Notas de leitura

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Fichamento

Transcript of Notas de leitura

NL Nexos da diferena MACEDO

no cho de terra batida das casas os guarani costumam cuspir o pigarro enquanto fumam petyngu (o cachimbo usado desde a infncia) (p.83).

entre os que vivem na mesma residncia ou em casas avizinhadas comum que se reunam para atividades cotidianas como sentar-se em um mesmo quintal para fazer cestos, colares, pulseiras e outras peas de artesanato para venda ou preparar o pety (tabaco) e fumar petyngua (p.84).

E mesmo com a presena do posto de sade na TI, incomum haver uma noite de reza em que no tenha pelo menos uma pessoa a ser tratada pelo opita'iva'e na maioria delas (p.86).

ao amba que aqueles que entram na opy se dirigirem com o petyngua, soltando fumaa nos objetos ali dispostos. Tambm comum soltar fumaa no alto da cabea dos presentes, poro do corpo privilegiada para se receber o que traduzem como benzimento e chamam omoatax fazer fumaa ganhando proteo e fortalecimento espiritual (-mombaraete). A fumaa, tatax, objetifica o agenciamento divino por meio da ao humana. E fumar petyngua a marca distintiva dos porgue, 'os que vieram do que bom' ou na traduo de H. Clastres (1978) 'os escolhidos pelos deuses', que dele fazem uso cotidiano desde a infncia. A fumaa do pety (tabaco) pode expulsar agentes agressores do corpo, trazer de volta o nhe'e do sujeito e proteg-lo no cotidiano ou em momentos de maior vulnerabilidade como em viagens ou determinados perodos da vida como a puberdade, a menarca e o luto (p.87).

Nem todos que receberam seu canto em sonho fazem tratamentos xamnicos com tabaco, mas todos opitava'e so oparaiva () j que tanto o canto como o sopro de tabaco so caminhos ou canais de comunicao por onde as capacidades de combater os agentes agressores so transmitidas pelos nhanderu (p. 110).

Benzimentos como chamam em portugus os sopros de tabaco que protegem o corpo e combatem males) com o petyngua (p.118)

Ainda com frequncia solicitada Funasa o fornecimento de fumo por ser fundamental ao trabalho de cura dos pajs (p.140)

A Funasa tenta adequar os procedimentos mdicos aos procedimentos de cura guarani. E entre os Mbya houve um encontro em 2005 e outro em 2008 reunindo tami, taryie, caciques, AIS, AISAN, conselheiros locais e distritais de sade, professores, estudantes, lideranas e outros com o objetivo de propor aes para fortalecer a sade e as prticas tradicionais de medicina guarani.

Sem os recursos da Funasa ou de outras instituies ou indivduos jurua difcil conseguir tabaco que quase no cultivado no Silveira. (...) Num kaa nhemongari de agosto de 2007, Srgio, ento vice-cacique e conselheiro da Funasa pediu Associao Rondon (organizao contratada pela Funasa para prestao de servios) 19k de fumo dos quais foram entregues cinco (p.140-141).

Fala de Srgio, cacique do Silveira poca de uma visita dos Yudj:Nossa tribo guarani usa mais cachimbo, a gente invoca esprito de Nhanderu. Paj usa cachimbo solta fumaa, pega pedra, bicho que est no corpo da pessoa e mostra o que est fazendo mal (...) (p.207). De um modo enviesado, no previsto pelo projeto, foi um encontro de espritos, de pajs visveis e invisveis presentificados nos cantos e sopros. Os Yudj e Guarani pouco conversaram, interagiram ou contaram, mas os espritos cantaram (p.208). Batizo do milho nhemongarai faz-se em noite de poraei (canto) e moatax (sopro de fumaa de tabaco) junto a exemplares de milho levados a opy (p.214).

