NOVAS TENDÊNCIAS DE PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO...
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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN∕ 1808-8716 Santos et Al. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 1(gt27):1-17
NOVAS TENDÊNCIAS DE PRODUÇÃO DECONHECIMENTO ABERTO E COLABORATIVO E DEAVALIAÇÃO SOCIAL DA CIÊNCIA IMPULSIONADASPELA INTERNET INTERATIVA
G27 - Controvérsias insurgentes e ciências emergentes
Alessandra dos SantosNilton Bahlis dos Santos
Juliana de Assis Bernardo
Resumo: O cenário do mundo contemporâneo nos permite ver algumas transformações técnicas esociais pelas quais estamos passando, dentro e fora da academia, no que diz respeito ao modo deproduzir e de compartilhar conhecimento, manipular informações e nos comunicarmos. Osmovimentos do acesso livre ao conhecimento e da ciência aberta viabilizaram através de comunidadese redes da internet formas de produção de conhecimento mais abertas, colaborativas e interativas,além de modos alternativos e mais transparentes de comunicação e de avaliação da ciência. Essesnovos formatos e modos de fazer ciência permitem a circulação instantânea da informação eexplicitam e assumem a dimensão coletiva da produção de conhecimento, sem se prender a restriçõescriadas pelo processo clássico de validação da comunicação científica, ou pelo segredo necessário àapropriação privada do patrimônio intelectual. Trazendo para a discussão a questão da transparênciada ciência e a do seu financiamento através de dinheiro público. Também vieram à luz processos deconhecimento que sempre existiram, mas que não eram reconhecidos como sendo de “sabercientífico”, pois ainda restritos a uma elite intelectual, ganharam realce e se expandiram para toda asociedade. Tais práticas, ao se tornarem acessíveis à todos e não exclusivas a especialistas, tornam-secada vez mais comuns, vide o caso de tutoriais que pululam no youtube com a febre do faça-você-mesmo (Do-It-Yourself). Já área da publicação científica mais especificamente, essa nova situação, ouparadigma, coloca em questão (1) a prática do processo de avaliação pelos pares (peer-review) comonão sendo tão imprescindível para a aceitação de um artigo antes de sua publicação em repositóriosou blogs científicos; (2) e a própria premissa que se consolidou como única aceita: a de que a academiaseria o único lugar de produção de conhecimento e “produção de Verdades”, estendendo com isso odebate da produção científica a toda a sociedade. O processo de produção retornaria assim à sua fonteoriginária, ou seja, o coletivo dos homens, revalorizando o “saber leigo”, o “saber cidadão”, ousimplesmente o “saber popular”. Este artigo apresenta um estudo exploratório de uma discussão sobreciência, tecnologia e sociedade que, impulsionada pela Internet, cresce e ganha relevância, mas queainda não tem, dentro da academia, o reconhecimento que merece.
VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN 1808-8716 Santos et Al. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 1(gt27):1-∕ 17
1. INTRODUÇÃO
O cenário do mundo contemporâneo nos permite ver algumas
transformações técnicas e sociais pelas quais estamos passando, dentro e fora
da academia, no que diz respeito ao modo de produzir e de compartilhar
conhecimento, avaliar e financiar pesquisa científica, manipular informações e
nos comunicarmos. Com o surgimento da internet, no início dos anos 80,
milhares de pessoas plugadas em rede começaram a poder interagir umas com
as outras de forma distribuída e atemporal. Através da cultura livre digital novas
formas de autoria, licenças de uso e direitos autorais transformaram e ainda
transformam o modo como se compartilham informações e conteúdos. Com o
aumento da capacidade de processamento técnico criaram-se novas
possibilidades para a ampliação da informação e do conhecimento e para o
intercâmbio entre diferentes saberes.
No mundo acadêmico, continua-se a se exigir cada vez mais a publicação
de artigos em revistas especializadas, de alto impacto, e o tempo para a
comunicação dos resultados da pesquisa, aliado ao fato de que nem todos os
periódicos científicos adotaram como regra a publicação de seus artigos em
acesso livre, é impeditivo para que o conhecimento científico seja distribuído de
forma rápida e livre para todos. No entanto, a adoção, ainda cautelosa, de
plataformas colaborativas como wikis, blogs e redes sociais dinamizou a
comunicação e a difusão de conhecimentos científicos tanto entre entre pares,
quanto entre o público em geral, garantindo-lhe outros espaços, importâncias e
celeridade. O mundo off-line e o on-line, antes tão separados hoje compartilham
o mesmo ambiente e os mesmos recursos.
