Nova Lei de Portos
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Minuta para Debate e Crítica
Nova Lei de Portos
Danilo de Morais Veras1
RESUMO: O presente artigo tem por escopo apresentar as mudanças
implementadas pela Lei n. 12.815, de 5 de junho de 2013 – Nova Lei de Portos, bem
como explorar as principais discussões que tem se apresentado diante do desafio de
se reestruturar o setor no país. Cientes da tarefa colossal que se apresentou diante
dos atores que interagiram na elaboração do novo marco legal de portos, a
abordagem registrada neste artigo não está preocupada em estabelecer padrões
obrigatórios ou explorar defeitos de forma superficial. Algum tempo de reflexão revelou
que cada ponto desta lei foi minuciosamente analisado, estudado e debatido, de forma
que uma abordagem meramente crítica não seria justa com os atores envolvidos, os
quais, pacientemente, nos receberam para discutir o tema, e a quem, desde já,
agradecemos e dedicamos o resultado deste trabalho.
O artigo está dividido em 5 (cinco) seções. A primeira dedica-se ao diagnóstico
do setor, apresentando o histórico de portos no país, considerando o tratamento dado
pela Lei n. 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, a Lei de Modernização dos Portos. A
segunda, apresenta a Nova Lei de Portos e busca identificar eventuais problemas e
indicar possíveis soluções. A terceira, apresenta os vetos presidenciais, evidenciando
o entendimento do Executivo acerca do texto original da nova lei. A quarta seção
apresenta algumas sugestões para o destravamento do setor e a promoção de novos
negócios. Por fim, a quinta seção apresenta as conclusões ao presente estudo.
1 Advogado de Infraestrutura e Novos Negócios em escritórios de advocacia e empresas de grande porte. Formado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós -graduado em Gestão de
Negócios e Finanças pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais e em Dir eito Constitucional e Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás .
Minuta para Debate e Crítica
Sumário
1. INTRODUÇÃO ...........................................................................................................3
1.1. Contexto Legal ..................................................................................................4
1.2. Modernização dos Portos – Conflitos e Avanços.........................................5
1.3. As discussões para a Nova Lei de Portos .....................................................6
1.3.1. MP n. 595 – O Embrião..................................................................................7
1.3.2. Vetos Presidenciais ......................................................................................9
2. A NOVA LEI DE PORTOS....................................................................................... 11
2.1. Carga de Terceiros ......................................................................................... 11
2.2. Órgão Gestor de Mão de Obra – OGMO....................................................... 13
2.3. Volume, Tempo e Tarifa para seleção de propostas .................................. 14
3. SUGESTÕES PARA O NOVO MODELO PORTUARIO BRASILEIRO ................ 14
3.1. E quando volume, tempo e tarifa não se aplicarem? ................................. 15
3.2. Mudanças Necessárias .................................................................................. 18
3.2.1. Defender o uso do pagamento de outorgas? ...................................... 19
3.2.2. Serviço Público ou Serviço de Interesse Público? ............................. 20
3.3. Propostas de modelos ................................................................................... 22
3.3.1. Portos Públicos ....................................................................................... 23
3.3.2. Portos Privados ....................................................................................... 24
4. CONCLUSÃO .......................................................................................................... 24
Minuta para Debate e Crítica
1. INTRODUÇÃO
A partir de janeiro de 1808, quando da “abertura dos portos às nações amigas”,
o comércio exterior começou de fato a evoluir no Brasil, registrando-se um surto de
desenvolvimento com a chegada de artigos estrangeiros que eram trocados por
produtos coloniais (madeiras, borracha, café, cacau etc.). Ficou clara a importância
dos portos para a expansão da economia, em especial pelo papel que desempenha no
escoamento da produção nacional.
Quase dois séculos depois, no ano de 1992, com a realização do Encontro
Nacional de Comércio Exterior – Enaex, o tema foi mais apresentado pelo
empresariado nacional como gargalo para o crescimento brasileiro que, comparado
com os dos demais países em desenvolvimento, era bastante discrepante. No plano
internacional, a Argentina, Chile, Peru e Venezuela abriram seus portos para a
iniciativa privada, os Tigres Asiáticos e a China já despontavam como grandes
potências do segmento portuário com a mesma política de exploração privada do
setor. No Brasil, ainda pouco desenvolvido em sua logística portuária, destacou-se
Suape, em Pernambuco, que, segundo o jornalista Carlos Tavares de Oliveira:
“Adiantando-se ao projeto da reforma portuária ora em discussão no Congresso, Suape criou uma estrutura inovadora e realmente moderna. A administração do Porto, com reduzido número de funcionários, cuida
apenas da infra-estrutura (movimentação de navios, seguranças, manutenção etc.), cabendo às empresas privadas todas as operações com as cargas. O folheto informativo, distribuído às empresas do Nordeste, ao
explicar o sistema aplicado, pioneiro no Brasil, assegura “a participação da iniciativa privada na atividade de execução da operação nas instalações portuárias de uso público, cabendo à Suape a gestão, o controle e o
acompanhamento do processo”. Não existe portanto a figura do funcionário público do cais encontrada nos portos brasileiros explorados pelas estatais
Cias. Docas.”2
A exemplo de outros modais, também os portos denotavam sinais de
esgotamento do modelo de exploração estatal, que acompanhava com dificuldades a
demanda privada por inovações e velocidade de resposta para problemas de
escoamento. Entenda-se, no contexto, que os portos de Cingapura e Hong Kong
movimentaram em 1991, respectivamente, 6.5 milhões e 6.1 milhões de unidades de
contêineres (de aço, de 7 e 14m, aptos a abrigar até 50t), enquanto Santos e Rio de
Janeiro movimentaram, por sua vez, 400 e 80 mil unidades cada. Dentre as hipóteses
para tal discrepância, era apontada a ocorrência de maior participação privada nos
portos estrangeiros, o que lhes garantiria maior adequação tecnológica da operação.
2OLIVEIRA, Carlos Tavares de. Modernização dos Portos, 5ª Edição, Aduaneiras, São Paulo, 2011, p. 19.
Minuta para Debate e Crítica
Em 2011, o transporte marítimo é responsável pela quase totalidade do
relacionamento comercial do Brasil com os outros países, sendo responsável por 96%
(noventa e seis por cento) do volume total das exportações e 89% (oitenta e nove por
cento) das importações. O recorde dos últimos 5 (cinco) anos3.
1.1. Contexto Legal
A tendência à privatização era uma luta constante do empresariado nacional,
contraposta à resistência do sindicato do trabalho avulso, temeroso por perder os
benefícios trabalhistas até então conquistados. A cizânia, no entanto, não foi capaz de
frear as necessidades do setor. Logo, em 1944, o Decreto-Lei n. 6.640 permitiu às
empresas particulares construírem e operarem “instalações portuárias rudimentares”4.
Na sequência, o Decreto-Lei n. 5, de 1966, confirmava que qualquer pessoa ou
empresa poderia ter seus terminais portuários privativos, desde que exclusivamente
destinado a uso próprio. Baseado nesta última legislação, surgiram portos como os da
Petrobrás, Vale do Rio Doce e Cosipa (no setor público) e os da Cargill, Dow, Cutrale,
MBR, Incobrasa, Trevo e Portocel (no setor privado).
O advento da Lei n. 8.630/93 teve o condão de estimular a maior competição
entre os portos. Com a possibilidade de que portos privativos pudessem movimentar
cargas de terceiros, começaram as disputas por cargas, sempre sob o argumento de
oferecer preços mais baixos e maior agilidade nas operações de embarque. Exemplo
são os portos de Itajaí e Imbituba, ambos em Santa Catarina, que logo avançaram no
sentido de captar, por exemplo, cargas do porto de Rio Grande. Ao final de 1993,
Imbituba já havia conquistado 70% das exportações de calçados produzidos no Vale
dos Sinos, destinadas ao mercado americano (140 milhões de pares)5.
