NOTÍCIAS ON-LINE: A CONSTRUÇÃO DE … · INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número...
Transcript of NOTÍCIAS ON-LINE: A CONSTRUÇÃO DE … · INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número...
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
1
NOTÍCIAS ON-LINE: A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS POR MEIO
DAS ESCOLHAS DE TEMAS E FIGURAS
Wallison Tiago Rocha*
Eliane Aparecida Miqueletti**
RESUMO: Este artigo expõe o resultado da investigação que verificou como jornais on-line da região de
Dourados construíram a notícia sobre o caso de gravidez de uma menor indígena. Selecionamos seis
textos de portais diferentes: Dourados News, Jornal do Estado, Grande FM 92,1, Itaporãnews.com,
Falandotudo.com, Topmídianews. Nas análises, destacamos as escolhas de temas e de figuras presentes
em títulos, subtítulos, legendas e fotografias. Utilizamos como embasamento teórico principal a
semiótica francesa, teoria que se preocupa com a estruturação da significação em todo e qualquer texto,
entre os percursores da vertente no Brasil destacam-se Fiorin e Barros. Além disso, leituras sobre o texto
jornalístico – Lage (2004), Rossi (2005) – e sobre a análise de imagem – Pietroforte (2004), Barthes
(1984; 1986) e Xavier (2005) – fizeram-se necessárias para complementar o exercício analítico. De
maneira geral, foi possível destacar que os jornais construíram as notícias com ênfase nos temas ligados
à infância, à gravidez, ao abuso sexual, recobertos pela mobilização de figuras como urso, boneca, flor
que constituem em estratégias para chamar a atenção dos leitores ao atingir o emocional.
RESUMEN: En este artículo se exponen los resultados de la investigación que verifica como los
periódicos en línea de la región de Dourados construyeron las noticias sobre el caso de embarazo de una
menor indigena. Hemos seleccionado seis textos de diferentes portales: Dourados News, Jornal do
Estado, Grande FM 92,1, Itaporãnews.com, Falandotudo.com, Topmídianews. En el análisis, podemos
destacar la elección de temas y figuras presentes en titulos, subtitulos, leyendas e imágenes. Utilizamos
como base principal la teoria Semiótica francesa, teoría que se refiere a la estructuración del significado
en cualquier texto, entre los precursores de la pendiente en Brasil, destacan: Fiorin e Barros. Además,
las lecturas periodísticas sobre el texto – Lage (2004), Rossi (2005) – y en el análisis de la imagen –
Pietroforte (2004), Barthes (1984; 1986) e Xavier (2005) – Fueron necesarias para complementar la
actividad analítica. En general, es posible resaltar que los periódicos han construido las noticias con un
énfasis en temas relacionados con la infancia, embarazo, abuso sexual, cubierto por la movilización de
figuras como oso, muñecas, flor que se constituyen en estrategias para llamar la atención de los lectores
para lograr el emocional.
PALAVRAS-CHAVE: Semiótica francesa. Notícias. Temas e figuras.
PALABRAS CLAVE: Semiótica francesa. Noticias. Temas y figuras.
INTRODUÇÃO
A ciência e o jornalismo são duas grandes forças da
Humanidade (CALVO HERNANDO).
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
2
A epígrafe deste trabalho coloca no mesmo patamar de importância os dois segmentos
que marcaram/marcam a história de desenvolvimento da sociedade: a ciência e o
jornalismo, cada um deles, com suas especificidades, acompanham e, de certa forma,
retratam e influenciam direcionamentos da sociedade ao atuarem sobre os conceitos, as
opiniões. Ciência e jornalismo investigam fatos com o intuito de encontrar explicações e
apresentá-los como verdade. A primeira faz isso de forma mais sistemática e
controlável, classificando e organizando o conhecimento sob uma base de princípios
explicativos. O segundo procura provas, nem sempre tão controláveis, mas também
tendo em vista determinada objetividade e a construção de efeitos de verdade.
