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1 Novas Dimensões da Atuação Jurídica: O Papel de Advogados, Burocratas e Acadêmicos na Redefinição da Formação e das Funções dos Operadores Jurídicos. Dra. Loussia P. Musse Felix Faculdade de Direito da Universidade de Brasília SUMÁRIO: 1- Introdução. 2- Classe Jurídica, Transição Democrática e Estado de Direito. 3- A Percepção da Crise do Ensino Jurídico no Brasil. 4- Acesso à Justiça. 5- Exigências Contemporâneas do Estado, do Direito e Formação Jurídica. 6- Comissão de Ciência e Ensino Jurídico – CEJ. 7- Estabelecendo Marcos Teóricos e Metodológicos. 8- A Avaliação sob a Perspectiva de um Diagnóstico dos Cursos. 9- Comissão de Ensino Jurídico: A OAB e as Potencialidades de Transformação no Cenário dos Cursos Jurídicos. 10- A Comissão de Especialistas em Ensino de Direito da SESu/MEC. 11- Trajetória de uma Comissão de Pares: Como se Consolida a CEED/SESu/MEC. 12- A Fase de Consolidação: Interlocução e Projeto de Avaliação. 13- Propostas de Avaliação dos Encontros Regionais e Nacional. 14- Princípios do PAIUB. 15- A Lei nº 9131 (24 de novembro de 1995) e a Portaria nº03 (09 de janeiro de 1996). 16- As Comissões de Especialistas e as Perspectivas de Avaliação do Ensino de Direito. 1 – Introdução Este trabalho pretende apresentar e discutir alguns dos fatores, processo e conseqüências das recentes e profundas mudanças que ocorreram com a formação do bacharel em Direito no Brasil a partir da emergência de dois atores coletivos no cenário da educação jurídica: a Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil- CEJ/OAB e Comissão de Especialistas em Ensino de Direito da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação e do Desporto- CEED/SESu/MEC. Será analisado o impacto das

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Novas Dimensões da Atuação Jurídica: O Papel de Advogados, Burocratas eAcadêmicos na Redefinição da Formação e das Funções dos Operadores Jurídicos.

Dra. Loussia P. Musse Felix

Faculdade de Direito da Universidade de Brasília

SUMÁRIO:

1- Introdução.

2- Classe Jurídica, Transição Democrática e Estado de Direito.

3- A Percepção da Crise do Ensino Jurídico no Brasil.

4- Acesso à Justiça.

5- Exigências Contemporâneas do Estado, do Direito e Formação Jurídica.

6- Comissão de Ciência e Ensino Jurídico – CEJ.

7- Estabelecendo Marcos Teóricos e Metodológicos.

8- A Avaliação sob a Perspectiva de um Diagnóstico dos Cursos.

9- Comissão de Ensino Jurídico: A OAB e as Potencialidades de Transformação no Cenário dosCursos Jurídicos.

10- A Comissão de Especialistas em Ensino de Direito da SESu/MEC.

11- Trajetória de uma Comissão de Pares: Como se Consolida a CEED/SESu/MEC.

12- A Fase de Consolidação: Interlocução e Projeto de Avaliação.

13- Propostas de Avaliação dos Encontros Regionais e Nacional.

14- Princípios do PAIUB.

15- A Lei nº 9131 (24 de novembro de 1995) e a Portaria nº03 (09 de janeiro de 1996).

16- As Comissões de Especialistas e as Perspectivas de Avaliação do Ensino de Direito.

1 – Introdução

Este trabalho pretende apresentar e discutir alguns dos fatores, processo econseqüências das recentes e profundas mudanças que ocorreram com a formação do bacharel emDireito no Brasil a partir da emergência de dois atores coletivos no cenário da educação jurídica:a Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil-CEJ/OAB e Comissão de Especialistas em Ensino de Direito da Secretaria de Educação Superiordo Ministério da Educação e do Desporto- CEED/SESu/MEC. Será analisado o impacto das

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propostas e políticas dessas comissões sobre os principais espaços de formação jurídica, ou sejafaculdades ou cursos de Direito, que conferem o título de bacharel, como um fator de mudança naformação teórica e prática dos operadores jurídicos, executando como conseqüência um potencialde maior eficácia no sistema jurídico brasileiro e nos níveis de acesso à justiça, seja pelos sistemajudicial ou extrajudicial.

2 - Classe Jurídica, Transição Democrática e Estado de Direito

Historicamente, os princípios que têm predominado na educação jurídica brasileirarefletem traços culturais amplos e de origem bastante visível. A faculdade de direito, desde suaimplantação, distingue-se como ponto de convergência de alguns temas sociais e da culturabrasileira. Instalados pouco depois da Independência, a criação dos cursos jurídicos no Brasil, osprimeiros de nível superior, confunde-se com a formação do estado nacional. A elite dirigente doPrimeiro Império procurou integrar as futuras instituições de ensino às instituições político-administrativas que então se organizavam, sob a mesma mentalidade que determinou a trajetóriados principais movimentos sociais que resultaram na autonomização política daquela sociedade:o individualismo político e o liberalismo econômico (Adorno 1988, 77).

As faculdades desempenharam assim duas funções distintas. A primeira, menosperceptível e mais complexa, está inserida na produção cultural-ideológica, em que essasfuncionaram como centros de sistematização teórica da emergente ideologia jurídico-política, oliberalismo, a quem se confiava a integração ideológica do estado moderno. A segunda, maisevidente, operacionalizou essa ideologia, formando os quadros de gestão do estado nacional.

Por outro lado as faculdades de direito passaram desde a origem a atrair grandenúmero de estudantes que jamais praticariam a profissão, mas que fariam do diploma de bachareluma forma de acesso à estrutura burocrático-administrativa, à política, ou como meio de ascensãosocial, intervindo nesta escolha, do que Joaquim Falcão denomina de estudante-tipo, o acesso aum ensino generalista, que não exigia grande dedicação (Falcão 1984, 65). O término daRepública Velha e a implantação de um parque industrial, com deslocamentos no centro de poderpolítico e econômico, afetou o papel do bacharel na cena institucional. Os períodos da ditaduraVargas, a implantação do Estado Novo e finalmente o golpe de 1964 ocasionaram uma rupturacom o estado de direito que os juristas de certa forma ajudaram a implantar no país. Num certosentido os juristas passaram a representar uma força de resistência à mudança, já que esta passoua ser feita por tecnocratas e sem a sua influência. Sob tais circunstâncias, foi inevitável que essedistanciamento entre a classe jurídica e a classe dirigente fosse se acentuando cada vez mais,sendo que outros profissionais foram tomando o lugar dos advogados na arquitetura da novaordem (Steiner 1974, 58).

Podemos então estabelecer que a educação jurídica no Brasil teve dois objetivos:fornecer uma educação geral e liberal e estudar o direito como uma ciência jurídica.

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A segunda tem origem particularmente na ciência jurídica alemã do século XIX, natransição do historicismo para o positivismo, sendo que a reivindicação da autonomia científica dodireito positivo teve por objetivo a retirada do direito natural do âmbito do mundo jurídicopropriamente dito, tendo em vista a idéia de considerar somente o direito positivo como autênticodireito (Stefanova Apostolova 1998,127).

Pela adoção do método dogmático o Direito positivo foi tomado como um sistemafechado, que se basta a si mesmo, do qual podem se deduzir soluções para todos os casos semque seja permitido utilizar-se de materiais alheios ao ordenamento jurídico positivo. A dogmáticajurídica, valendo-se desse sistema de normas abstratas, genéricas e impessoais para tomar osconflitos de maneira exclusivamente formal, fragmenta-os, individualiza-os e trivializa-os parapoder codificá-los por meio de decisões judiciais, e apresenta-se como o necessário contrapontona esfera legal da teoria liberal do poder político (Faria 1987, 30).

Seria este o paradigma mais recorrente de nossas faculdades de Direito,acarretando ainda, conseqüentemente a inflexibilidade e imobilidade da estrutura dos cursosjurídicos, em nome da segurança da lei, impondo aos estudantes uma formação burocrática eacrítica, incapaz de perceber e atuar em novos pontos de conflitos e tensão social Foi destamaneira, que as escolas de direito foram limitadas a simples “escolas de legalidade”, em que sereproduziam “soluções” pré-elaboradas a partir de casos exemplares, mediante conceitos ecategorias nascidos e consolidados no século XIX (Faria 1987, 46).

3 - A Percepção da Crise do Ensino Jurídico no Brasil

A partir dos anos 50, pela perda de identidade do jurista, pelas razões já apontadas,inicia-se uma abordagem do ensino juridico sob o prisma da “crise do ensino jurídico”, que se emum primeiro momento foi tratada como lost paradise, nas décadas seguintes foi objeto de umaprodução teórica vigorosa e significativa. Adotamos aqui como crise de identidade o conceitodesenvolvido por Arruda Jr., ou seja, “um conjunto de situações de câmbios sócio-profissionaisdos atores bacharéis em direito distribuídos na estrutura social, situações de queda de prestígioem relação ao passado” (Arruda Jr. 1989, 37), ou ainda a crise profissional dos diplomados emdireito a partir de uma abordagem da “inadequação” entre formação sócio-profissional edistribuição sócio-ocupacional.

Na década dos 80 a reflexão sobre o papel do Direito e da função dos operadoresjurídicos foi efetuada além dos domínios do liberalismo clássico, centrado nas questões relativasao equilíbrio entre os poderes e ao livre funcionamento da economia de mercado, à independênciado Judiciário e às garantias de constitucionalidade dos ordenamentos, e outros conceitos chavecomo a inviolabilidade do direito de propriedade e dos direitos civis e políticos (Faria 1984, 30).1

1 Partindo dessa primeira etapa na defesa de prisioneiros políticos e denúncias de tortura e arbitrariedades, aoposição da classe jurídica à ditadura militar se constituiu precisamente em torno da questão do estado de direito.