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A internet, tida como um espaço de trocas livres, abertas, distribuídas,
colaborativas e interativas, viabilizou e provocou uma explosão de novos
processos de conhecimento. Tais processos permitem a circulação instantânea
da informação e explicitam e assumem a dimensão coletiva da produção de
conhecimento, sem se prender a restrições criadas pelo processo clássico de
validação da comunicação científica, ou pelo segredo necessário à apropriação
privada do patrimônio intelectual. Devido ao caráter aglutinador da internet,
reaparecem, através de uma nova roupagem, (1) novas formas de validação do
que é produzido e compartilhado em seu ambiente, surgindo em particular a
“validação social”, um modo mais popular e dinâmico de avaliar o que é
produzido e compartilhado nas redes; e (2) diferentes tipos de conhecimento, ou
de saberes, que sempre existiram, mas que não eram reconhecidos como sendo
do tipo “saber científico”, restritos a uma elite intelectual.
Tais características inerentes ao ambiente da internet exigem que a
ciência, e o conhecimento acadêmico, seja reconhecida para além dos muros da
academia, trazendo para a discussão a questão de sua transparência e, portanto,
de sua credibilidade, de sua autonomia frente a interesses produtivistas e
empresariais e de sua hegemonia ou exclusividade frente à produção e
“transmissão” de conhecimento.
Movimentos como o do acesso livre ao conhecimento, da ciência aberta e
da ciência cidadã defendem o acesso aberto/livre à informação e ao
conhecimento científico para todos. Nesse texto, inspirados pela natureza
aberta, colaborativa e livre da internet e pela multiplicidade de possibilidades
que ela nos proporciona queremos colocar em questão em primeiro lugar, os
processos atuais de validação da ciência e, em segundo lugar, a própria premissa
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que se consolidou como verdade: que a academia seria o único lugar de
produção de conhecimento e “produção de Verdades”.
2. DESENVOLVIMENTO
Consideramos importante abandonar antigos dogmas e refletir sobre uma
nova cultura e paradigma, novas formas de financiar ciência e sobre o estado
atual do conhecimento. Já identificamos novas tendências de construção coletiva
de conhecimento e de comunicação que acontecem na web e que, timidamente,
começam a aparecer na vida acadêmica e no mundo: usos de ambientes em
rede como apoio pedagógico, iniciativas de cadernos de pesquisa abertos,
divulgação de preprints; a disponibilização de dados brutos; existência de formas
flexíveis e abertas de peer review e comentários abertos para o público pós-
publicação do artigo, blogging além de comunidades e redes virtuais de reflexão
e produção de conhecimento, processos de validação social, crowfoundig
científico, entre outras.
O movimento pelo acesso aberto teve origem na Europa, no início dos
anos 2000, e surgiu como uma forma de protesto frente aos enormes valores
cobrados por editoras comerciais pelas assinaturas de periódicos científicos. O
acesso aberto está hoje um pouco mais consolidado é utilizado por vários
periódicos ou revistas científicas, assim como repositórios institucionais, no
entanto, ainda não é amplamente generalizado, visto os interesses comerciais
ainda vigentes.
Configura-se hoje um verdadeiro movimento de alcance internacional em
favor da ciência e do conhecimentos abertos. No âmbito jurídico: o limite de
propriedade intelectual é contestado e são estimuladas a adoção de licenças
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livres para trabalhos científicos, artísticos e culturais. No âmbito técnico:
propõem-se requisitos e formatos que favoreçam o acesso, a utilização e a
distribuição das obras, facilitando a manipulação de dados e sua leitura através
das máquinas.