Em geral a cabea da criana recebe a fumaa do petyngua, em seguida o opitavae canta e toca o mbraka (violo) ou toca o mbraka mir (chocalho) e o yvyraija (assistente) toca o mbraka . O paj ento invoca nhee ru ete kury pelo canto, indagando a procedncia daquele nhee. Quando lhe revelado, o paj comunica o nome no ouvido do pai ou me, e molha a cabea e por vezes o peito da criana com gua da karena, ou apyka, o recipiente em forma de canoa com gua da entrecasca de cedro (yari, tambm chamada apyka mir). Aqui a explicao de Kelvein:Antes de fazer o batizado o xami j se prepara um ms antes. Ele reza bastante. J no come comida de jurua, pra deixar o corpo mais limpo, mais leve. S o que a gente tem que ficar correndo atrs de ei [mel] pra fazer velinha [com cera de abelha]. Como diz o xerami, aquela luz da velinha abre o caminho dele. Na hora do batismo as mes levam as crianas, ou os padrinhos com a me junto. O anjo da criana ajuda o padrinho. O nome vem atravs daquela gua na karena. O paj sabe o nome da criana na mesma hora que vai dar o nome pra ela. Vai fumar petyngua e ir soltando aquela fumaa na cabea da criana. Aquela fumaa que saiu da cabea d o toque pra ele, como se fosse o nome dele assim... (p.215).

J a explicao de Edson explicita que existem mltiplos espritos (ou anjos) atuando na pessoa a partir desses dois princpios [bem e mal] (...) eu mesmo passo muito por isso, paraliso no consigo mexer o corpo (quando sob o efeito de algum esprito). Por isso Guarani quando acorda logo pega o cachimbo. Fala com esprito que no quer nada mal para ele. Quer cuidar dos filhos e s, precisa levantar (p.225-226).

A pessoa parece existir sob o signo da multiplicidade e da mobilidade, sendo atravessa por espritos de toda sorte, que vem e vo, protegem ou adoecem, entram e saem. H quem diga que nhee j vem pra terra impregnado por anh, outros dizem que aqui na terra que os espritos agressores entram e saem, agem ou se aquietam, influindo em comportamentos e temperamentos. Por sua vez o nhee mir ou por tambm circula por outros lugares, seja quando a pessoa adoece (porque seu nhee sobe por no estar feliz aqui), seja durante os sonhos (quando o nhee saem do corpo rumo a outras aldeias e lugares) (p.226).

Esses karai alcanaram a condio divina por meio de cantos e danas obstinados, consumo de tabaco e abstinncia de carne (p.233).

Devir-deus, ou aguyje, implica passar por jejuns prolongados danas e cantos exaustivos, consumo excessivo de tabaco, abstinncia sexual, etc. Tudo isso tem como horizonte despir-se da carne (ou do peso) do corpo para vestir a roupa dos deuses, tomar sua perspectiva (...) podendo a leveza ser entendida como a converso do corpo em puro sopro, como o so as belas palavras, os cantos e a fumaa de tabaco (p.235).

Entre os Guarani, o corpo leve estabelece uma perspectiva diferenciante em relao aos animais e aos brancos (p.237).

Uma causa frequente para a fuga de nhee o comentado erro do opitavae na revelao do nome. Nos exemplos citados, quando em posse do nome certo, o nhee volta e o problema se resolve. A pessoa constitui assim uma composio instvel de agncias, que podem enfraquece-la (-mokangy) ou fortalece-la (-mombaraete). O contato com agressores facilitado em ambientes externos, durante a noite e na ausncia do petyngua (cachimbo), bem como em determinados perodos do ano (ara yma, inverno ou tempo do velho) e da vida (menstruao, menarca, puberdade). Mas tambm pode se dar pelo sonho, sendo comum pessoas comentarem seus sonhos, muitas vezes com apreenso, ou ento contarem que sonharam com algo que prenunciava algo ruim que aconteceu (p.240).