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Havia uma consciência de que ao alargamento do espaço jurídico-político, não seestabeleciam formas suficentes e válidas de aprendizagem e ensino do Direito compatível comesta nova ordem. O sistema jurídico e sua forma de reprodução nas faculdades de direito, aindacondicionado aos limites da versão dogmática da Ciência do Direito, se revelava incapaz deinterferir numa situação de crescente litigiosidade decorrente (entre outros fatores) das sucessivascrises econômicas, da expansão dos direitos sociais e da coletivização da representação jurídica.

O crescente desgaste dos tradicionais mecanismos jurídicos de ordenação política,de estabilização das relações sociais e de articulação do consenso não atingiu de forma global oparadigma normativo-positivista prevalecente na maior parte dos cursos oferecidos nasfaculdades de Direito. O normativismo é aqui tomado como concepção e doutrinas segundo asquais um fato é jurídico quando considerado na conformidade de um estatuto legal-racional e quepressupõe que uma realidade social tensa e heterogênea pode ser transformada numa ordemracional, uniforme e unívoca, revelando sua visão idealizante (Faria 1988, 76).

Também é importante considerar que no cenário da transição política brasileira orestabelecimento do espaço jurídico-político ocorreu num momento em que as tensões sócio-econômicas do estado oligopolista-monopolista eram bastante cruciais. A Constituição de 1988tentou mediatizar a explosão de litigiosidade de uma sociedade em crise através da expansão dosdireitos sociais e do reconhecimento da natureza coletiva dos novos direitos emergentes. Mascuriosamente o próprio sistema legal reconhecia os impasses entre a expansão dos direitos e aestrutura desigual da sociedade. Como bem aponta Maria Teresa Sadek, a Constituição brasileiraapresentava em conseqüência uma característica singular:

“Excetuando-se os Estados revolucionários, que patentearam umasituação de “revolução permanente”, não há notícias no mundocontemporâneo de nenhuma constituição que tenha se definido comotemporária.... Nestas circunstâncias, foram colocados para o debatepúblico um extenso e variado leque de temas institucionais.... A meraexistência desta agenda demonstra a fragilidade do presente arranjoinstitucional. (Sadek 1995, 225).

Nesta discussão das relações entre o estado e sistema jurídico emerge nos anos 80um tema candente que desafiará o estado liberal em seus preceitos chaves, como a igualdadeformal perante o estado, ou, de uma forma mais específica a desigualdade do acesso à Justiça. Acrise no espaço de atuação e domínio da classe jurídica a fará repensar as necessidades e funçõesda formação jurídica numa sociedade em profunda transformação em que todavia, os dilemas de

Assim como outros setores da sociedade civil, a OAB ampliava seu leque de reivindicações para incluir uma defesageral dos direitos humanos a partir da Va Conferência Nacional em 1974 e prosseguindo nos anos seguintes comreivindicações em torno da autonomia profissional da advocacia e sua independência frente ao estado. Finalmenteconsolidada vinte anos depois, no Novo Estatuto da Advocacia e da OAB (Neto Lôbo 1994, 40-58).

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um ordenamento mediatizador e portador de direitos não garantidos na estrutura econômica esocial não poderiam ser tomados apenas como sinal de ineficácia do jurídico.

A crise do ensino foi portanto absorvida no conceitual da crise do próprio sistemajurídico, ou foi também um reflexo dos dilemas do modelo liberal de Direito e Estado, tragadopelo autoritarismo. A revitalização do Estado de Direito, com o restabelecimento ou surgimentode consensos em torno dos direitos a serem assegurados por uma ordem jurídica resgatada pela“constitucionalização do Estado” por meio da Constituição Federal de 1988, contribuiu paradissociar uma e outra problemática.

4 - ACESSO À JUSTIÇA

A questão do acesso à justiça pode ser encarada sob dois prismas. O primeiro,aqui definido como direito ao acesso à proteção judicial, ou direito formal do indivíduo agravadode propor ou contestar uma ação, sofreu uma revitalização formidável, a partir da ótica difundidapela moderna processualística, que deve a Mauro Cappelletti rigor metodológico e contribuiçãoteórica notáveis. A obra paradigmática desse abordagem foi lançada em 1978 sob o título Accessto Justice: The Worldwide Movement to Make Rights Effective - A General Report e que noBrasil foi lançado sob o título Acesso à Justiça, publicado uma década depois. Nesta obraCappelletti, juntamente com Bryant Garth, lança os postulados do acesso à justiça. Ainda naintrodução a esta obra Cappelletti define a questão do acesso à justiça como determinante de duasfinalidades básicas do sistema jurídico, no sentido de sistema que permite às pessoas reivindicarseus direitos/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. A primeira finalidade situa-sena esfera da acessibilidade coletiva, ou seja, o sistema deve ser acessível a todos. Sob o segundoenfoque surge a questão da justiça social, que pressupõe um acesso efetivo, ou seja, o sistemadeve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos (Cappelletti e Garth 1988, 8):

O recente despertar de interesse em torno do acesso efetivo à Justiça levou a trêsposições básicas, pelos menos nos países do mundo ocidental. Tendo início em 1965, estesposicionamentos emergiram mais ou menos em seqüência cronológica.... Podemos afirmar que aprimeira solução para o acesso— a primeira “onda” desse movimento novo foi a assistênciajudiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídicapara os interesses “difusos” especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; e oterceiro e mais recente é o que nos propomos a chamar simplesmente “enfoque de acesso àjustiça” porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando,dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado ecompreensivo (Cappelletti e Garth 1988, 31).

A terceira onda comportaria uma reforma dos procedimentos judiciais em geral,com repercussões importantes na discussão sobre a estruturação do Poder Judiciário e sobre osritos procedimentais, com absorção de novas formas de solução de litígios como o Juízo Arbitrale a Conciliação, com a adoção, entre outros, de formas diferenciadas e procedimentos Especiais

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para Pequenas Causas (Cappelletti e Garth 1988, 94). Estas mudanças trariam conseqüênciasrelevantes no enfoque da própria profissão jurídica, que deveria se conscientizar de seu novopapel de prestador da assistência jurídica, que vai além da representação formal para ser tambémcompreendida como auxílio para tornar as pessoas mais ativamente participantes das decisõesbásicas, tanto governamentais como particulares, que afetam suas vidas (Cappelletti e Garth 1988,143).

A discussão do papel do Poder Judiciário neste contexto de efetivação do acesso àjustiça vai se tornar um campo fértil de debates, em que o ponto comum vai ser o destaque doJudiciário, que também englobaria o Ministério Público e a advocacia:

Não considero nem o advogado nem o representante do MinistérioPúblico elementos estranhos ao Poder Judiciário. É que o MinistérioPúblico é considerado, pela Constituição, instituição essencial à funçãojurisdicional (C.F., art. 127), enquanto que o advogado, segundo dispõe oart. 133 da Constituição, é indispensável à administração da Justiça....Juízes, advogados e membros do Ministério Público estamos todosempenhados no distribuir justiça....(Velloso 1996, 30)

A democratização do Poder Judiciário vai também se tornando um tema da pautade encontros de categorias jurídico-profissionais, produções científicas, análises sociológicas edemais veículos de análise do que se tem comumente chamado de Poder do século XXI. Estemesmo enfoque é ressaltado, por outro viés, também por Cappelletti, que destaca que asresponsabilidades processuais e substanciais dos juízes expandiram-se extremamente nassociedades modernas, no sentido de accountability ou seja, do dever de prestar contas, que setornou uma questão aguda (Cappelletti 1989, 23).

A questão do acesso à justiça deve ser ressaltada no sentido de sua contribuição ourelevância para o debate em torno da crise do ensino jurídico, que na década de 80 vai serfreqüentado por professores com uma identificação clara com a Sociologia Jurídica, ou porpesquisadores simpáticos a um ensino com uma orientação sociológica do Direito e portantotradutora de uma crítica da dogmática jurídica por meio de uma nova dimensão, entre outros, dosconceitos de pragmatismo, relativismo, conflito e decisão. Entre estes José Eduardo Fariarelaciona Edmundo L. de Arruda Jr., Joaquim Falcão, Roberto Lyra Filho, Luis Alberto Warat eCarlos Alberto Plastino (Faria 1991, 26-27).

Assim, a crítica contemporânea do ensino jurídico se inscreve no âmbito de umasociologia jurídica que aproveita ao máximo os períodos de grande transformação, quando é maisaguda a crise de uma ideologia juspositivista tradicional, para insistir na necessidade de umaformação diferente para o jurista (Marra 1993, 217).

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5 - Exigências Contemporâneas do Estado, do Direito e da Formação Jurídica

Como contraponto à astenia do ensino jurídico, se houve um campo de vigor emtoda essa problemática, foi o campo do debate teórico, principalmente desde a década passada,com o surgimento de “propostas transgressoras” sobre o ensino jurídico brasileiro: as de JoãoBaptista Villela, Álvaro Melo Filho, Aurélio Wander Bastos, Joaquim Arruda Falcão, JoséEduardo Faria, Roberto Lyra Filho e de Luis Alberto Warat (Rodrigues 1988, 37-102).