Com a atenção voltada para o jornalismo, a partir de bases teóricas da Semiótica
francesa e de outras leituras ligadas ao texto jornalístico, trabalhamos com seis notícias
publicadas em jornais on-line atentando para as “verdades” construídas no relato do
mesmo fato: a gravidez de uma indígena de dez anos, moradora na reserva indígena do
município de Dourados-MS. Nosso enfoque será nas escolhas dos temas e das figuras
recorrentes para o arranjo de determinado efeito de sentido sobre a gravidez da menor
indígena, sobretudo na construção de título, subtítulo, legenda e fotografia que as
acompanham. Partimos da hipótese de que, em casos como esse, envolvendo menores,
há uso de recursos que recorrem à mobilização da emoção para argumentar.
A escolha do corpus surgiu diante da ênfase dada pela mídia local ao acontecimento e o
critério de seleção dos textos divulgados foi a presença de imagens. Na época, o fato
repercutiu nas discussões da população douradense que vive em uma região marcada
pela aproximação territorial e interpessoal entre indígenas e não indígenas, do total de
quase 200 mil habitantes, mais de 14 mil são indígenas, alguns já residentes na zona
urbana e a maioria na reserva indígena de Dourados, ligada ao perímetro urbano.
Nesse contexto, ocorrências são evidenciadas pela mídia local que constrói seus
discursos intermediados pelo seu olhar, ou melhor, de acordo com suas observações,
seleções, recortes e reconstruções dos fatos que são expostos em gêneros como as
notícias, por exemplo, comumente utilizadas pelos jornais on-line por serem mais
objetivas e de rápida leitura. Eles recorrem a recursos textuais/discursivos para fazer-
saber aos enunciatários – leitores – tendo em vista determinados objetivos e construções
de sentido. Entre esses recursos está a escolha de temas e de figuras.
Na seção a seguir, realizaremos algumas considerações sobre as bases teóricas que
sustentarão nossas análises.
1 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
A Linguística é concebida como ciência, preocupada em descrever os fatos da língua,
sobretudo a partir de Saussure e a publicação do Curso de Linguística Geral. Língua
estudada como “objeto de natureza concreta” ligada à escolha dos signos, “objetos
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
3
reais” próprios do uso individual e coletivo (SAUSSURE, 2006). No mesmo texto, o
autor indica a necessidade de uma ciência para o estudo de todo e qualquer signo, a
Semiologia, dentro da qual estaria a Linguística.
Com o passar do tempo, a palavra semiótica surge para diferenciar-se semiologia
proposta por Saussure, esta partia da preocupação com a unidade (semas, semema). Por
outro lado, a semiótica parte da ideia de relação, a unidade é o resultado da relação, por
isso não é preciso descobrir unidades, mas as relações que significam em um texto.
A Semiótica desenvolve-se em vários países, sofre influência de outras áreas, como a
antropologia, por exemplo, segmenta-se em direcionamentos diferentes, amplia sua
abrangência, “[...] torna-se uma teoria da significação, que tem por escopo descrever a
produção e a compreensão do sentido, e não uma teoria do signo” (FIORIN, 1999, s/p).
A vertente basilar deste artigo é a da Semiótica francesa. Conforme apresenta Hénault
(2006), ela é entendida dentro de seu percurso histórico, em síntese é o resultado de
contribuições da Linguística de Saussure e Hjelmslev, da Antropologia de Levy Strauss,
da teoria dos contos de Propp e da fenomenologia de Merleau-Ponty sistematizadas por
Greimas. Ciência que tem por objeto de investigação a significação de todo e qualquer
texto, seja ele verbal, não verbal ou sincrético (a união entre verbal e não verbal na
construção do sentido).
Para a semiótica francesa, o texto é um todo de sentido a partir da junção do plano de
conteúdo – estruturado na forma de percurso gerativo – e o plano de expressão – as
formas de manifestação do conteúdo. Construção que pode ser abordada a partir de dois
pontos de vista complementares: a análise dos mecanismos internos, sintáxicos e
semânticos, responsáveis pela produção do sentido – texto como objeto de significação
– e a análise do discurso como objeto cultural, produzido a partir de certas
condicionantes históricas e sociais, em relação dialógica com outros textos – texto como
objeto de comunicação. Barros (1997, p. 7- 8) salienta que o texto só existe levando em
consideração essa dualidade, a construção do sentido “[...] só pode ser entrevisto como
o exame tanto dos mecanismos internos quanto dos fatores contextuais ou sócio-
históricos de fabricação de sentido”, dessa maneira é possível explicar não só “o que” o
texto diz, mas, também, o “como” ele diz o que diz.