[captulo que trata dos modos como os jurua so inseridos em redes de tradues pautadas por figuraes da alteridade e afeces (...) trata das designaes, histrias e ideias sobre os brancos (... em que o nhee dos jurua, seu princpio ativo reconhecido em diferentes escalas da pessoa jurua (no modo de conhecer, de comer, de morar, etc.). Entre as objetificaes desse princpio, uma das mais mencionadas pelos meus interlocutores o kuaxia papel e seus derivados -, expresso do pensamento e de agenciamentos jurua (...) (p.262). CHAMAR ATENO PARA OPOSIO RECORRENTE ENTRE PAPEL/BBLIA/DINHEIRO E FUMAA DO PETYNGUA]

No esforo de me explicar o que yvypo, meus interlocutores recorreram a expresso como deuses e monstros, situando os brancos alm ou aqum da condio humana. Ou melhor da condio guarani, j que os brancos so providos de um corpo humano, mas trata-se de um invlucro a revestir outro tipo de gente. E um dos ndices dessa diferena a comida, que incide na formao do corpo (p.264).

Comida de jurua interfere no corpo, no peso do corpo (...) no obesidade densidade da carne que impede o aguyje, dificulta a comunicao com Nhanderu kury e a destreza da mata e na jeroky (dana). Trata-se de um corpo-afeto sujeito a afeces (p.264).

Episdio da escolha que engendra a diferena entre brancos e ndios foi contada a Macedo por Kelvein: S sei que um xermi falou pra gente, faz seis anos, foi num encontro l em Pindoty [aldeia no Vale Ribeira, SP], teve encontro dos xerami, aonde eles falavam que o nhanderu Tup j tinha o objetivo de colocar o filho dele na terra. Agora quem colocou o jurua kury para ser gerado foi o prprio irmo de Nhanderu, o Xani. A o Nhanderu e o irmo dele colocaram um petyngua e um saquinho de dinheiro, um do lado do outro. Nhanderu fez primeiro a pergunta pro primeiro nhandeva que foi gerdado: Qual desses voc vai escolher para usar l [na terra]? Qual voc acha que boa pra voc? Qual voc acha que vai fazer lembrar de mim? Ele ficou um tempo, quase meia hora, para decidir qual ele ia pegar. Ele queria pegar o saquinho de dinheiro, mas achava que no dava, que no iria levar a nenhum lugar, ento ele pegou o petyngua. Nhanderu falou: j que voc escolheu o petyngua, em qualquer lugar que voc estiver andando, ou morando, ou de repente voc vai se mudar para outro lugar, todo lugar que voc estiver, no esquece desse petyngua. E o jurua pegou o saquinho de dinheiro. Porque Nhanderu j tinha aquele objetivo de colocar nhandeva na terra, mas no teria muito nhandeva, queria pouco. Por isso nhandeva no pegou o saquinho de dinheiro, porque aonde os parentes fossem ficando, eles enriqueceriam e os jurua kury iriam aumentar muito. E, para roubar o dinheiro dos Guarani, eles teriam que exterminar com os Guarani. Ento ele preferiu petyngua porque no tem nada a ver com dinheiro e porque ele sabia que era uma coisa que poderia ser usada para curar, pra sonhar e pra conversar com Nhanderu (p.266).

Gerados respectivamente pelos irmos e antagonistas Nhanderu (nesta verso, Tup) e Xani, nhandeva e jurua se individuaram em decorrncia de suas escolhas. Em vez do saco de dinheiro cuja potncia remete ao guardar, acumular e consumir coisas- o primeiro nhandeva escolheu a fumaa do petyngua meio quase intangvel de comunicao com Nhanderu que deve acompanhar o sujeito em todos os deslocamentos pelo mundo. Nesse sentido, afirma o narrador, recusar o dinheiro escolher ser pobres e poucos tambm condio para amenizar a potncia exterminadora do jurua, ficando menos exposto predao. Mas se o petyngua foi uma escolha Guarani o fato de serem poucos j era uma deciso divina, ou uma decorrncia dessa escolha, em contraste com os muitos, as onas e as lagartas entre outros seres que se multiplicam na terra (p.267).