Todavia as propostas de mudança ou de subversão do paradigma dogmático até adécada de 90 jamais se consolidaram, não tendo passado de experiências isoladas e temporárias.O trabalho pioneiro de pesquisa das condições do ensino jurídico baseada em dados concretos,duas décadas anteriores, fora uma coletânea de artigos de Joaquim Falcão (1984) produzidosentre 1977 e 1984, em que se condensavam idéias que permeariam o debate nas décadas de 70 e80, como a tradição veiculada desde os primeiros cursos, de formação das classes dirigentes pormeio da educação jurídica (Falcão 1984, 31), destaque social do papel dos bacharéis atuando ounão em profissões jurídicas e identificação da crise do ensino como conflito entre a necessidadesocial e o que as faculdades ofereciam(Falcão 1984, 91).

A crise do ensino jurídico já não mais era percebida como uma simples crisepedagógica desde os anos 80 Mas vai ser também uma discussão metodológica, com variadosporta-vozes de uma e outra vertentes da falência. Em artigo que alcançou “sucesso deescândalo”, como definido pelo próprio autor, é Roberto Lyra Filho quem vai precisar adiscussão:

O Direito Que se Ensina Errado pode entender-se, é claro, em, pelomenos, dois sentidos: como o ensino do direito em forma errada e comoerrada concepção do direito que se ensina. O primeiro se refere a umvício de metodologia; o segundo, á visão incorreta dos conteúdos que sepretende ministrar. No entanto, as duas coisas permanecem vinculadas,uma vez que não se pode ensinar bem o direito errado; e o direito, que seentende mal, determina, com essa distorção, os defeitos de pedagogia(Lyra Filho 1980, 5).

Mas a despeito do vigor no debate teórico não havia uma análise empíricacompatível que apontasse suas especificidades nos anos 90. Os diagnósticos mais generalizantes emesmo os mais refinados não supriram a necessidade de aprofundamento das pesquisas empíricasacerca das condições do ensino. Uma das novas características da década dos 90 foi arevitalização crescente da busca do ensino jurídico, que já não parecia indicar um mero fascíniopelo bacharelismo, mas uma mescla de fatores, entre os quais a instauração do Estado de Direitopela Constituição Federal de 1988 e o desencanto com as fórmulas de arquitetura social queinspiraram a classe dirigente nas décadas desenvolvimentistas dos anos 60 e 70. Por outro lado, o

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estudante de direito também adquiriu caracaterísticas insuspeitadas na década anterior, com osmelhores candidatos dos vestibulares das universidades federais disputando as vagas dos cursosde Direito, como na Universidade Federal de Pernambuco, um dos primeiros cursos dopaís(Adeodato 1993, 49). A alta demanda social evidencia que o estudante de Direito perdera, aomenos por ora e não apenas nos melhores cursos, o perfil mediocrizante de quem só escolhia acarreira jurídica como opção residual.

Nos anos 90, neste quadro de novos dilemas e antigos impasses a classe jurídica sedefrontava com os questionamentos desta sociedade em transformação. Quais as suas novasresponsabilidades e funções?

Como fenômeno dos anos 90, o debate se desloca da academia para o planoinstitucional, representado pelas duas Comissões de Ensino Jurídico que vão absorver a produçãoteórica e metodológica de um grupo acadêmico preparado para enfrentar os novos dilemas dacrise, a partir da constatação de que o debate acumulado em dez anos indicava a necessidade dese estabelecer propostas concretas , visando a em última análise, o desenvolvimento de padrõesde qualidade que tivessem como efeito gerar em ensino jurídico que conduzisse o estudante apensar juridicamente a sociedade em sua dimensão totalizadora (Sousa Jr. 1996, 90-91, grifonosso).

Como locus e modelos de representação desses interesses optamos pelasComissões de Especialistas de Ensino de Direito da SESu/MEC e Comissão de Ensino Jurídicodo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Como interface, analisamos as novaspolíticas, o teor de consistência de sua implantação, e se o instrumental desta implementação estásuficientemente disponível e quais os riscos de reversão ou resistência às mudanças jáexplicitadas.

A grande expansão dos cursos de Direito ocorreu entre 1967 e 1975, com aproliferação das IES privadas. Já na década de 1980, com os primeiros estudos que apontavampara uma agudização da crise do ensino, tanto o MEC quanto o Conselho Federal de Educaçãopassaram a adotar uma política de restrição para a abertura de novos cursos, sem contudo apontarsoluções ou esboçar reações para a crise já instalada. A apreciação da evolução do ensino jurídicoe a política estatal correlata mostram que a política oficial foi a responsabilização das faculdadesem relação ao conteúdo e qualidade do ensino jurídico(Ceneviva 1993, 86).

Essa descentralização de poder, tomada de decisão e fiscalização vai ser revertidapela adoção de uma política global de avaliação. No caso de nosso objeto, esta intervenção vaiocorrer por meio da Comissão de Especialistas de Ensino de Direito da SESu/MEC.

No período atual, a partir da década de 90, essa intervenção frágil, distanciamento daproblemática e impasses teórico-institucionais vai ser revertida pela adoção de uma atitude ativafrente aos problemas do ensino por meio de prerrogativas legais e interesses legitimados.

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6 - A COMISSÃO DE CIÊNCIA E ENSINO JURÍDICO - CEJ

A Comissão de Ciência e Ensino Jurídico foi instalada em agosto de 1991 nagestão de Marcello Lavenère Machado, então Presidente do Conselho Federal da Ordem dosAdvogados do Brasil. Nos vinte primeiros meses de mandato de seus membros a Comissão teveum impacto tão significativo que não houve mais como ignorar, nem a nova metodologia detrabalho que então se inaugurava, nem tampouco o novo papel que a OAB assumiria na resoluçãoda crise do ensino. A CEJ, como denominaremos ora em diante a Comissão de Ensino Jurídicodo Conselho Federal da OAB, foi institucionalizada e de alguma forma se profissionalizou.2

A composição da Comissão revelava uma indicação importante no sentido de que aentidade de classe entendia que o ensino jurídico deveria ser tratado sob um prismaeminentemente acadêmico. Mas sobretudo, o que ressalta é uma certa dominância de acadêmicoscom uma visão eminentemente crítica do fenômeno e do ensino jurídicos, por conta de umaformação mais identificada com a sociologia do direito e sua filosofia, como José Geraldo deSousa Júnior, Edmundo Arruda Lima Júnior e Roberto Aguiar. Quanto aos dois primeiros, pode-se dizer traduzirem ainda uma condição relativamente atípica para professores de Direito no inícioda década. Eram ambos docentes em regime de trabalho de dedicação exclusiva a esta atividade,ou seja, não mantinham atividade profissional relevante paralela à docência, não se enquadrandono perfil da grande maioria dos professores(as)de Direito, seja em escolas públicas ou privadas.

2 Foi composta pelos professores, apresentados na ordem de nomeação, Álvaro Villaça Azevedo, entãoconselheiro federal pelo estado de São Paulo e professor titular chefe do Departamento de Direito Civil daFaculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Edmundo Arruda Lima Júnior, professor da Faculdade deDireito da Universidade Federal de Santa Catarina e com reputação na área do estudo crítico do Direito, tendotrabalhado a noção de crise no direito e no ensino, e vinculado à escola do denominado Direito Alternativo.José Geraldo de Sousa Júnior, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília na área deSociologia Jurídica, que tivera participação destacada na Comissão de Direitos Humanos do Conselho Seccionalda OAB do Distrito Federal, e que como acadêmico vinha coordenando um projeto de Curso de ExtensãoUniversitária a Distância, na Universidade de Brasília o “O Direito Achado na Rua”. Paulo Luiz Netto Lobo,conselheiro federal do estado de Alagoas, professor da Faculdade de Direito da UFAl e que vinha desenvolvendodesde o início da década anterior, quando coordenara o Xo Encontro do Colégio Brasileiro de Faculdades deDireito, ocorrido em 1981 em Maceió, uma ação junto aos cursos e faculdades de Direito no sentido dereconhecerem a Ordem dos Advogados como ator importante no drama da crise do ensino. O Prof. Netto Lobovinha também exercendo as funções de relator e Presidente da Comissão de Sistematização do Novo Estatuto daAdvocacia e da OAB, que se tornaria a Lei 8.906 de 04 de julho de 1994, em que a OAB finalmente conseguiriadotar de força legal a sua participação na criação, reconhecimento ou credenciamento dos cursos jurídicos e; e oconselheiro federal Sérgio Ferraz, que exercera o papel de consultor na área de ensino quando Bernardo Cabralfora presidente do Conselho Federal, e que formulara projeto de participação da OAB na criação de cursosjurídicos. Finalmente o então Professor do Departamento de Ciência Política da UnB Roberto A. R. de Aguiar,que recém lançara um livro de grande impacto no mesmo ano, cujo título era A Crise da Advocacia no Brasil:Diagnósticos e Perspectivas, em que apresentava em linguagem mais acessível o panorama da crise, a partir dopressuposto de que as escolas de direito, que para o autor deveriam ser denominadas de escolas de leis,efetivamente nem se propunham a formar advogados, ou qualquer outro profissional da área jurídica, nem mesmode uma forma rudimentar.

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A discussão sobre a “ crise do ensino jurídico” não era um elemento novo depreocupação no âmbito do Conselho Federal da OAB. Neste sentido todas as conferênciasnacionais e mesmo muitos encontros das Seccionais sempre reservaram um lugar de destaquepara painéis e discussão sobre o ensino jurídico (Sousa Jr. 1996, 91).3

Todavia, estes eventos eram percebidos como de impacto quase nulo sobre aciência ou ensino da classe jurídica(Rodrigues 1993, 32-33)uma vez que essas obras seriamdivulgadas apenas para uma elite da classe (Calheiros Bonfim 1992, 80).