Apesar da aceleração inicial, as benesses daquela legislação não haviam se
estendido aos portos públicos, como Santos, Rio de Janeiro, Paranaguá e Rio Grande,
onde conviviam as resistências sindical e de alguns empresários que julgavam-se
prejudicados pela modificação na norma. A mudança veio com a criação dos
Conselhos de Administração Portuária (“CAP”)6, as Operadoras Portuárias aos poucos
3 Segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (“ANTAQ”) disponíveis em http://www.antaq.gov.br/portal/pdf/BoletimPortuario/PanoramaNa vegacaoMaritimaApoio2011.pdf, acessado em 29 de dezembro de 2014. 4 A Logística no Comércio Exterior Brasileiro. Jovelino de Gomes Pires (coord.), Ed. Aduaneiras, SP,
amostra disponível em http://www.multieditoras.com.br/produto/PDF/500126.pdf, acessado em 14 de julho de 2014. 5 OLIVEIRA, Carlos Tavares de. Modernização dos Portos, 5ª Edição, Aduaneiras, São Paulo, 2011, p. 49. 6 O CAP tem funções semelhantes ao “Port Authority”, que administra os grandes complexos de Roterdã, Nova York etc, cuja atuação deveria, em tese, substituir a das Docas S.A.
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entraram em ação e os Órgãos Gestores de Mão-de-Obra entrarem em entendimentos
com os investidores privados e sindicatos. Em meio a greves nos maiores portos do
mundo, o Brasil decide descentralizar a operação de seus portos públicos da esfera
federal para a municipal, o que também não surtiu grandes efeitos.
Os reiterados avanços e retrocessos acabaram por gerar insatisfação nos
agentes do setor, que promoviam, cada vez com mais energia, o questionamento por
um marco regulatório mais estável.
1.2. Modernização dos Portos – Conflitos e Avanços
A decisão de descentralizar a operação portuária objetivou, num primeiro
momento, o enfraquecimento do movimento grevista dos trabalhadores avulsos,
focando na (i) regionalização dos problemas do setor, (ii) promovendo maior facilidade
no movimento de privatização (por enfraquecer o movimento sindical) e (iii) com a
privatização, promover maior interação entre os trabalhadores portuários e os
empresários para a promoção de maior competitividade e conquista de clientes.
A primeira década da Lei de Modernização dos Portos foi bastante conflituosa. A
inicial “privatização”, que apresentou melhoras pontuais, logo foi suplantada pelos
novos desentendimentos entre empregados portuários e empresas, que entravam em
acordos apenas na iminência de paralisação total dos portos. Diante da dificuldade de
se chegar a acordos, o movimento inicial perdeu bastante energia com as negociações
frustradas entre os envolvidos.
Dentre as principais causas apontadas para o insucesso, estão (i) as excessivas
exigências burocráticas, (ii) a saturação portuária, (iii) o acesso rodoviário deficitário,
(iv) o elevado custo portuário – tarifas, (v) a insuficiente infraestrutura de
armazenagem, (vi) o demasiado tempo de liberação de mercadorias, (vii) o
consequente custo de demurragem (“demurrage”), (viii) o baixo calado7-8, que não
foram melhorados, apesar da grande expectativa provocada pela nova legislação.
Ao completar quase uma década da Lei de Modernização de Portos, a Lei n.
10.233, de 5 de junho de 2001, veio dispor sobre a reestruturação dos transportes
aquaviário e terrestre, criando o Conselho Nacional de Integração de Políticas de
Transporte, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (“ANTT”), a Agência
7 Dados da Pesquisa Portos e Cabotagem 2012/2013 – Avaliação dos Usuários e Análise de Desempenho,
elaborada pelo Instituto de Logística e Supply Chain. 8 Nesse sentido, o veto presidencial ao art. 46 do projeto da Lei n 8.630/93, que determinava “São de responsabilidade da União os encargos decorrentes dos serviços de dragagem...”. A alocação de tal
custo com os usuários do porto, com a tarifa-dragagem cobrada pela Cia. Docas, acabou por inviabilizar a devida realização da dragagem, sob pena de perda de competitividade dos portos.
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Nacional de Transportes Aquaviários (“ANTAQ”) e o Departamento Nacional de Infra-
Estrutura de Transportes (“DNIT”), atores fundamentais na discussão do tema dali
para frente.
1.3. As discussões para a Nova Lei de Portos
Em 2007, os problemas não eram muito diferentes. Novamente, segundo
registrado pelo autor Carlos Tavares de Oliveira9, a reforma era necessária e passaria,
dentre outras questões, por 3 (três) pontos principais. O primeiro, a realocação da
responsabilidade por encargos por serviços de dragagem para a União. O segundo
seria a extinção das licitações financeiras (outorgas) para o arrendamento de áreas
nos portos públicos que, apesar de arrecadarem vultosas importâncias, acabam por
onerar excessivamente os serviços portuários. O terceiro seria a “despolitização” da
administração portuária, retirando-a da barganha dos partidos no processo eleitoral.
Neste ano, foi criada, pela Lei n. 11.518, de 5 de setembro de 2007, que alterou o §3º
do art. 1º, da Lei n. 10.683, de 28 de maio de 200310.
A questão da dragagem foi enfrentada dentro do Programa Nacional de
Dragagem Portuária e Hidroviária, inicialmente proposto pela MPv 393, de 19 de
setembro de 2007 e, posteriormente, convertida na Lei n. 11.610, de 12 de dezembro
de 2007. Com isso, os portos de Rio Grande, Recife, Itaguaí, Angra dos Reis, Natal,
Cabedelo, Suape e Salvador tiveram suas dragagens concluídas, sendo seguido dos
portos de Paranaguá, Vitória e Rio de Janeiro. Com o PAC-2, Santos, Rio Grande,
Imbituba, Maceió e outros foram dragados, somando R$ 2,6 bilhões dedicados ao
tratamento da questão.
Outro ponto trabalhado foi o dos acessos terrestres rodoferroviários, com obras
básicas no rodoanel e nas perimetrais para Santos, no arco rodoviário do Rio, bem
como o início das discussões das ferrovias Norte-Sul, Leste-Oeste e Transnordestina,
obras inseridas no Programa de Aceleração do Crescimento (“PAC”), inaugurado pela
Lei n. 11.578, de 26 de novembro de 2007.
Na sequência, em 29 de outubro de 2008, foi publicado o Decreto n. 6.620, com
o objetivo de estabelecer as políticas e diretrizes para o desenvolvimento do setor de
portos e terminais portuários de competência da SEP/PR, disciplinando a concessão
de portos, o arrendamento e a autorização de instalações portuárias marítimas. Suas
9 OLIVEIRA, Carlos Tavares de. Modernização dos Portos, 5ª Edição, Aduaneiras, São Paulo, 2011, p. 210. 10 Posteriormente, a Lei n. 10.683, de 28 de maio de 2003, foi alterada pela Lei n. 12.426, de 4 de agosto
de 2011 (Regime Diferenciado de Contratação – RDC), sendo a Secretaria de Portos mantida no organograma presidencial.
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características principais eram (i) o tratamento abrangente do instituto da concessão,
não se restringindo apenas de terminais portuários ou instalações e (ii) a definição de
diferenças claras entre os terminais de uso público e os de uso privativo, baseadas na
exigência de que os terminais de uso privativo movimentassem, principal ou
exclusivamente, carga própria11.
1.3.1. MP n. 595 – O Embrião
Na sequência, a Medida Provisória n. 595, de 6 de dezembro de 2012
consolidou a discussão havida no âmbito do governo, dando atenção aos principais
pontos anteriormente levantados pelos atores do setor. Logo em sua exposição de
motivos, deixa-se claro a preocupação com a necessidade de ganho de eficiência e
ampliação, o que deveria ser estimulado pela expansão dos investimentos privados e
no aumento da movimentação de cargas com redução dos custos e eliminação de
barreiras à entrada.
Cabe registrar que a medida não foi unânime. Ao contrário, recebidas as 645
propostas de emendas, 150 delas foram incorporadas ao texto da medida provisória, o
que contribui para a desarmonia de posicionamentos do texto legal. Alguns pontos da
medida foram severamente criticados. Dentre elas, (i) o fato de o Conselho de
Administração Portuária ser instituído por cada porto de acordo com regulamento
próprio12, (ii) o desequilíbrio provocado pela medida provisória quanto aos
arrendamentos existentes13, (iii) a inalteração do sistema de contratação de
11 Quanto a este ponto, a denúncia da Federação Nacional dos Portuários (“FNP”), posteriormente convertida em representação, deu origem ao processo TC-015.916/2009-0 do Tribunal de Contas, em que terminais de uso privativo sem carga própria predominante, como Embraport (autorizado para soja,
açúcar, veículos, granéis l íquidos, contêineres, papel etc), Itapoá (autorizado para contêineres, granéis sólidos, madeira, carga geral), Portonave (autorizado para cargas frigorificadas, madeira, açúcar, materiais cerâmicos, papel, jornal, celulose, motores, produtos têxteis, etc) e Cotegipe (autorizado para trigo, soja, fertil izantes, contêineres, produtos siderúrgicos, madeira, granito, celulose, algodão,
produtos agrícolas e agropecuários etc), não deveriam operar. No processo (fls. 406-417), a ANTAQ manifesta sua preocupação com o “Apagão Portuário”, sustentando que a competição intra e interportos é salutar para a economia. No mesmo sentido, a SEP/PR e a Casa Civil da Presidência da
República. Em Acórdão, de 06/03/2013, o TCU entendeu que os terminais não cumpriam a legislação, no entanto, restava prejudicado o objeto da análise, por vigência da MP 595/12. 12 E não mais de acordo com os requisitos especificados no art. 31 da Lei de Modernização dos Portos, o que deixava margem para uma participação desigual dos atores do setor. 13 A MP n. 595 criou dois principais pontos de desequilíbrio. O primeiro, pela possibil idade de aumentar a concorrência mediante a abertura de outros portos em locais próximos, o que comprometeria o volume de demanda. O segundo, refere-se à concorrência assimétrica, uma vez que os arrendamentos
anteriores se baseavam no pagamento de elevados preços pela outorga, enquanto a MP se baseia em movimentação e tarifa.