Kelvein em sua narrativa, identifica Xani como o criador dos brancos e no Nhanderu. Ele contou que um tami lhe disse que Jesus no gostava dos Guarani, achava que no eram humanos. S depois que ele morreu na cruz dos brancos que foi para o cu e dali percebeu que os Guarani tambm so bons. J Samuel diz que Nhanderu Papa o pai tanto de Jesus como dos nhee ru ete (os pais das almas-palavras dos Guarani), mas que Jesus no fuma petyngua, tem bblia e veio terra semelhana do jurua(p.269).

Samuel reconhece o pastor crente, Jesus, como um dos filhos do paj que fuma cachimbo, Nhanderu Papa. No mesmo sentido ele diz que a Kuruxu (cruz) na opy anterior aos cristos, e indica as direes das distintas moradas de nhanderu Kury (p.269).

Ado Mariano fala sobre sua escolha. Na nossa aldeia l do Xapec tem muito mestio e muito crente. Tem evanglico. Eu diferente, tem que rezar nossa opyi. Se misturar com crente, nosso Kuaray no ajuda. Porque crente no fuma. Ele no toma chimarro tambm. Ns no. Eu tomo chimarro, eu fumo cachimbo (p.269).

Os Guarani escolheram o petyngua porque Nhanderu os queria poucos e par que tivessem o canal de comunicao aberto com Nhanderu por meio dos nomes, da fumaa do cachimbo, dos cantos, dos sonhos, dos raios e troves, entre outros signos da natureza intangvel. E estes eram frequentemente mencionados quando eu perguntava o que os jurua nunca iriam entender a respeito dos nhandeva. Aqui a resposta de Kelvein: Uma coisa bem simples: porque a gente usa bastante petyngua. A gente tenta explicar que a fumaa do petyngua no faz mal e que cura e eles no entendem. O pessoal da Funasa acha que faz mal pra sade. Os crentes dizem que coisa do Satans. Eles acham que a gente no contato com Nhanderu atravs dessa fumaa (p.270).

O petyngua um instrumento por excelncia de comunicao e transmisso de potencialidades (de cura, proteo, viso do que est longe ou por vir, etc.) entre nhandeva e Nhanderu Kury, mas esse mesmo petyngua malfico aos jurua [ao corpo - Funasa, alma - evanglicos]. Meus interlocutores geralmente no questionam' esses argumentos e sim sua aplicabilidade aos Guarani, j que se tratam de diferentes corpos-afetos (p.270).

Acesso ao conhecimento pela conexo com Nhanderu cuja agncia no est materializada no papel, mas no sopro (de palavras, cantos ou fumaa) (p.271).

O fundamento da diferena entre o paj e o pastor que aquele tem o cachimbo e este tem o livro, alm de sua crena apenas no menino na narrativa de Samuel que segue dizendo que os Guarani esto protegidos das trovoadas e podem andar no mato sem medo pela proteo do petyngua e da fora dos pajs (p.272).

[O tami Ado fala:] Conhece o Paulo [pastor da igreja Batista], ali da Boracia? Quantas vezes ele no vem pra c. Ele fala comigo: melhor o senhor ficar crente, e o livro [bblia] ele deu pra mim. Disse, Ado, pra voc ler. Eu no sei ler. A gente outro diferente. Nosso opyi nossa lei. Ns Guarani, tudo assim. Na hora de dormir fumar pra nossas crianas dormirem bem (p.273).

Enunciando o petyngua e a opy como signos diferenciantes em oposio ao livro do pastor, o tami explicita: a gente outro diferente. Tal diferena no entendida como decorrncia de formaes histricas sobre um fundo comum de humanidade, mas como decorrncia de diferentes corpos e princpios vitais incidindo no campo das afeces por meio do idioma, da fumaa do tabaco e dos cantos (p.273).

H uma variao do tema da escolha primordial recolhida por Montardo (2009): mbarak para os Guarani e pedao de papel para escrever para os brancos (p.273).

em analogia ao sopro (fumaa, fala, sonho, canto) que conecta os Guarani aos nhanderu kury, o kuaxia (papel) seria um dispositivo de conexo de sujeitos no mundo jurua (p.275).

