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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ - UESC
PROGRAMA REGIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
Autora: VALERIE NICOLLIER
“NOS RASTROS DA INTELIGÊNCIA
NATURALISTA”
NOVAS TEORIAS COGNITIVAS APLICADAS À EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Ilhéus – Maio – 2005
VALERIE NICOLLIER
“NOS RASTROS DA INTELIGÊNCIA
NATURALISTA”
NOVAS TEORIAS COGNITIVAS APLICADAS À EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Estudo apresentado como pré-requisito ao título de Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC
Linha De Pesquisa: Educação Ambiental Área de Concentração: Psicologia Cognitiva
Orientador: Phd. Fermin C. García Velasco.
Ilhéus - Maio – 2005
VALERIE NICOLLIER
“NOS RASTROS DA INTELIGÊNCIA NATURALISTA”
NOVAS TEORIAS COGNITIVAS
APLICADAS À EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Estudo apresentado como pré-requisito ao título de Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC
Linha De Pesquisa: Educação Ambiental
Área De Concentração: Psicologia cognitiva
Orientador: Phd. Fermin C. García Velasco.
Ilhéus -Maio– 2005
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Agradeço à vida... Por ela existir no universo, dentro de mim, no planeta terra. Obrigada, vida, Por me permitir, fazer parte da espécie humana. Por ter me dado a faculdade superior de pensar sobre a vida e pela capacidade de imaginar um deus. Acredito numa ordem natural. Possuo linguagens para me expressar. Tenho sensibilidades, que captam muito - vão além da luz, do calor - mas não tudo. Obrigada, por ter deixado coisas fora do meu alcance. Obrigada pela minha incompletude, a minha capacidade de sonhar, desejar. Querer viver mais. Minha mente consegue ver coisas simples e construir outras complexas. Inventar soluções, preencher vazios. Cheia de vida, posso tornar vivo coisas mortas, posso desistir e morrer. Posso saciar a vida com a minha morte. Encontro feliz e surpreendente de partículas mortas, a vida está dentro e fora, em todo lugar, ao mesmo tempo. Sou este encontro feliz. Agradeço à vida. por estar viva, agora. Valérie
NICOLLIER, VALÉRIE. Nos rastros da inteligência naturalista. Novas teorias cognitivas aplicadas à educação ambiental. Dissertação de Mestrado, UESC/PRODEMA, Ilhéus: 2005. 227 pgs.
RESUMO Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter interdisciplinar, que estabelece uma relação – inédita – entre a psicologia cognitiva e a educação ambiental. Tendo como matriz as ciências cognitivas, interpreta a cognição humana de acordo com o modelo oferecido pela Teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner. Esta teoria mostra a pluridimensionalidade da mente e defende a existência de oito inteligências no ser humano, incluindo uma inteligência naturalista. Os princípios e objetivos preconizados pela educação para a sustentabilidade serviram de base para definir o saber ambiental, quanto aos seus aspectos filosóficos e pedagógicos. Esta pesquisa foi realizada no município de Ilhéus, Sul da Bahia, em uma região de importantes remanescentes da Mata Atlântica. O universo de pesquisa foi uma escola de Ensino Fundamental e envolveu 45 crianças de 1ª a 4ª série. A segunda infância se evidencia como uma fase especialmente sensível na construção da compreensão do mundo, do ambiente natural e do lugar do homem na natureza. Na presente pesquisa, procura-se, pois, desvendar como o desenvolvimento da inteligência naturalista na segunda infância pode contribuir para a ampliação do saber ambiental. Segundo a Teoria das Inteligências Múltiplas, cada inteligência é definida a partir de oito critérios científicos, que a validam enquanto tal. Portanto, numa primeira aproximação, a pesquisa exigiu a revisão das fontes para a verificação da existência da inteligência naturalista, através da análise de seus critérios definidores. Foi realizado um diagnóstico inicial com as crianças, a fim de descrever o perfil de inteligências das mesmas e caracterizar o seu saber ambiental, em termos de conhecimentos intuitivos (teoria dos seres vivos) e científicos (conhecimentos biológicos). Metodologias educacionais, propostas pela Teoria das Inteligências Múltiplas, e utilizadas com sucesso em outras áreas do conhecimento, foram reformuladas e aplicadas, mediante a realização de projetos didáticos interdisciplinares na referida escola, tendo em vista o estímulo ao desenvolvimento da inteligência naturalista e a ampliação do saber ambiental das crianças. Ao longo das intervenções realizadas, as crianças foram acompanhadas durante vários meses, o que permitiu descrever detalhadamente aspectos do desenvolvimento do conhecimento biológico na segunda infância, referente, por exemplo, à construção do conceito de "ser vivo". Os resultados da pesquisa levam, de um lado, a uma compreensão mais profunda da inteligência naturalista e do seu funcionamento em conjunto com as demais inteligências; e, de outro lado, mostram a importância do conhecimento intuitivo na elaboração do saber ambiental. Conclui-se que o novo paradigma de sustentabilidade e, especificamente, a conservação da Mata Atlântica, pressupõem o desenvolvimento da inteligência naturalista em interação com as demais inteligências, como condição para a ampliação e integração das compreensões intuitivas e científicas sobre os seres vivos, na construção do saber ambiental.
Teoria das Inteligências Múltiplas - educação ambiental – inteligência naturalista - saber ambiental – segunda infância – teorias intuitivas dos seres vivos - desenvolvimento do conhecimento biológico.
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NICOLLIER, VALERIE. On the tracks of naturalist intelligence: New cognitive theories applied to environmental education. UESC/PRODEMA, Ilhéus: 2005, 227pgs.
ABSTRACT
The present qualitative interdisciplinary research establishes an unprecedented relation between cognitive psychology and environmental education. Taking cognitive sciences as a matrix, it interprets human cognition according to the model offered by Howard Gardner in the Theory of Multiple Intelligences. This theory shows the pluridimensionality of the mind and defends the existence of eight types of human intelligence, including a naturalist intelligence. The principles and goals of Education for Sustainability formed the foundations for a definition of environmental knowledge in its philosophical and pedagogical aspects. The present study has been carried out in Ilhéus, a town in Northern Bahia, where one can still find important areas of native Mata Atlantica rainforest. The research universe was an Elementary School, including 45 children through 1st to 4th graders. This stage of child development, namely middle childhood, is characterized by an especial sensibility in the construction of an understanding of the world, the natural environment and the status of human beings in nature. Therefore, the present research aims to find out how the development of a naturalist intelligence contributes for the development of environmental knowledge / awareness in middle childhood. According to the Theory of Multiple Intelligences, each type of intelligence is defined from eight scientific criteria which validate them. Thus, at a first approach, the research demanded an assessment of the sources in order to confirm the existence of a naturalist intelligence by an analysis of its defining criteria. An initial diagnosis was carried out so as to describe children’s intelligences profiles and characterize their environmental awareness in terms of intuitive knowledge (theory of living beings) and scientific knowledge (biological knowledge). Educational methodologies proposed by the Theory of Multiple Intelligences successfully applied to different fields of knowledge have been adapted and applied through the development of interdisciplinary projects in the cited school, aiming to stimulate the development of naturalist intelligence and the improvement of environmental knowledge among the children. During several months, throughout the interventions, a follow-up of these children allowed a detailed description of aspects in the development of their biological knowledge, as to, for example, the construction of a concept of “living being”. Research results allowed a deeper understanding of the naturalist intelligence and its joint operation with other types of intelligence; moreover, it showed the importance of intuitive knowledge in the construction of environmental knowledge. The present study concludes that the new paradigm of sustainability and, in this particular case, the conservation of Mata Atlântica, presuppose the development of the naturalist intelligence along with the other types of intelligence as a condition to expand and integrate intuitive and scientific understandings of living beings in the construction of environmental knowledge.
Key words – Theory of Multiple Intelligences – environmental education – naturalist intelligence – environmental knowledge / awareness – middle childhood – intuitive theories of living beings - development of biological knowledge .
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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO
1. 1. POBRE PLANETA TERRA!..................................................................... 41. 2. COMO É VIVER NUM HOTSPOT SEM SABER DISSO?....................... 51. 3. NA FILOSOFIA, A RACIONALIDADE, NA PSICOLOGIA, AS CIÊNCIAS COGNITIVAS – HORIZONTES PARA UMA NOVA ÉTICA DE VIDA................................................................................................................ 121. 4. O SABER AMBIENTAL: ULTRAPASSANDO FORMA, CONTEÚDO E LIMITES DA INTELIGÊNCIA NATURALISTA ................................................. 201. 5. INFÂNCIA: UM MOMENTO ESPECIAL, NUM LUGAR ESPECIAL........ 24 2. QUADRO TEÓRICO 2.1. PRINCÍPIOS DE UMA EDUCAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE 262.2. O PARADIGMA HOLÍSTICO OU A INTEGRAÇÃO DOS SABERES 282.3. A SEGUNDA INFÂNCIA COMO PERÍODO MAIS SENSÍVEL PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA ÉTICA DE VIDA 302.4. A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E O SABER AMBIENTAL 322.5. O DESENVOLVIMEMTO HUMANO E O CONHECIMENTO DA NATUREZA..................................................................................................... 2.5.1. Todo mundo não aprende da mesma forma......................................... 2.5.2. Além dos aspectos universais da mente............................................. 2.5.3. Constrangimentos para o conhecimento............................................ 2.5.4. Novas concepções do desenvolvimento humano............................... 2.5.5. A linguagem como instrumento para compreender o mundo: nomeando os elementos e construindo roteiros........................................... 2.5.6. Capacidade metarrepresentacional................................................... 2.5.7. As ondas de desenvolvimento simbólico................................................2.5.8. As múltiplas inteligências: pluralização e individualização dos conhecimentos................................................................................................ 2.5.9. As compreensões intuitivas ................................................................ I. Teorias ontológicas...................................................................................... II. Teorias sobre o mundo dos seres vivos..................................................... III. Teorias da mente.........................................................................................