A ciência aberta significa muitas coisas, masprincipalmente que o conhecimento científico deve serlivre para as pessoas usarem, reutilizarem edistribuírem sem restrições legais, tecnológicas ousociais (ALBAGLI, CLINIO, RAYCHTOCK, 2017)
Vivemos hoje sob duas constantes na "indústria dos papers": "Publique ou
pereça" ou "Seja citado ou desapareça" (BENSMANN, 1982) Um ponto central
para essa discussão diz respeito ao modo como se avalia a ciência na academia,
processo conhecido pelo nome de peer review (avaliação por pares) e feito por
consultores externos. Tal processo é considerado pela comunidade acadêmica
como imprescindível e a única forma de se garantir a qualidade de uma
publicação científica. Essa revisão tradicional, por pares, tem como objetivo levar
a replicação dos fenômenos estudados. Isto é, a partir de um método testado,
avaliado e aceito garantir que ele possa ser replicado em outras situações. No
entanto, este método se é eficiente do ponto de vista do desenvolvimento da
inovação incremental (quando melhora algo já inventado), ele é pouco capaz de
produzir o que pode ser chamado de uma inovação disruptiva (quando cria algo
que muda as bases do conhecimento existente).
Atualmente se acumulam evidências, cada vez mais observadas, sobre a
baixa reprodutibilidade dos achados publicados em revistas científicas de
prestígio, chamadas de alto impacto, em várias áreas; a má avaliação das
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comunicações, a retratação de artigos1, e a não divulgação dos resultados que
não confirmam as hipóteses previstas, resultados considerados inflacionados,
inadequados ou irreprodutíveis2. Tais aspectos permitem acreditar que
independente da revista e das formas de avaliação, o processo de peer review
não pode ser o único carimbo para a validação do conhecimento e da
comunicação científica.
Vivemos hoje sob a emergência de um novo estatuto da publicação
científica, de novas modalidades e de novas estruturas para a revisão por pares,
de um novo sistema amparado pela web e onde seja possível ter publicações
colaborativas e práticas abertas para que todos possam ler, fazer o download e
reusar o material compartilhado. em consequência dos da formas de produção
de conhecimento mais abertas, colaborativas e interativas, além de modos
alternativos e mais transparentes de comunicação e de avaliação da ciência.
Esses novos formatos e modos de fazer ciência permitem a circulação
instantânea da informação e explicitam e assumem a dimensão coletiva da
produção de conhecimento, sem se prender a restrições criadas pelo processo
clássico de validação da comunicação científica, ou pelo segredo necessário à
apropriação privada do patrimônio intelectual, Isso cria um ambiente eficiente
para o progresso da pesquisa científica que facilita a interação, a sincronização, a
colaboração e a partilha de dados, favorecendo seu avanço e difusão de forma
rápida e distribuída.
1 Top 10 most highly cited retracted papers. Retraction Watch. Disponível em: http://retractionwatch.com/the-retraction-watch-leaderboard/top-10-most-highly-cited-retracted-papers/Acesso em 15/04/20172 O mito do cientificamente comprovado, com Beatriz Bohrer do Amaral
https://www.youtube.com/watch?v=4GQy9Gz0wcM Acesso em 23/04/2017.
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Sobre novos saberes e formas de conhecimento
A internet não inventou a roda, no quesito comunicação e aglomeração de
indivíduos em redes e comunidades em torno da discussão de um tema ou
resolução de um assunto específico, mas ela vai mais além. A internet e suas
redes permitem que qualquer pessoa possa delas participar, interagir e
colaborar. Tanto empresas e instituições quanto o cidadão comum. Podemos
também dizer que a internet fez surgir algumas novas condições: o acesso a
todo tipo de informações e as mais variadas formas de conhecimento e
educação; a criação de novas formas de se fazer pesquisa científica e a produção
de conhecimento, através de processos coletivos, compartilhados, livres e de
colaboração online; com a internet são colocadas em cheque a organização da
cultura vigente e de controle do patrimônio intelectual; o intercâmbio entre
práticas acadêmicas, com linguagens específicas, e lógicas e práticas da
população e sua sabedoria da experiência e da prática cotidiana. E, mais
especificamente no mundo acadêmico, através dos recursos das tecnologias
interativas da internet, há o surgimento de uma alternativa à avaliação dos pares
através de múltiplos processos de validação social. Voltaremos a isso mais
adiante.
