Nova Pobreza: os desafios dos migrantes brasileiros na cidade do Porto

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Universidade do Porto Trabalho de Sociologia Prof. Eduardo Vítor Rodrigues Thiago Dutra Vilela e Gabriela Guimarães Landim Nova Pobreza: os desafios dos migrantes brasileiros na cidade do Porto Introdução Atualmente vivem em Portugal aproximadamente 500.000 trabalhadores que podem ser classificados na situação de “working poor” (Observatório das Desigualdades). São pessoas que, apesar de estarem trabalhando, sua fonte de renda é tão baixa que elas não conseguem manter um estilo de vida digno, não lhes restando tempo nem dinheiro senão para lutar pela própria sobrevivência. O principal componente para classificarmos um indivíduo como “trabalhador pobre” é sua fonte de renda. Ainda que receba mais do que um salário mínimo, quando analisamos a renda per capita da unidade familiar notamos que estes sobrevivem com uma quantia que classificamos como “abaixo da linha da pobreza”. Sendo a chamada “linha da pobreza” um conceito arbitrário e com valor inconstante, criado apenas para fins estatísticos, o presente trabalho pretende ir além deste conceitos e compreender como as novas dinâmicas sociais estão criando o que pode ser chamado de “nova pobreza”. Dois milhões e trezentos mil portugueses não têm dinheiro para pagar a renda da casa ou para fazer uma refeição de carne duas vezes por semana. Em outras palavras, quase um quarto dos portugueses vive sem capacidade para comprar uma televisão, um telemóvel ou para pagar uma semana de férias (dados do Inquérito às Condições de Vida, realizado em 2009 com base em rendimentos de 2008). O problema não é só uma situação salarial degradada. Este novo grupo social pode ter uma renda per capita elevada - muito acima do que poderia ser considerado “linha de pobreza”, entretanto uma ampla gama de fatores levam-os a viver um estilo de vida decadente. Gastos com aluguel, dívidas contraídas anteriormente em um período de desemprego, queda no nível salarial e a manutenção de gastos para preservar as aparêcias, são dezenas de fatores que levam este extrato social a viver um estilo de vida idêntico ao de um “working poor”, não lhes restando tempo nem recursos senão para a própria subsistência.

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Neste trabalho pretende-se um breve levantamento sobre a situação de brasileiros que vêm para Porto em busca de condições melhores de vida, e muitas vezes acabam se enquadrando na situação de novos pobres ou ainda de trabalhadores pobres.

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Universidade do PortoTrabalho de SociologiaProf. Eduardo Vítor RodriguesThiago Dutra Vilela e Gabriela Guimarães Landim

Nova Pobreza:os desafios dos migrantes brasileiros na cidade do Porto

Introdução

Atualmente vivem em Portugal aproximadamente 500.000 trabalhadores que podem ser

classificados na situação de “working poor” (Observatório das Desigualdades). São pessoas que, apesar

de estarem trabalhando, sua fonte de renda é tão baixa que elas não conseguem manter um estilo de

vida digno, não lhes restando tempo nem dinheiro senão para lutar pela própria sobrevivência.

O principal componente para classificarmos um indivíduo como “trabalhador pobre” é sua fonte

de renda. Ainda que receba mais do que um salário mínimo, quando analisamos a renda per capita da

unidade familiar notamos que estes sobrevivem com uma quantia que classificamos como “abaixo da

linha da pobreza”.

Sendo a chamada “linha da pobreza” um conceito arbitrário e com valor inconstante, criado

apenas para fins estatísticos, o presente trabalho pretende ir além deste conceitos e compreender como

as novas dinâmicas sociais estão criando o que pode ser chamado de “nova pobreza”.

Dois milhões e trezentos mil portugueses não têm dinheiro para pagar a renda da casa ou para

fazer uma refeição de carne duas vezes por semana. Em outras palavras, quase um quarto dos

portugueses vive sem capacidade para comprar uma televisão, um telemóvel ou para pagar uma semana

de férias (dados do Inquérito às Condições de Vida, realizado em 2009 com base em rendimentos de

2008).

O problema não é só uma situação salarial degradada. Este novo grupo social pode ter uma

renda per capita elevada - muito acima do que poderia ser considerado “linha de pobreza”, entretanto

uma ampla gama de fatores levam-os a viver um estilo de vida decadente. Gastos com aluguel, dívidas

contraídas anteriormente em um período de desemprego, queda no nível salarial e a manutenção de

gastos para preservar as aparêcias, são dezenas de fatores que levam este extrato social a viver um

estilo de vida idêntico ao de um “working poor”, não lhes restando tempo nem recursos senão para a

própria subsistência.

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Metodologia

Foram entrevistados 11 emigrantes brasileiros no período de fevereiro a junho de 2011, todos

trabalhadores ativos e residentes na cidade do Porto, Portugal.

