Novo CPC Amplia Legitimação Extraordinária Da Defensoria Pública

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TRIBUNA DA DEFENSORIA 9 de junho de 2015, 16h11 Por Franklyn Roger Alves Silva A aproximação da data de entrada em vigor do novo Código de Processo Civil tem provocado um enorme influxo de produções científicas destinadas ao estudo crítico das normas processuais, especialmente aquelas que incorporam novos institutos e rompem paradigmas consolidados pelo CPC/1973. Diversas são as novidades trazidas no diploma adjetivo, desde o capítulo específico destinado à Defensoria Pública até a ampliação de sua legitimação extraordinária, permitindo-se que a instituição possa contribuir para a tutela de direitos coletivos e para a própria uniformidade e estabilidade da jurisprudência. Creio, no entanto, que um tema que não vem sendo objeto de reflexão institucional, mas que constituirá importante aspecto da atuação cotidiana dos membros da Defensoria Pública consiste nas normas dos artigos 190 e 191 do CPC/2015 que preveem as figuras dos negócios processuais tendentes à flexibilização procedimental, bem como o estabelecimento de um calendário para a prática de atos processuais. Em verdade, a disciplina processual atualmente em vigor já contemplava a existência de negócios processuais típicos, a exemplo da cláusula de eleição de foro, a possibilidade de suspensão consensual do processo, a convenção de arbitragem dentre outros, cuja validade nunca foi questionada. No entanto, o espírito do novo Código de Processo Civil é, seguindo a linha do contrat de procédure do Direito francês, estabelecer uma amplitude no tema das convenções processuais, rompendo o paradigma do CPC/73 que previa algumas poucas hipóteses de negócios processuais típicos. Apesar de os negócios processuais típicos continuarem previstos no CPC/15, o artigo 190 busca estabelecer uma regra ampla, reforçando a possibilidade de atos de disposição de caráter atípico, destinados a ajustes dos ônus, poderes, faculdades e deveres processuais. Novo CPC amplia legitimação extraordinária da Defensoria Pública

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    TRIBUNA DA DEFENSORIA

    9 de junho de 2015, 16h11

    PorFranklyn Roger Alves Silva

    A aproximao da data de entrada em vigor do novo Cdigo de Processo Civiltem provocado um enorme influxo de produes cientficas destinadas aoestudo crtico das normas processuais, especialmente aquelas que incorporamnovos institutos e rompem paradigmas consolidados pelo CPC/1973.

    Diversas so as novidades trazidas no diploma adjetivo, desde o captuloespecfico destinado Defensoria Pblica at a ampliao de sua legitimaoextraordinria, permitindo-se que a instituio possa contribuir para a tutelade direitos coletivos e para a prpria uniformidade e estabilidade dajurisprudncia. Creio, no entanto, que um tema que no vem sendo objeto dereflexo institucional, mas que constituir importante aspecto da atuaocotidiana dos membros da Defensoria Pblica consiste nas normas dos artigos190 e 191 do CPC/2015 que preveem as figuras dos negcios processuaistendentes flexibilizao procedimental, bem como o estabelecimento de umcalendrio para a prtica de atos processuais.

    Em verdade, a disciplina processual atualmente em vigor j contemplava aexistncia de negcios processuais tpicos, a exemplo da clusula de eleio deforo, a possibilidade de suspenso consensual do processo, a conveno dearbitragem dentre outros, cuja validade nunca foi questionada. No entanto, oesprito do novo Cdigo de Processo Civil , seguindo a linha do contrat deprocdure do Direito francs, estabelecer uma amplitude no tema dasconvenes processuais, rompendo o paradigma do CPC/73 que previaalgumas poucas hipteses de negcios processuais tpicos. Apesar de osnegcios processuais tpicos continuarem previstos no CPC/15, o artigo 190busca estabelecer uma regra ampla, reforando a possibilidade de atos dedisposio de carter atpico, destinados a ajustes dos nus, poderes,faculdades e deveres processuais.

    Novo CPC amplia legitimao extraordinriada Defensoria Pblica

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    Os contratos de procedimento no se confundem com a transao quanto aoprprio direito em que se funda a pretenso[1]. No obstante, no se podenegar o fato de a doutrina estabelecer certas limitaes a autonomiaprocessual de vontade no seu estabelecimento.

    O Frum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) tem buscado propordiversos enunciados interpretando a flexibilizao procedimental,especialmente nas matrias processuais que no sejam alcanadas pelaautonomia da vontade das partes, a exemplo da competncia absoluta dorgo jurisdicional.

    Seguindo esta linha, parece-me que a Defensoria Pblica tambm deva sedebruar a respeito dos negcios processuais, firmando sua posioinstitucional acerca da utilizao deste novo mecanismo de ajusteprocedimental, principalmente nas matrias afetas ao desempenho de suasfunes institucionais. A adoo de acordos de procedimento ser semprevantajosa para as partes envolvidas no litgio, j que os ajustes se adequaro sparticularidades do objeto deduzido em juzo. Contudo, a instituio no podese afastar da necessria cautela para combater eventuais acordos deprocedimento que sejam introduzidos em contratos de adeso ou quandoevidenciada a situao de vulnerabilidade de uma das partes, na forma doartigo 190, pargrafo nico do CPC/15[2], anulando estes atos de disposioprocessual.