A universidade moderna e seu mundo acadêmico, vive o pleno ápice das
crises apontadas por Boaventura de Sousa Santos (1999, 2004): de hegemonia,
legitimidade e autonomia. Sua reflexão é pertinente ao momento atual onde a
universidade, e a reboque a ciência, vêm sofrendo cortes e desmantelamentos.
O mundo acadêmico contemporâneo, ainda é operante através de um sistema
próprio que é fechado, auto-controlado, hierárquico e especializado tem hoje
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que lidar e se entender dentro de um sistema que é o da internet que funciona
de uma outra maneira: é mais aberto, fluido, aleatório, não hierárquico. Tal
mundo, à imagem de uma biblioteca de conservação, com seus livros raros,
perderia assim a sua legitimidade como o local sagrado e único de produção de
conhecimento, da verdade e da ciência. Hoje, um pequeno dispositivo que
carregamos com uma das mãos guarda milhares de recursos e possibilidades a
um toque de polegar3 para visualizações, likes, compartilhamentos, comentários
(sejam eles positivos ou negativos) em redes de participação e colaboração
espalhadas pela web.
Mas a perda dessa hegemonia primeiro já havia acontecido no pós-guerra
por causa das mídias de massa como a televisão e os jornais. Com a internet
surgem outras possibilidades e a cultura do Do-It-Yourself (DIY) ou Faça-Você-
Mesmo, uma prática de ensino e troca de conhecimentos online que vai desde
pequenas atividades manuais (bricolage) ao desenvolvimento de softwares open
sources (dados abertos) e manipulações genéticas. Uma de suas comunidades, a
DIYBio, por exemplo, abriga biólogos, profissionais da indústria, engenheiros,
biomédicos, cientistas da computação, mas também amadores. O objetivo da
comunidade é compartilhar na rede ou em laboratórios específicos, conhecidos
como Hackerspaces, dados brutos ou não, códigos abertos, livres e não
proprietários ou equipamentos especializados para os que procuram se
aproximar da ciência de maneira não acadêmica. Através dessas trocas de
conhecimento e aprendizagem seria possível talvez “tornar-se professor de
engenharia elétrica, ou ciência da computação, ou biologia evolucionista, por
exemplo, sem possuir um diploma ou ter participado de qualquer curso”
(ROZAS, SANTOS, 2016). Tal movimento, inserido na “cultura livre digital” faz
3 Referência ao livro La petite poucette de Michel Serres, Ed.Le Pommier, 2012.
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surgir novas práticas de ensino-aprendizagem, novos saberes e noções como as
de co-criação, crowdsourcing, ciência cidadã, entre outras.
pretende analisar as potencialidades proporcionadas pelas tecnologias
interativas para troca de saberes entre especialistas e não especialistas e a
comunicação de pesquisas científicas
A universidade só vai reconquistar a legitimidade perdida quando,
segundo Boaventura da Sousa Santos,
As tecnologias interativas
Tecnologias interativas são todos os tipos de recursos tecnológicos que
usamos cotidianamente para nos comunicarmos entre todos de modo
simultâneo, atemporal e distribuído globalmente. O term referência à uma
mudança na forma como é percebida, por usuários e desenvolvedores, os
serviços baseados em redes sociais e tecnologia da informação hoje imersos em
um ambiente de interação e participação online. Um dos melhores exemplos de
recurso da web 2.0 é a Wikipédia onde várias pessoas, especialistas ou não,
podem contribuir para a construção de conhecimento. Blogs, redes sociais
digitais e outros serviços, também possibilitam a interação e práticas
colaborativas por parte dos usuários, pois geram conteúdo dinâmico e aberto à
participação de todos.
A web 2.0, embora considerada por muitos como uma estratégia de
marketing voltada para o mercado, descentraliza a produção de informação,
permitindo que qualquer cidadão tenha voz e contribua para a construção do
conhecimento.