De maneira geral, com o intuito de dar conta de analisar as escolhas para a estruturação
dos sentidos, Greimas propõe analisar diferentes graus de abstração a partir de três
patamares que vão do mais abstrato ao mais concreto, constituindo o simulacro
metodológico chamado de percurso gerativo de sentido. Em síntese, no fundamental
encontra-se a base do sentido estruturado a partir de valores contrários; no narrativo
estão os sujeitos e os objetos envolvidos, junto a eles as mudanças de estado, as
transformações, o estabelecimento e as rupturas de contrato; já no discursivo, o mais
próximo da manifestação textual, parte-se da instância da enunciação revelando os
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
4
valores para o qual o texto foi construído. A análise recai nas formas de instauração de
tempo, pessoa e espaço no enunciado para a construção de determinado efeito de
sentido, assim como a recorrência dos temas e figuras que recobrem a semântica do
nível discursivo, foco de nossas investigações neste trabalho.
As figuras representam termos que se ancoram em algo do mundo natural para recobrir
os temas, que organizam os elementos do mundo em conceitos, e a análise da seleção
revela pistas das intenções do sujeito da enunciação. Barros (1997, p. 68) estabelece
que: [...] “o sujeito da enunciação assegura, graças aos percursos temáticos e
figurativos, a coerência semântica do discurso e cria, com a concretização figurativa do
conteúdo, efeitos de sentido sobretudo de realidade”. A tematização e a figurativização
correspondem aos processos de construção semântica do nível discursivo e revelam o
objetivo do texto, ou seja, os sentidos pretendidos por meio de escolhas intencionais do
enunciador do texto.
É com o auxílio principalmente das figuras que muitas vezes o sujeito da enunciação
tenta assegurar o efeito de verdade nos textos, exerce seu fazer persuasivo, procura fazer
com que o enunciatário aceite o que está dizendo. Deste modo, pela interpretação dessas
escolhas é possível verificar o direcionamento interpretativo do texto, por isso a
importância de seu exame.
Contribuindo com esses objetivos, destacamos o uso das fotografias que acompanham
as notícias. Falar em fotografia ligada ao jornalismo é pensar, principalmente, que ela
deve arrebatar a atenção do leitor. Lage (2004) esclarece que a fotografia tornou-se o
primeiro instrumento mecânico para registro analógico da realidade. Inicialmente ela foi
introduzida nos jornais impressos para quebrar a forma monótona dos textos gráficos e,
atualmente, a prática é considerada tão especializada que há diferenciação entre o
repórter fotográfico e o repórter de texto. Nesse âmbito, Lage (2004, p. 26) destaca que
fotografia jornalística é uma “atividade especializada”, pois “trata-se de selecionar e
enquadrar os elementos semânticos de realidade de modo que, congelados na película
fotográfica, transmitam informação jornalística”. Pela fotografia é possível mais do que
ilustrar uma realidade, ela representa um recorte da realidade que, dentro de
determinado contexto de atuação, auxilia no todo de significação.
No capítulo “El mensaje fotográfico” do livro Lo obvio y ló obtuso, Barthes (1986, p.
35), faz algumas considerações sobre a mensagem fotográfica, destacando que: “[...]
toda imagem é polissêmica, implicando, subjacente aos seus significantes, uma „cadeia
flutuante‟ de significados, dos quais o leitor pode escolher alguns e ignorar os outros”i.
O autor propõe uma relação entre a imagem e a palavra, determinando que as mesmas
possuam duas funções: a de ancoragem e a de etapa:
[...] quando as palavras explicam o que se passa nas imagens, como nas
legendas das fotos jornalísticas, o verbal cumpre a função de ancoragem;
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
5
quando entre palavra e imagem há uma relação complementar, que se resolve
na totalidade da mensagem, como nos diálogos das histórias em quadrinhos,
o verbal cumpre sua função de etapa (BARTHES,1984, p. 32-33).
Dada a sua importância, esse e outros aspectos ligados à imagem na construção de
notícias serão abordados na seção a seguir, sendo outras contribuições teóricas
requisitadas para melhor exploração de sua construção.