Os indivíduos dissertaram sobre questões relativas a seus padrões de vida em Portugal em

relação ao Brasil. Como eles descreveriam sua rotina, se estão satisfeitos com a vida que levam aqui e

se o salário é suficiente para terem uma vida de qualidade.

Trabalharemos com a categoria de estigma de Erving Goffman para analisarmos a situação de

muitos emigrantes na situação precária de novos pobres em um país que não é o seu, ainda por cima,

tendo de recorrer a políticas de assistencialismo do Estado português. Estas políticas por sua vez, da

forma como estão sendo implantadas, não colaboram de forma positiva com as auto-estimas destes

emigrantes. Segundo Goffman, “O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo

profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de

atributos.”(1988; 6)

E ainda, em Goffman,

“A característica central da situação de vida, do indivíduo estigmatizado pode, agora, ser explicada. É uma questão do que é com freqüência, embora vagamente, chamado de 'aceitação'. Aqueles que têm relações com ele não conseguem lhe dar o respeito e a consideração que os aspectos não contaminados de sua identidade social os haviam levado a prever e que ele havia previsto receber; ele faz eco a essa negativa descobrindo que alguns de seus atributos a garantem.” (1988; 11)

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Desenvolvimento

No presente trabalho pretende-se um breve levantamento sobre a situação de brasileiros que

vêm para Porto em busca de condições melhores de vida, e muitas vezes acabam se enquadrando na

situação de novos pobres ou ainda de trabalhadores pobres. Iremos nos nos aprofundar também sobre a

problemática de sua auto-estima.

Tendo em vista a pequena dimensão do trabalho e o pouco tempo disponível para coleta de

dados, este pode ser considerado um estudo de caso.

Quando questionados sobre a situação atual e a vida que levam no Porto, se mostraram não

muito satisfeitos com a realidade em que vivem. Todos os entrevistados demonstraram desejo em voltar

para o Brasil.

O relato mais frequente é o de que a vida em Portugal, desde a emergência da crise econômica,

está muito difícil. De fato a europa está enfrentando uma crise de cunho econômico e social, enquanto

o Brasil se encontra entre os cinco países emergentes que mais têm crescido nos últimos anos. Ainda

que esta realidade não garanta que ao voltarem para a América a vida destas pessoas melhorará, o fato é

que no Porto eles não estão ganhando o suficiente para levarem uma vida de qualidade. Faltam fatores

essenciais para uma vida digna, em que o indivíduo tenha tempo para si e para aprimorar seu capital

humano - e não apenas viver para o trabalho e pagar as contas ao final do mês.

De acordo com dados de 2008 do Observatório do Algarve, hoje os brasileiros em Portugal são

na maioria jovens (têm entre 24 e 34 anos), emigram sozinhos e, principalmente, por motivos

económicos, como os baixos salários recebidos no Brasil (54,5 por cento) e por estarem desempregados

(25 por cento).

A conclusão a que chegamos, entretanto, é que quando estes indivíduos chegam em Portugal

encontram um realidade igual ou na maioria dos casos pior e se vêem aprisionados, sem ter como voltar

para o Brasil.

Estes emigrantes são reféns da falta de integração na estrutura social tanto de seu país de origem

como no país de destino. Porém, no Brasil ainda havia o conforto da família e dos amigos. O lazer e a

distração, neste caso, poderiam ser consideradas enquanto fatores de fuga da sua situação de agregado.

Neste estudo de caso percebemos que o perfil majoritário dos emigrantes brasileiros é composto

por indivíduos com baixa qualificação, como empregadas domésticas, trabalhadores da noite

(dançarinas, garotas de programa, músicos, etc), empregados do ramo da hotelaria.

Alguns dos entrevistados, por outro lado, tinham uma vida confortável no Brasil. Ainda que

estes casos sejam menos frequentes, eram servidores públicos, comerciantes ou estudantes do ensino

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superior que por terem se casado com cônjuges portugueses, ou simplesmente para tentar uma vida

melhor, vieram e residem em Portugal.

Segundo Patrícia, 30 anos (e residente em Porto há 7 anos), na primeira vez que procurou

emprego demorou três meses. Patrícia veio para Porto para estudar, porém não conseguiu se manter e

foi em busca de trabalho. Quando finalmente conseguiu sentiu muita dificuldade na sua integração

devido ao preconceito e à falta de tolerância dos nativos. Muitos chegaram a perguntar “Por que ela não

voltava para o Brasil”.