[O nhandereko, modo de viver Guarani, conjunto de ddivas deixadas pelo demiurgo] Enfatizam a importncia de consumir alimentos plantados, fumar petyngua, frequentar a opy, seguir a orientao dos tami e taryi, viver entre parentes ser calmo e comedido (p.281).

Fala dos velhos: quando d aquele barulho na mata, aquela coisa no corao, um impulso de fugir. Mas preciso primeiro entender o barulho, descobrir o que , ver se mesmo ona, para s ento tomar a atitude de ficar e fugir. preciso rebater aquele barulho para que no entre no corao e domine voc com o medo. Assim como o verbo respeitar, rebater e repassar so expresses recorrentes em nossas conversas da lngua portuguesa e remetem conservao da perspectiva frente ao outro para que no implique incorporao ou alterao, o que deve ocorrer no eixo vertical pela conexo com os deuses (p.283).

ao tami no cabe apenas soprar belas palavras, mas extrair pedras com sopro de tabaco, operao que envolve alterao ou disperso e reconcentrao da pessoa, tanto do xam como do paciente (...). Como um amba os pajs objetificam a conexo entre os eixos vertical e horizontal de agenciamentos sendo o ponto de intercalar entre a atuao de Nhanderu kury e os espritos dessa terra (p.284-285).

(...) a pessoa atravessada por uma multiplicidade de agncias cuja relao de identidade ou alteridade em relao a elas no substantivada, mas performativa. Assim, por exemplo, comer coisas plantadas torna o corpo leve e constitui um ideal enunciado como parte do nhandereko, mas o consumo de carne, doces e alimentos industrializados uma prtica cotidiana nem sempre acompanhada de receio e recriminao. Comida, aparelhos eletrnicos, remdios, msicas, roupas e outras coisas dos brancos so consumidos como fonte de prazer e desejo, sem culpa (ou moralidade) e com avidez (sem ascetismo). O conforto ou o perigo que portam no esto dados dependendo de um conjunto de circunstncias e outros agenciamentos (p.286).

A seu tuno, nhanderko, a traduo guarani para cultura, corresponde a um modo de vida guarani ideal, mas tambm pode ser entendida como um conjunto aberto de ddivas de nhanderu kury, aquilo que deus deixou para ns: a capacidade de cultivar ou extrair e consumir plantas [n.r. 247: Nhanderu deixou para os Guarani plantas cultivveis: milho, amendoim, mandioca, abbora, tabaco, erva-mate. Entre as extradas da mata: espcies de palmeiras, cips e sementes], a sabedoria para saber que bicho comer, os cantos, a lngua, o petyngua, etc. (p.295).

Dessa feita a inteligibilidade entre cultura e nhandereko se estabelece na medida em que do contorno a um coletivo, objetificando um espectro de relaes e um patrimnio. O que diverge so os modos de simbolizao subjacentes a essa objetificao. No pensamento jurua a diferena que a cultura objetifica corresponde a convenes historicamente construdas, j no pensamento guarani so ddivas dos ancestrais visando a fabricao de um corpo leve, um corpo-afeto divino. Por este vis diferenciante, a conveno ou a diferena da ordem do dado e tem implicaes xamnicas; e no vis coletivizante, que predomina entre os jurua, a conveno coletivamente construda, remetendo ao domnio humano e devendo ser juridicamente protegida. [GUARANI CONVENO PROVEM DE UM DOMNIO DA SOBRENATUREZA; JURUA CONVENO PROVEM DO DOMNIO HUMANO, SENDO CRIADO PELO HOMEM, A PARTIR DE UM FUNDO NATURAL INDISTINGUIVEL, A DIFERENA UMA CONSTRUO, ALGO NO NATURAL; GUARANI A DIFERENA PRIMORDIAL, ELA PRIMEIRA]