    Assim como o Cdigo Civil, em seu artigo 157, prev a leso como defeito donegcio jurdico sempre que a pessoa, por premente necessidade se obriga aprestao manifestamente desproporcional, o mesmo raciocnio tambmdever ser aplicado ao acordo de procedimento. possvel, ento, verificarmosuma autntica leso processual, cabendo ao juiz o controle de sua validade,especialmente quando o negcio processual prejudicar o devido processo legal,a ponto de criar um desequilbrio no processo[3].

    Parece-me que a flexibilizao procedimental muito til para a facilitao doacesso justia e a rpida soluo dos litgios, j que as partes amoldam oprocedimento frente s suas particularidades, desde que respeitado o naturalequilbrio entre os polos. Do mesmo modo, a calendarizao do processocontribui para a observncia do direito fundamental a razovel durao doprocesso, permitindo que as partes possam prever o tempo de durao dademanda e evitando o que doutrina denomina tempos mortos do processo(intervalos de tempo destinados ao processamento e prtica de atos de meroexpediente).

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    Ocorre, no entanto, que para o sucesso dos dois institutos, torna-se necessrioque a Defensoria Pblica reformule, por completo, o modo de desempenho daatividade de assistncia jurdica. As instituies que prestam a atividade deassistncia jurdica de modo verticalizado (um mesmo rgo da DefensoriaPblica acompanha o processo do incio ao fim) certamente tero maiorfacilidade do que aquelas que atuam em um modelo horizontal (a cadainstncia processual um rgo diferente da instituio assume o patrocnio dacausa)[4].

    A identidade do defensor pblico desde o incio at o fim do processo contribuipara uma melhor gesto do procedimento, j que h uma maior facilidade naprtica de atos processuais calendarizados. Seguindo a linha dainformatizao do processo, a Defensoria Pblica tambm precisa adentrar aomundo virtual, especialmente com a criao de um sistema facilitador capazde gerenciar a vida processual de cada um de seus usurios, sob pena de setornar invivel a adoo do acordo de procedimento e do calendrio nombito da instituio.

    O volume de atendimentos prestado por um nico rgo da Defensoria Pblica infinitamente superior ao de um grande escritrio de advocacia, j quetemos apenas um profissional responsvel pela gesto da assistncia jurdicade milhares de usurios, contando com o apoio de um nmero reduzido deestagirios e servidores. De nada tambm adiantar a existncia de umcalendrio se a Defensoria Pblica no for capaz de lotar seus membros demodo a prestar assistncia jurdica perante todos os rgos do PoderJudicirio. O novo Cdigo de Processo Civil passa a servir de enormecontribuio para compelir o Poder Executivo e Legislativo a respeitarem aautonomia institucional e fornecer subsdios para que haja ao menos umdefensor pblico por comarca em todo o territrio nacional, diante docomando da Emenda Constitucional 80/14.

    Em causas que envolvam a Fazenda Pblica ou na utilizao de instrumentosda tutela coletiva, a exemplo do termo de ajustamento de conduta, serextremamente vlida a utilizao do acordo processual, seja para traar umprocedimento executivo mais clere e com certas limitaes, seja para prevermaior eficcia ao acordo (valor da multa por descumprimento e periodicidade,inverso na ordem de penhora, abdicao do direito ao recurso, inverso donus da prova, limitao do uso das instncias recursais), desde que o prprioente pblico esteja disposto e imbudo do esprito de cooperao processualprevisto no artigo 6 do CPC.

    Na tutela individual, especialmente se fortalecida a figura da arbitragem ou

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    at mesmo nos casos de confeco de ttulos executivos extrajudiciaisprovenientes de transaes firmadas por membros da Defensoria Pblica, possvel que haja a instalao de uma flexibilizao procedimental (limitaodas matrias a serem suscitadas em sede de embargos execuo, inverso daordem de preferncia da penhora, dispensa da prova testemunhal, acordoquanto a utilizao dos meios de prova, especialmente a pericial etc.).

    Toro para que a Defensoria Pblica regulamente a questo no mbito interno,especialmente sobre as atribuies para a confeco destes negciosprocessuais luz das funes institucionais, bem como as limitaes que sejampertinentes com o regime jurdico da instituio. Apesar da margem deautonomia concedida pelo novo CPC, acordos processuais que atinjam oregime jurdico da Defensoria Pblica no podero ser firmados sem que hajaa participao de um presentante da instituio. Se em determinada clusulacontratual, duas pessoas jurdicas ajustem que em futuro litgio, a DefensoriaPblica deva atuar em favor delas, ou at mesmo uma clusula que impea aparticipao da Defensoria Pblica criando obstculo ao acesso justia,parece-me que este negcio processual ineficaz em relao prpriainstituio.