2 ANÁLISE DE NOTÍCIAS: ESCOLHAS QUE SIGNIFICAM
Os meios de comunicação de massa, entre eles o jornalismo, exercem considerável
influência sobre a opinião, as crenças, os comportamentos das pessoas. Segundo Rossi
(2005, p. 7), o jornalismo é “[...] uma fascinante batalha pela conquista das mentes e
corações de seus alvos: leitores, telespectadores ou ouvintes”. Batalha que o autor
destaca como sendo “geralmente sutil” a partir das armas que as múltiplas linguagens
possibilitam: palavras, sons, imagens, estrategicamente arranjadas, elas auxiliam na
divulgação das informações e na manutenção da credibilidade sobre os fatos narrados.
Nas notícias dos jornais on-line isso não é diferente. Destacamos que a notícia é um
gênero que tem como característica a maneira objetiva de abordagem de um fato que é
novidade no momento, em um texto de extensão menor do que a reportagem, muitas
vezes apenas aponta o ocorrido. Como explica Lage (1979, p. 36) a notícia é: "[...] o
relato de uma série de fatos a partir do fato mais importante, e este, de seu aspecto mais
importante”.
Nesse sentido, os textos selecionados basicamente organizam-se em torno da mesma
narrativa: uma indígena de dez anos está internada no Hospital Universitário de
Dourados para dar a luz ao filho, cogita-se que a gravidez tenha sido fruto de um
estupro ocorrido a caminho da escola; versão confirmada por depoimentos da mãe e tia
da menina relatados nos textos, em discurso indireto. A menina representa um sujeito de
estado que sofre o abuso e fica grávida, as notícias evidenciam e colocam em suspeita,
ou melhor, para a reflexão do leitor, a situação de perigo em que vivem, sujeitas a
perderem sua infância ao serem violentadas e tornarem-se mães. Uma narrativa mínima
que pode ser considerada de desfecho inconcluso se considerar que integra uma
narrativa maior na qual outros casos como esses são narrados.
Cabe informar que apenas uma das notícias selecionadas, a do Topmídianews, foge a
essa sequência por tratar do falecimento do bebê, mas foi por nós escolhida tendo em
vista a conclusão do fato. No conjunto, percebemos que há o destaque para o percurso
do sujeito bebê, com pouco tempo de vida ele entra em disjunção com a vida, morre
asfixiado, motivo que também é colocado sob suspeita, mais uma vez polemizando a
situação e, implicitamente, levando a pensar sobre a falta de responsabilidade de ter
filhos com pouca idade. Passamos para as análises, apresentando as notícias na
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
6
sequência de datas em que aparecem. O enfoque será nos efeitos de sentido em torno do
assunto, dados por escolhas presentes nos títulos, subtítulos, legenda e fotografias. Ao
final, o destaque é para determinados temas e figuras que estão implícitos nessas
escolhas.
Na primeira notícia, publicada no dia 12/02/2014 pelo Jornal on-line Dourados News,
temos o título: “Criança de 10 anos dá a luz em hospital douradense”. Nele observamos
a escolha da designação para o sujeito envolvido no caso “criança de 10 anos”,
remetendo ao assunto principal: a gravidez na infância. O título se junta à imagem que
acompanha a parte verbal, a barriga de uma grávida. Vejamos:
Figura 1: Criança de 10 anos
Nessa imagem, como nas demais, por se tratar de uma menor de idade, não há
exposição do rosto, sendo o foco a barriga, por isso, a blusa é curta ou está levantada e
as mãos estão numa disposição (a esquerda na parte frontal da barriga e a direita na
cintura) que auxiliam na intensificação proporcionada pela lateralidade do ângulo da
câmera, a “câmera baixa” (ou contra-plongée)ii. Cena vista de baixo para cima, de um
nível inferior; ângulo usado para sugerir relações de superioridade, neste caso o enfoque
serviu para ilustrar o tamanho da barriga em gestação e, de certa forma, parece indicar a
dificuldade que uma criança pode ter ao carregar um bebê no ventre.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
7
A fotografia, mais destacada graficamente na notícia, projeta um significado maior do
que as informações contidas na parte verbal, pois, “representa” o real, apesar de a foto
ser ilustrativa como consta abaixo da imagem indicando a fonte como arquivo. A
imagem chama a atenção do leitor, instigando-o a pensar sobre o assunto destacado pelo
título. Como aponta Discini (2005, p.91), o que se reconhece hoje como fotojornalismo
ganha reconhecimento diante da sua força de convencimento: “um gênero do jornalismo
em que as informações são codificadas em linguagem fotográfica, não em linguagem
verbal”. Compõe o conjunto de escolhas para a construção do todo de sentido que,
discursivamente, faz, nesta notícia, referência aos temas infância, gravidez precoce,
ancorada nas figuras: barriga, menor de idade, criança de 10 anos.