A CEJ rompeu com esta política de baixo impacto até então adotada. Esterompimento foi possível tendo como marco o Decreto n0 1.303, de 08 de novembro de 1994, queem seu artigo 80. e parágrafos, aplicou o Novo Estatuto da Advocacia e da OAB aprovado noano anterior, e que previa a manifestação prévia do Conselho Federal da OAB nos pedidos deautorização e reconhecimento do cursos jurídicos.

O decreto formalizou, pela primeira vez na história dos cursos jurídicos, aparticipação da OAB nos processos de criação de cursos ( autorização) e na aprovação de cursosinstalados mas ainda não reconhecidos, ou seja, que não poderiam ainda emitir diplomas para seusgraduados. Com a delegação desses poderes à Comissão de Ensino Jurídico, esta passaria aassumir funções acadêmico-burocráticas, como a análise de processos relativos a pedidos decriação e reconhecimento de cursos, o que vai se constituir como um desafio real de aplicação decritérios de qualidade projetados para os cursos jurídicos.

7 - ESTABELECENDO MARCOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS:

O primeiro trabalho da Comissão, baseado presumivelmente numa intenção deatualizar o debate sobre o ensino jurídico, foi uma convocação a todos os autores de trabalhospublicados sobre o tema para que oferecessem em forma de artigo, respostas a um roteirodenominado de Questionário Científico (Conselho Federal da OAB 1992, 19-20), O questionárioadiantava uma proposição que seria adotada, pelo Ministério da Educação, como forma deintervenção na qualidade dos cursos “ Crê deva a OAB desenvolver um sistema de avaliaçãoexterna dos cursos jurídicos? Que critérios adotar?” O tema da avaliação de cursos jurídicos,

3 Como registro histórico assinalamos que já na Ia Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ruyde Azevedo Sodré se pronunciava contra o “problema da multiplicação das Faculdades de Direito” (Sodré 1958,609). Recentemente, no sentido de chamar a atenção, num espaço privilegiado de divulgação para o tema, que sãoas instituições dedicadas ao ensino de Direito, o Conselho Federal da OAB lançou um concurso de monografiaspara estudantes de graduação sobre este campo específico, ou seja, a OAB e a reforma do ensino jurídico. Um bomtrabalho sobre o tema da luta histórica da OAB em prol de um melhor ensino jurídico foi o artigo de AdrianoPinto “OAB e Normatização do Ensino Jurídico” em que o autor traça um curto relato das realizações dacorporação, procurando legitimar sua atuação no âmbito do ensino jurídico, mesmo quando esta atuação foi radical,por falta de um sistema de avaliação de qualidade, quando a OAB trabalhou e logrou, junto ao MEC a proibição deinstalação de novos cursos por um período de quase cinco anos, entre maio de 1983 até 31 de dezembro de 1988(Pinto 1996, 53).

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como alternativa à crise seria o eixo das políticas de intervenção tanto da OAB quanto doMinistério da Educação nos anos seguintes.

As respostas revelavam uma construção teórica amadurecida de alguns pontossobre o tema, como a constatação da crise, seus condicionantes e suas implicações. Para JoaquimFalcão a OAB teria uma função importante a desempenhar, que seria conectar o ensino àdemanda por justiça. A OAB seria o agente catalizador desta conexão, ausente até o momento(Falcão 1992, 143).

Para João Maurício L. Adeodato a OAB deveria desenvolver um sistema deavaliação externa, apontando alguns impasses pois “O problema maior é decidir como exatamentefuncionaria este sistema de avaliação, quando se sabe das dificuldades para objetivar critérios.Discutir esses critérios é essencial” (Adeodato 1992, 131).

Em sentido inverso vai ser a proposição de José Eduardo Faria, que em respostadireta ao questionário vai expor que “Não. A OAB não tem que avaliar coisa alguma - nem é suafunção. O que ela pode fazer é exigir a avaliação, a qual seria feita por professores numa espéciede auto-avaliação” (Faria 1992, 155). Para outros, esse caminho não seria possível por conta deuma visão corporativa que seria inerente a projetos de avaliação coordenados pela OAB. Foi estepor exemplo, o entendimento exposto por Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1992, 262); CelsoCampilongo, para quem “A excelência profissional não possui os mesmos critérios da eficiênciaprofissional. Academia é uma coisa, advocacia outra, completamente diferente (Campilongo1992, 84) As posições expostas refletem ora uma forma de resistência baseada na presunção deque um processo de avaliação no âmbito da OAB estaria de alguma forma comprometido com avisão dos interesses corporativos ou até mesmo corria o risco de ser controlada por interessesprivados principalmente nos Conselhos das Seccionais, como advertia Walter Ceneviva, emresposta ao quesito que indagava sobre a contribuição da OAB para o ensino jurídico (1992,273):

Assim, neste primeiro momento, pode-se constatar que os autores colaboradorescom visão acadêmica, oscilavam entre uma censura a uma possível “ingerência” da OAB, por nãoter revelado uma disposição pregressa que servisse de eixo legitimador desta proposta, mas aomesmo tempo, não foi manifestada uma posição fortemente contrária a uma política em que aOAB assumisse efetivamente um lugar que de alguma forma sempre fora seu, já que as queixaseram mais dirigidas às possíveis omissões que a ações mal conduzidas ou equivocadas.

Era compreensível o desconforto manifestado por alguns em apoiar a OAB comoum agente legítimo do processo de avaliação, com todas as implicações de se conferir umaprerrogativa até então inexistente, mesmo porque eram ainda episódicas as iniciativas dacorporação frente ao ensino, e profundamente questionáveis as relações que a OAB mantinha, viade regra por meio de suas subseções, com as faculdades ou cursos de Direito. As relações entrea classe, representada pela OAB e o ensino, davam-se sobretudo nos cursos que mantinham

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estágios de “Prática Forense e Organização Judiciária”, sob lei anterior revogada pelo NovoEstatuto da Advocacia e da OAB e cujo efeito foi o fracasso desta experiência como prática paraformação profissional já que com algumas exceções, as escolas mantinham apenas simulacros deestágio e a OAB “reduzia sua fiscalização à participação de seus representantes nos exames finaisdo estágio ou a assinatura deles nos respectivos certificados” (Neto Lôbo 1996, 144).

Não havia portanto naquele cenário visível do início da década nenhum indício deque uma corporação profissional como a OAB pudesse ir além de uma abordagem estreita eprofissionalizante da formação jurídica. A avaliação tornar-se-ia um eixo articulador dessaspropostas concretas, não apenas como diagnóstico, mas como instrumental de mudança etransformação do quadro de paralisia inconformada que atingia os sujeitos sociais maisdiretamente envolvidos com o ensino jurídico.

A edição do primeiro volume que inaugurou uma série de já quatro publicações daComissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB, a obra Ensino Jurídico OAB:Diagnóstico, Perspectivas e Propostas, lançado em setembro de 1992 por ocasião da XIVa

Conferência Nacional, já ficaram mais evidentes algumas propostas metodológicas e orientaçõesepistemológicas, que por certo destituiriam o Conselho Federal da OAB do papel histórico departícipe tradicional do pacto de omissões garantidor da baixa qualidade imperante.

As respostas foram analisadas no sentido de traçar uma “cartografia dosproblemas”, concluindo que a base para a definição de critérios de avaliação e de proposição demedidas legislativas e funcionais estavam dadas, assim como as exigências contemporâneas faceao ensino jurídico e suas condições de realizá-las. Os autores traduziram em sete demandasespecíficas, o que denominaram de construção de figuras de futuro (1992, 21-30).4

I. Demandas sociais: Os cursos jurídicos eram vistos como historicamentedistantes das demandas sociais, pela dominação de um positivismo empobrecedor que os manteriaalheios à necessidades sociais não normatizadas. Havia que trazer ao ensino instrumentos depercepção e acolhimento dessas demandas(1992,23).

II. Demandas de novos sujeitos: Os cursos jurídicos ainda não reconheceriam,no sentido de oferecer-lhes uma resposta jurídica técnica, os novos sujeitos de direito, como osnovos blocos de países unidos por interesses sócio-econômicos, organizações não -governamentais e muitos outros sujeitos estranhos à vertente do classicismo liberal, predominanteno ensino jurídico. Uma abordagem insuficiente, por se limitar à discussão de direitos abstratos,individuais e concorrenciais, quando a demanda mais evidente é de obrigar o reconhecimento, no

4 Com o declarado “sentido de por em relevo os elementos paradigmáticos desta rica reflexão”, ou seja, oselementos contidos nas propostas dos autores, a Comissão de Ensino Jurídico, ou mais exatamente três de seusmembros, os professores Paulo L.N. Lôbo, José Geraldo de Sousa Jr. e Roberto Aguiar elaboraram um documentode apresentação dos trabalhos que, pode-se dizer, em muito superou o simples somatório das proposiçõesindividuais.

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âmbito da legalidade estatuída, de interesses de classes e grupos sociais emergentes (Sousa Jr.1986, 110).

III. Demandas tecnológicas: Fiel a sua concepção de trabalho do profissionaldo direito como verdadeiro artesão os cursos seriam incapazes de fomentar suficientemente o usode novas tecnologias, como as rêdes eletrônicas de dados.

IV. Demandas éticas: O distanciamento da formação jurídica em relação àFilosofia estaria gerando estudantes incapazes de compreenderem a dimensão ética de todaconduta profissional, operando a clivagem entre o exercício profissional e o da cidadania, gerandono profissional do direito uma alienação de si mesmo, incapaz de articular uma consciência para si(Aguiar 1991, 35).