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3. FORMULAÇAO DO PROBLEMA................................................................
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3. 1. PROBLEMA IENTÍFICO.......................................................................... 633. 2. OBJETIVOS ............................................................................................. 65
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4. METODOLOGIA 4.1. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – PCN.......................................................................................... 674.2. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SABER AMBIENTAL.................................. 684.3. A QUESTÃO CENTRAL DA PESQUISA: A BUSCA DO ELO ENTRE O SABER AMBIENTAL E AS INTELIGÊNCIAS.................................................. 724.4. CONTEXTUALIZAÇÃO E VALIDADE DA PESQUISA............................ 724.5. PÚBLICO-ALVO...................................................................................... 744.6. POR QUE A ESCOLA SUÍÇO-BRASILEIRA DE ILHÉUS?...................... 754.7. A INTRODUÇÃO DA TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS NA ESCOLA......................................................................................................... 754.8. INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS: PROJETOS INTERDISCIPLINARES DE CIÊNCIAS NATURAIS E SOCIAIS..................... 774.9. ESQUEMA GERAL DA PESQUISA.......................................................... 794.10. COMO AVALIAR E ACOMPANHAR O DESENVOLVIMENTO DAS INTELIGÊNCIAS? ........................................................................................ 814.11. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS SOBRE OS PERFIS DE INTELIGÊNCIAS...................................................... 854.12. COMO AVALIAR E ACOMPANHAR O DESENVOLVIMENTO DO SABER AMBIENTAL?..................................................................................... 89 5. DESCRIÇÃO DAS INTERVENÇÕES ........................................................ 5.1. DIAGNÓSTICO DO SABER AMBIENTAL............................................... 5. 1.1. Atividade do diagnóstico nº 1 – Entrevista Ecossistema..................... 5.1.2. Atividade do Diagnóstico nº 2 - As Teorias Intuitivas e o Conceito de “SER VIVO” ................................................................................................... 5.1.3. Atividade do Diagnóstico nº 3 – Interesses das crianças .................... 5.1.4.Atividade do Diagnóstico nº 4 – Conhecimentos das Espécies de Plantas e Animais........................................................................................... 5.1.5. Atividade do Diagnóstico nº 5 – História da Terra................................. 5.1.6. Atividade do Diagnóstico nº 6 - A Relação Homem – Terra...................
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6. CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO........................................ 6.1. A ASSOCIAÇÃO ESCOLA SUÍÇO-BRASILEIRA DE ILHÉUS............... 6.2. UNIVERSO DA PESQUISA...................................................................... 6.3. CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA DA POPULAÇÃO: PERFIL DAS FAMÍLIAS ASSOCIADAS DA ESCOLA SUÍÇO-BRASILEIRA DE ILHÉUS ........................................................................................................... 6. 4. RENDIMENTO ESCOLAR.......................................................................
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7. AS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS NA CONSTRUÇÃO DO SABER AMBIENTAL .................................................................................................... 7.1. INVESTIGANDO A INTELIGÊNCIA NATURALISTA ...............................
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7.2 DESCRIÇÃO DOS PERFIS DE INTELIGÊNCIAS DAS CRIANÇAS......... 7.3. PERFIS DE INTELIGÊNCIAS DOS GRUPOS OBSERVADOS................ 7.3.1. Perfil de Inteligências do Grupo 6......................................... 7.3.2. Perfil de Inteligências do Grupo 7......................................... 7.3.3. Perfil de Inteligências do Grupo 8......................................... 7.3.4. Perfil de Inteligências do Grupo 9.........................................
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7.4. A INTELIGÊNCIA NATURALISTA NO PERFIL INDIVIDUAL DAS CRIANÇAS ..................................................................................................... 7.4.1. A Inteligência visuo-espacial em interação com a inteligência naturalista........................................................................................................ 7.4.2. A Inteligência cinestésico-corporal em interação com a inteligência naturalista ....................................................................................................... 7.4.3. As inteligências “concretas” como porta de entrada para a construção do saber ambiental...........................................................................................7.4.4. Exemplo de um perfil individual em que predominaram as inteligências concretas.....................................................................................7.4.5. As inteligências intra e interpessoais em interação com a inteligência naturalista.........................................................................................................7.4.6. Exemplo de um perfil individual em que predominavam as inteligências pessoais em interação com a inteligência naturalista................. 7.4..7. A inteligência lingüística em interação com a inteligência naturalista... 7.4.8. Um perfil individual em que predominou a inteligência lingüística em interação com a inteligência naturalista.......................................................... 7.4.9 A inteligência lógico-matemática em interação com a inteligência naturalista.........................................................................................................7.4.10. Um perfil individual em que predominou a inteligência naturalista em detrimento da inteligência lógico-matemática..................................................
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156 8. O SABER AMBIENTAL DA CRIANÇA NA SEGUNDA INFÂNCIA ........... 8.1. A VISÃO SISTÊMICA DA CRIANÇA: NATUREZA, HOMEM E SERES VIVOS............................................................................................................. 8.1.1. A importância do sol.............................................................................. 8.1.2. A importância da água.......................................................................... 8.1.3. As árvores e a vida.................................................................................8.1.4. A cadeia alimentar .................................................................................8.1.5. A retirada de animais na natureza .........................................................8.1.6. As pedras e a vida..................................................................................8.1.7. Os fungos e a vida................................................................................. 8.1.8. As bactérias e a vida..............................................................................8.1.9. O ciclo das plantas.................................................................................8.1.10. O ciclo da matéria orgânica..................................................................
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8.2. A VIDA E OS SERES VIVOS COMO CONCEITOS ESSENCIAIS DO SABER AMBIENTAL ...................................................................................... 8.3. O CONCEITO DE SER VIVO E AS CATEGORIAS ONTOLÓGICAS.......8.4. O SABER AMBIENTAL E A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE SER VIVO............................................................................................................... 8.5. O CONHECIMENTO DOS SERES VIVOS NA TEIA DA VIDA.............. 8.6. O SABER AMBIENTAL E O PRINCÍPIO DA CAUTELA .........................
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9. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................
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REFERÊNCIAS...............................................................................................
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ANEXOS..........................................................................................................
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1. INTRODUÇÃO
Desde o seu surgimento, o ser humano exerceu uma profunda influência
no seu habitat, muito maior que qualquer outra espécie animal. Na verdade,
considerando a história da Terra, a aparição do homem assume para os biólogos
a mesma significação dos grandes cataclismos na escala do tempo geológico, no
decurso dos quais a flora e fauna do mundo inteiro se transformaram radicalmente
em sua composição e em seu equilíbrio (Dorst, 1973).
A indiferença com o ambiente, diz Wilson, deve ser a conseqüência de
uma característica básica da natureza humana. O cérebro humano, certamente,
evoluiu no sentido de permitir um envolvimento emocional com apenas uma
pequena região geográfica, um número limitado de pessoas e três ou quatro
gerações.
Não olhar muito longe, nem no tempo, nem no espaço, faz sentido do ponto de vista darwiniano. Temos uma tendência inata para ignorar as possibilidades distantes, que não exigem decisões imediatas. É uma questão de bom senso, diriam muitos. Por que a maioria tem uma forma tão míope de pensar? A razão é simples: trata-se de parte de nossa herança paleolítica. Durante centenas de milhares de anos, aqueles que buscaram vantagens imediatas, dentro de um pequeno círculo de amigos e parentes, viveram mais tempo e deixaram mais descendentes [...] (Wilson, 2002, p. 60).
O mito do bom selvagem cai por terra, diante dos estudos mais recentes
da biologia evolutiva e da antropologia. A nossa relação com a natureza revela-se
ambivalente. Ao mesmo tempo em que somos insaciáveis exploradores dos
recursos naturais, somos capazes de atribuir-lhes um valor material ou simbólico,
como nenhuma outra espécie o faz. Assim, como levamos muitas espécies de
animais à extinção, somos a única espécie capaz de favorecer, ao extremo, a
reprodução de outras - hoje, nos países industrializados, há mais animais
domésticos do que pessoas!
O homem moderno parece, pois, reunir as possibilidades, tanto para
destruir o ambiente impiedosamente numa velocidade extraordinária, como para
preservar e cultivar cuidadosamente os recursos naturais. No entanto,
procuramos, em vão, na história da humanidade um modelo de homem “bom” ou
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uma sociedade que viveu em plena harmonia com o mundo natural. Ao contrário,
diversas pesquisas revelaram que o homem primitivo, embora possuísse um
conhecimento admirável da natureza, exercia uma interferência considerável no
seu ambiente (Ridley,2000). Hoje, acredita-se que, o homem primitivo causava
impactos menores, principalmente por ser menos numeroso, e não devido a um
suposto modelo sustentável de exploração do meio.