No dia seguinte, o Jornal do Estado publica a notícia com a mesma imagem, mas o
título coloca em evidência o ato do estupro: “Menina de 10 anos abusada a caminho da
escola é internada para ter bebê do estuprador”.
Em comparação ao anterior, notamos que a carga informativa recai não só na gravidez
da menor, mas na possível causa, no local do ocorrido e no possível causador:
“menina”, “abusada”, “a caminho da escola”, “bebê do estuprador” são sequências que
impulsionam o olhar crítico diante dos fatos. Dentro disso, acresce a figura da escola e o
tema estupro. Segue a reprodução para melhor visualização:
Figura 2: Menina de 10 anos
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
8
É compreensível o destaque dado à fotografia nessas construções, já que ela tem a
capacidade de atingir um maior número de público, chamar a atenção pelo olhar, fisgar
o leitor que, seduzido, possivelmente passará para a leitura da parte verbal, quiçá,
acompanhará o desenrolar do caso e poderá tornar-se consumidor daquele veículo de
informação. Para tanto, Lima (1988, p.17) afirma que a fotografia, principalmente nos
jornais, completa “os vazios” dos textos e vice-versa “Qualquer notícia acompanhada de
uma fotografia desperta mais interesse do que outra notícia sem imagem”.
No que se refere à relação entre o texto verbal e a imagem, Barthes (1984) destaca duas
funções: a ancoragem e a etapa. A ancoragem implica a redução da polissemia da
imagem no texto e na função de etapa, verbal e imagem complementam-se na
construção do sentido.
Ao analisarmos a fotografia que acompanha as duas notícias, verificamos que mantem,
de certa forma, com a parte verbal, a função de ancoragem, pois “representa” a menina
grávida metaforizando o caso específico tratado. No entanto, entendendo que ela amplia
a reflexão em torno do assunto “gravidez na menor idade”, a relação é de etapa, pois
completa o sentido que se pretende por em evidência na parte verbal.
Seguindo a repercussão do acontecimento, a terceira notícia selecionada foi publicada
também no dia 13/02/2014, pela rádio Grande FM 92,1, uma das mais ouvidas na
região de Dourados e que também possui sua página on-line. Com o título “Vítima de
abuso: Criança de 10 anos dá a luz em hospital douradense”, o enunciador emite o juízo
de valor ao classificar o sujeito central, inserido no início da construção do título, como
“vítima de abuso”.
No subtítulo lemos: “A criança está em um leito do hospital com a mãe”, novamente o
termo “criança” é usado para enfatizar a gravidade do fato e parece confundir o leitor
que já não sabe se está se referindo ao bebê que nasceu, ou à mãe, que também é uma
criança. Ao ler o texto, notamos que remete à filha que nasceu e não mais à criança do
título da notícia. Há uma ênfase à passagem da criança grávida para o estado de mãe.
Aliada à fotografia, temos a seguinte construção:
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
9
Figura 3: Vítima de abuso.
Na fotografia, para manter o sigilo na identificação da menor, seu rosto é coberto por
uma boneca, uma das figuras que representam a infância e que nesta cena precisa dividir
espaço com a barriga. Dessa forma, o enunciatário do texto visual parece jogar com o
sentido entre: deixar de brincar com um bebê de mentira, para brincar com um de
verdade que está por vir na barriga abaixo da boneca.
Na composição da imagem, assim como percebemos nas anteriores, o plano usado é o
“de conjunto”, a câmera focaliza o conjunto de elementos envolvidos na ação, figuras
humanas e parte do cenário que nesta publicação ganha mais abertura levando-nos a
identificar, em segundo plano, uma casa simples, sugerindo a moradia da menina
grávida. O ângulo continua sendo em contra-plongée, com enfoque de baixo para cima,
um pouco mais frontal, intensificando o tamanho da barriga. O olhar é inserido como
foco “[...] ativo e origem do sentido: a visão monocular da câmera […] é baseada num
ponto fixo do qual se organizam os objetos vistos [...]” (XAVIER, 2005, p. 152), dessa
forma, determina-se a posição do sujeito que olha e do sujeito observado, a realidade é
acentuada no visível, nessas notícias o enunciador salienta a infância perdida.