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profissionais14 e (iv) a insegurança, pela medida peremptória, de modificação integral
do marco regulatório até então existente.
Outros pontos foram recepcionados positivamente pelo mercado. É o caso (i) da
extinção dos conceitos de carga própria ou de terceiros15, (ii) do critério de localização
dos terminais (dentro ou fora do porto organizado16), (iii) delimitação da área do porto
organizado17, (iv) organização institucional18, (iv) tratamento de licitação para
concessões e contratos de arrendamento19, (v) tratamento do chamamento público e
processo seletivo para autorizações20, (vi) previsão de expansões e ampliações das
instalações21 nos contratos, (vii) compartilhamento de infraestruturas22 e a (viii)
dragagem por resultado23.
14 A lógica contratual do porto não foi substancialmente alterada. O art. 36, que estabelece que a contratação dos trabalhadores portuários de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga,
bloco e vigilância de embarcações, nos portos organizados, será realizada por trabalhadores portuários com vínculo empregatício por prazo indeterminado (que deverão ser escolhidos dentre os avulsos registrados no OGMO) ou por trabalhadores portuários avulsos (também do OGMO). No entanto, o art. 40 facultou aos terminais sob regime de autorização “a contratação de trabalhadores a prazo
indeterminado, observado o disposto no contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho das respectivas categorias econômicas preponderantes”. A regra causou incerteza entre os terminais já existentes (até então vinculados ao OGMO). 15 A MP n. 595 não menciona “carga própria” ou “carga de terceiros”, passou apenas a distinguir entre terminais de “portos organizados” e fora dos portos organizados (terminais de uso privado). 16 O que definiu o regime de contratação. Dentro do porto organizado somente podem existir terminais arrendados ou explorados mediante concessão do porto como um todo. Dessa forma, extingue-se a
possibil idade de se “autorizar” terminais dentro da área do porto organizado. 17 Que está diretamente conectado ao conceito de “poligonal”, ou seja, os l imites conforme decreto presidencial. Apesar do inicial entusiasmo com o conceito, posteriormente verificou -se que a incerteza diante do conceito trouxe outro ponto de atenção para investidores. 18 O poder político e jurídico ficou concentrado com a SEP/PR (poder concedente) e com a ANTAQ (agente regulador). As autoridades portuárias locais perdem a maior parte de sua autonomia e l iberdade contratual, ficando sujeitas a uma supervisão da ANTAQ). Nesse sentido, o Conselho de
Autoridade Portuária fica quase totalmente esvaziado, deixando de ser um órgão deliberativo para tornar-se consultivo, sem poderes efetivos. Outro ponto interessante, foi a vinculação da ANTAQ à SEP/PR e não ao Ministério dos Transportes. A SEP também concentrou o setor portuário marítimo, fluvial e lacustre. 19 Os critérios estabelecidos para a l icitação pública são preferencialmente uma combinação da maior movimentação de carga e o menor preço cobrado pela operação. No entanto, abriu -se espaço para que o edital abarque também outros critérios. O art. 6º da MP n. 595 não deixa claro se os dois critérios citados deverão, obrigatoriamente, ser adotados, embora a interpretação literal aponte para este
sentido. 20 A autorização para terminais portuários fora da área do porto organizado (definida por decreto presidencial) não é sujeita à l icitação. Deve o interessado apresentar o pedido de autorização, seguido
de um chamamento público para manifestação de interesse de terceiros. Havendo mais de um interessado, deverá haver um processo seletivo simplificado, nos termos do art. 9º da MP n. 595, que não se configura em processo licitatório próprio. 21 O art. 5º, inc IX da MP n. 595 prevê que uma das cláusulas obrigatórias dos contratos é a previsão dos
“direitos, garantias e obrigações do contratante e do contratado, inclusive os relacionados a necessidades futuras de suplementação, alteração e expansão da atividade e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação das instalações”, ou seja, os contratos realizados sob a
égide do Decreto n. 6.620 deveriam ser obedecidos e tais cláusulas seriam observadas. Tal assertiva é confirmada pelo art. 49 da MP.
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Ao fim do prazo legal de vigência da MP, iniciaram-se as discussões pela Nova
Lei de Portos.
1.3.2. Vetos Presidenciais
A mensagem n. 222, de 5 de junho de 2013, carregou consigo 10 vetos da
Presidência da República ao texto originalmente proposto. As razões, que variavam
entre inconstitucionalidade à contrariedade do interesse público, foram debatidas entre
a Casa Civil, os Ministérios da Fazenda, Planejamento, Orçamento e Gestão e a
Secretaria de Portos da Presidência da República.
O primeiro veto referiu-se ao inciso VIII do art. 2º, o inciso V do art. 8º e os
parágrafos 2º e 3º do art. 9º, que se referiam ao “terminal indústria”, que remetia a um
conceito semelhante ao “terminal privado de uso próprio” da lei anterior. Com isso,
entendeu-se que seria um retrocesso à diferenciação de cargas “próprias” e “de
terceiros”, superada pela legislação atual, que entendeu ser desejável a competição
pela movimentação de cargas entre terminais públicos e privados.
O segundo veto refere-se ao parágrafo 4º do art. 6º e o parágrafo 4º do art. 8º. A
regra dos dispositivos estabelecia a impossibilidade de empresas com participação
societária de mais de 5% em empresas de navegação participarem da licitação de
contratos de concessão e arrendamento, bem como de terminais autorizados, o que,
em tese, promoveria maior competição no setor portuário. No entanto, entendeu-se
que o dispositivo seria facilmente burlado por acordos societários e não representaria,
per se, vantagem para o setor.
O terceiro veto refere-se ao parágrafo único do art. 28. O texto do dispositivo
previa a participação do OGMO como intermediário obrigatório da contratação para a
navegação interior. Contudo, a redação do dispositivo vai de encontro ao
entendimento dos atores políticos que participaram da discussão do tema, os quais
optaram pela não obrigatoriedade da participação do órgão como intermediador de
mão de obra portuária.
O quarto veto se refere à redação do art. 69, o qual previa a prorrogação
automática das concessões e permissões até então procedidas e vigentes por ocasião
da publicação da lei. A ideia era que tais instrumentos atingissem o prazo de 25 anos,
22 Ao atribuir à ANTAQ, em seus arts. 7º e 10, a competência para regular a util ização ou o acesso das
instalações portuárias por qualquer interessado, assegurada a remuneração adequada, optou -se pelo compartilhamento de infraestruturas tanto aos terminais arrendados quanto aos terminais autorizados. 23 Existe nova disposição sobre dragagem, prevendo sua rea l ização por contratos de “dragagem por
resultado”. Tal contrato poderia, a princípio, ser contratado sob o regime da Lei n. 12.462/11 (“RDC”), da Lei n. 8.666/93 (“Lei de Licitações e Contratos Públicos”) ou pela Lei n. 11.079/04 (“Lei de PPP”).
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podendo ser prorrogados em até 5 anos. O veto se deu por prevalência do
entendimento de que a matéria era estranha ao projeto, sendo afeta à Medida
Provisória n. 612, de 2013, atualmente fora de vigência.