V. Demandas técnicas: A formação deficiente recebida pelos alunos estariatambém refletida na incapacidade técnica, que por sua vez seria a conseqüência de umacapacitação baseada num legalismo superficial e na parca dedicação docentes. Como elemento desuperação deste estado a Comissão recomendava um aprofundamento dos estudos dogmáticos,da pesquisa jurídica, da introdução do tratamento interdisciplinar e de contextualização dadogmática, talvez como medida para dotar o direito de um caráter menos doutrinário e maiseficaz. (Faria 1987, 57).

VI. Demandas de especialização: A especialização era tomada no sentido deexpressão de um conjunto multidisciplinar de saberes em função de um tema e não de um ramo.Assim, apresentava-se uma proposta de organização dessas especializações não da forma comocomumente se apresentam no ensino jurídico, ou seja como preenchimento de lacunas deformação, mas como aprofundamento de respostas técnicas, axiológicas e epistemológicas àsnecessidades da sociedade frente ao direito.

VII. Demandas de novas formas organizativas do exercício profissional: Osestudantes seriam ainda formados sob um imaginário de sistema de produção medieval, em quetodas as fases de produção estavam delimitadas e em que cada artesão dominava o seu ofício.Prisioneiros dessa concepção, os advogados,e também muitos outros profissionais do direito,reproduziriam práticas já inconsistentes com funções modernas do profissional do direito.

VIII. Demandas de efetivação do acesso à justiça: Dentre as demandas deconstrução de figuras de futuro, esta é a mais relevante, já que a prestação da Justiça é o fimúltimo do direito, referencial de todas as outras, já que uma formação deficiente vai impossibilitaro profissional de efetivamente contribuir para o acesso à justiça.

IX. Demandas de refundamentação científica e de atualização dos paradigmas:A Comissão de Ensino Jurídico pretendeu aqui assinalar um reconhecimento da elaboraçãoteórica acerca da necessidade de mudança nos paradigmas prevalecentes no ensino do Direito,que considera o estado como fonte central de todo o direito e a lei como sua única expressão(Faria 1987, 42-43).

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A explicitação dessas demandas evidenciava que a Comissão de Ensino Jurídicoreconhecia que a problemática do ensino não era apenas uma questão acidental,pedagógica,oubaseada nas insuficiências e deficiências da formação jurídica. Entre outros a Comissãoentendera, como Ada Pellegrini Grinover (1992, 41), que uma definição prévia do operador dedireito que se deveria formar é que iria definir a reforma que se deveria implementar. Assim desdeo surgimento de seu primeiro trabalho coletivo, sinalizada pela questão proposta no QuestionárioCientífico sobre uma possível contribuição da OAB como agente de avaliação externa dos cursos,A então Comissão de Ciência e Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB vai se tornar o atorsocial que inaugurou concretamente o tema da avaliação do ensino jurídico como forma deintervenção na crise.

8 - A AVALIAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DE UM DIAGNÓSTICO DOS CURSOS

Tendo como referencial as demandas de futuro a Comissão propôs, entre outrasmedidas, a avaliação dos cursos jurídicos sob a forma de diagnóstico global por meio daaplicação de um “Questionário Para Levantamento das Condições dos Cursos Jurídicos no Brasil”(Conselho Federal da OAB 1992, 34; 281-290)

Os resultados estatísticos do levantamento foram objeto de um Workshoprealizado pela Comissão de Ciência e Ensino Jurídico em dezembro de 1992 com o objetivo deextrair critérios, princípios e estratégias de avaliação (Conselho Federal da OAB, 19). Ascontribuições dos participantes deram origem a uma publicação própria, juntamente com aapreciação dos resultados e relatório estatístico Conselho Federal da OAB 1993). Contudo, oque alcançou mais notoriedade foi uma parte da publicação oferecendo uma classificação doscursos em três categorias bastante gerais: 1) Cursos bons/excelentes; 2) Cursosregulares/satisfatórios; 3)Cursos insuficientes (Conselho Federal da OAB 1993, 128-141). Àdespeito das críticas sofridas, o “ranking da OAB” teve o mérito de tornar ainda mais visível otema da avaliação.

O Levantamento foi antes de tudo um caminho para a avaliação do sistema deensino jurídico, baseada e amparada por uma metodologia empírica. Tomado como primeiroteste de pesquisa de um processo mais global e permanente, a par de não ter constituído uminstrumento definitivo de avaliação, não estavam bloqueadas algumas conclusões que podiam serinferidas.

A primeira delas referia-se à boa repercussão do levantamento na populaçãopesquisada. Note-se que a avaliação foi um processo de adesão voluntária. Isto demonstrava quea despeito de um nível de resistência à avaliação por parte do sistema educacional principalmentenaquele início da década, as faculdades de Direito estariam dispostas a contribuir para estabelecerseus parâmetros de avaliação. Outra justificativa seria o fato das escolas reconhecerem noConselho Federal da OAB uma legitimidade institucional que a habilitava a se inserir nosproblemas do ensino.

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O Relatório mostrou, entre outros pontos de destaque, que a maioria dos docentesdos cursos respondentes tinham no magistério uma atividade complementar às suas “verdadeiras”atividades profissionais. Nas entidades públicas, 57,4% dos professores em tempo parcial e nasprivadas 93,0%. É importante notar que de acordo com o Levantamento 56% dos professorestrabalhavam menos de 13 horas semanais na instituição a que estavam vinculados (J. A. Belloni1993, 114) e o engajamento insuficiente em programas de pós-graduação parecia ser uma dasconseqüências deste baixo índice de contratação de professores em regime de dedicação. Estelevantamento das Condições dos Cursos Jurídicos no Brasil, cuja coleta foi finalizada em outubrode 1992, apresentou um quadro de referências empíricas até então ignoradas desvendando o queJosé Ribas Vieira denominou magistralmente de Realismo Fantástico, em seu comentário aoRelatório Estatístico (1993, 63).

A dimensão mais importante daquele levantamento foi ter de alguma formadesmitificado a questão da avaliação sob a perspectiva acadêmico-profissional e também, e istoparece ter sido fundamental, ter assinalado que a avaliação do ensino de direito seria enfrentadapelos acadêmicos da área de conhecimento do direito, e que a questão não seria simplesmentetransferida para “especialistas em avaliação”.

A Comissão pode aglutinar elementos que a constituiriam como espaço de reflexãoe de ação de uma nova abordagem da crise do Direito. Uma abordagem que deixaria de serreativa, com a apresentação de diagnósticos e de teorização sobre a crise para enfim adotarmedidas ativas frente à esta.

Por outro lado, a capacidade de realização das propostas da Comissão estáintimamente vinculada a um grau de “autonomia acadêmica” que se foi capaz de construirpaulatinamente enquanto durou a gestão do presidente Marcello Lavenère Machado, até abril de1993. Por outro lado, a OAB não deteve até julho de 1994, quando foi publicado seu novoestatuto, nenhuma prerrogativa legal que garantisse sua participação em processos deautorização, reconhecimento ou avaliação de cursos de Direito. Portanto, entre agosto de 1991até julho de 1994, no âmbito interno do Conselho Federal a Comissão de Ensino Jurídico podiaser percebido como órgão que “cuidava de nossos legítimos interesses na qualidade do ensinojurídico”, mas no entanto sem afetar interesses concretos, como a vinculação de conselheirosfederais a cursos ou faculdades de Direito.

A Comissão teve ao longo desta sua primeira fase um papel muito superior ao queparecia ser o seu “destino manifesto” como entidade representativa dos profissionais do direito,não tendo de nenhum modo cumprido a profecia de que o viés estamental e corporativocompromete a liberdade acadêmica e impede a revisão dos estatutos epistemológicos da Ciênciado Direito, bem como a reflexão em torno de suas implicações ideológicas, seja para se recusar aspropostas “idealistas”, que confundem a crise do ensino jurídico com uma simples crisepedagógica, insistindo na continuidade de uma formação exclusivamente dogmática, objetiva eneutra (Faria 1987, 83).

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A Comissão soube evitar esta armadilha exatamente por ter ido muito além de umviés estamental e corporativo, que preocupara Faria nos idos de 1987. A formação teórico-acadêmica dos principais membros das Comissão, no sentido dos que tiveram mais influência naformulação dos projetos iniciais, foi sempre uma garantia de que a crise seria tratada em suas reaisdimensões, e que o interesse corporativo não seria um redutor das propostas e de ações, mas uminstrumento de garantia de suas prerrogativas de defesa de uma produção teórica que já seconstituía como legado da área.

O risco maior de reversão parecia estar exatamente na função institucional que aComissão viria assumir nesta que denominamos de sua segunda fase.

9 - COMISSÃO DE ENSINO JURÍDICO: A OAB E AS POTENCIALIDADES DETRANSFORMAÇÃO NO CENÁRIO DOS CURSOS JURÍDICOS

A segunda fase, que em termos da história institucional da OAB pode seridentificada com o final da gestão do Presidente José Roberto Batochio e que prossegue até agestão do Presidente Ernando Uchoa Lima, se caracteriza com a edição do Decreto n0 1.303, de08 de novembro de 1994, que em seu artigo 80. e parágrafos, aplicando o Novo Estatuto daAdvocacia e da OAB aprovado no ano anterior, prevê a manifestação prévia do Conselho Federalda OAB nos pedidos de autorização e reconhecimento dos cursos jurídicos.

Observe-se que esta participação do novo autor no processo coincide com aextinção do antigo Conselho Federal de Educação, órgão a/quem até então competira amanifestação formal sobre pedidos de autorização e reconhecimento de novos cursos.

