neste mesmo annohia pOl' Capita mr d
  • mais, c Setll contl'uversb lambem.. que neste mesmoannno de 152ft, que Chl'istova Jaqnes entrou naBahia, foy o em qne havia sahido para Frana Diogo -Alvares Caramur ; porque sendo certo, como fica mos-trado, que Diogo Alvares veyo tel' Bahia alguns seleou oito annos primeiro que Cllristova Jaques, entran-do esle pela sua bllrra, e Enseada, em 152ft, e naachando nella a Diogo Alvares, Ile sem duvida foy porna estar elle entll ua terra; na consta que estivessefra della, sena na jornada de frana, certo fica seresta neste mesmo anuo de 152ft. Hum s6 reparo podehaver aqui~ e Ile: Que se ClJristova Jaques veyo Balliadepois de Diogo Alvares, e estando este em Frana; porque na achou elle no Gentio da terra esta noticia? Tambem Ile facil a solua ao reparo; porque lla consta queChristova Jaques tivesse communicaa alguma comeste Gentio; pois s se diz que se occupara no descobri-mento da Enseada, e nas alturas, e demarcaoens della,e dos seus Rios; e dado caso.. que tivesse a tal noticia,ou por confusa, ou por lhe na convir perder por se-gunrlo, o que podia ganhar por primeiro, a quiz occultar.

    [lO. Concorre finalmente para confirrnaa de tudo,que por estes mesmos allnos de 152ft cOl1lera a cur7sal' por estes mares, e Costas da BalJia Nos france-zas, e a que levou Diogo Alvares a Pariz, foya pri-meira, diz o nosso allegado Manuscrito que entron pelasna Enseada, e barra.. e assim o mostra a raza; por-que, se aportara alli outra antes, seria vista por DiogoAlvares, qne ja havia alguns oito annos que assistia nolugar, e podja fazeL' nella para Frana a mesma viagem,qne fez nesta, que sem duvida seria companheira da-quellas duas.. que Christova Jaques meUeo a fundo,na barra do Paragua, ou viessem estas com a ontra,ou logo depois, que tndo foy no mesmo anno. Daquise conclue por cerlo, e infallivel, o principal intentodesta Estancia, qne he deixarmos assentado nella, que

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    neste mesmo tempo, que Christova Jaques apartou Bahia, se achava em Frana Diogo Alvares; porque deoutra sorte, a achar-se a1li ne~te tempo, fizera emcompanhia de Christova Jaques para o Reyno, o queexecutou pal'a Pariz com os Francezes,. como tambem,que quando Christova Jaques entrou na Bahia,ja Dcllahavia estado DioBO Alvares; e csle discurso seguiremossempre, de que foy Diogo Alvares Cal'amur o pri-meiro descobridor, e povoador da Bahia, que he ofim, e conclusa de tudo o que fica dilo. E nem o seristo acaso da fortuna, o pde privar desta regalia, assimcomo na obston a l)edro Alvares Cabral, para sel' oprimeiro descobridor do Brasil, traz-lo s snas Costasos lallces da sorte, e acasos do tempo.

    Es'rANCIA IV.

    Da prod'igiosa apparia da Imagem de N, Senhora da Graade Villa Velha da Bahia,

    lt.1. Navegava pelos annos de '1530 huma No Cas-telhana para o Rio da Prata, e a fora de ventos con-trarios veyo dar com ella em os baixos da Ilha de Boy-pba, que se ficra chamando por este caso a Pautatios Castelhanos, ollde p~decra lastimoso naufragio.A. estes acudia Diogo Alval'es, noticioso da sua fortuna,e como o qne ja experimelllara outra sirnilbante; c asua presena bastou a livrar aos que escapra das fu-rias do mar, do ventre dos Barbaras Gentios Tupy-, larnbs, que ja os tinha a bom recado. Trouxe-os com-sigo, hospedou-os com caridade, e em particular algunsCavalheiros de distina, que entre elles vinlla, osquaes voltando a Hespallha, tanto abouara a Dio-go Alvares com o Imperador Carlos V, enta Itey

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    daquella Monarchia, que este lbe escreveo hUllla C:lrta,em que lhe agradecia o beneficio.. e oITerecia ti suagraa.

    h2. Houve nesta occasia 11 II L1l caso maravillloso,e muito digno de ser repetido. Voltava Diogo Alvaresde soccorrer aos Castelhanos, ql ando lhe diz CatharinaAlvares sua consorte, e lhe roga com muita instancia torneao lugar do uaufragio.. e lhe traga burna mulher, queviera llaquella mesma No, e se acbava en tre os Iudios,porque lhe apparecia em sonbos, e llle dizia a mandassebuscar, e 11Je fizesse hurna casa junto alli para sua mo-rada. Voltou o Caramur, fez a diligencia, e na achounoticia alguma daquella mulher. Mas a sua na se aquie-tava, porque teimando ti devota India dizia, que nassuas Aldas a tinha o Gentio occulta, porque os sonhos,ou visoens na cessava. Tomou Diogo Alvares se-gunda, e terceira vez, repetia as diligencias.. e na appa-recia a tal mulher. Ameaa aos Inclios, e cllcs lhe res-pondem, (apontando para burna caixa de madeira des-trancada do mar, e lanada a hum canto da choupana ..e dentro della huma Imagem da Senhora) que seunera aquillo o que elle buscava.. que de outra mulher nnosabia. Trouxe Diogo Alvares a sagrada Imagem, quevendo-a a devota Catharina, se abraou com ella, ecom lagrimas lhe dizia, ser aquella mesma a que lhehavia apparecido. Logo pedia-lhe mandasse fazer lJU-ma Capella, a qual levalltara de taypa, e torra, cpelo tempo outra ele pedra.. e cal, onde foy collocada,com o titulo de N. Senhora da Graa-, em memoria elaque fez a estes seus devotos de se lbes comrnunicar, comopiedosa; sendo esta a primeira Igreja, qne houve nestaCapitania, e hoje a possuem:os Religiosos do PatriarchaS. Bento com titulo de Abbadia.. a quem esta devetaBrasiliana, por mQrte de seu marido, fez doaa assimda Igreja, como da terra do seu patrimonio. He a Ima-gem da Senhora de cinco para seis pnlmos, de madeira.

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    ao antigo, e est na mesma frma em que foy achada,sem at o presente ser renovada em cousa alguma doseu vuIlo, que he perfeito, e inculca em tudo devoa..e causa reverencia, collocada no Altar da Capella mayor,e para mais cuIlo.. e veneraa cullerta no seu nicho comhum vo rico.. e todo o adorno competente, e que sedeve a ta prodigioso simulacro, e cm todo o tempomilagroso, como publica pendentes das paredes os va-rias trofos da sua piedade. Na consta do anno emque falleceo Catharina Alvares, e s na pedra, que co-bre a sua sepultura na Capella mI', se l a inscripaseguinte: Seputl~tra de D. Cathm'ina Alvares.. Senho-1"a desta Capitania da Bahia, a qual elta, e seu mari-do Diogo Alvares C01Tea, n