O quinto veto tem por objeto o parágrafo 1º do art. 5º. O dispositivo previa que
os contratos de concessão e arrendamento deveriam ter prazo de até 25 anos,
prorrogável uma única vez, até atingir o prazo máximo de 50 anos, desde que o
concessionário promovesse os investimentos necessários para a expansão ou
modernização das instalações. Ora, o que se teria, caso vigorasse a redação
proposta, era a duração de 50 anos do contrato, independente do juízo de pertinência
do Poder Público, ficando apenas a critério do parceiro particular, que poderia, ou não,
realizar os investimentos, de acordo com o seu interesse de renovar, ou não, o
contrato.
O sexto veto refere-se ao parágrafo 5º do art. 17. O dispositivo previa que a
vigilância e a segurança do porto organizado seriam executadas diretamente pela
Guarda Portuária. Nesse ponto, o veto expõe que a redação proposta para o
dispositivo estava em conflito com o inc. III do art. 24, que atribui tal função para o
Ministério da Fazenda, e com o inc. XV do art. 17, que aloca com a Administração do
Porto a responsabilidade por organizar a guarda portuária em conformidade com a
regulamentação expedida pelo poder concedente.
O sétimo veto trata do art. 45, que obrigava a inscrição do trabalhador portuário
avulso em cadastro de trabalhadores portuários avulsos que ateste a qualificação
profissional para o desempenho das atividades de capatazia, estiva, conferência de
carga, vigilância de embarcações e bloco. A preocupação nesse ponto era quanto a
imprecisão em relação ao fato da determinação incluir, ou não, os trabalhadores que
atuavam dentro do porto organizado. Caso fosse voltado para os trabalhadores do
porto organizado, o dispositivo conflitava diretamente com as competências do órgão
gestor de mão de obra, conforme previsto nos incs. II e III do art. 32, e o inc. I e
parágrafo 1º do art. 41.
O oitavo veto refere-se ao art. 56. Tratava da renovação dos contratos de
arrendamento e dos contratos de concessão celebrados anteriormente à Lei n. 8.630.
No primeiro caso, a proposta era de renovação por igual período. No segundo, de
prorrogação por até 5 anos. No entanto, também este artigo foi entendido como uma
violação ao princípio da Separação dos Poderes, prejudicando o Poder Executivo na
gestão e no planejamento do setor portuário.
O nono veto trata dos parágrafos 2º e 4º do art. 57. O artigo cuida do tema da
renovação dos contratos existentes sob a égide da Lei n. 8.630/93. A proposta era
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estabelecer parâmetros obrigatórios para a renovação, o que foi entendido como
restrição indevida às atribuições do Poder Executivo.
O décimo veto tem relação com o art. 74 e a alteração que promoveria no art. 58
da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. O veto em questão foi solicitado pela
Federação dos Conferentes e Consertadores de Carga e Descarga, Vigias Portuários,
Trabalhadores de Bloco, Arrumadores e Amarradores de Navios nas Atividades
Portuárias (“FENCCOVIB”) e pela Federação Nacional dos Estivadores (“FNE”),
argumentando que os órgãos de mão de obra não deveriam ser os únicos a realizar a
comprovação da efetiva exposição dos trabalhadores aos agentes nocivos e que o
tema pudesse ser tratado de maneira mais adequada em nível infralegal.
2. A NOVA LEI DE PORTOS
Nesse contexto, o governo federal seguiu no enfrentamento do tema. A Lei n.
12.815, de 15 de junho de 2013 – Nova Lei de Portos, vem com o claro intuito de
sanar as dificuldades identificadas nas legislações anteriores, as quais representaram
barreiras quase intransponíveis ao sucesso do setor. Na prática, a questão exigiu
atenção em outros assuntos que não apenas os 3 pilares mencionados por Carlos
Tavares de Oliveira, se mostrando bem mais complexa.
O setor portuário, entendido como indústria de rede, deveria ter sua organização
legal estruturada para promover ao menos três tipos de competição no setor, quais
fossem (a) interportos; (b) interterminais e (c) intraterminais. Quanto ao primeiro ponto,
devem ser analisadas a proximidade entre os portos e a qualidade da infraestrutura de
transporte terrestre. Quanto ao segundo tipo, ocorre quando dentro de um mesmo
porto os terminais disputam as cargas movimentadas localmente. O terceiro tipo
acontece quando, além dos terminais, também operam no porto outros prestadores de
serviços, como os de armazenagem alfandegada.
Sob a ótica jurídica, tais modalidades de competição ensejaram, principalmente,
o enfrentamento da (i) possibilidade de portos públicos e privados movimentarem
cargas de terceiros, (ii) desnecessidade de portos públicos e privados contratarem
funcionários exclusivamente com o órgão gestor de mão de obra, e (iii) utilização de
índices de volume e tarifa para a seleção de propostas para concessões e
arrendamentos.
2.1. Carga de Terceiros
Minuta para Debate e Crítica
Uma das primeiras inovações foi a possibilidade de que portos organizados e
privados pudessem movimentar cargas de terceiros. Em verdade, a restrição da Lei n.
8.630/93 (que quase paralisou alguns portos privados de carga mista por conta da
discussão acerca da proporcionalidade entre cargas próprias e de terceiros) não foi
perpetuada na nova legislação, a qual visou promover a competição entre portos e o
investimento no setor.
Anteriormente, a principal discussão sobre esse tema havia se dado nos autos
do Processo n. 015.916/2009-0, do Tribunal de Contas da União, em que se debateu
que o transporte de cargas de terceiros deveria ser realizado quase que
exclusivamente24 pelos portos públicos, sendo que a concorrência entre terminais
públicos e privados se dava, em tese, em assimetria vantajosa para o privado. Tal
posicionamento, no entanto, foi superado25, observando-se que ambos os terminais
possuíam condições equivalentes de competitividade, sendo razoável deixar que o
proprietário da carga escolhesse qual porto utilizar para o escoamento.
Ocorre que a nomenclatura adotada pela lei anterior, que dividia os portos em
“públicos” e “privativos”, sendo este último subdividido em “exclusivo”, “misto”, “de
turismo” e “estação de transbordo de cargas”, foi abandonada. A nova legislação adota
os termos “porto organizado” e "terminal de uso privado”, passando a serem utilizados
os termos “instalação portuária de turismo”, “estação de transbordo de cargas”,
“instalação portuária de turismo” como definições autônomas, não mais como
subclassificações dos terminais privativos. Nesse sentido, foi superada a menção à
titularidade das cargas, podendo existir o transporte de carga origem própria ou de
terceiros, em qualquer proporção, também nos terminais de uso privado.
A implicação prática foi a possibilidade de que 138 terminais portuários geridos
pela iniciativa privada estivessem à disposição de todas as empresas interessadas em
exportar, por via marítima, a sua produção. Com isso, o poder de barganha dos portos
perdeu força, promovendo maior competitividade26 entre portos de todo o país.
24 Com exceções legais previstas justamente para o caso dos terminais mistos. 25 Essa afirmação fora sustentada pela Federação Nacional dos Portuários (“FNP”) nos autos do processo
n. 015.916/2009-0, perante o Tribunal de Contas da União. No entanto, o “Estudo Compara tivo das Estruturas de Custos e Avaliação de Projetos/Investimentos entre Terminais Portuários de Uso Público e Terminais de Uso Privativo Misto”, que foi juntado ao processo, não confirmou a assertiva. 26 Caso em que a questão ficou mais evidente foi a da cobrança indevida da Terminal Handling Charge (“THC2”) no porto de Santos. Tratava -se de cobrança dos Operadores Portuários (Porto Molhado) aos Terminais Retroportuários Alfandegados (Porto Seco) pela separação e entrega das mercadorias importadas provenientes dos Armadores que atracam no Porto de Santos/SP. Em abril de 2005, o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”) condenou, por unanimidade, os cinco terminais que operavam naquele porto pela imposição da referida taxa, cujos efeitos incluíam e elevação indevida dos preços de bens importados, a redução da competitividade internacional e a eliminação da pressão
competitiva no mercado de armazenagem, advinda da atuação dos recintos alfandegados. A decisão do CADE foi confirmada pela Justiça Federal, tendo o Juiz da 4ª Vara Federal considerado que “o que a
Minuta para Debate e Crítica
2.2. Órgão Gestor de Mão de Obra – OGMO
A Nova Lei de Portos apresentou algumas modificações que vieram a oferecer
respostas à antigas questões. O OGMO, criado pela Lei n. 8.630/93, continua com
suas atribuições na gestão da mão de obra avulsa e passou a ter responsabilidade
solidária com o operador portuário pela remuneração dos trabalhadores portuários
avulsos e pelas indenizações decorrentes de acidentes de trabalho27.