    Primeiro porque a avaliao do direito assistncia jurdica exclusiva daDefensoria Pblica, no sendo possvel que um ato de disposio das partespossa criar uma hiptese de atuao sem amparo legal ou constitucional. J nocaso de impedimento de participao da Defensoria Pblica, a instituio nopoderia ser obstada a exercer seu papel constitucional, quando presentehiptese de atuao, a exemplo da curadoria especial ou da legitimidade paraa tutela coletiva, em razo da transao processual.

    Assim como a competncia absoluta do rgo jurisdicional no pode ser objetode modificao, por ser uma caracterstica do Poder Judicirio e de sua funo,o exerccio das funes e atribuies dos rgos da Defensoria Pblica tambmostenta carter absoluto, no podendo ser afastado por uma convenoprocessual.

    Do mesmo modo, em uma primeira reflexo, parece-me que as prerrogativasprevistas em lei no possam ser objeto da flexibilizao procedimental, j quese constituem como instrumentos de todos os membros da Defensoria Pblicae no da prpria instituio, diferentemente do que ocorre com a FazendaPblica, cuja prerrogativa de prazo diferenciado do ente pblico e no de seurepresentante jurdico[5].

    Em um sistema horizontalizado de atuao e, especialmente diante das

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    dificuldades inerentes ao exerccio das funes institucionais, no me parecepossvel ao defensor pblico firmar uma transao que possa atingir a esferaprofissional de outro membro da instituio. As prerrogativas dos membros daDefensoria Pblica so normas de ordem pblica que no podem serinobservadas pelos demais sujeitos do processo. O prprio membro no podetransigir quanto ao seu contedo, sendo lcito, em algumas das prerrogativas, oseu no exerccio, a exemplo do prazo em dobro.

    verdade que o fato de uma norma ser de ordem pblica no razosuficiente a ponto de afastar a flexibilizao procedimental, j que,ontologicamente, toda norma processual possui essa natureza. No entanto, haspectos institucionais que devem ser preservados, seja pela segurana doordenamento jurdico ou pelo equilbrio da relao processual, especialmentepelo fato de a prerrogativa no pertencer a instituio, mas sim a cada um dosmembros, de forma individualmente considerada, cabendo a estes, no casoconcreto, analisar a pertinncia do seu exerccio ou no.

    Imaginemos uma situao em que as partes, de comum acordo, definam que aoitiva de testemunhas na audincia de instruo em julgamento prevista emcalendrio ocorrer independentemente de intimao das testemunhas,cabendo a cada uma delas providenciar o comparecimento, na linha do artigo455 do CPC/15. Se uma destas testemunhas for um membro da DefensoriaPblica, o prazo estabelecido no calendrio e a prpria participao emaudincia ser ineficaz, j que o artigo 128, XIV da LC 80/94 prev que osdefensores pblicos so inquiridos, na qualidade de testemunhas, em dia, horae local previamente ajustados com a autoridade competente. Pensar docontrrio significaria verdadeiro prejuzo ao servio desempenhado pelainstituio, j que o membro da Defensoria Pblica se veria obrigado asuspender suas atividades para comparecer ao ato processual em data que noanuiu. O propsito da prerrogativa de oitiva especial no o de criar umabenesse, mas o de minorar as consequncias do afastamento do defensorpblico de seu rgo de atuao.

    claro que a defesa da prerrogativa no deve ser enxergada como algoabsoluto. O fato de um acordo de procedimento no poder afastar o exerccioda prerrogativa no quer dizer que em determinado calendrio o defensorpblico possa anuir que determinados atos do processo sejam contabilizadosde forma simples, diante de sua baixa complexidade.

    O tema intrigante e o propsito desta exposio no o de esgot-lo, mas detravar o incio de uma reflexo institucional a respeito dos limites dasconvenes processuais no mbito da Defensoria Pblica.

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    [1] CABRAL, Antonio do Passo. Resoluo n. 118 do Conselho Nacional doMinistrio Pblico e as convenes processuais. In: CABRAL, Antonio do Passo;NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negcios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015,p. 550.

    [2] O Enunciado n. 18 do FPPC considera indcio de vulnerabilidade o fato deum acordo de procedimento ter sido celebrado sem assistncia tcnico-jurdica.

    [3] a limitao que o Prof. Leonardo Greco j apontava h quase uma dcadaem seu prestigiado estudo sobre os atos de disposio (GRECO, Leonardo. Osatos de disposio processual: primeiras reflexes. Revista Eletrnica de DireitoProcessual, vol. I, Dezembro de 2007, disponvel em http://www.redp.com.br).

    [4] No estamos aqui sustentando a prevalncia de um modo de atuao sobreo outro.

    [5] Apesar de o novo CPC considerar o prazo em dobro como uma prerrogativada instituio, na forma do art. 186, parece-me que mais adequada adisciplina da LC n. 80/94, que a considera como uma prerrogativa dosmembros da instituio (art. 128, I).

    Franklyn Roger Alves Silva defensor pblico do estado do Rio de Janeiro,mestre e doutorando em Direito Processual pela UERJ.

    Revista Consultor Jurdico, 9 de junho de 2015, 16h11