No mesmo dia, o Itaporã News, publica a notícia com destaque semelhante ao das
anteriores: o estupro da menor e o nascimento da criança. Vejamos:
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
10
Figura 4: Criança de 10 anos estuprada
No título, o uso dos verbos “é”, “dá”, ambos no presente, fundem o tempo cronológico
entre o ato do estupro e a entrada no hospital, o que pode deixar a leitura confusa. E,
completando o sentido do primeiro olhar para a notícia, a imagem, que já não é a mesma
das duas anteriores, contradiz a violência estampada pelo título, ao mostrar o gesto de
amor da mãe.
Na composição imagética, o enfoque está no conjunto composto pelo signo que
representa a gestação, a barriga, e no gesto da menina que, com as mãos, forma um
coração, símbolo do amor, tendo o sentido completado pela palavra “mamãe” escrita,
com batom vermelho, na barriga. Apresentada a partir de um posicionamento de ângulo
mais frontal, a composição representa o amor maternal, mesmo diante da situação da
gravidez na menor idade.
De maneira geral, verificamos que na seleção das fotos que compõem essas notícias, há
um apelo sentimental. É mobilizando o que a Semiótica chama de sensível que os
enunciadores conseguem chamar a atenção dos leitores, sensibilizam e persuadem sobre
o assunto retratado. O foco da câmera para a barriga, para o gesto em forma de coração
com as mãos, ou para a boneca, na figura 3, destacam figuras que devem ser entendidas
como algo “importante” para o leitor. Os jornalistas utilizam estratégias persuasivas
para não só divulgar uma informação, mas atingir a dimensão emotiva fazendo com que
o leitor fique atento, reflita e interesse-se pelo assunto; enfim, seja manipulado.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
11
Acompanhando as notícias do dia 15/02/2014, o jornal on-line Falandotudo.com
publica: “Garota de 10 anos dá à luz e polícia investiga o caso como estupro”. Notamos
que nas notícias anteriores o termo “garota” não havia aparecido. Este enunciador
sugere o estupro de forma mais cautelosa e na progressão da divulgação do caso
podemos notar uma nuance mais investigativa, como fica indiciado na temática
“investigação policial”. Segue a notícia:
Figura 5 - Garota de 10 anos
Na análise da foto, muito próximo ao efeito da notícia publicada pela Grande FM,
temos a barriga da gestante e a figura urso, inserida na frente da barriga, indica que a
criança ainda brinca e a vestimenta íntima, de cor branca, simbolizando a inocência. A
câmera com posição de foco lateral retrata o tamanho da barriga, disposta na mesma
altura dos olhos do observador/leitor, coloca-se para sua análise. Compondo o cenário,
ao fundo, notamos uma imagem desfocada, pelos tons claros pode se tratar de ser um
quarto infantil, respaldando o efeito ligado ao tema da gravidez na infância. Remetendo
novamente a Barthes (1984, p. 33), imagem e texto verbal se complementam: “há no
modo de ancoragem em que o verbal reduz a polissemia da imagem, explicando-a; e há
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
12
o modo de etapa, em que o verbal e a imagem „são fragmentos de um sintagma mais
geral‟”.
Por fim, temos a notícia publicada pelo jornal on-line Topmídianews, publicada em
11/03/2014, que não trata diretamente do caso de gravidez, mas da morte do bebê:
Figura 6 - Filha de menina
No título: “Filha de menina de dez anos morre asfixiada em hospital indígena”, o termo
“filha”, refere-se ao bebê nascido pelo estupro. Já no subtítulo chama nossa atenção a
possível declaração, em discurso indireto, da menor: “a mãe que reside na aldeia
Jaquapiru, em Dourados, disse ao Conselho que engravidou após sofrer abuso sexual”.
Nas notícias anteriores temos apenas suspeitas da família, com a morte da criança,
recém-nascida, o caso parece encaminhar-se para o desfecho.