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Tais práticas na rede acabam criando formas de produção de inteligência
coletiva Lévy (1994), onde a comunicação e a informação surgem como uma
possibilidade alternativa para a participação social Escorel e Moreira (2012). Elas
abrem espaço para a cooperação, sendo possível trabalhar de forma distribuída,
em tempos e espaços não formais e abertos, de forma ubíqua, seguindo um
modelo de pesquisa diferente do que o tradicionalmente previsto. Dessa forma,
percebemos que as tecnologias interativas da Internet são uma boa
oportunidade para a viabilização e a incorporação dos problemas, necessidades
e soluções que surgem na sociedade, facilitando a fusão de saberes e a
participação direta da população.
Chamamos “validação social”, ao processo onde um serviço ou produto,
uma comunicação ou informação são passíveis de avaliação por seus usuários. É
essa participação massiva do público que comenta, compartilha, ou curte
determinado conteúdo que define a relevância do que é apresentado. A
validação não deve ser entendida “como um meio de verificar o que seria
verdadeiro, mas como parte do próprio processo de sua construção” (SANTOS e
BRITO, 2008). A validação social não é algo novo, mas tendia a se dar de maneira
muito localizada ou isolada mas com o ambiente da internet ela ganhou
visibilidade e pode se expandir.
A validação social tem estreita relação com a forma de produção e
comunicação de conhecimento aberto e livre feito por cidadãos comuns, ou não
experts, e também por coletivos em empresas, organizações da sociedade civil,
em redes, na internet (Wikipedia, canais no Youtube, comunidades do Facebook).
A validação social também acontece quando pesquisadores saem da academia e
vão ao encontro do público compartilhar suas descobertas em ambientes como
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cafés, bares e restaurantes como acontece, por exemplo, no caso do evento
internacional de popularização da ciência Pint of Science4. Nesse caso, a ciência
parece sair de seu lugar comum e ir aonde o povo está.
O fato é que a comunicação científica e a informação não são para todos.
Democratização da web
A web é democrática? Lembremos que a web de Tim Berners-Lee foi
criada à época da Queda do Muro de Berlim e dois anos antes do fim do
apartheid. Uma tecnologia revolucionária, com enorme potencial de renovação
cívico e considerada livre, distribuída e sem fronteiras. Muitos afirmam ser uma
ilusão dizer que por causa da internet uma fração cada vez mais importante da
população, particularmente nos países pobres, têm acesso ao saber. E
questionam: que saber? com que qualidade?5 Essas perguntas são totalmente
pertinentes e são ditas desde que Gutenberg revolucionou a história da
informação com a impressão de livros, no século XV. No mundo de hoje, e mais
particularmente na academia, revistas científicas possuem “filtros de qualidade”,
representados pelo valoroso trabalho dos pareceristas, mas não estão imunes a
publicação de artigos com problemas metodológicos, com dados errados ou não
replicáveis. Se tivéssemos que apontar o culpado, de quem seria o problema? Do
parecerista que não fez corretamente o seu trabalho, muitas vezes não
remunerado? Da falta de ética do pesquisador que talvez por pressão do sistema
que lhe obriga a publicar se submeta a fatiar ou esconder resultados?
4 Site: http://www.pintofscience.com.br5 Sobre o assunto, ver o dossiê temático publicado na revista EBooks Internet contre la démocratie? - Pour en finir avec le cyberoptimisme (Internet contra a democracia ? Para acabar com o cyberotimismo) Número 12, Março-Abri, 2010. http://www.books.fr/presentation-pour-en-finir-avec-le-cyberoptimisme/ Acessado em 17 set 2017
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Na esteira dessas reflexões estão a liberdade de expressão e de
informação e sua livre circulação defendida por muitos ativistas como Aaron
Swart indiciado por baixar e compartilhar milhões de artigos acadêmicos
eletrônicos da rede do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em 2011.
E movimentos como o sci-hub6, espécie de repositório acadêmico, como outros
repositórios públicos, onde se pode encontrar de forma aberta e livre vários
artigos para download. Tal repositório já é amplamente aceito por vários
cientistas e estremece o mercado da publicação científica dominado hoje por
cinco grandes publishers comerciais – Reed Elsevier, Spring, Wiley, Blackwell, Sage
e Taylor & Francis.