A tradição filosófica ocidental, porém, revela-se especialmente
antropocêntrica e utilitarista, uma vez que foi erguida no pressuposto de que a
natureza tem como único propósito atender às necessidades e aos desejos do
homem. Os estóicos ensinavam que a natureza existia unicamente para servir os
interesses humanos e Aristóteles considerava que a natureza criara as plantas
para o bem dos animais e esses para o bem dos homens. Os animais domésticos,
por sua vez, existiam para trabalhar e os selvagens para serem caçados. A Bíblia
retoma esta metáfora e coloca o homem distante da natureza, a meio caminho
entre os animais e os anjos.
A educação formal, desde o seu surgimento, existe para facilitar a
inserção do sujeito no contexto social da sua época. Ao contrário, a inserção do
sujeito num contexto ambiental é uma preocupação recente da escola, como
reflexo dos movimentos e políticas ambientais. Hoje, preocupa-nos a
sustentabilidade tanto social, como ambiental do nosso estilo de vida e
percebemos que a escola pode representar uma grande oportunidade para
provocar mudanças na sociedade, no sentido de construir uma nova ética de vida.
A atual busca de novos paradigmas educacionais evidencia que não
possuímos um ideal de ser humano para nortear o trabalho com educação
ambiental. Preconizam-se a necessidade de uma nova ética e da construção de
uma consciência ecológica, além da defesa de formas sustentáveis de vida para
todas as populações humanas. Mas o que significam estas reivindicações num
contexto histórico inédito, como o nosso? Qual o ideal de homem capaz de
preencher os requisitos de consciência ecológica, ética e sustentabilidade,
exigidos pelos movimentos e políticas ambientais? Que referências de ser humano
encontramos no contexto atual, em função dos quais poderíamos formar os
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nossos jovens?
A consciência ecológica é algo subjetivo, que dificilmente pode ser
observado. Por sua vez, a nova ética de vida e a sustentabilidade são processos
eminentemente coletivos e que se mostram ao longo prazo, pois, o fato de um ser
humano adotar uma nova ética e levar uma vida sustentável não significa que a
sociedade em que vive seja sustentável. Não conhecemos, atualmente, nenhuma
sociedade moderna que possa ser considerada sustentável ao longo prazo. O
homem primitivo, que supostamente viveu em harmonia com seu ambiente, não
pode ser o nosso referencial, uma vez que os desafios sociais e ambientais que
enfrentamos hoje, são completamente diferentes.
Esta pesquisa propõe novos subsídios para uma educação ambiental nas
séries iniciais do ensino fundamental. A população pesquisada é urbana,
caracterizando-se pela falta de contato com a natureza e a erosão do
conhecimento biológico, como descrevem pesquisas de Wolff, Medin, Pankratz
(1999) e Atran, Medin, Ross (2002) realizadas com este tipo de população e
confirmadas pelo nosso diagnóstico. Ao mesmo tempo, essa população é singular
por estar inserida num hotspot, a Mata Atlântica, ou seja, uma área do planeta
Terra identificada, pelos órgãos internacionais de proteção à natureza, como
especialmente rica em biodiversidade e altamente ameaçada. Leva-se em
consideração que há uma dificuldade intrínseca para conhecer as florestas
tropicais, em função da sua complexidade e riqueza. De um lado, o saber popular
sobre a mesma praticamente se extinguiu desde a colonização européia e, de
outro, o saber científico ainda não conseguiu desvendar grande parte das
espécies e relações ecológicas que compõem este bioma.
A abordagem cognitivista indica que esta pesquisa representa um esforço
em compreender mecanismos universais que determinam a relação do homem
com a natureza, e buscamos uma aplicação dos conteúdos e princípios que
constituem o funcionamento da nossa mente a uma população urbana que se
relaciona com um bioma específico, a floresta tropical. Sendo a abordagem
cognitivista muito ampla, escolhemos aprofundar a perspectiva da Teoria das
Inteligências Múltiplas, que preconiza a existência de, no mínimo, oito
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inteligências, no ser humano, sendo uma delas a inteligência naturalista.
Focalizamos, de um lado, a origem e o desenvolvimento da inteligência naturalista
e, de outro, a interação da mesma com as demais inteligências. Fundamentados
numa pesquisa teórica, fizemos uma descrição minuciosa das formas e dos
conteúdos mentais subjacentes à relação do homem com a natureza e
analisamos, na nossa pesquisa de campo, a manifestação da inteligência
naturalista e experimentamos possíveis intervenções pedagógicas que
estimulassem o seu desenvolvimento em interação com as demais inteligências.
1. 1. POBRE PLANETA TERRA!
Vários exemplos podem ser citados para ilustrar a grave situação do
planeta terra, situação esta da qual, só há pouco tempo, tomamos consciência. O
buraco na camada de ozônio ameaça todas as formas de vida; aliado a este
problema, está o efeito estufa, que é provocado pela emissão de gases poluentes
na atmosfera, e que causa o aquecimento gradual do planeta, trazendo
conseqüências catastróficas no clima e em todo o ciclo biológico. A destruição das
matas com a conseqüente destruição da fauna, dos mananciais, a desertificação,
a erosão e assoreamento dos rios; o que se alia a outro problema, não menos
grave, que é a poluição dos oceanos, lagos e rios.
O lixo produzido diariamente no planeta polui a terra, oceanos e rios; sua
queima polui o ar. O tempo de degradação natural dos dejetos não orgânicos
produzidos pelo homem é imenso e, hoje, o lixo tornou-se um dos maiores
desafios na administração das cidades. Um manejo adequado dos resíduos
sólidos requer, além do uso de vastas áreas para depósito e tratamento, a
implantação de coleta seletiva de lixo, com a conseqüente reciclagem dos
materiais, processo este que pressupõe uma atividade humana organizada e
educada para tal. Somos pressionados a agir rapidamente, pois análises menos
otimistas prevêem que, se não houver uma mudança radical na questão do lixo,
será difícil evitar que num futuro breve, estejamos todos, vivendo sobre toneladas
de lixo.
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Os estoques de água doce ficam cada vez mais comprometidos em todo
mundo, principalmente, em decorrência da poluição, mas também devido à
ocupação desordenada das margens dos corpos d´água e dos manguezais, sem
contar a retirada das vegetações protetoras das nascentes. O derramamento de
óleo pelas frotas marítimas, por sua vez, forma uma fina película na superfície da
água, inibindo a fotossíntese dos fitoplânctons, o que provoca a quebra da cadeia
alimentar e a conseqüente diminuição da oferta de oxigênio para a atmosfera.
Além disso, as chuvas ácidas modificam o pH das águas, inviabilizando a
sobrevivência dos peixes (Oliveira, 2000).
Ao mesmo tempo, há muitas questões ambientais relacionadas com o
uso do solo e subsolo. Os principais problemas ambientais relativos à litosfera, no
que dizem respeito às ações antrópicas, caracterizam-se pela exploração de
recursos não-renováveis, com os respectivos desgastes que estas explorações
acarretam. Um outro ponto fundamental, na consideração das questões
ambientais envolvendo o solo, é o processo de desertificação provocado pelas
queimadas, os desmatamentos, o assoreamento, os agrotóxicos e a salinização
(Oliveira, 2000).
O Brasil, no contexto da degradação ambiental, não representa
nenhuma exceção. Os problemas deste país chamam ainda mais atenção, pelo
fato de assistirmos - conscientes do crime - à degradação ambiental gerada pela
repetição do emprego dos mecanismos utilizados, anteriormente, no primeiro
mundo. Mecanismos, estes, que prometiam desenvolvimento e progresso, mas se
revelaram insustentáveis.
1. 2. COMO É VIVER NUM HOTSPOT SEM SABER DISSO?
De acordo com o World Watch Institute (WWI), algumas áreas do
planeta, chamadas hotspots, são prioridade global de conservação, por serem
singularmente ricas em biodiversidade e altamente ameaçadas. Menos de 1,5%
da superfície da terra se enquadra como hotspot, entretanto, são habitats
exclusivos para 35% de todos os vertebrados terrestres e 44% de todas as plantas
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vasculares. Dos 25 hotspots existentes no mundo, 15 são florestas tropicais. A
Mata Atlântica está classificada em quarto ou quinta lugar nessa lista, sendo que
Ilhéus ocupa, neste contexto, uma posição de destaque internacionalmente
reconhecida. Dos 7% de Mata Atlântica remanescentes no território brasileiro,
80% se encontram nos Estados de São Paulo e Paraná, enquanto a única área
significativa da Região Nordeste é justamente a Mata Atlântica do Sul da Bahia.
O historiador brasilianista norte-americano Warren Dean (2002) descreve
a longa história de devastação que este rico bioma sofreu em função da ocupação
humana.
Um dos primeiros atos dos marinheiros portugueses que, no dia 22 de abril de 1500, alcançaram a costa sobrecarregada de floresta do continente sul-americano nos 17 graus de latitude sul, foi derrubar uma árvore. Do tronco desse sacrifício ao machado de aço, confeccionaram uma cruz rústica – para eles, o símbolo da salvação humana (Dean, 2002, p. 59).
A exploração econômica da Mata Atlântica, afirma este autor, era “às
vezes movida por necessidades, mas quase sempre pela ganância irrefreável com
pouca ou nenhuma preocupação pela mata – símbolo, no Brasil, do atraso, do
subdesenvolvimento, do selvagem”. Em sua obra A Ferro e Fogo, descreve este
“meio milênio de gula”, metáfora usada, referindo-se ao processo de ocupação da
mata pelo homem. É bastante significativo o fato de esta história crítica conter na
sua primeira página o seguinte velho provérbio brasileiro: “Quem vier depois que
se arranje”.