Outro ponto relevante é o reconhecimento do prazo para que os trabalhadores
portuários avulsos reivindicassem eventuais créditos decorrentes da relação de
trabalho. A jurisprudência havia se construído no sentido de reconhecer o prazo bienal
para a propositura da ação trabalhista em 2 anos após o cancelamento do registro ou
do cadastro no órgão gestor de mão de obra, podendo ser exigidos os créditos
constituídos nos últimos 5 anos28, o que se confirmou com a redação do §4º do art. 37
da nova legislação.
As discussões, no entanto, se concentraram diante da desnecessidade de que
instalações portuárias situadas fora da área do porto organizado se submeterem à
obrigatoriedade de interveniência do OGMO. Tal interpretação é construída a partir da
redação do art. 40 da Lei n. 12.815/13, que rege apenas a prestação de serviços
portuários dentro dos portos organizados. O art. 44 da Nova Lei de Portos também
estabelece a faculdade de contratação de trabalhadores a prazo indeterminado,
observado apenas o disposto no contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho.
As instalações portuárias sujeitas ao regime de autorização são aquelas
localizadas fora do porto organizado. Por isso, não são controladas por “operadores
portuários” e se enquadram no regime de contratação direta de trabalhadores,
podendo fazê-lo, desde que observem o disposto no contrato, convenção ou acordo
coletivo de trabalho. Os embates têm se dado justamente quanto à proporcionalidade
autora faz é cobrar o THC do armador e também do terminal retroportuário alfandegado TCH2. Ou seja, cobra duas vezes pelo mesmo serviço, embora de pessoas diferentes.” E completou: “Além disso, c omo
também é concorrente dos Terminais Retroportuários Alfandegados, ao assim proceder passa a deter um imenso poder sobre o mercado de armazenagem alfandegada, o que levou o Cade a impor as penalidades aqui impugnadas”. Nesse sentido,
http://www.cade.gov.br/Default.aspx?1528f60213081ce7321f310f27 , acessado em 10 de março de 2014. 27 Art. 33, §2º: “O órgão responde, solidariamente com os operadores portuários, pela remuneração devida ao trabalhador portuário avulso e pelas indenizações decorrentes de acidente de trabalho ”. 28 A Orientação Jurisprudencial da SBDI-I do TST, já cancelada, previa: “384. TRABALHADOR AVULSO. PRESCRIÇÃO BIENAL. TERMO INICIAL. (cancelada) - RES. 186/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
É aplicável a prescrição bienal prevista no art. 7º, XXIX, da Constituição de 1988 ao trabalhador avulso, tendo como marco inicial a cessação do trabalho ultimado para cada tomador de serviço”.
Minuta para Debate e Crítica
de tal distinção, uma vez que a contratação sem a presença do OGMO poderia
promover uma desvalorização do capital humano, impactando na competitividade dos
portos públicos.
2.3. Volume, Tempo e Tarifa para seleção de propostas
A estratégia econômica da Lei n. 8.630/93 objetivava maior participação do setor
privado no segmento portuário e foi duramente criticada pela adoção do pagamento
por outorgas como critério para o julgamento de propostas. Resumidamente, os
críticos à adoção do mecanismo entendiam que as licitações financeiras, embora
permitissem o recolhimento de vultuosas somas, contribuíam para o encarecimento
dos custos de embarque.
Nesse sentido, a Nova Lei de Portos apresenta a proposta de abandonar
totalmente tal sistemática e promover, de forma isolada ou combinada, a “maior
movimentação, a menor tarifa ou o menor tempo de movimentação de carga,
além de outros requisitos que poderão ser estabelecidos pela administração” .
Com isso, as licitações para a concessão e o arrendamento de bem público destinado
à atividade portuária estarão vinculadas aos critérios previstos em lei.
O modelo toma como paradigma o transporte de cargas gerais conteinerizadas e
estabeleceu na desverticalização – experimentada em outros setores com sucesso – o
padrão de solução a ser adotado. A ratio parece fazer sentido e é, de fato, uma
inovação para o setor. No entanto, é possível afirmar que funciona para todos os
negócios havidos no âmbito dos portos brasileiros?
3. SUGESTÕES PARA O NOVO MODELO PORTUARIO BRASILEIRO
Inicialmente, as críticas ao modelo foram tão numerosas quanto o número de
propostas de emenda apresentadas à MP e à Nova Lei dos Portos. Ao estabelecer o
padrão normativo baseado na movimentação de cargas gerais conteinerizadas, a
Administração acabou por condenar à extinção uma série de segmentos onde tal
lógica não se aplica. Alguns desses setores, a bem da verdade, não colaboravam para
o desenvolvimento dos portos nacionais. Outros, no entanto, colaboram em grande
quantidade não apenas com os portos, mas com a balança comercial brasileira e
demandam, atualmente, uma solução personalizada.
Minuta para Debate e Crítica
É o caso, por exemplo, da agricultura29 e do setor de combustíveis30, cuja
verticalização é motivada pela necessidade da manutenção da competitividade
brasileira frente ao cenário internacional. Ou seja, na eleição de um setor para
estabelecer o modelo, talvez a solução tenha gerado uma gama de outros entraves
para outros setores, os quais permanecem desejosos de diálogo para o
desenvolvimento de soluções harmoniosas que promovam competitividade.
Importa registrar que a mera implosão do sistema proposto não resolveria o
problema. Como já foi amplamente discutido, o setor portuário merece soluções
complexas, desenvolvidas com base no diálogo, o que não se pode fazer por meio da
simples negação da solução proposta pela Administração. A proposta apresentada
pela Lei n. 12.815/13 representou avanço em inúmeros sentidos. No entanto, pecou
por propor uma análise única para um mercado deveras sofisticado.
3.1. E quando volume, tempo e tarifa não se aplicarem?
Discussão que se impõe é quanto a interpretação possível a partir do dispositivo
legal. Em se provando não fazer sentido o julgamento por maior volume, menor tarifa
ou menor tempo de movimentação, é possível a adoção isolada de outro critério que
melhor atenda o interesse público? Tomando-se por cenário a discussão pretérita
sobre as outorgas, faz sentido adotá-las caso demonstrem ser a única opção viável
para o caso31-32?
O art. 6º da Lei n. 12.815/13 determina que “nas licitações dos contratos de
concessão e arrendamento, serão considerados como critérios para julgamento, de 29 Disponível em http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3031/1/TD_1944.pdf. 30 Cuja produtividade também impacta significantemente na balança comercial brasileira, conforme notícias recentes http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/11/balanca -comercial-tem-pior-resultado-para-outubro-em-16-anos.html. 31 Tais questionamentos parecem não permitir soluções fáceis. As discussões, no âmbito governamental,
se deram, inicialmente, com a constituição de um grupo de trabalho para acompanhar os estudos realizados pela Empresa Brasi leira de Projetos S.A. (“EBP”) formado por membros da SEP/PR e da ANTAQ, na qualidade de coordenadores, e membros da Casa Civil, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, ministério da Fazenda e da Empresa de Planejamento e Logística (“EPL”) para a
discussão semanal sobre o conteúdo e andamento dos estudos. Em momento posterior, foi constituída, por meio da Portaria Conjunta SEP/ANTAQ n. 91, de 24 de junho de 2013, Comissão Mista, composta por quatro membros da SEP/PR e cinco membros da ANTAQ com o objetivo de avaliar e selecionar os
projetos e/ou estudos de viabilidade, os l evantamentos e as investigações, os quais foram util izados para subsidiar o texto legal e os documentos que deram suporte à primeira rodada de 32 Discussão desta natureza foi exposta na decisão TC n. 029.083/2013-3, Grupo I, Classe V, do Plenário, que tratou do acompanhamento do 1º estágio das concessões de áreas e instalações localizadas nos
portos organizados de Santos, Belém, Santarém, Vila do Conde e Terminais de Outeiro e Miramar, onde o Tribunal de Contas da União registrou a intervenção do Sindicato das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito e Petróleo (SINDIGÁS) , quando ficou claro que nem todas as atividades realizadas na área do
porto organizado seriam, essencialmente, passíveis de avaliação por volume, tarifa e velocidade de movimentação.
Minuta para Debate e Crítica
forma isolada ou combinada, a maior capacidade de movimentação, a menor tarifa ou
o menor tempo de movimentação de carga, e outros estabelecidos no edital, na forma
do regulamento”. Inicialmente, cabe verificar se a lista deste dispositivo é taxativa, ou
se seria permitida a adoção, em casos específicos, de outras soluções que não as
previstas no texto legal, conforme redação de regulamento.