Com o sentido de explicitar os parâmetros que seriam adotados na análise dosprocessos, assim como orientar os pleiteantes, o Conselho Federal da OAB, por meio de suapresidência, baixou a Portaria no 05 de 01 de março de 1995, dispondo sob os critérios eprocedimentos para a manifestação da OAB nos pedidos de criação e reconhecimento dos cursosjurídicos.5

5 Outro fator de mudança sob a presidência de Ernando Uchôa Lima, foi a composição da própria Comissão.Além de terem sido mantidos os professores Paulo Luiz Neto Lôbo como presidente da Comissão e José Geraldo deSousa Júnior foram nomeados o professor João Maurício Leitão Adeodato da UFPE, José Adriano Pinto da UFCE eé esta pesquisadora Loussia Penha Musse Felix, que vinha assessorando a Comissão em seus projetos eparticipando de reuniões e eventos científicos, como as publicações da Comissão. Como membros consultoresforam nomeados os professores Álvaro Mello Filho, da UFCE e ex-conselheiro federal da OAB, Aurélio WanderChaves Bastos e Roberto Armando Ramos de Aguiar. Estas nomeações confirmavam o caráter acadêmico que oConselho Federal atribuía à Comissão, mas há uma ligeira mudança de tom quanto à orientação epistemológica dealguns de seus novos membros.

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Um exame da Ata da 1a Sessão da Comissão de Ensino Jurídico, que ocorreu em13 de fevereiro de 1995 nos revela que a Comissão tinha duas preocupações principais:estabelecer e definir as condições de suas novas prerrogativas, visando funcionar como órgãoassessor da Diretoria do Conselho Federal e estabelecer parâmetros que a orientassem no examede pedidos de autorização e reconhecimento de cursos jurídicos que já aguardavam parecer.

A delimitação desses parâmetros vai se basear em fontes diversificadas, como alegislação própria relativa a apreciação desses pedidos. Mas o que nos interessa assinalar é aarticulação de muitos desses critérios com o “Questionário Para Levantamento das Condições dosCursos Jurídicos no Brasil” (Conselho Federal da OAB 1992, 34; 281-290) e com os constantesdo Projeto Piloto de Avaliação dos Cursos Jurídicos, que tinha sido recém aplicado nos meses deoutubro e novembro do ano anterior no âmbito da Comissão de Especialistas em Ensino deDireito da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação.

Outro parâmetro importante era a própria Portaria MEC 1886 de 30 de dezembrode 1994, de cuja elaboração dois dos membros da CEJ, os professores José Geraldo de SousaJúnior e Paulo L. Neto Lôbo haviam participado diretamente, o último como relator esistematizador. A Portaria que será tratada em tópico próprio, fixara finalmente as novasdiretrizes curriculares e o conteúdo mínimo dos cursos jurídicos, mudando a legislação vigentedesde 1972.

Esses parâmetros foram agrupados sob doze tópicos principais e que foram osseguintes:

1. Necessidade Social do Curso.2. Projeto Pedagógico de Curso3. Composição, Regime de Trabalho e Qualificação Docentes4. Plano de Carreira e de Capacitação de Docentes5. Núcleo de Prática Jurídica e Estágio6. Atividades de Pesquisa e Extensão7. Plano de Publicações do Curso8. Infra-estrutura do Curso9. Biblioteca10. Avaliação11. Convênios Acadêmicos-Científicos12. Corpo Discente

Alguns desses parâmetros não eram familiares à maior parte dos cursos, por sóterem sido apresentados no Projeto Piloto, como por exemplo, quanto ao corpo docente aexistência de plano de carreira, com formas de admissão e progressão, bem como a políticasalarial.

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No início de seus trabalhos a CEJ entendeu que era necessário desempenhar umpapel de orientadora dos novos padrões de qualidade que começavam a ser aplicados aos cursos epor isto adotou muitas vezes a promoção de diligências para que as instituições complementassemos processos, até reformulando-os nesta fase, segundo a orientação do relator do processo, queapontava as falhas ou lacunas do projeto pedagógico, problemas com a grade de disciplinas eoutros.

Após um período de alguns meses, esta metodologia de trabalho foi reavaliada,tendo-se chegado à deliberação que as diligências não mais serviriam como possibilidade dereformulação dos processos, uma vez que não mais se justificava que as instituições continuassema apresentar seus projetos sem levar em conta as mudanças legais da Portaria MEC 1.886/94 e osparâmetros de qualidade já amplamente divulgados.

Perceber estes critérios em processos que não indicam muito mais que intençõesdas instituições pleiteantes tem sido um desafio considerável. A CEJ tem procurado trabalhar soba perspectiva de que novos cursos com maior nível de qualidade acadêmica, do projetopedagógico, com infra-estrutura mais condizente com as novas demandas de formação prática eteórica podem funcionar como catalizadores de uma qualidade que há muito se persegue noscursos jurídicos. A aspiração das instituições de ensino em torno de novos cursos jurídicosdemonstra que a conjuntura é favorável a que se estabeleçam demandas realistas e rigorosasdesses fatores de qualidade.

Contudo, está também colocado para a CEJ o desafio de refinar progressivamenteos critérios e indicadores, no sentido de torná-los mais precisos e adequados a exames deprocessos de autorização e reconhecimento, que são duas situações bastante distintas, porexemplo, de uma avaliação de curso instalado há pelo menos cinco anos.6

10 - A COMISSÃO DE ESPECIALISTAS EM ENSINO DE DIREITO DACEED/SESu/MEC

A idéia de que as especificidades de uma determinada área de ensino deve sertratada em um contexto restrito de especialistas, por comissões de pares, ou por primus interpares, não é nova, e vem sendo aplicada. Na França foi a forma de avaliação adotada, no sentidode operar uma descentralização do controle estatal sobre as universidades, cabendo às Comissõesde pares um papel de intermediação entre governo e universidades (Schwartzman 1992, 14).

6 Ao longo de dois anos, entre 13 de fevereiro de 1995 até março de 1997, foram apreciados 57 processos, sendoque destes, 22 obtiveram parecer favorável, 20 foram rejeitados, 13 foram arquivados e 2 foram devolvidos àsinstituições. São Paulo continua a ser o estado com mais pedidos de novos cursos, 26.32% do total, sendo queapenas três estados da região sudeste, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, apresentaram 54.52% do total de57 processos. Nesta mesma região a CEJ opinou favoravelmente em 8 processos.

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Nos Estados Unidos da América a mais tradicional e representativa entidade dasrelações entre escolas e profissionais de funções credenciadas é a American Bar Association(ABA), que vem adotando desde 1921 um patamar mínimo de condições e critérios à seremsatisfeitos pelas escolas de Direito que buscam admissão junto à ABA (“The American BarAssociation‘s Role in The Law School Accreditation Process,” ABA Section of Legal Educationand Admissions to the Bar, brochura 1989).

Com o fim do governo Collor, e a crise administrativa que também atingiu oMinistério da Educação e do Desporto as denominadas Comissões de Especialistas foramchamadas a junto à Secretaria de Educação Superior, prestar assessoria na instalação de umprocesso permanente de avaliação, acompanhamento e melhoria dos padrões de qualidade doensino superior(Portaria n0 287, de 10 de dezembro de 1992). A instalação da Comissão deEspecialistas de Ensino de Direito pelo MEC se dá exatamente ao final da gestão MarcelloLavenère como presidente do Conselho Federal. Assim , desloca-se para a instânciagovernamental o espaço de debates e iniciativas que se concentrara na OAB nos dois anosprecedentes. De alguma forma, a Comissão de Ciência e Ensino Jurídico esgotara, por ora, apauta da avaliação com a divulgação dos resultados do Levantamento de Diagnóstico dos Cursosno início do ano de 1993. Por outro lado, a própria comunidade profissional e acadêmicaenvolvidas sinalizavam a necessidade de uma reflexão coletiva e mais aprofundada, sobre estanova problemática que se apresentava. Qual seja, a de que era possível, finalmente, visibilizar pormeio de uma abordagem metodológica, a diferença entre os cursos de Direito. Este era um dadonovo em relação ao campo teórico sobre a crise do ensino, que ainda não testara empiricamenteos termos do debate.7

11 - TRAJETÓRIA DE UMA COMISSÃO DE PARES: COMO SE CONSOLIDA ACOMISSÃO DE ESPECIALISTAS DE DIREITO DA SESu/MEC

A trajetória da CEED pode ser também cindida em dois momentos, que têm comomarco divisor a extinção do Conselho Federal de Educação, pela Medida Provisória n0 661, de18 de outubro de 1994, com a concomitante transferência de suas atribuições e competências aoConselho Nacional de Educação, inclusive a de emitir parecer sobre a autorização para ofuncionamento de cursos em estabelecimentos isolados de ensino superior particulares (art.9,inciso II).

7 A Comissão de Especialistas de Ensino de Direito, nomeada mais de um ano depois da Comissão de Ciência eEnsino Jurídico do Conselho Federal da OAB foi composta com os dois principais membros daquela Comissão, osprofessores José Geraldo de Sousa Júnior, da Universidade de Brasília, Paulo Luiz Neto Lôbo da UniversidadeFederal de Alagoas e finalmente pelo Prof. Silvino Joaquim Lopes Neto da Universidade Federal do Rio Grande doSul, desembargador aposentado, presidente do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul e que fora SecretárioNacional de Educação Superior, antiga SENESU, na gestão do Ministro Carlos Chiarelli à frente do MEC duranteo governo Collor. A composição da Comissão assinalava que a SESu reconhecia que na área de ensino de Direitoas medidas de diagnóstico, elevação de qualidade e avaliação deveriam ser articuladas necessariamente com aOAB, o que até então não ocorrera. A nomeação do Prof. Silvino J. L. Neto parecia garantir uma linha depropostas e metodologias afinadas à racionalidade da burocracia do ministério, um vez que o prof. era ademaistambém conselheiro do então Conselho Federal de Educação.