A morte é foco principal, inesperada sanção negativa em relação à vida. Nesse sentido,
provam as figuras selecionadas na fotografia: a mão de uma criança, que pela posição
está caída, segurando uma flor, destaque para a cor em tons de cinza auxiliando na
intensificação do efeito de tristeza, na figurativização da morte, como exemplifica
Pietroforte (2004, p. 85) “Além da disposição topológica da expressão, a cor é um
elemento de composição pertinente na construção do sentido”, mais um dos artifícios
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
13
que os textos jornalísticos usam para sensibilizar e chamar a atenção para a leitura da
notícia.
Diante do que foi analisado, podemos observar um conjunto de figuras e temas
principais que estão disseminados nos textos analisados compondo o todo de sentido,
conforme apresentado no quadro a seguir: FIGURAS TEMAS
Criança de 10 anos, menina grávida, barriga
em gestação, hospital, hospital indígena,
bebê, escola, vítima, boneca, menor, mãe,
coração, polícia, ursinho, calcinha, aldeia
Jaguapiru, flor, mão da criança, cor cinza.
Infância, gravidez precoce, gestação, abuso
sexual (estupro), amor maternal, investigação
policial, inocência, morte. infantil, abuso
sexual, indígena.
Quadro 1: Modelo representativo das figuras e dos temas
A figurativização permite uma estratégia de concretude discursiva que ajuda no efeito
de sentido. Notamos, como afirma Pietroforte (2004, p. 21), que: “As figuras são
elementos do discurso que criam a ilusão de um mundo possível por produzir uma
referencialização ao mundo natural”. Nas notícias, a preocupação está em dar
concretude à consequência do estupro, a gravidez, o que é efetivado pela imagem da
barriga de uma menor, assim como ao destaque para a idade da menina, a infância
interrompida, como fica enfatizado na figura do urso (figura 5). Os temas conjugam-se
às figuras para constituir o sentido do texto, já que essas “são unidades semânticas que
acionam a percepção tátil, auditiva, olfativa, visual do sujeito” (DISCINI, 2005, p. 271),
possuem maior grau de materialidade o que auxilia, inclusive, na credibilidade dada
pelo leitor à notícia publicada.
Para finalizar, cabe considerar que o texto compreende a relação existente entre o plano
de conteúdo e o plano de expressão. O plano de expressão é constituído sob a forma
como se apresenta o conteúdo. Neste contexto, Discini (2005, p. 57) aponta que “No
plano de conteúdo estão as vozes em diálogo, está o discurso. No plano de expressão
esta a manifestação do sentido imanente, feita por meio da linguagem sincrética, que
integra o visual e o verbal sob uma única enunciação”. A manifestação ocorrente no
conteúdo em seu processo de significação pode ser verbal, não verbal, sincrético, como
as notícias que foram analisadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões teóricas e de análises apresentadas neste artigo, salientaram como os
enunciadores se posicionaram nas notícias ao selecionar determinadas figuras para
recobrir os temas abordados. A produção de um texto, assim como a sua leitura, está
ligada à trama que relaciona as escolhas estrategicamente realizadas com vistas a
determinado objetivo. Essa estruturação colabora para a construção do sentido de um
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
14
discurso a partir de nuances presentes nos títulos, subtítulos, fotografias e legendas, por
exemplo, elementos que abrem as portas para a leitura das notícias.
Nos textos selecionados, notamos, por exemplo, que para temas ligados à infância, à
gravidez, ao abuso sexual, elegeram figuras, estrategicamente escolhidas, para chamar a
atenção dos leitores, atingir o emocional e levar a reflexão sobre a gravidade do
problema, a gravidez na infância, especificamente entre as indígenas, o que foi
percebido, principalmente na seleção das imagens que acompanharam a parte verbal, o
enfoque em elementos como a barriga em gestação, o urso, a boneca, a flor, auxiliam
nesse processo.
Esperamos contribuir ao apontar alguns elementos que ajudam a compor as notícias,
sobretudo quando tratam de temas polêmicos como este e que exigem uma leitura atenta
para perceber as estratégias persuasivas usadas pelo enunciador do texto. Enunciador
que pretende não só emitir uma informação, mas, também, direcionar a interpretação do
assunto abordado.