O regulamento da Nova Lei de Portos, dado pelo Decreto n. 8.033/13, traz na
redação de seu art. 9º, a disposição de que “nas licitações de concessão e de
arrendamento, serão utilizados como critérios para julgamento, de forma isolada ou
combinada, a maior capacidade de movimentação, a menor tarifa ou o menor tempo
de movimentação de carga”, completando ainda o §1º do mesmo dispositivo com a
previsão de que “o edital poderá prever ainda a utilização dos seguintes critérios para
julgamento, associado com um ou mais dos critérios previstos no caput: I – maior valor
de investimento; II – menor contraprestação do poder concedente, ou; III – melhor
proposta técnica, conforme critérios objetivos estabelecidos pelo poder concedente”.
A interpretação que predomina é a de que a adoção de outro critério,
estabelecido exclusivamente no edital, não seria possível ainda que diante do
interesse público em manter-se determinada atividade não suscetível ao
enquadramento nos critérios propostos. Com isso, as expressões “isolada” ou
“combinada” do texto legal seriam aplicáveis aos critérios especificados na lei, com
eventual suplementação das estabelecidas no decreto.
No entanto, compete registrar que o universo comercial açambarcado pelo setor
portuário é deveras complexo. Se, por um lado, existem atividades em que a maior
rotatividade, velocidade e volume de transação são cruciais, em outras, a
especificidade parece não permitir a aferição da adequação e competitividade por
esses critérios. É o caso, por exemplo, (i) dos serviços bancários oferecidos dentro
dos portos ou, de outro lado, (ii) do setor de distribuição de gás liquefeito de petróleo
(GLP) ou de (iii) combustíveis de petróleo, comandados pela indústria de upstream,
estas duas últimas, com atividade fortemente regulada pela ANP e, juntamente ao (iv)
agronegócio, fortemente verticalizados para promoção da necessária competitividade
no plano internacional
Quanto aos bancos, seria difícil submeter a atividade aos critérios sugeridos (i)
por não serem mensuráveis pelas métricas de volume, velocidade ou quantidade, (ii)
por serem prestados em ambientes extraportuários, gerando situações de privilégio de
cobrança entre clientes para os mesmos serviços, dependendo da localização da
unidade do banco e (iii) por serem fortemente regulados pelo Banco Central, que
Minuta para Debate e Crítica
estabelece limite às cobranças33. As limitações são de natureza fática. O prestador do
serviço deve escolher se cria assimetrias ilegais entre seus clientes, se desobedece o
ente regulador ou escolhe retirar-se do porto, dificultando o acesso a seus serviços,
muitas vezes cruciais às empresas portuárias.
De forma semelhante, o setor de distribuição de GLP, cuja demanda tende à
inelasticidade e os preços de grande parte da produção são controlados pela ANP,
parece não ser suscetível à sistemática proposta pela legislação. Ou seja, não há
como distribuir “mais botijões”, “mais rápido” ou por “menor tarifa”, dado à
especificidades do setor34-35. Com isso, entende-se que a sistemática proposta na lei
não atende satisfatoriamente as especificidades das atividades de caráter “industrial”
ou de “serviços não portuários”, ainda que prestados dentro da área do porto.
No caso do setor de combustíveis e agronegócio, a verticalização é pressuposto
essencial à competitividade no plano internacional. Ao forçar-se a interpenetração do
sistema logístico desses setores por outros players, a fim de promover uma
“desverticalização”, automaticamente se retira o Brasil da base de competitividade
internacional. Aqui, há de se pensar se a solução proposta não é, em verdade, um
problema.
Além disso, especificamente no setor de combustíveis, os problemas são
variados. Inicialmente, as diversas áreas arrendadas carecem de regularização. Com
contratos de longo prazo, submetidos à mais de uma legislação, existe uma
dificuldade em se definir quais são os termos aplicáveis aos contratos. Na prática, a
lógica é que a área arrendada não gera essencialmente “lucro” para as empresas,
uma vez que na cadeia logística, a movimentação de carga própria pode ser melhor 33 Conforme site http://www.bcb.gov.br/?tarifa, acessado em 18 de março de 2014. 34 Dentre os motivos detectados, destacam-se os registrados pela Resolução ANP n. 15/2005: (i) a impossibilidade de negociar produtos de terceiros, visto que os vasilhames devem ostentar a logomarca da companhia que os distribui, o que impede “ganhos de escala”, (i i) comprovação de quantidades obrigatórias de recipientes, (i i i) custos de logística revers a, dentre outros. 35 Toda e qualquer proposta para o setor de distribuição de GLP deverá levar em conta, ao menos, os seguintes normativos:
a) Resolução ANP nº 14, de 06/07/2006 – Aprimora e atualiza dispositivos constantes da Resolução ANP nº 15/2005 e Portaria ANP nº 242/2000;
b) Resolução ANP nº 42, de 18/08/2011 – Estabelece os requisitos necessários à concessão de autorizações de construção e de operação de instalação de distribuidor de Gás LP;
c) Resolução ANP nº 43, de 18/08/2011 - Adota a Norma NBR 15186 – Base de armazenamento,
envasilhamento e distribuição de Gás LP – Projeto e construção, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, para a concessão de Autorização de Construção (AC) ou Autorização de Operação (AO) parta instalações destinadas à armazenagem de Gás LP.
d) Portaria Inmetro/MDIC n° 681 de 21/12/2012 - Aprovar o aperfeiçoamento dos Requisitos de
Avaliação da Conformidade para Serviço de Inspeção de Recipientes Transportáveis para Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) realizado por Empresas Dis tribuidoras de GLP;
e) Portaria Inmetro/MDIC n° 682 de 21/12/2012 - Aprovar o Regulamento Técnico da Qualidade
para Serviço de Inspeção de Recipientes Transportáveis para Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) realizado por Empresas Distribuidoras de GLP.
Minuta para Debate e Crítica
caracterizada como “custo” do que “receita”, conforme solicitado nos Estudos de
Viabilidade Técnica a ser apresentadas perante a Administração Pública para
propostas de renovação e/ou novos investimentos em áreas arrendadas.
A mudança brusca, que obriga a inserção de uma nova entidade “operadora do
espaço portuário”, que deve lucrar, o custo geral não diminui, mas aumenta. A lógica
proposta pela nova legislação, nesses casos, não tende a promover maior velocidade,
volume e menor preço na prestação dos serviços, mas o maior custo para a
movimentação em portos, provocando justamente o efeito oposto ao desejado pelas
premissas da modelagem da Nova Lei de Portos.
Outro ponto é, neste mercado, a não submissão aos requisitos estabelecidos na
lei. Como o combustível é, em grande parte, entregue por um único player (que define
o preço, a quantidade e a localização da entrega), não é possível a competição entre
os licitantes por “cargas de origem diferentes” e, com isso, competir por quantidade e
preço, fomentando o interesse pela maior velocidade na movimentação de cargas.
Com um único fornecedor de combustível, são mitigadas as variáveis de competição
propostas pela Lei n. 12.815/13 em sistemas interportos, interterminais, restando
apenas a lógica de competição intraporto.
A impraticabilidade das métricas promove o entendimento de que deveria ser
permitido um terceiro modelo, determinado pelo Edital. A princípio, o pagamento de
outorgas não está permitido no texto da Nova Lei de Portos e de seu respectivo
Regulamento, mas talvez fosse pertinente sua adoção para casos específicos, que
não envolvam atividades eminentemente portuárias e que não se submetam aos
critérios propostos. Nesse sentido, os critérios elencados na lei e no decreto seriam
sempre priorizados, mas, em se revelando inaplicáveis, seriam afastados em prol de
solução negociada entre as partes envolvidas e registradas em edital, com a devida
fundamentação36 pela defesa do interesse público, e registrado na Secretaria Especial
de Portos, para a padronização no território nacional.
3.2. Mudanças Necessárias
Diante de panorama tão controverso, com décadas de desencontros, o risco de
se sugerir alternativas já tentadas, e frustradas, é bastante alto. O mercado de portos
não pode ser analisados isoladamente. Sua complexidade está, justamente, na sua
inserção como “indústria de rede”, cuja característica fundamental é a estrita
36 Esta solução parece mais adequada do que a de forçar uma correlação estimada entre a rentabilidade
das empresas do setor com índices de volume, velocidade e preço de “movimentação”, uma vez que a própria movimentação seria praticamente invariável.