Quando questionados sobre seus cotidianos na cidade, os entrevistados revelaram falta de tempo

e de recursos financeiros para lazer. O dia-a-dia se resume ao emprego e à casa. Vivem para o trabalho

e ao final do mês não sobra dinheiro. Em muitos casos, além de se pagarem as próprias contas

costumam sustentar a família no Brasil, o que dificulta ainda mais o investimento em fontes de capital

humano. Lembram de que no Brasil a vida era difícil, porém possuíam seus momentos de distração

entre a família e os amigos.

Cleonice é dançarina, trabalha na noite do Porto e mora em Portugal há 13 anos. Passou por

muita dificuldade e afirma que ninguém deveria vir, “porque acho que isso aqui é uma fantasia, não é

uma realidade, é só um sonho. Você dorme e não consegue acordar. [...] Eu estou na pior fase da minha

vida, já tive empresa mas hoje moro num quarto, perdi tudo. Aqui é muito complicado”.

Odila, 45 anos, vive há 12 anos em Porto. Também não aconselha a vinda daqueles que estão

almejando a emigração para Portugal em busca de emprego. “Trabalhei dia e noite, com filho pequeno

[…] hoje se eu retornar para o Brasil eu não levo dinheiro, levo uma bagagem de experiências.[...] Mas

vir para cá trabalhar sem estudar não aconselho.”

Portugal, assim como outros países da europa, a exemplo da Grécia, Irlanda e Espanha, passa

por problemas econômicos. Essas dificuldades são traduzidas socialmente em estigmatização e

pauperização dos emigrantes, não só brasileiros, mas de todas as nacionalidades. A grande maioria vem

em busca de um sonho e se desiludem com a situação precária em que se deparam.

Rosânia e Warley são casados e eram funcionários públicos no Brasil. Tinham um bom nível de

rendimentos, mas quando vieram perderam qualidade de vida. Hoje trabalham o dia inteiro, quase não

se vêem nem têm tempo para sair. Ela trabalha cuidando de idosos e ele na área da restauração. Eles

trabalham basicamente para conseguir pagar as contas, e ainda assim acabam o mês “apertados”. Têm

um filho de 10 anos e estão em Porto há 9. Rosânia reclama da falta de integração na sociedade

portense, da rotina cansativa e da saudade do Brasil. Já seu marido, apesar de também sentir falta da

terra natal, gosta de Porto e espera um dia conseguir um emprego melhor que devolva a qualidade de

vida que tinham no Brasil.

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Segundo Antônio Teixeira Fernandes, em seu artigo Formas e mecanismos de exclusão social,

“há emigrantes que conseguem amealhar, no exterior, algum pecúlio, sem melhorarem em nada suas

condições de vida” (1991; 56).

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Conclusão

A partir deste pequeno estudo de caso, é possível direcionar o pensamento no sentido de que a

vida dos emigrantes brasileiros que chegam a Portugal não é nada fácil. Muitos têm de recorrer às

políticas assistencialistas do governo na esperança de receberem um rendimento mínimo, o que

geralmente não ocorria no Brasil.

Outros que encontram emprego não recorrem (ou não podem recorrer) às políticas sociais, mas

o dinheiro não é o suficiente para ter qualidade de vida. Vivem para o trabalho e nem sequer têm tempo

para o lazer. Sem tempo para conhecer e partilhar do convívio social, fica bem mais difícil a integração

na sociedade portense, criando-se assim no cotidiano destes emigrantes uma realidade particular,

isolada do restante dos cidadãos.

Geralmente procuram não se endividar por estarem em um país estrangeiro, por isso mesmo não

sobra dinheiro para aprimorarem-se e especializarem-se em alguma área que permita sua ascensão na

estrutura social. Desta forma o ciclo de exclusão social perpetua-se. Além de conseguirem se manter

em Portugal, muitos têm de sustentar a família no Brasil. Não é uma situação tranquila, mas ainda

assim tentam administrar suas vidas de forma digna.

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Bibliografia

FERNANDES, Antônio Teixeira (1991). “Formas e mecanismos de exclusão social”. In Sociologia n.

1, Porto, FLUP.

GOFFMAN, E. (1988). Estigma: Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de

Janeiro: Editora Guanabara.

RODRIGUES, Eduardo (2006), Escassos caminhos. Os processos de imobilização social dos

beneficiários do R.M.G. em Vila Nova de Gaia, Dissertação de Douturamento, Faculdade de Letras da

Universidade do Porto.

MARX, K. e ENGELS, F. A ideologia alemã. Portugal: Martins Fontes s/d.

Sites

http://www.observatoriodoalgarve.com/cna/noticias_ver.asp?noticia=21221

http://www.presseurop.eu/en/content/news-brief-cover/413631-half-million-working-poor

http://www.agenciafinanceira.iol.pt/artigo.html?id=1177904&div_id=1730

http://observatorio-das-desigualdades.cies.iscte.pt/index.jsp?page=projects&id=106

http://www.por7ugal.net/economia.html