A relação do homem com as florestas, revelam os relatos históricos, é
marcada pelo medo, o desprezo, a incompreensão ou pela simples vontade de
exploração. Dean (2002) comenta que botânicos da época heróica da taxionomia,
atirados nesse mundo vegetal maravilhoso e aterrorizante, ficavam paralisados e
mudos. Darwin achava quase impossível dar uma idéia adequada de suas
emoções, quando se deparou com a floresta tropical. Ele ficou literalmente
espantado diante daquela estranheza e sentia-se incapaz de associar este visual
à “natureza”, por ele conhecida como tão amistosa na Inglaterra. Enquanto sua
razão lhe dizia que ela era linda, as sensações não correspondiam.
Uma pesquisa, baseada na antropologia do imaginário de Durand
(1997), que envolveu adolescentes e professores da Rede Pública de Ensino de
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Itabuna, demonstra que “a natureza aparece, no nosso imaginário, como algo
negativo, sendo em muitos sentidos devoradora e contaminadora” (Caldas, 2004).
E explica o autor:
Utilizando método projetivo, constatamos que os apelos emocionados da comunidade conservacionista não sensibilizam tanto assim o homem comum, porque em verdade ele já traz em si uma idéia clara e distinta da natureza: árvores, felinos, caninos, rios, tempestades, mares, e assim por diante. Tais idéias são anteriores, são sempre vivas e dramáticas, e de nada adiantará uma propaganda logicamente desencadeada.
Outro botânico, relata (Dean, 2002), ao se deparar com a Mata
Atlântica, escreveu que o prazer com o sublime sempre nasce do medo e assim
devia ser se quiséssemos apreciar a Mata Atlântica.
Podemos visitar a floresta tropical e até especializarmo-nos na extração das mil e uma raridades que ela oferece, mas não moramos nela, exceto em desespero. O “morador” humano brasileiro da floresta vive em suas margens, perto de cursos d´água ou campos. Ali, onde dois ou mais ecossistemas se juntam, os caçadores-coletores conseguem reunir recursos variados. Quando sediam suas moradias na própria floresta, abrem uma clareira ampla de terra batida, larga o bastante para evitar o perigo de quedas de árvores e formar uma terra de ninguém onde insetos nocivos e répteis predadores possam ser avistados e eliminados. Para viver no meio da floresta, os moradores da floresta necessariamente a derrubam (Dean, 2002, p. 30).
A região da Mata Atlântica tornou-se a principal zona de ocupação
humana do Brasil, sendo que, na primeira metade do século XX, experimentou um
rápido crescimento da população e isto continuou a ser a principal causa da
acelerada destruição da floresta.
A grandiosa frente de assalto à floresta primitiva a cada ano ganhava centenas de milhares de recrutas. [...] A derrota súbita e decisiva da floresta fora inevitável, porque a agricultura, na maioria dos lugares era praticada como antes, com queimada da floresta primária seguida, mais cedo ou mais tarde, por pastagem de gado (Dean, 2002, p. 254).
Apesar desta trágica história, a região cacaueira do Estado da Bahia
conserva um dos mais expressivos conjuntos de remanescentes da Mata Atlântica
brasileira, constituindo uma das áreas mais importantes do mundo para a
conservação das florestas tropicais úmidas. Essas florestas são fundamentais,
não só para a conservação das espécies endêmicas (que aparecem unicamente
neste lugar) da fauna e flora, mas também para a conservação dos solos e da
água. Contribuem ainda para a manutenção da beleza da paisagem regional, a
qual se constitui em grande atração para os turistas que visitam a Bahia (Bright e
14
Mattoon, 2001).
Apenas para citar um exemplo, quando se fala da Mata da Esperança,
fragmento remanescente de Mata Atlântica no município de Ilhéus, muito mais do
que um simples espaço verde suburbano está em jogo. Um levantamento botânico
realizado por instituições locais, em colaboração com o Jardim Botânico de Nova
York, constatou 310 espécies arbóreas num único hectare do fragmento. Para
inserir isso num contexto de floresta temperada, um levantamento recente de um
remanescente da floresta nativa próxima a Washington encontrou apenas 14
espécies arbóreas numa área dez vezes maior! Entre a fauna foram identificadas
289 espécies de aves, dentro ou em torno do fragmento de mata, considerando-
se, oficialmente, que 11 destas espécies são ameaçadas de extinção (Bright e
Mattoon, 2001).
A região Sul da Bahia, especificamente a área compreendida entre os
rios de Contas e Jequitinhonha, apresenta a parcela mais significativa do bioma
Mata Atlântica do Nordeste do Brasil. Um estudo recente apontou um recorde
mundial em riqueza de espécies arbóreas, 456 espécies por hectare, o que
significa um dos maiores índices de biodiversidade por unidade de área do
planeta. Algumas espécies de fauna só existem no Sul da Bahia, muitos, como o
mico-leão-da cara-dourada, são ameaçados de extinção. Por todos estes motivos,
há uma séria preocupação com a preservação deste ecossistema (Bright e
Matoon, 2001).
O survey nacional intitulado “O que o brasileiro pensa sobre o meio
ambiente e do desenvolvimento sustentável”, realizado por Crespo (2003),
constitui a única base de dados nesta temática no Brasil que possui uma série
histórica, compreendendo os anos entre 1992 (Rio-92) e 2001 (Rio +10). A
pesquisa tentou apreender a sensibilidade, a informação e a disposição para se
envolver nas soluções dos problemas ambientais identificados e um dado foi
constante nas três versões da pesquisa: no Brasil predomina uma visão “natural” e
“edênica” do meio ambiente. Informa a autora que independentemente da classe
social, da escolaridade, da cor, do sexo e da religião, os brasileiros consideram o
meio ambiente como sinônimo de fauna e flora. Na visão do brasileiro, de modo
15
geral, “ser ambientalista é defender a natureza”.
Para a nossa população, problemas como desemprego, violência, carências de saúde e educação são as prioridades. Solicitadas a eleger um ranking de problemas (do mais prioritário ao menos), meio ambiente aparece como décima primeira prioridade (4% das indicações contra 66% dadas ao “desemprego”, líder do ranking). Mesmo quando selecionamos o segmento de população mais escolarizado, verificamos que “meio ambiente” vem em nono modesto lugar com 7% das indicações (enquanto “desemprego” teve 53%) (Crespo, 2003, p. 71).
A classificação dos conteúdos inconscientes dos alunos e professores,
de acordo com a metodologia da antropologia do imaginário, mostra que a relação
do homem com natureza, na nossa região, é eminentemente mística, sendo
caracterizada pela passividade ou até pela fuga dos sujeitos diante dos problemas
ambientais (Caldas, 2004).
Não é fácil, portanto, demonstrar a importância de se preservar a natureza, a menos racionalmente. A velocidade dos aviões, as intensas luzes, que fazem da noite uma noite de fadas, rumam num sentido contrário à natureza originária; a própria busca da liberdade prescinde do mundo natural, verdadeiramente, queremos nos libertar, pois o perigo, a dor e a morte provêm da natureza. Por que, então, conservaríamos florestas, baleias, ecossistemas, se em nós, vive e atua a velha estrutura do caçador pré-histórico (idem, p. 166)?
Este trabalho denuncia tanto a inadequação das propostas pedagógicas
de educação ambiental (demasiadamente marcadas por um discurso moralizante),
como a visão distorcida e idealizada, em relação à natureza, transmitida pelos
livros didáticos. Critica, ainda, o fato de os cursos de educação ambiental
oferecidos no Brasil serem sempre baseados em obras produzidas noutros países,
às vezes literalmente transcritos para o português. Além disso, os livros didáticos
adotados por nossas escolas não levam em conta a diversidade cultural brasileira.
No ensino fundamental, os livros didáticos adotados pelas escolas, são vendidos
em todo Brasil, possuindo um perfil universalizante. A homogeneidade dos livros
didáticos leva à desconsideração das particularidades do ambiente local e da
relação histórica e afetiva que o homem construiu com este ambiente (Caldas,
2004).
(...) a projeção de florestas coloridas, repletas de animais dóceis, não coincide com as imagens de florestas e de animais presentes na nossa imaginação. Entretanto os livros didáticos continuam expondo tais desenhos, pois já que toda educação se forja no modelo binário professor / aluno, arbitrando o conhecimento como terceira pessoa, então, ao menos
16
construamos um outro (a natureza) inofensivo. Como, pois, erigiremos uma pedagogia que transforme o homem num animal, simplesmente, obrigando-o a ações ambientalmente integradas, se tal premissa bate de frente com aquilo que o homem é e o que, certamente, também é natureza? Ao menos se construirmos algo como uma religião ambiental, que prometa um paraíso e a salvação aos que forem ecologicamente corretos (ibidem, p. 124).
Ao avaliar, em várias escolas de ensino fundamental, localizadas em
Ilhéus, o conhecimento das crianças de 1ª a 4ª série em relação à Mata Atlântica,
verificou-se que grande parte dos participantes da pesquisa sabe que existe mata
na região, entretanto não sabe o nome dessa vegetação. O conhecimento das
crianças sobre a Mata Atlântica foi caracterizado pela pesquisadora como
“superficial ou inexistente”. A mesma observou também que, embora certas
crianças consigam localizar a Mata Atlântica no mapa do Brasil, estas não
associaram a representação deste bioma no mapa com o fato de este existir na
região onde moram (Lage, 2004).