Minuta para Debate e Crítica
complementaridade entre os diversos segmentos37 e a complexidade dos universos
por ela compreendidos.
Como já abordado anteriormente, a atual legislação possui consigo pontos muito
positivos, embora também carregue consigo pontos de atenção congênitos que
merecem ser enfrentados com parcimônia. O primeiro deles, configurado pela adoção
de critérios estanques para a aferição de propostas para uma grande (e diversa) gama
de projetos portuários que, nem sempre, se submetem aos mesmos parâmetros de
avaliação.
Ao que parece, a iniciativa na elaboração dos Estudos de Viabilidade Técnica e
Econômica, para os empreendimentos portuários submetidos à nova legislação, tem
dedicado especial atenção na determinação de fatores que relacionem a realidade das
empresas com os índices escolhidos pela legislação. Infelizmente, a notícia que se
tem é que tais estudos, quando referentes a negócios em que os índices da nova
legislação não se aplicam, tentam estabelecer uma relação entre determinados fatores
que, em verdade, não se relacionam38.
3.2.1. Defender o uso do pagamento de outorgas?
De fato, reacender a discussão acerca da parametrização regulatória valendo-se
do pagamento de outorgas, soa, inicialmente, como uma sinalização para o retrocesso
histórico do modelo portuário. A reflexão que fica, no entanto, é se a implementação
de um modelo regulatório pode passar por mecanismos unidimensionais
(verticalização ou desverticalização), sendo natural que uma atividade que concentra
mais de 90% do comércio internacional (e mais de 85% do brasileiro) exija
mecanismos sofisticados e complexos para a gama de cenários que contém.
Nesse sentido, cumpre verificar que o modelo de desverticalização, per se, não
pode ser julgado como “ruim” para o setor. O mesmo não pode ser feito com o
conceito de “verticalização”, o qual garante a competitividade de determinados
37 Do ponto de vista da regulação econômica das indústrias de rede, os autores Baumol e Sidak (Baumol,
W., e Sidak, J. 1994. Toward Competition in Local Telephony, MIT Press, Cambridge, Mass.) sustentam a necessidade de se buscar um ótimo de Paretto entre os atores envolvidos, considerando a tendência ao monopólio natural existente no setor. 38 A correlação, isto é, a l igação entre dois eventos, não implica necessariamente uma relação de causalidade, ou seja, que um dos eventos tenha causado a ocorrência do outro. A correlação pode, no entanto, indicar possíveis causas ou áreas para um estudo mais aprofundado, ou por outras palavras, a correlação pode ser um indício, mas não representa, necessariamente, uma prova cabal.
A ideia oposta, frequente na defesa dos atuai s Estudos de Viabilidade Técnica dos novos portos, é uma falácia lógica denominada “cum hoc ergo propter hoc” (com isto, logo por causa disto). Obviamente, dois eventos que possuem de fato uma relação de causalidade deverão apresentar também uma
correlação. O que constitui a falácia é o salto imediato para a conclusão de causalidade, sem que esta seja devidamente demonstrada.
Minuta para Debate e Crítica
setores. Em ambos os casos, o conceito de “bom” ou “ruim” está diretamente ligado ao
atingimento da meta de “proteção da competitividade”, o que pode ser dar no plano
interno (mercado nacional) quanto no plano externo (mercado internacional), trazendo
consequências diferentes para cada um dos segmentos que se analise.
Uma da opções é, portanto, estabelecer o foco no cliente final.
A defesa do conceito de “pagamento de outorgas” só faz sentido se for possível
definir o panorama no qual se insere. O atual desafio é estruturar, de maneira
confiável e paulatina, um sistema que se interliga com outros modais que ora são
pensados verticalizadamente e ora são pensados desverticalizadamente e
desembocam, por fim, no porto. Ou seja, a discussão que se pretende deveria, com
certeza, ter impactação em outras reflexões que, nesse momento, não cabem nestas
linhas.
A definição do panorama, no entanto, pode (e deve) ser feito dentro de um
estudo de Análise de Impacto Regulatório (“AIR”) o qual deverá aferir, por fim, se a
verticalização ou desverticalização de determinado setor traz, para o destinatário do
produto final transportado, o benefício da eficiência supostamente gerada com a
solução que se aplique, poderia ser demonstrada por meio de estudos econômicos,
considerando o ponto de vista do cliente destinatário do serviço de transporte.
Isso quer dizer que a solução verticalizada pode gerar preços menores para o
cliente final? Eventualmente sim. Isso quer dizer que sempre será verdade que,
apesar de gerar preços menores, isso será desejável? Não.
A discussão que se impõe é justamente aquela que verifica se o
desmembramento da cadeia, promovendo a busca de lucro em cada etapa, consegue
ganhar escala suficiente para que o preço final seja menor do que a cadeia
verticalizada. Ou seja, a cadeia verticalizada, caso opere com ineficiência, deverá ser
desmembrada, pois impede o ganho de escala em cada etapa da cadeia, promovendo
um lucro menor a serviço de interesses antieconômicos que prejudicam a aproximação
de um cenário de concorrência perfeita.
3.2.2. Serviço Público ou Serviço de Interesse Público?
A discussão parece mais sutil do que a que tem se travado nos espaços de
debate. Não se trata apenas de propor à Administração Pública mais soluções
maniqueístas. Obviamente, um modal de tamanha importância estratégica para o
Estado, embora só exista por conta dos anseios dos mercados liderados pela iniciativa
privada, será fortemente regulado. Como estabelecer um limite razoável entre as
matizes de interesse ali presentes?
Minuta para Debate e Crítica
O primeiro ponto de acerto na Nova Lei de Portos foi a retirada de quaisquer
restrições à movimentação de cargas por Terminais Privativos. Com isso, a celeuma
travada nos tribunais entre a possibilidade de privados movimentarem cargas de
terceiros foi superada, ficando a expectativa de que a Administração Pública preferisse
a movimentação por meio de portos privados. O que não foi o caso.
As escolhas políticas dos últimos anos tem demonstrado preocupação com a
ponderação de interesses entre o capital e o social. Diante do receio de que a mão de
obra portuária fosse demasiadamente desvalorizada frente ao ganho de eficiência dos
portos (o que, em um primeiro momento, geraria desemprego), preferiu-se um sistema
híbrido com Portos Públicos e Privados trabalhando lado a lado. A expectativa inicial
logo foi frustrada, pois com o Governo elevando o valor da mão de obra portuária
artificialmente, o equilíbrio econômico seria “magnetizado” e não se daria na linha de
equilíbrio natural.
No entanto, tal linha foi ainda mais deslocada do que seria seu ponto natural de
equilíbrio. Em movimento recente, a ANTAQ submeteu à consulta pública as minutas
de Resolução n. 3707 e 3.708 de 2014. A primeira, dedicando-se a tratar da
“prestação de serviço portuário em bases não discriminatórias e a utilização
excepcional de áreas e instalações portuárias concedidas, arrendadas ou autorizadas,
na forma que especifica” e, a segunda, regulando a “exploração de áreas e instalações
portuárias no âmbito dos portos organizados”.
A leitura de ambos os documentos é valiosa e revela, novamente, a intenção da
Administração Pública em garantir acesso de todos os possíveis clientes a portos e
terminais e, por outro lado, incentiva a maior concorrência em licitações públicas em
áreas portuárias. Mas, será que os normativos efetivamente conseguirão seus
respectivos objetivos?
As digressões sobre tais intentos merecem documento específico. Apesar disso,
cumpre registrar que a inicial liberdade de contratar e investir em infraestrutura
portuária, incentivado pelo modelo proposto com os Terminais Privados da Nova Lei
de Portos, passaram a enfrentar os mesmos (históricos) problemas dos terminais
públicos a partir da regulação proposta pela ANTAQ. A impressão que fica é a de que
a iniciativa privada pode transportar cargas de terceiros, desde que se enquadre em
um modelo ineficiente de gestão de portos. Com certeza, esse não foi o objetivo das
mudanças carregadas no âmbito da nova legislação.
Embora a pressão histórica seja no sentido de conferir mais liberdade às
atividades portuárias, fato é que a Administração permanece adotando o enfoque de
“serviço público” aos portos públicos, o que não merece prosperar. Ocorre que,
embora todas as premissas sejam, de fato, legítimas (defesa da excessiva
Minuta para Debate e Crítica
desvalorização da mão de obra, prevenção ao desemprego, garantia do acesso ao
porto etc.) a execução por meio de condutas positivas acaba por inviabilizar a própria
existência do panorama necessário à implementação da solução.