Relato de Experiência
Iremos aqui fazer o relato de uma experiência de escrita colaborativa e
produção de conhecimento aberto no ambiente da internet em curso de
extensão oferecido pelo Núcleo de Experimentação de Tecnologias Interativas
(Next), no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação em
Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (PPGICS/FIOCRUZ). Este relato já foi
brevemente apresentado durante comunicação oral nos Aglomerados do Esocite
de 2015. Na ocasião, a experiência ainda não estava acabada e por isso não
podemos fazer uma avaliação de todo o processo. Aqui nos ateremos à fase de
avaliação por pares
O uso de tecnologias interativas e colaborativas, através de redes e
comunidades virtuais (Facebook, Twitter, Academia Edu, ResearchGate), blogs e
6 Movimento surgido com o site de mesmo nome lançado em 2011 por Alexandra Elbakyan, considerada a herdeira de Aaron Swartz, que disponibiliza de forma aberta e livre dezenas de milhões de documentos de pesquisa. Link disponível em: http://sci-hub.cc/
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plataformas abertas, dinamizou a relação entre pesquisadores e o público em
geral, fazendo surgir modos de produção de conhecimento inovadores,
associados a diferentes formas de compartilhamento e validação de dados e
informações.
A atividade proposta como trabalho final de conclusão do curso se propôs
a estimular a colaboração, a interatividade entre os alunos e a produção coletiva
de conhecimentos. Como requisito para obtenção do crédito acadêmico, os
alunos foram chamados a fazer seus trabalhos com no mínimo dois
participantes usando a ferramenta Google Docs. Em um primeiro momento, um
Docs foi aberto para os alunos inserirem os títulos dos trabalhos com os nomes
dos autores e o link compartilhável para que outros alunos pudessem visualizar
e comentar sobre a construção dos textos. A expectativa era de que além dos
textos serem criados coletivamente, fossem inseridas práticas de revisão que
incorporassem métricas de avaliação social e publicação de comentários por
parte dos avaliadores, gerando sinergia entre os participantes e o imediato
compartilhamento da escrita ainda em produção.
CONCLUSÃO
Além da revolução que se avizinha nas formas de produção, validação e
comunicação da ciência, o processo atual de construção do conhecimento livre,
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aberto e colaborativo reforça e recoloca iniciativas de valoração do
“conhecimento leigo”, “conhecimento cidadão ou popular”, não considerados
“científicos”, que ganham a luz do dia com a internet. Não diremos que são
iniciativas mais “práticas”, técnicas” ou “concretas”, mas sim que são os reflexos
dos processos de produção e apropriação de conhecimento contemporâneo e
apontam para novas formas de validação e inovação como os movimentos de
software e hardware livres ou de dados abertos. São movimentos onde a
divulgação do conhecimento não se dá apenas através dos resultados da
pesquisa mas de processos ainda em construção, em rascunho colocados nas
redes sociais, wikis, repositórios abertos e em editores de texto colaborativos
(Google Doc). Estas são experiências e iniciativas de produção e comunicação de
ciência abertas que acontecem hoje na internet, que se ampliam e se
consolidam e que, de uns anos para cá, começaram também a serem discutidas
dentro da academia.
Os movimentos do acesso livre ao conhecimento e da ciência aberta viabilizaram
através de comunidades e redes da internet formas de produção de
conhecimento mais abertas, colaborativas e interativas, além de modos
alternativos e mais transparentes de comunicação e de avaliação da ciência.
Esses novos formatos e modos de fazer ciência permitem a circulação
instantânea da informação e explicitam e assumem a dimensão coletiva da
produção de conhecimento, sem se prender a restrições criadas pelo processo
clássico de validação da comunicação científica, ou pelo segredo necessário à
apropriação privada do patrimônio intelectual. Essa nova situação, ou
paradigma, coloca em questão (1) a prática do processo de avaliação pelos
pares (peer-review) como não sendo tão imprescindível para a aceitação de um
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artigo antes de sua publicação em repositórios ou blogs científicos; (2) e a
própria premissa que se consolidou como única aceita: a de que a academia
seria o único lugar de produção de conhecimento e “produção de Verdades”,
estendendo com isso o debate da produção científica a toda a sociedade. O
processo de produção retornaria assim à sua fonte originária, ou seja, o coletivo
dos homens, revalorizando o “saber leigo”, o “saber cidadão”, ou simplesmente o
“saber popular”. Este artigo apresenta um estudo exploratório de uma discussão
sobre ciência, tecnologia e sociedade que, impulsionada pela Internet, cresce e
ganha relevância, mas que ainda não tem, dentro da academia, o
reconhecimento que merece.