Verificou-se que a Mata Atlântica não é um tema abordado com
freqüência nas escolas. E a pesquisadora registra as seguintes observações:
Durante os encontros, notou-se surpresa dos professores na medida em que as características e a situação da mata eram apresentadas. Fizeram perguntas e comentários e tinham dúvidas simples sobre, por exemplo, o que resta de floresta na Região Sul da Bahia. Uma professora (...) contou que tinha feito um passeio para o sítio onde mora sua avó e que lá existia bastante mata. Ela perguntou se aquela floresta era Mata Atlântica (ibidem, p. 72).
É marcante, ainda, segunda a autora, que as crianças conhecem
poucos animais típicos desta mata, sendo comum a crença de que a nossa mata
possui leões, girafas, elefantes. As crianças e os professoras das escolas da
região Ilhéus e Itabuna, nada ou pouco sabem a respeito da Mata Atlântica. Vivemos num hotspot e não temos consciência disso. Estamos,
atualmente, diante de uma nova onda significativa de desmatamento em função
da crise da lavoura de cacau. A monocultura do cacau, embora tenha sido
responsável por vários problemas ecológicos, apresentava a vantagem de
preservar nas fazendas uma parte significativa da mata original, devido à
necessidade do sombreamento do cacau. Com o advento da “vassoura de bruxa”
e a queda da produção do cacau, a mata sofreu uma progressiva devastação.
Este processo se intensifica devido à desativação das lavouras cacaueiras e a sua
17
transformação em pasto ou sua substituição por outro tipo de cultivo. Em
conseqüência, registra-se o desaparecimento de espécies da flora e da fauna,
(algumas em via de extinção como o Macaco Prego do Peito Amarelo), além do
processo de erosão dos terrenos e assoreamento dos rios. Hoje, apesar de todas
as campanhas de conscientização, preservação e defesa do meio ambiente,
continua-se devastando, poluindo e destruindo a Mata Atlântica, em ritmo
acelerado.
Diante do exposto, consideramos que as crianças observadas e
acompanhadas nesta pesquisa vivem num hotspot, mais precisamente, em Ilhéus,
Sul da Bahia, uma cidade de médio porte, localizada na proximidade de
importantes remanescentes da Mata Atlântica. Devemos observar que estes
remanescentes foram reduzidos a cerca de 5% da área original. Resumindo, os
fatos indicam que a relação do homem com este ambiente se apresenta
especialmente acirrada no caso em estudo, por duas razões: primeiro, pelo fato de
tratar-se de um hotspot da floresta tropical, caracterizando-se pela extrema
riqueza da biodiversidade local e o risco iminente da sua destruição total e
irreversível; segundo, o tipo de população observada é urbana, caracterizando-se
pela falta de contato com a Mata Atlântica e a conseqüente erosão do
conhecimento biológico.
Em outras palavras, trata-se de uma população que, numa perspectiva
ambiental, vive num lugar muito especial do planeta Terra, mas que não possui
nenhum vínculo com este ambiente, uma vez que, tanto a falta de contato com a
natureza, como a ausência de conhecimentos específicos sobre a mesma,
dificultam que esta estabeleça qualquer tipo de relação construtiva com o meio
ambiente. Essa tensão foi o ponto de partida para a presente pesquisa. Portanto,
a nossa motivação para investigar a relação entre o ser humano e a natureza
partiu da observação de uma situação específica: uma população urbana –
marcada por uma história de devastação da natureza local -, que se encontra
inserida numa área, hoje, considerada um hotspot, sem que a mesma tenha
consciência disso.
Ao longo da pesquisa, tanto em função de uma revisão cuidadosa de
18
literatura (incluindo pesquisas recentes realizadas em diversos países, no Brasil e
na nossa região), como em função dos dados levantados na própria pesquisa,
iremos analisar profundamente esta relação dicotômica entre um homem urbano e
a Mata Atlântica e explorar as possibilidades de moldar esta relação dentro de
uma educação formal. Interessou-nos discutir, como o escasso conhecimento
veiculado pela cultura, tanto no meio formal, como no informal, sobre a Mata
Atlântica e a conseqüente ignorância da população sobre a importância em
conservar este ambiente tão especial, se reflete nas mentes das crianças da
nossa pesquisa. Analisando os potenciais cognitivos próprios da nossa espécie,
investigamos quais as condições educacionais necessárias, para que estas
crianças compreendam melhor este bioma e possam desenvolver os
conhecimentos, que lhes permitam cuidar do ambiente local.
1. 3. NA FILOSOFIA, A RACIONALIDADE, NA PSICOLOGIA, AS CIÊNCIAS COGNITIVAS – HORIZONTES PARA UMA NOVA ÉTICA DE VIDA
O paradigma filosófico-científico da modernidade ofereceu o berço
ideológico que justificou a exploração cega do ambiente pelos homens que,
durante muitos séculos, agiram a cada instante da sua existência como se fossem
a última geração humana. Como conseqüência da exacerbação de modelos
econômicos hegemônicos da modernidade - que promovem a utilização irrestrita
dos recursos naturais, em nome de um suposto progresso - instalou-se a
destruição irreversível de ecossistemas vitais.
Devido a dois aspectos históricos – de um lado a explosão demográfica
e, do outro, o tipo de relação que o homem estabelece com o ambiente - a crise
ambiental do séc. XX se tornou global, na sua abrangência e cada vez mais aguda
na sua manifestação. O crescimento econômico, em muitos casos, não trouxe o
esperado bem-estar para toda população, ao contrário, revelou-se frágil e suas
conseqüências incertas. Os efeitos da crise ambiental se revertem brutalmente
contra a humanidade, manifestando-se pela perda de qualidade de vida de grande
parte das populações.
19
A preocupação com a natureza não é nova, senão a urgência de uma
redefinição radical no tratamento das questões relacionadas ao meio ambiente. Há
vários séculos, algumas pessoas visionárias vêm manifestando suas
preocupações em relação ao tratamento dado à natureza, principalmente em
decorrência da intensificação da agricultura. Mas, durante muito tempo estas
vozes permaneceram isoladas sem grandes repercussões. Os movimentos
ambientalistas, que mobilizaram milhares de jovens no cenário internacional,
surgiram no séc. XX, após a segunda Grande Guerra como nova força política,
enquanto no Brasil, concomitantemente, despontaram as primeiras manifestações
em defesa da natureza no sul do país.
Os movimentos ambientalistas passaram a adquirir maior significado, no
nosso país, a partir dos anos 80, quando foi implantada a Política Nacional do
Meio Ambiente no governo do Presidente João Figueiredo, com a Lei 6.938 de 31
de agosto de 1981. Seguiram-se a criação do IBAMA, em 1989, e do Programa
Nacional do Meio Ambiente, entre outros movimentos em defesa do meio
ambiente. A partir de 1986 surgiu o Partido Verde no Brasil, que colaborou para a
conscientização da população, quanto à necessidade da redefinição dos
parâmetros adotados em relação aos usos dos recursos naturais. A Constituição
Federal de 1988 dedica um capítulo inteiro à questão ambiental e define que
incumbe ao Poder Público “promover a educação ambiental em todos os níveis de
ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (CF art.
225, VI).
A fim de concretizar este imperativo constitucional o Governo Federal
cria, em 1994, o Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA). Os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) formulados pelo Ministério de Educação
e do Desporto (MEC) representam mais um esforço direcionado para a
implantação definitiva da educação ambiental na educação formal. Os PCN´s, que
tratam das quatro primeiras séries do Ensino Fundamental consideram que a
educação ambiental deve estar presente no currículo como tema transversal.
Especificam, ainda, que as questões relacionadas ao meio ambiente
devem ser focalizadas no desenvolvimento de valores, atitudes e no domínio de
20
procedimentos éticos, mais do que em conceitos. Além disso, o tema meio
ambiente requer uma abordagem interdisciplinar, que proporcione à criança uma
aprendizagem significativa da realidade e viabilize o exercício da cidadania.
Apesar do reconhecimento geral da importância dos movimentos
ambientalistas e o conseqüente desenvolvimento de programas de educação
ambiental, constata-se que o quadro de degradação ambiental tem-se
intensificado progressivamente. O que caracteriza o momento atual como
momento especial, é que temos conhecimentos suficientes para medir grande
parte dos estragos causados pelo homem, prevendo, inclusive, as possíveis
conseqüências do modelo de desenvolvimento adotado.
É de suma importância, para a humanidade, a construção de uma nova
racionalidade, fundamentada em uma consciência ecológica, que não só deve
guiar as ações dos poderes público e privado, mas, especialmente, deve inspirar o
modo de vida da população em geral. A crise ambiental exige não só soluções
rápidas, como também a atuação mais profunda, por meio de projetos que atinjam
diretamente os jovens, para que, antes de tudo, se sintam responsáveis pelo
mundo em que vivem. Para a região sul e sudeste da Bahia, o desenvolvimento
sustentável de acordo com a nova racionalidade ambiental, é um imperativo. A
educação ambiental aparece, neste contexto, como estratégia essencial para
garantir a sustentabilidade da nossa sociedade dentro de um ecossistema que
possui relevância para toda humanidade.
A constituição de uma racionalidade ambiental e a transação para um futuro sustentável exigem mudanças sociais que transcendem o confronto entre duas lógicas (econômica-ecológica) opostas. É um processo político que mobiliza a transformação de ideologias teóricas, instituições políticas, funções governamentais, normas jurídicas e valores culturais de uma sociedade; que se insere na rede de interesses de classes, grupos e indivíduos que mobilizam as mudanças históricas, transformando os princípios que regem a organização social” (Leff: 2002, p.143).