Nesse sentido, a não ser que se pense o serviço portuário como um serviço
público (e, portanto, suscetível à concessão e não à autorização39) não parece
recomendável que a métrica para a sua execução se dê pelas limitações existentes a
tal instituto. Ou seja, não parece fazer sentido que a legislação libere os terminais
privados das amarras do OGMO para, novamente, faze-lo por via indireta, impondo
ainda outras limitações de caráter mais restritivo, fulminando o modelo inicialmente
pensado e negociado com excessos e apegos à premissas infundadas.
Pensar o modelo por um prisma híbrido demanda a ponderação e a
implementação de modelos igualmente híbridos. Nesse sentido, tendo-se em vista que
o atual modelo prevê, principalmente, a cisão entre portos públicos e portos privados,
há de se considerar que, para o segundo, deve existir maior susceptibilidade às leis do
livre mercado. Ou seja, no porto público, haveria o tratamento dado aos serviços
públicos e, nos portos privados, o tratamento de serviços de “interesse” público, mas
de caráter eminentemente privado.
3.3. Propostas de modelos
Tomando-se por base a proposta aqui apresentada, existiriam, pelo menos, dois
tipos de abordagem, quais sejam (i) a do porto público, cuja administração é tratada,
para fins regulatórios, como serviço público, e (ii) a do porto privado, regulado como
serviço de interesse público, embora totalmente privado. Aqui, cabe entender quais
seriam os intentos e vantagens da coexistência de ambos os modelos, bem como qual
seriam as eventuais dificuldades a serem enfrentadas por meio da regulação.
Inicialmente, a principal vantagem na adoção de uma abordagem híbrida é a
possibilidade de se aproveitar o valioso trabalho desenvolvido até o momento. Frise-se
que, embora existam inúmeras sugestões, fato é que o esforço de debruçar-se sobre o
tema para a construção de propostas efetivas é, historicamente, ingrata. O trabalho
desenvolvido para a proposição da Lei n. 12.815/13 merece parcimônia, já que é fruto
de reflexões de inúmeros setores do mercado.
Além disso, há de concordar que as premissas são legítimas. Defesa dos
empregados portuários, amplo acesso à infraestrutura, vedação à ocupação
especulativa de áreas portuárias, exigência de investimentos para ocupação do porto,
39 Nos termos do art. 175 da Constituição Federal.
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integração e promoção da navegação de longo curso e de cabotagem, como defender
que, seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista da conformidade
constitucional, tais ensejos são, de fato, inerentes à uma democracia?
Discorde-se, portanto, dos meios, mas não dos fins.
3.3.1. Portos Públicos
Entendendo-se que os portos públicos permanecerão como infraestruturas
necessárias à estratégia econômica nacional, caminho natural que parece fazer
sentido é a utilização das parcerias público-privadas, inauguradas pela Lei n.
11.079/07 (“Lei de PPP”) para a concessão dos mesmos40.
Com isso, a preocupação com a “maior movimentação, mais barata e rápida”
poderia ser incentivada já na modelagem adotada para o edital de licitação. Os
incentivos econômicos à eficiência fariam com que a própria concessionária
desenvolvesse soluções que tornassem a competição interterminais (intraporto) maior,
com consequente aumento da competição interportos. O “empreendimento” público-
privado estaria em harmonia com o pensamento inicial da norma, que parece sempre
ter sido o de conceder “o Porto” e não “os terminais” isoladamente.
Experiência semelhante a essa é a atualmente desenvolvida com as concessões
aeroportuárias. Nesses casos, o edital de licitação estabelece metas a serem obtidas e
métricas para medir a evolução na consecução das metas contratuais. Existe, ainda, a
possibilidade de que o parceiro privado seja incentivado a superar as metas, dividindo
com a Administração Pública o resultado excedente de seu próprio empenho
(compartilhamento de resultados) e, com isso, acabe ainda por dispensar qualquer
subsídio que, eventualmente, venha a ser necessário no início das operações.
A legislação da PPP ainda promove outras vantagens ao modelo, como a
necessidade de que se constitua uma Sociedade de Propósito Específico (“SPE”) para
a gestão do empreendimento e controle das decisões de negócio. Outros pontos como
a constituição de garantias em favor do concessionário e os step in rights em favor dos
financiadores tornam a estrutura suficientemente sofisticada para a gestão de
empreendimentos tão complexos. Outras tantas vantagens serão exploradas em
outros textos, cujas linhas serão mais pródigas do que as que ora dedicamos ao
assunto aqui.
40 Sobre o assunto, ler excelente obra de PRADO, Lucas Navarro e RIBEIRO, Maurício Portugal. Comentários à Lei de PPP – Fundamentos Econômico-Jurídicos, Editora Malheiros, São Paulo, 2007.
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3.3.2. Portos Privados
Em paralelo, os portos privados estariam totalmente livres para gerir a própria
infraestrutura e operar cargas próprias e de terceiros. A ideia, nesse sentido, é que por
meio de autorizações (justificáveis, a fim de que o planejamento não seja
comprometido) os portos privados passem a ser um mercado altamente competitivo
para permitir o escoamento da produção brasileira. Com isso, permitir que mais
empresas ingressem no país e invistam no mercado nacional.
Aqui, a experiência da aviação também é valiosa. Os aeroportos privados,
atualmente impedidos de operar voos comerciais, são um mercado potencial
relevante, cuja abertura para o atendimento de demandas reprimidas tem sido
recebida com bastante simpatia pelo governo41. Novamente, se faz importante
registrar que a regulação é imprescindível para garantir a segurança das operações,
mas a maturidade da economia brasileira tem permitido que o braço estatal se recolha
sem causar um desatendimento de setores que, no passado, necessitavam de
estímulo ao investimento.
Aqui, sugere-se que os portos privados sejam tratados como infraestrutura
privada operando serviço de interesse público (mas não serviço público stricto sensu),
que merecerá regulação para garantir a segurança dos trabalhadores, clientes e da
própria carga movimentada em tais portos.
4. CONCLUSÃO
As recentes mudanças inauguradas pela Lei n. 12.815/13, que pareciam garantir
ao setor portuário mais liberdade do que anteriormente vivenciava, tem encontrado
alguma resistência no âmbito de normativos infralegais, o que parece revelar
desalinhamento entre o que se pensou inicialmente para o setor e o que, de fato, vem
sendo implementado. Com isso, é necessário um momento de reflexão para que, em
nome de premissas válidas e razoáveis, não se acabe por fulminar um intento que,
verdadeiramente, viabilize a consecução dos objetivos almejados.
Fato é que o país tem conseguido, não sem sacrifícios, desenvolvimento
econômico considerável, o que já o salvou de abalos econômicos mundiais e o revelou
como grande potencial destinatários de investimentos internacionais. Nesse sentido, o
41 Como confirma reportagem no site institucional do Governo Federal d isponível em
http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2014/05/governo-estuda-autorizar-aeroportos-privados-a-operar-voos-comerciais, acessado em 02 de janeiro de 2015.
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setor portuário, responsável por mais de 80% de todo o escoamento de produtos
nacionais, mereceu atenção especial do governo.
Diante da tendência de mudança, o cenário regulatório foi subitamente
congelado com o julgamento dos editais de licitação portuário no TCU. Com
numerosas manifestações contra a implementação do modelo, que tem caminhado no
sentido de tornar-se ainda mais ineficiente, os debates a respeito das alternativas foi
reaberto.
Fato é que, em um mercado maduro, com tantos interlocutores interessados na
realização de investimentos (paralisados há mais de ano, por conta do julgamento),
parece fazer muito pouco sentido carregar o orçamento estatal com dispêndios que,
facilmente, poderiam ser feitos pela iniciativa privada. Com isso, importa inaugurar-se
uma nova abordagem do tema, já adiantada em outros setores e que permanece,
ainda, muito tímida no setor portuário: é necessário atrair investimentos privados e
liberar o setor para o desenvolvimento econômico natural.
Não se tem a pretensão de, com as propostas aqui registradas, desmerecer todo
o trabalho que vem sendo realizado no intuito de regular um mercado historicamente
problemático, ao contrário. O que se pretende neste breve trabalho é convidar o setor,
novamente, à reflexão e desenvolvimento de soluções não pensadas (ou impossíveis)
em momento anterior. Fato é que o Brasil precisa, novamente, abrir seus portos às
nações e aos investimentos amigos, posicionando-se, internacionalmente, como a
economia forte que se potencializou nos últimos anos.