Acreditamos que seja possível apontar e considerar novas formas de
produção do conhecimento e alternativas de publicação e acesso ao
conhecimento científico criando canais de participação popular apoiado em
iniciativas já existentes.
Entendemos que os processos tradicionais de gestão de periódicos e a
necessidade do aumento de sua visibilidade, impacto e relevância não podem
mais ser reafirmados incondicionalmente e considerados como definitivos.
Devemos repensar o formato, os produtos e os modelos de comunicação e de
publicações científicas. No caso das revistas científicas, é preciso que elas
possuam uma política editorial mais flexível, baseada não apenas nas formas
tradicionais, mas no uso de metodologias inovadoras, que abracem critérios de
avaliação sociais e dinâmicos.
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ReferênciasALBAGLI, Sarita., CLINIO, Anne., RAYCHTOCK, S. Ciência Aberta: correntesinterpretativas e tipos de ação. Liinc em Revista. Rio de Janeiro, v. 10, N.2, p. 434-450, novembro 2014. Disponível em: http://revista.ibict.br/liinc/article/view/3593(acessado em 30/07/2017).
GOUVEIA, Fábio Castro Altimetria: métricas de produção científica para além dascitações. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.9, n.1, p.214-227, maio 2013.Disponível em: http://revista.ibict.br/liinc/index.php/liinc/article/view/569 (Acessoem: 20 abr. 2015)
ROZAS, Rebecca Hodesh Muniz; DOS SANTOS, Alessandra. Ciência aberta eautoria em rede: a revolução do biocoding. Revista Para-Acadêmica, v. 1, n. 1,2016. Link disponível em:http://next.ensp.fiocruz.br/revistaparaacademica/junho-2016/ciencia-aberta-e-autoria-em-rede-a-revolucao-do-biocoding/ Acessado em 17 set 2017
SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio deJaneiro: Graal, 1989.
SANTOS, __________________. Da ideia de universidade à universidade de ideias.Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez,1999.
SANTOS, _________________. A universidade no século XXI: para uma reformademocrática e emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2004.
SANTOS, Nilton Bahlis dos. e BRITO, João Ximenes. Da validação porintermediários à validação social. In: ESOCITE - Jornadas Latinoamericanas deEstudos Sociais das Ciências e das Tecnologias, 7. Rio de Janeiro, 2008.Disponível em: http://arquivos.next.icict.fiocruz.br/content/27 (Acesso em: 09abr. 2015)
RESTOS
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Novos formatos e produtos
A validação entendida como parte do processo de construção do conhecimento
proporciona o surgimento de novos formatos e produtos, não formais, de
comunicação científica que podem ser uma contribuição importante para outras
pesquisas em desenvolvimento.
Novas métricas
As métricas alternativas (altimetria) surgem para ajudar na avaliação e
mensuração da qualidade das publicações científicas: citações, avaliações de
tweets, likes e compartilhamentos em redes sociais acadêmicas e profissionais
(GOUVEIA, 2013).
EXEMPLOS:
PloS One
É uma revista científica online de acesso livre, publicada pela Public Library of
Science. Cobre principalmente pesquisa primária de qualquer disciplina na área
da ciência e medicina. Os artigos enviados são submetidos a peer review antes
de serem publicados, mas não são excluídos em razão de eventual falta de
importância ou de aderência a um campo científico.
A plataforma online da PLOS ONE tem funcionalidades pós-publicação, de
discussão por parte de utilizadores e de classificação.
arXiv - arquivo on line de preprints publicados sem a revisão por pares
PeerJ Preprint- autores podem apresentar projetos incompletos, ou versões
finais dos artigos em que estão trabalhando
F100 Research - publicação imediata e transparente de artigos, deixando para
depois o trabalho da revisão por pares
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