É impossível pensar num modelo de desenvolvimento para a Bahia sem
considerar os riscos que ameaçam especificamente este lugar especial no mundo
ou ignorando, de alguma forma, o imenso potencial desta região. Para isso, é
necessário que a educação ambiental esteja presente em todos os âmbitos da
sociedade e, principalmente, dentro da escola. Devido ao seu poder
21
transformador, a educação ambiental deve se tornar peça fundamental no
currículo escolar – até então seu lugar é periférico em relação a outras disciplinas
tradicionais - devendo ser interessante e prazerosa, para que a criança
estabeleça, em primeiro lugar, uma ligação afetiva com o tema meio ambiente e o
reconheça como prioridade para sua formação.
Em muitos países a educação ambiental (EA), mais que disciplina
obrigatória, tornou-se ponto fundamental na formação do indivíduo como um todo,
na procura de mudanças radicais no sistema de valores da sociedade. Ela
representa uma ferramenta poderosa de conscientização das novas gerações,
bem como um meio de alteração de comportamentos, atitudes e valores que
caracterizam a relação do homem com a natureza. Nesse sentido, a educação
ambiental pretende, mediante a substituição do atual sistema de valores, em que
governam soberanamente as leis do crescimento econômico, promover o
desenvolvimento da consciência ambiental que levem a práticas sustentáveis na
relação com o meio.
Na literatura encontramos diversas teorias e metodologias, de amplitudes
várias, como por exemplo, as autoras Minnini Medina e Elizabeth Santos (1999),
com fundamento sócio-construtivista, propõem um Curso de Capacitação de
Multiplicadores em Educação Ambiental (PROOPAC), registrando sucesso
considerável. O Ministério do Meio Ambiente, através da Diretoria de Educação
Ambiental em colaboração com o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), a Unesco, o Ibama e a Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC) oferecem o Curso de Educação Ambiental à Distância, dirigido a
educadores e técnicos atuantes no sistema formal de ensino, nos órgãos
ambientais e demais instituições públicas e privadas. Esse curso traz, em seu
bojo, várias vertentes pedagógicas, entre elas a abordagem Construtivista de
Piaget, Ferrero e Furth. A sua abordagem se situa na vertente sócio-ambiental
defendida, também, por Minnini Medina junto com E.Left., E.Gaudiano e M.Novo.
O referido curso de Educação Ambiental aborda os conceitos, a história, os
problemas e alternativas relacionados à questão ambiental. Ao se reportar aos
documentos oficiais e à legislação pertinente, torna-se poderosa ferramenta, tanto
22
na formação de multiplicadores conscientes, bem como no auxílio ao
desenvolvimento de projetos na área da educação ambiental.
A proposta do Prof. Genebaldo Freire Dias (1999), apresentada em seu
livro – Elementos para Capacitação em Educação Ambiental, editado pela
Universidade Estadual de Santa Cruz, postula a necessidade de ir-se além de
uma proposta pedagógica construtivista, para uma estratégia reconstrutivista que
busque atingir um novo estilo de vida, baseado numa ética global, regida por
valores harmonizadores. Defende a idéia que a sociedade humana precisa, mais
do que em qualquer época da sua história - por estar colocando em risco a
sustentabilidade da sua sobrevivência no planeta - exercitar a crítica e a
autocrítica, a reflexão, a análise e a avaliação, e promover a solidariedade, a
honestidade e outros valores humanitários que tornem a nossa espécie mais
viável.
Percebe-se que a maioria das abordagens fundamenta-se em
pressupostos histórico-culturais, como determinantes para a compreensão da
relação do homem com a natureza. No entanto, apesar de todas estas iniciativas
importantes, nota-se que os esforços ainda não lograram o desejado resultado.
Embora algumas pesquisas apontem para um aumento sensível nos níveis de
consciência ambiental do povo brasileiro (Crespo, 2003), não se constata, na
população em geral, uma modificação significativa do estilo de vida e dos valores
e atitudes que determinam a relação do homem com a natureza. Na região sul
sudeste da Bahia, especificamente, o modelo de desenvolvimento sustentável não
chega a ser implantado, de forma sistemática. Ao contrário, observa-se que
predominam a exploração irresponsável dos recursos naturais, tanto pela
população de baixa renda que não tem outra opção para sobreviver, como pelas
autoridades políticas, empresários e agricultores que insistem em ignorar os riscos
inerentes a suas decisões e atividades sócio-econômicas. Portanto, vários
problemas ambientais graves se intensificam gradualmente na região, tais como
desmatamento, ameaça à biodiversidade, poluição dos rios, ocupação
desordenada do solo, lixões em lugares inadequados, o que provoca uma rápida
diminuição da qualidade de vida da população em geral.
23
A educação ambiental tem como objetivo a profunda modificação da
relação do homem com a natureza, a fim de garantir a sustentabilidade da
humanidade, apesar de sua busca inevitável e generalizada por desenvolvimento
e o bem-estar crescente de todos. As vertentes meramente ecológicas ou
preservacionistas são consideradas insuficientes, para obter uma compreensão
das múltiplas dimensões implicadas nesta mudança necessária. As abordagens
sócio-construtivistas procuram uma resignificação da relação do homem com meio
ambiente, considerando-o na sua plenitude enquanto espécie biológica e cultural.
É urgente a mobilização de todos os recursos educacionais para a
formação da nova geração, sendo que, com base nos conhecimentos psico-
pedagógicos mais avançados, esta será levada a promover uma sensível
transformação, quanto à sua relação com o meio ambiente. A sobrevivência do
planeta Terra, incluindo a espécie humana, pressupõe a realização urgente dos
objetivos da educação ambiental. Uma educação ambiental, que pretende ser
eficaz, deve ter como fundamento o estudo dos processos cognitivos que
caracterizam a aprendizagem, pois uma nova compreensão do universo e do lugar
do homem no mundo pressupõe um salto qualitativo nas nossas formas de
pensar.
A fundamentação teórico-metodológica para a elaboração dos programas
de educação ambiental, embora tenha origem nas diversas abordagens
pedagógicas, é subsidiada, quase que exclusivamente, pelas vertentes sócio-
construtivistas. Tanto a proposta do MEC (Medina e Santos, 1999), como a do
Ministério do Meio Ambiente (2000), integram basicamente as teorias
construtivistas e sócio-culturais, criando uma metodologia participativa e
emancipatória para a educação ambiental. Na sua origem filosófica, o
construtivismo tem uma postura relativista em relação ao ambiente físico (Delval,
1998), pois considera que a realidade, enquanto representações, deriva,
essencialmente, das relações sociais; ou seja, o conhecimento de mundo, nessa
perspectiva é sempre mediada pelo homem. Para subsidiar a educação ambiental,
precisamos, ao contrário, de teorias que levem em consideração os aspectos
ambientais, enquanto fatores não-relativizáveis. Precisamos de teorias que
24
expliquem o funcionamento da mente, o desenvolvimento humano e a
aprendizagem, com base na análise das possibilidades e dos cerceamentos tanto
biológicos, como culturais, próprios da nossa espécie e dos contextos sócio-
históricos.
Hoje, a EA não contempla as mais recentes descobertas sobre o
funcionamento da mente humana, objeto de estudo das novas teorias cognitivas
que vêm fazer frente à visão tradicional da inteligência. A Teoria das Inteligências
Múltiplas (TIM) de Howard Gardner, oferece um modelo atraente que enfatiza a
pluridimensionalidade da mente e defende a existência de oito inteligências no ser
humano. Ao lançar sua teoria em 1983, através da publicação da obra Estruturas
da Mente, Gardner defendeu, num primeiro momento a existência de sete
inteligências: a lingüística, a lógico-matemática, a musical, a corporal-cinestésica,
a visuo-espacial e as inteligências inter e intrapessoais. Em 2000, Gardner
reconheceu a existência de uma oitava inteligência: a naturalista.
De acordo com este pesquisador de Harvard, cada inteligência
corresponde a uma possibilidade específica de conhecer o mundo, funciona de
forma relativamente autônoma e uma combinação, única, das oito inteligências
caracteriza a mente de uma pessoa normal (Campbell, Dickinson, 2000). Para
Gardner, as inteligências são fruto do processo evolutivo das espécies – portanto,
sua base é biológica – mas, ao defini-las, de forma genérica, como “a capacidade
de resolver problemas significativos na vida real”, ele se refere à cultura enquanto
fator determinante no desenvolvimento das inteligências.
Numa crítica às propostas educativas tradicionais e construtivistas,
Gardner esclarece que estas dão uma ênfase maior ao desenvolvimento das
inteligências lógico-matemática e lingüística, ao fundamentar-se em uma visão
unitária da inteligência (Gardner, 1983:2002). A TIM mostra que possuímos
também outras inteligências: a musical, a corporal-cinestésica, a visuo-espacial, a
interpessoal, a intrapessoal e a inteligência naturalista. Esclarecendo o que seria a
inteligência naturalista e como se configura a expressão de seu papel adulto,
Gardner (2000) observa que o próprio termo naturalista caracteriza um papel
valorizado em todas as culturas. Pois o naturalista demonstra grande experiência
25
no reconhecimento e na classificação de numerosas espécies – a flora e a fauna –
de seu meio ambiente e as sociedades valorizam pessoas capazes de reconhecer
membros especialmente valiosos ou notadamente perigosos de uma espécie e de
categorizar organismos novos e desconhecidos.