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Com a edição no mês seguinte do Decreto 1.303 de 08 de novembro de 1994, e asuspensão até abril de 1995 da criação de novos cursos, foi paralizada por algum tempo aapreciação de processos.

Com a posse do ministro Paulo Renato de Sousa foi mantida a estrutura dasComissões de Especialistas que receberam a incumbência de manifestar-se nos processos deautorização e reconhecimento de cursos relativos a suas áreas de conhecimento.

Houve portanto um acréscimo considerável das funções da CEED, que vinhadesenvolvendo ações visando a estabelecer uma metodologia de avaliação para a área de Direito.Assim como ocorreu no âmbito da CEJ-OAB a CEED-SESu teve que responder a uma demandade análise de processos, que não fora sua atribuição original, ainda que não fosse exatamente umafunção estranha aos especialistas.

Assim, a análise da trajetória da Comissão de Especialistas tem que contemplaressas variáveis. Primeiro, a atuação sobre projetos estabelecidos em âmbito interno, sob aperspectiva de uma crise instalada no ensino jurídico e cuja dinâmica orientava os projetosvisando à elevação de qualidade e avaliação. Em segundo plano a prerrogativa que foi concedidade atuação preventiva à crise, em que as medidas radicais do passado recente, como aobstaculização formal de instalação de novos cursos já não mais se sustentava, face à conclusãode que a crise era também reflexo do “monopólio cartorial” sob cuja tutela muitos cursosmedíocres puderam se manter.

12 - A FASE DE CONSOLIDAÇÃO: INTERLOCUÇÃO E PROJETO DE AVALIAÇÃO

A CEED organiza-se portanto sob o influxo da exitosa experiência acumulada naâmbito da OAB, em que se evidenciara que:

Assim, ao iniciar seus trabalhos junto à SESu, a CEED não teria, como muitasoutras comissões, que definir o estado da arte, visto que dez anos de debates já o tinhamexplicitado suficientemente. A contribuição maior que a CEED poderia prestar era bem outra, efelizmente a consciência desse fato era bem agudo aos membros da Comissão. Como sempre, aquestão não era estabelecer as melhores e mais perfeitas medidas de intervenção na solução dacrise, vista como ruptura da hegemonia epistemológica que contivera até então as inquietaçõessócio-políticas e sócio-econômicas que perpassavam o ensino de direito, também absorvidas poruma dinâmica intelectual acentuadamente empirista

A boa nova da CEED foi a forma de estabelecer as propostas de mudança, que senão foram novas no sentido do ineditismo foram certamente inusitadas nos procedimentos deimplantação. Evitando o isolacionismo das Comissões anteriores, a CEED decidiu, desde seuprimeiro encontro, sair em busca do tempo perdido, que neste caso, eram as oportunidades deinterlocução e parceria que urgia estabelecer-se com o ator principal deste drama. As faculdades,departamentos, cursos, setores, enfim as unidades pedagógicas onde era materializado, sepraticava e se oferecia o ensino do Direito.

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Partindo da constatação de que na área do ensino de Direito já existia um volumeconsiderável de estudos e pesquisas da realidade nacional, os membros da Comissão, em suaprimeira reunião, optaram pela definição de ações a curto e médio prazos, que levassem osdiferentes segmentos da sociedade, envolvidos na questão, a acreditarem no trabalho a serdesenvolvido e consequentemente a se engajarem no mesmo (Pereira dos Santos 1993, sempaginação)

Como medida de atração e de interlocução com os diferentes segmentos a CEEDadotou desde medidas simples, como uma comunicação formal de sua existência a todos osagentes vinculados ao ensino e à prática do direito, como entidades de ensino superior, mastambém Institutos de Advogados, Escolas de Magistratura, Associações Estudantis e outros, atémedidas mais sofisticadas e de grande impacto, como a promoção, organização e execução dequatro seminários de porte nacional, num curto espaço de seis meses, entre 5 de junho e 7 dedezembro de 1993. Além disto, foi promovida em agosto do mesmo ano uma reunião com adiretoria do Colégio Brasileiro de Faculdades de Direito e com o vice-presidente do ConselhoFederal de Educação (CFE), conselheiro Ernâni Bayer que emitia os pareceres em cerca de 80processos de carta-consulta sobre a demanda social de cursos de direito (Pereira dos Santos 1993,sem paginação). Naquele período, cabia ao CFE todo o controle efetivo na criação ereconhecimento de cursos de graduação, e neste sentido a CEED tentava promover umaarticulação de ações visando a um melhor controle qualitativo de novos cursos.

Mas a atividade mais destacada, que orientou inclusive ações similares por parte deoutras Comissões de Especialistas, e que se constituiu desde então como eixo das demaisiniciativas foram os Seminários, cujo tema comum foi a Elevação de Qualidade e Avaliação dosCursos Jurídicos.

O Io Seminário Regional dos Cursos Jurídicos, Região Sul, ocorreu em PortoAlegre (RS), nos dias 5 e 6 de abril de 1993. O IIo Seminário Regional dos Cursos Jurídicos,Regiões Norte e Nordeste, ocorreu em Recife (PE), nos dias 21 e 22 de junho de 1993, e o IIIo

Seminário Regional dos Cursos Jurídicos, Estado de São Paulo, ocorreu na capital paulista, nosdias 25 e 26 de outubro de 1993.

Estes três grandes encontros regionais reuniram representantes de váriasinstituições de ensino (públicas e privadas), especialistas, estudantes, membros das carreirasjurídicas, e de órgãos da administração pública vinculados ao ensino jurídico.

A organização dos seminários nas Faculdades de Direito da USP e da UFPE, osprimeiros cursos instalados no país em 1827, parecia um reconhecimento simbólico de que astradições jurídicas, em sentido bastante amplo e por certo impreciso, seriam contempladas nosobjetivos da Comissão. Por outro lado, a recepção dessas instituições ao projeto da Comissãotambém indicava uma legitimação prévia, ou no mínimo um voto de confiança nesses projetos porparte das instituições mais tradicionais.

O último dos quatro seminários ocorreu em Brasília, sob o título de SeminárioNacional dos Cursos Jurídicos: Elevação de Qualidade e Avaliação, nos dias 6 e 7 de dezembro.

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Houve um apoio efetivo do Conselho Federal da OAB, que continuava, de uma forma maisintermitente a apoiar as iniciativas de sua Comissão de Ciência e Ensino Jurídico.

Todos os seminários tiveram como eixo temático os seguintes tópicos 1) Aelevação de qualidade nos cursos de Direito; 2) Avaliação interna e externa e 3) Reforma doscurrículos.

Este período de trabalho, que durou seis meses, consolidou o mapa conceitual queorientaria dois projetos decorrentes dos seminários e que seriam ambos implantados no ano de1994, e cujos efeitos seriam notáveis. Trata-se da proposta de alteração curricular apresentada aoMEC em forma de ante-projeto, atendendo uma das recomendações do Seminário Nacional e aimplantação de um processo de avaliação permanente visando a elevação de qualidade. Aproposta de alteração curricular encaminhada ao então Conselho Federal de Educação dariaorigem à Portaria 1.886 de 30 de Dezembro de 1994, que entrou em vigor em janeiro de 1997para todos os cursos de Direito do país.

A mudança curricular trazida pela Portaria, como medida de elevação de qualidadedos cursos foi notável, segundo destacado por especialistas em estrutura curricular como HorácioWanderlei Rodrigues (1995) e Álvaro Mello Filho (1996).

A Portaria 1.886, por seu próprio objeto, não continha referência expressa àavaliação dos cursos jurídicos, ainda que esta tenha se constituído em um ponto relevante nadeterminação das políticas que impulsionaram a mudança do conteúdo curricular e impuseramnovas diretrizes aos cursos.

O tema da avaliação institucional e de curso, em níveis interno e externo foi umdos eixos dos seminários, correlato ao tema da reforma curricular. Ainda no IO SeminárioNacional dos Cursos Jurídicos recomendou-se instituir em caráter obrigatório avaliaçãopermanente e periódica do corpo docente, do curso e da instituição, interpares e pelos alunos, emcada período letivo (IO Seminário dos Cursos Jurídicos da Região Sul, Relatório Final 1993, 6).Esta recomendação era bastante geral, mas permitiu estabelecer o marco que nortearia o debatenos seminários seguintes.

13 - PROPOSTAS DE AVALIAÇÃO DOS ENCONTROS REGIONAIS E NACIONAL

Refletindo a diversidade de perfis dos cursos participantes dos diferentesseminários, as propostas de avaliação foram heterogêneas, com maior ou menor ênfase numcritério global ou particular de avaliação. É interessante observar que alguns indicadores maissofisticados, como intercâmbio docente, surgiram desde o primeiro seminário, refletindo umaproblemática das instituições participantes, do sul do país. Em outro sentido as conclusões dosseminários confirmam a universalização dos indicadores de qualidade, como uma carreira docenteadequada, reivindicada em todos os seminários, e portanto valorizada por docentes de instituiçõesde todo o país. Importa também destacar que grande parte dos participantes dos seminários eramdocentes não representantes de suas instituições de origem, interessados nos caminhos daavaliação até como fator de pressão de qualidade sobre suas próprias instituições não reativas areivindicações internas.