REFERÊNCIAS
ALVES, Diego - Menina de 10 anos abusada a caminho da escola é internada para ter
bebê do estuprador, Jornal do Estado. Notícia disponível
em:<http://phnewsms.blogspot.com.br/2014/02/menina-de-10-anos-abusada-caminho
da.html>. Acesso em 17/02/2014.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria Semiótica do Texto. 3ª Edição. São Paulo:
Editora Ática, 1997.
BARTHES, Roland. El mensaje fotográfico, Retórica de la imagen. Lo obvio y ló
obtuso: imégenes, gestos, vocês. Barcelona, Paidós, 1986.
____. Roland. A câmara clara, rota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984.
CALVO HERMANO, Manuel. El periodismo del III milênio. Revista Arbor, no 534-
35: 59-71.
CATATAU - Garota de 10 anos dá a luz e policia investiga o caso como estupro,
Falandotudo.com. Notícia disponível em:<http://falandotudo.com/index.php/garota-de-
10-anos-da-a-luz-e-policia-investiga-o-caso-como-estupro/>. Acesso em 17/02/2014.
CRIANÇA de 10 anos é estuprada e dá entrada em hospital do MS para dar à luz,
ItaporãNews.com.br. Disponível em:<http://itaporanews.com/noticias/regiao/crianca-
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
15
de-10-anos-e-estuprada-e-da-entrada-em-hospital-de-ms-para-dar-a-luz>. Acesso em
21/03/2014.
DISCINI, Norma A comunicação nos textos. São Paulo: Contexto, 2005.
FIORIN, J. L. Sendas e veredas da semiótica narrativa e discursiva. Delta:
documentação de estudos em linguística teórica e aplicada. São Paulo, v.15, n. 1,
feb./july 1999. Disponível
em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010244501999000100009.
Acesso em: 05 agosto de 2014.
GOMES, Anna - Filha de menina de dez anos morre asfixiada em hospital indígena,
Topmídianews.com.br Notícia disponível
em:<http://www.topmidianews.com.br/interior/noticia/filha-de-menina-de-dez-anos-
morre-asfixiada-em-hospital-indigena>. Acesso em 22/03/2014.
HÉNAULT, Anne. História concisa da semiótica/ Anne Hénault; tradução Marcos
Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
LAGE, Nilson. Linguagem jornalística, 7° Ed. São Paulo: Ática, 2004.
____.Ideologia e Técnica da Notícia. Petrópolis: Vozes, 1979.
LIMA, Ivan. A fotografia é a sua linguagem. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988.
PIETROFORTE, Antônio Vicente. Semiótica visual: os percursos do olhar. São
Paulo: Contexto, 2004.
ROSA, Eduarda - Criança de 10 anos da à luz em hospital douradense, Douradosnews.
Notícia disponível em:<http://www.douradosnews.com.br/dourados/menina-de 10-
anos-ganha-bebe-em-dourados>Acesso em 21/03/2014.
____. Vítima de abuso: Criança de 10 anos da à luz em hospital douradense, Grande
FM 92,1. Notícia disponível em:
<http://www.grandefm.com.br/noticias/policial/vitima-de-abuso-crianca-de-10-anos-da-
a-luz-em-hospital-douradense>. Acesso em 17/02/2014.
ROSSI, Clóvis. O que é jornalismo. São Paulo: Brasiliense, 2005.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 27. ed. São Paulo: Cultrix,
2006.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 24, Outubro de 2016 - Abril de 2017. p
16
XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São
Paulo: Paz e Terra, 2005.
*Graduado em Letras pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul. E-mail:
**Doutora em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina. Professora da
Universidade Federal da Grande Dourados. Faculdade de Comunicação, Artes e Letras. E-mail:
i No original consta: “toda imagen es polisémica; implica, subyacente a sus significantes, una cadena
flotante de significados, de la que el lector se permite seleccionar unos determinados e ignorar todo los
demás”. ii Plongée: significa mergulhada em francês, é o termo usado para definir um tipo de enquadramento em
que a câmera filma o objeto de cima para baixo, situando o espectador em uma posição mais acima do
objeto, vemos a imagem como se estivéssemos mais altos. Já no contra-plongée, o efeito é contrário, o
objeto fica maior em relação ao foco que observa.