De acordo com a TIM, é imprescindível o estímulo de todas as
inteligências do homem, para garantir o pleno desenvolvimento da sua
compreensão de mundo e das múltiplas relações que o constituem, incluindo as
relações entre os próprios homens. Essa pesquisa partiu, portanto, do
pressuposto de que o paradigma ambiental exige o desenvolvimento harmonioso
de todas as inteligências no homem, principalmente, da inteligência naturalista.
É evidente que a educação ambiental, ao pretender uma transformação
radical da relação do homem com a natureza, mediante o conhecimento e a
adoção de novos valores e atitudes, não poderia, de forma alguma, dispensar as
teorias que atendem, especificamente, à necessidade de compreender
integralmente as capacidades humanas, quanto ao seu desenvolvimento físico,
cognitivo, emocional e social. Todos os objetivos da educação ambiental indicam
que sua realização depende do desenvolvimento de vários conhecimentos,
habilidades e, sobretudo, da capacidade de estabelecer relações complexas entre
os diversos fatores que configuram um ecossistema.
Nota-se que a inteligência naturalista constitui um potencial bio-
psicológico, que, a priori, nada diz sobre a ética, pois a inteligência se revela
neutra em termos morais, sendo que o próprio Gardner faz esta afirmação na sua
obra Inteligência: um conceito reformulado (2000). Porém, como vimos, de acordo
com uma consideração filosófica das questões ambientais, é necessária uma nova
ética de vida. O educando deve desenvolver uma relação significativa com o meio
ambiente, que se traduz numa postura de respeito e afetividade diante da
natureza. Vislumbrou-se, neste sentido, a necessidade de analisarmos a
inteligência naturalista nas suas possibilidades e, também, nas suas limitações; e
ensejamos completar a compreensão sobre a relação do homem com a natureza
com outras dimensões, que caracterizam o nosso pensamento e o nosso agir,
especificamente aspectos da ética.
26
1. 4. O SABER AMBIENTAL: ULTRAPASSANDO FORMA, CONTEÚDO E LIMITES DA INTELIGÊNCIA NATURALISTA
O contato com as ciências cognitivas levou-nos a descobrir que o ser
humano possui uma inteligência naturalista. Ao mesmo tempo, a descrição inicial
desta inteligência evidenciou que apenas este potencial bio-psicológico não
poderia conter todas as explicações para a relação do homem com o ambiente.
Procuramos um conceito para o conteúdo e a forma que definissem esta relação
no âmbito da mente, que de alguma maneira contemplasse a inteligência
naturalista, os conteúdos da educação ambiental e as atitudes humanas guiadas
por uma ética de vida.
Um termo comum, quando se fala em educação ambiental, é
“consciência ambiental”. Assim, a construção de uma consciência ambiental no
educando é considerada o objetivo da educação ambiental de acordo com o
senso-comum. Porém, a área educacional não tem demonstrado uma grande
preocupação em definir precisamente a consciência. Acreditamos que o termo
consciência, pela sua complexidade e variedade de compreensões possíveis, é
um termo inadequado e que dificulta a aproximação em relação a um conceito
mais exato em educação ambiental. Portanto, sugerimos o uso do termo “saber
ambiental”, por que nos parece um termo adequado para explorar os diferentes
aspectos relacionados ao funcionamento de uma mente enraizada (no corpo e no
ambiente sócio-ambiental), na qual se inscreve a relação do homem com a
natureza. Encontramos muitas abordagens em relação ao termo “saber” no campo
da filosofia e da educação.
O saber ambiental, além de representar um novo tipo de racionalidade,
como preconizado por Leff (2002), será definido, neste trabalho, de acordo com
Os quatro pilares da educação de Jacques Delors – UNESCO (1996),
reconhecidos universalmente como parâmetros na definição dos objetivos na
educação. Estas recomendações descrevem o saber como fenômeno
pluridimensional: o saber enquanto conhecer, saber fazer, saber viver juntos e
saber ser. O saber contém, neste sentido, um caráter ético, de um saber não só
27
teórico, mas um saber aplicado na realidade e que tem conseqüências práticas.
O aspecto ambiental desse saber deve ser entendido, não como um
meio circundante em relação a um homem isolado, que nele, simplesmente, atua;
mas, ambiental refere-se ao conjunto de elementos e relações, em que o próprio
homem foi constituído ao longo de uma história evolutiva e, ao mesmo tempo, o
meio que constitui e com o qual interage em cada momento de sua vida. Ou seja,
defendemos uma visão de integralidade, que percebe o homem como parte da
natureza e cuja própria natureza está diretamente relacionada com o ambiente em
que se constitui. Diversas ciências, como a antropologia, a psicologia cognitiva, a
paleontologia e outras se dedicam a estudar a relação entre a natureza humana
“interna” e a natureza “externa”, inclusive em busca de uma compreensão mais
profunda da nossa relação com o meio.
Supomos, pois, inicialmente, que o saber ambiental, enquanto saber-
conhecimento, saber fazer, saber ser e saber viver juntos, dentro de uma ética da
sustentabilidade, deve ser mais amplo do que a inteligência naturalista em si.
Levantamos a hipótese de que o saber ambiental poderia ser descrito a partir de
uma análise profunda da inteligência naturalista, a descrição desta em interação
com as demais inteligências e a manifestação concreta destes diferentes
potenciais bio-psicológicos num contexto específico, sócio-ambiental.
A inteligência naturalista é um conceito novo, ainda pouco explorado
pelas ciências. Portanto, não encontramos praticamente literatura específica a
respeito deste potencial bio-psicológico humano, tendo que nos remeter às fontes
citadas por Gardner (2000), que permitiram a definição desta inteligência de
acordo com os critérios científicos exigidos para tal. Estas fontes, por sua vez,
levaram-nos à exploração de uma série de artigos científicos produzidos por
diferentes ramos das ciências cognitivas, na busca da descrição exata da
inteligência naturalista, das suas origens evolucionárias e dos seus princípios
desenvolvimentais. Nessa viagem pelos intrincados labirintos da mente humana,
descobrimos que a inteligência naturalista representa uma capacidade humana
primordial, pois, é responsável, tanto pelo conhecimento dos elementos do meio
percebidos pelo sujeito, como pelo estabelecimento de uma relação deste com os
28
mesmos. O conhecer do ambiente, consiste basicamente na identificação e
organização dos elementos, na formação de categorias e no estabelecimento de
relações.
A organização do real, em um só sistema coerente, é que torna
inteligível o mundo aos olhos do homem, sendo muito plausível que tenhamos
desenvolvido, ao longo da evolução da nossa espécie, categorias mentais
próprias, para interpretar o mundo natural e classificar seus elementos de forma
específica. Algumas categorias, como a distinção entre seres vivos e seres
inanimados, parecem universais, outras podem variar de acordo com o contexto
cultural, como; por exemplo, quando o ser humano é utilizado como protótipo dos
seres vivos na primeira infância, em função do escasso conhecimento biológico
que a criança possui. O estudo da inteligência naturalista nos levou a aprofundar
estas noções, em busca de uma compreensão de como a nossa espécie é capaz
de conhecer os meios biótico e abiótico, e de como este conhecimento determina
a nossa relação com a natureza.
Para que o ser humano possa se orientar no mundo, ele precisa
conhecer e ser capaz de prever as propriedades gerais dos objetos, possuir
conhecimentos mais específicos sobre plantas e animais e compreender
profundamente seus semelhantes. Esses conhecimentos existem em qualquer
cultura, independente de uma educação formal. Eles representam os conteúdos
mentais considerados intuitivos, populares, pré-científicos ou do senso comum.
Os conhecimentos intuitivos podem ser agrupados em domínios, sendo
que as ciências cognitivas os organiza em física intuitiva (conhecimento dos
objetos e de seus movimentos), biologia intuitiva (conhecimento dos seres vivos) e
teorias da mente (conhecimento da própria mente e da mente dos outros)
(Gardner, 1994). Grande parte das investigações cognitivistas é realizada no
intuito de desvendar estes conteúdos mentais e verificar o que possuem de
universal.
Estudos antropológicos mostram que todas as culturas humanas
classificam animais e plantas de forma similar. Este conhecimento pré-científico
tornou-se objeto de estudo científico, permitindo diferentes interpretações, levando
29
à formulação de teorias conflitantes. Parecem existir fortes cerceamentos nas
formas de organização do conhecimento local. A apreciação universal que leva ao
estabelecimento de categorias básicas (tipo, espécie) pode ser fruto de um
mecanismo adaptativo, como também a capacidade de ordenar espécies em
hierarquias, permitindo a incorporação de novas espécies de acordo com as suas
características biológicas (Atran, Medin e Ross, 2002).
Paradoxalmente, apesar dos rápidos avanços das ciências biológicas,
os conhecimentos práticos, dos nossos cidadãos em relação à natureza, estão
diminuindo. Essa é uma tendência geral na sociedade ocidental que aparece em
pesquisas que analisam a biologia intuitiva das pessoas. Evidenciam que, na
medida em que, os estudantes aprendem cada vez mais sobre microbiologia e
evolução, parecem estar cada vez menos familiarizados com as plantas e os
animais à sua volta. Há resultados de vários anos de pesquisa sobre os efeitos
cognitivos em pessoas que têm um contato reduzido com a natureza, fenômeno
este identificado como “processo de extinção da experiência” que resulta numa
“erosão do conhecimento biológico” (Atran, Medin e Ross, 2002).