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O ano de 1993 pode ser considerado como marco cronológico para tornar aavaliação institucional um “processo nacional e irreversível”, nas palavras do então SecretárioGeral da SESu Rodolfo J. P. da Luz, no texto de apresentação do Programa de AvaliaçãoInstitucional das Universidades Brasileiras (Pinto da Luz 1994, 5). Em março daquele ano foracriada uma Coordenadoria Geral de Análise e Avaliação Institucional (CODAI) e em julhoinstalou-se a Comissão Nacional de Avaliação das Universidades Brasileiras com a participaçãoda SESu/MEC e da Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de EnsinoSuperior (ANDIFES 1994). O Projeto intitulado “Uma Proposta de Avaliação das Instituiçõesde Ensino Superior (Documento Preliminar)” foi apresentado pelo Presidente da Comissão deAvaliação da ANDIFES, Hélgio Trindade, em outubro de 1993 (ANDIFES 1994, 3). Emnovembro o mesmo projeto foi adotado como Documento Básico de Avaliação das UniversidadesBrasileiras.

Com a posse de Itamar Franco e a nomeação de Murílio Hingel houve umaparceria do órgão governamental com a comunidade acadêmica inimaginável durante o governoCollor. A adoção do PAIUB como projeto preferencial de avaliação da educação superior vairevelar uma relação privilegiada que se instala entre a SESu e órgãos representativos dasuniversidades públicas, como a ANDIFES. Às tensas relações entre governo e comunidadeuniversitária que fora a tônica durante o governo Collor vai suceder um período em querepresentantes de IFES vão dispor de um espaço de atuação junto ao MEC sem precedentes emperíodos anteriores e não repetido até o momento.

Foi portanto às universidades públicas federais que coube o papel de enfatizar aavaliação como processo político, no sentido que a avaliação do ensino superior se inscreve noquadro das políticas públicas de disputas orçamentárias, em que há sinais de que o Estado vaiminguando progressivamente o financiamento da educação não apenas na América Latina mastambém em países europeus, independente de adotar ou não políticas de ajuste neo-liberal. Acrise fiscal do estado vai, entre outros fatores, instalar ou agudizar a tensão entre esse e asuniversidades públicas (Trindade 1996, 10).

É esta uma questão relevante no exame das raízes da política e cultura de avaliaçãoque se estabelecem, não sem mudanças, em grande parte das instituicões. Neste cenário de“parcerias” a criação das Comissões de Especialistas também é um desses fatores de que oMinistério da Educação e do Desporto procurou se valer para construir um consendo mais eficazem torno de uma política de avaliação.

14 - Princípios do PAIUB

Os princípios de aplicação do PAIUB estão contidos no “Documento Básico -Avaliação das Universidades Brasileiras - Uma Proposta Nacional”, que foi lançado emdezembro de 1993, convidando as universidades a enviarem projetos de avaliação institucionalque observassem as linhas básicas contidas naquele documento (Ofício-Circular n. 251/93 -GAB/SESu/MEC in PAIUB 1994, 33). O documento vai apresentar a fundamentação daproposta, os princípios decorrentes, os objetivos visados no processo, suas características e osindicadores que seriam buscados a partir de um eixo perpassando o ensino de graduação.

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A fundamentação apresentada para a avaliação institucional foi calcada numaabordagem crítica do papel das universidades no contexto social. Foram definidas comoexigências modernamente colocadas às universidades:

1) Um processo contínuo de aperfeiçoamento do desempenho acadêmico;2) Uma ferramenta para o planejamento e gestão universitária; e3) Um processo de prestação de contas à sociedade.

O PAIUB desvendava portanto, e de forma intencional, o caráter político daavaliação, procurando por outro lado uma construção de consensos internos em torno dosobjetivos a serem alcançados.

15 - CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DAS CEED DA SESu/MEC E CEJ DA OAB

Como já mencionado, as Comissões da SESu/MEC e do Conselho Federal daOAB vêm exercendo prerrogativas de análise de pedidos de autorização e reconhecimento decursos jurídicos.

Ambas as Comissões adotaram como parâmetros os critérios de avaliaçãoexplicitados e testados em um Projeto Piloto, atendendo as indicações gerais dos SemináriosRegionais e Nacional dos Cursos Jurídicos. Sobretudo, pela condensação destes critérios naPortaria 1.886 de 30 de dezembro de 1994, esta tem sido o termo de referência obrigatório noexame dos pedidos de autorização e reconhecimento dos cursos jurídicos.

Estas funções de análise de processos constituem um certo risco de perda deconteúdo de políticas arduamente conquistadas dado a enorme pressão de trabalho que asComissões devem responder, para atender a uma agenda burocrática de despachos de processos.8

O episódio, de alguma forma já superado, pela forma de solução que seapresentou, não deve no entanto ser esquecido, como símbolo de que as Comissões não podemser absorvidas por uma agenda burocratizante que estiola as mudanças estruturais até agoraestabelecidas.

16 - A LEI 9.131 (24 DE NOVEMBRO DE 1995) E A PORTARIA No. 3 (9 DE JANEIRODE 1996)

É oportuno lembrar que os graduandos em Direito já a partir de 1996 foramsubmetidos a duas instâncias de avaliação de habilidades e conhecimentos específicos, ou seja,além da prevista no parágrafo 10 do art.30 do Decreto 1.716 de 24 de novembro de 1995, ospleiteantes a integrarem a Ordem dos Advogados do Brasil, também se submeteram ao Exame deOrdem aplicado pelas Seccionais. O exame de ordem é obrigatório para obter inscrição na OABe portanto advogar. 8 Ao final de janeiro de 1997, houve um momento de impasse entre a agenda de despachos de processos,espetacularmente inflada com a necessidade de que a CEED e CEJ/OAB analisassem e despachassem 477processos de pedidos de abertura de novos cursos.

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O Decreto 1.716/95 foi bastante específico em privilegiar diferentes modalidadesde avaliação como instrumento de intervenção governamental nas instituições de ensino superior.

É também importante enfatizar que o art. 30 toma a avaliação em sentido amplo,não apenas das atividades de ensino mas também aquelas de pesquisa e extensão.

A promulgação da Lei No 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu asnovas Diretrizes e Bases da Educação Nacional no Brasil confirmou e consolidou os processos deavaliação como instrumental de controle da adequação do ensino superior, prevendo aperiodicidade da avaliação, com vistas ao reconhecimento e credenciamento, que não mais terãocaráter de imutabilidade, como até agora ocorria. Confirma-se assim, a abrangência dasresponsabilidades que se confere às Comissões no sentido de finalmente assumirem a titularidadede uma prerrogativa longamente reclamada.

17 - AS COMISSÕES DE ESPECIALISTAS E AS PERSPECTIVAS DE AVALIAÇÃODO ENSINO DE DIREITO

É neste quadro que tanto a Comissão de Especialistas do MEC quanto daComissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB têm contribuído para orientar umprocesso de elevação de qualidade que de há muito se anunciava e apresentava elementos derealização. Neste processo, a avaliação é um instrumento, mas não certamente o único àconsolidá-lo.

Importa destacar, mais uma vez, que o instrumental de que têm até agora se validoas Comissões não foram criados em seu interior, em debates acadêmicos fechados para a realidadedo imenso contingente de cursos, estudantes, docentes e dirigentes que enfrentam e realizam ocotidiano do ensino jurídico. Muito ao contrário, esse instrumental que pode ser tomado sobcerto ângulo até como conservador em termos de avaliação, emerge como resultado daparticipação heterogênea desses atores e de suas diferentes perspectivas. Não se trata, numsentido mediocrizante, de realizar a “arte do possível”, mas de apontar onde e porquepossibilidades de mudança qualitativa têm se congelado pela não aplicação de medidas factíveis,que dependem apenas de uma provocação legítima.

Às Comissões de pares tem cabido até este momento o papel destes agentes deprovocação.

Ao final do ano de 1997 a Secretaria de Educação Superior do Ministério daEducação e do Desporto iniciou um processo geral de avaliação no sistema de ensino superiorbrasileiro, cursos de graduação, baseado em toda a concepção de qualidade desenvolvida aolongo de seis anos na área do ensino jurídico. A metodologia adotada também foi a mesma. Coma intenção de avaliar o que denominou de Condições de Oferta, o ministério organizou mais de150 comissões de avaliação externa para visitar os cursos de Direito em todo o país. Salvo ocurso de Direito mais antigo do país, o da Universidade de São Paulo, que resistiu à avaliação,todos os demais foram ou serão visitados por comissões compostas de dois docentes da mesmaárea de conhecimento.

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Os tópicos avaliados variam desde a concepção de currículo, ou seja a formaçãobásica que o aluno deve receber, até a infra-estrutura oferecida pelo curso, com ênfase no acervobibliográfico. A par do grande impacto qualitativo que essas mudanças vêm acarretando para oestudante, e consequentemente para o sistema ocupacional que o absorverá, um destaque seapresenta.

Trata-se da obrigatoriedade de que a formação prática ocorra no âmbito do espaçoinstitucional da faculdade ou curso. Desta forma as instituições têm se obrigado a instalar oschamados Núcleos de Prática Jurídica, onde os estudantes têm que observar 300 h de estágio,entre os quais prestar assistência judiciária à indivíduos ou grupos carentes. O impacto dessetrabalho junto a comunidades urbanas, onde os cursos se localizam, tem sido dramático. Poroutro lado, a Ordem dos Advogados do Brasil, que sempre combateu a assistência gratuita, porentender que esta estaria prejudicando o mercado de trabalho dos advogados iniciantes,finalmente tem oferecido todo o apoio aos cursos de Direito, por entender que, antes de seconstituir como captação de clientela, os serviços de assistência judiciária, e portanto do acesso àjustiça, são também um elemento de formação ética para o profissional do Direito que terá queatuar numa sociedade de profundas desigualdades sociais.