O estudo da inteligência naturalista nos levará a discutir os seus
conteúdos: como a mente humana organiza e compreende os elementos do meio
circundante e quais os conceitos-chave que sustentam a construção do saber
ambiental, tendo em vista o desenvolvimento da inteligência naturalista em
interação com as demais inteligências. Investigamos alguns aspectos da
educação formal que influenciam o estabelecimento das categorias e o valor ético
atribuído às mesmas. Fundamentamos os nossos estudos nas teorias
desenvolvimentais, uma vez que esta abordagem, além de ser comum nas
ciências cognitivas - estudar o desenvolvimento cognitivo é reconhecidamente
uma forma de se compreender a cognição -, é adequada ao nosso foco da
pesquisa: a criança em desenvolvimento (população-alvo da pesquisa). Além
disso, objetivamos intervir neste desenvolvimento, através de uma proposta
pedagógica que contribui para a construção do saber ambiental.
A pesquisa de campo, aplicada numa escola com as séries iniciais do
ensino fundamental, nos forneceu uma grande quantidade de dados para realizar
30
uma descrição minuciosa do saber ambiental da criança da segunda infância, à
luz da Teoria das Inteligências Múltiplas. Buscamos explicitar em que consiste a
inteligência naturalista e como esta se manifesta; acompanhar alguns aspectos do
seu desenvolvimento e apontar as possibilidades e limites da mesma, frente à
necessidade da construção de um saber ambiental, considerando que este tem
um forte cunho ético, enquanto a inteligência é moralmente neutra. O percurso
investigativo desta pesquisa, ao analisar conteúdos e formas mentais, permitiu-
nos uma aproximação em relação a um ideal de homem para a educação
ambiental, - ideal descrito em termos de faculdades mentais e suas possíveis
manifestações -, assim como a elaboração dos conteúdos da educação ambiental,
- conteúdos descritos em termos de conteúdos cognitivos, ou seja, conceitos,
teorias e histórias.
1. 5. A INFÂNCIA: UM MOMENTO ESPECIAL, NUM LUGAR ESPECIAL
Evidentemente, é sensato trabalhar com educação ambiental na infância,
principalmente no nível pré-escolar e fundamental, pois é comprovadamente muito
mais fácil formar o ser humano do que reformá-lo. Os educadores sabem, quanto
o meio ambiente é valorizado pelos alunos jovens, que facilmente se encantam
com as belezas naturais; além disso, as crianças apresentam uma curiosidade e
uma sensibilidade inata para a descoberta dos mistérios da natureza, qualidades
estas muito pouco aproveitadas na educação escolar. A respeito disso, Gardner
(2000) considera: Assim como normalmente as crianças dominam a linguagem
desde pequenas, elas também têm uma predisposição para explorar o mundo da natureza. [...] No entanto algumas crianças desde cedo indiscutivelmente demonstram um interesse acentuado pelo mundo natural, além de capacidades agudas para identificar e empregar muitas distinções. As biografias dos biólogos costumam documentar um fascínio precoce por plantas e animais e um impulso para identificar, classificar e interagir com estes seres (p. 67).
O autor David Hutchison (2000), no seu livro Educação ecológica,
afirma que a compreensão da infância deve passar pelo conceito de
funcionalidade que visa, de um lado, a análise das concepções sobre a infância e,
de outro, a efetividade das mesmas em atender às necessidades físicas e
31
psicossociais da criança. Hutchison conclui que precisamos elaborar um papel ou
uma função para a criança na recuperação de relações sustentáveis entre os
homens e entre os homens e a natureza.
A necessidade de descobrir caminhos alternativos dentro dos quais as crianças possam exercer um papel integral na sociedade está implícita na visão formalizada da educação.(...) A flexibilidade da reposta das crianças às mudanças, sua aptidão “natural“ de maravilhar-se e sua necessidade de emoldurar uma relação inicial com o mundo poderiam servir, em conjunto, como o catalizador para uma reorientação mais abrangente para o mundo natural na população em geral (Hutchison, 2000, p.87).
A escolha da população desta pesquisa orientou-se pelos seguintes
fatos: primeiro, a criança na segunda infância se encontra num momento especial
da sua vida, um momento excepcionalmente propício à aprendizagem; segundo,
estas crianças vivem num lugar especial, um hotspot da floresta tropical, mais
precisamente a Mata Atlântica do Brasil, mas não conhecem este ambiente. Além
disso, esta pesquisa foi realizada numa escola, também especial. Trata-se de uma
instituição do terceiro setor, uma associação sem fins lucrativos, que foi pioneira
em implantar uma proposta pedagógica construtivista na região. A escola, em que
foi realizada a pesquisa, trabalha com um número reduzido de educandos em
cada sala, permitindo intervenções mais específicas junto aos sujeitos
pesquisados, além de possibilitar a observação cuidadosa dos resultados. A
participação ativa das crianças na pesquisa foi possível, assim como o contato
direto da pesquisadora com todas elas. Portanto, foi possível a coleta de muitos
dados diferentes, através de uma variedade de instrumentos. Ou seja, tratava-se
de um universo ideal, para a realização de uma pesquisa de cunho
eminentemente qualitativo.
Esperamos que os resultados desta pesquisa possam vir a subsidiar
programas educacionais, assim como contribuir para desenvolver intervenções
pedagógicas específicas para populações, em idade escolar, inseridas em
hotspots de florestas tropicais.
32
2. QUADRO TEÓRICO 2. 1. PRINCÍPIOS DE UMA EDUCAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE
A UNESCO, através do Relatório Delors (2000), os Fundamentos da
Nova Educação e Os Sete Saberes Essenciais à Educação do Futuro de E. Morin
(2001) faz uma tentativa de construir um paradigma universal para a educação,
devendo ser compreendido como um conjunto de princípios norteadores que
visam favorecer a aproximação dos povos, a construção da paz e a reformulação
da relação do homem com o meio ambiente, tendo em vista a sustentabilidade de
todas as formas de vida sobre o planeta terra.
Estes princípios, além de abordar o conhecimento, demonstram uma
grande preocupação com os limites do conhecimento. Superamos a idéia de que o
homem pode saber tudo – nota-se que, nas ciências naturais, o desvendamento
completo da natureza era considerado uma mera questão de tempo-, e temos que
nos preocupar em como comportar-nos diante do desconhecido. Os princípios
propostos por Morin (2001) norteiam as ações humanas em relação ao não-
conhecimento, na medida em que indicam uma postura e atitudes humanas para
lidar com os limites do conhecimento. Para ele, conhecer é, principalmente,
conhecer a si próprio, sua condição de homem com todas suas limitações,
inclusive no que tange às nossas possibilidades de conhecer.
Além dos princípios filosóficos propostos por Morin (2001), os
Fundamentos da Nova Educação da Unesco apóiam-se também nos quatro
pilares do Relatório Delors (1998). Observa-se que todos os princípios filosóficos
que devem nortear a educação na contemporaneidade estão intimamente
relacionados à educação ambiental. Esta inclui desde a detenção de
conhecimentos e informações que permitem compreender os fundamentos da
biologia e da ecologia, enquanto disciplinas científicas, até o domínio de
habilidades específicas, profissionais e tecnológicas indispensáveis à realização
de projetos. As grandes linhas, referentes à formação do homem no 3º Milênio,
contemplam a nova condição humana, condição esta, de uma espécie integrada
no contexto maior (natural e social), ou seja, de um ser humano que precisa
33
conviver solidariamente com as outras formas de vida, fazendo um uso
responsável dos recursos naturais que a terra oferece. Exigem, pois, a construção
de uma nova ética de vida.
A definição do conceito de educação ambiental para a sustentabilidade
não vem acrescentar novos objetivos à educação ambiental, mas, sim propor uma
nova abordagem da educação. Neste sentido, a educação ambiental exige, diante
dos desafios do desenvolvimento sustentável, uma reformulação radical de todo
processo educativo. As características da educação ambiental para a
sustentabilidade são as mesmas identificadas previamente pela UNESCO nos
Fundamentos da Nova Educação (2000), notadamente, holismo,
interdisciplinaridade, clarificação de valores e integração, pensamento crítico,
debate, aprendizado ativo.
Pode-se perceber que, diante dos objetivos da educação ambiental para
a sustentabilidade, se faz necessário uma reformulação dos objetivos da
educação em geral, também em Freire (1999). De acordo com este autor, os
princípios básicos da educação ambiental são: Considerar o meio ambiente em
sua totalidade, isto é, em seus aspectos naturais (físico-biológico) e culturais
(político, social, econômico, científico-tecnológico, histórico-cultural, moral e
estético). A educação ambiental deve constituir-se um processo contínuo e
permanente, presente em todas as fases da educação e seu enfoque é
interdisciplinar, de modo que se construa uma visão global e integrada das
questões ambientais.
É insuficiente, pois, a inserção da educação ambiental enquanto
disciplina isolada num currículo preexistente, ao contrário, a educação ambiental
para a sustentabilidade requer a reestruturação profunda, tanto do projeto
pedagógico, como do currículo da escola. No Brasil, os Parâmetros Curriculares
Nacionais, formulados em 1997 pelo Ministério da Educação e do Desporto –
MEC, consideram a educação ambiental um tema transversal, isto é, um tema de
caráter globalizante que está presente em todas as disciplinas. Pois,
ainda que a programação desenvolvida não se refira diretamente à questão ambiental e que a escola não tenha nenhum trabalho desse tipo, cada disciplina veicula uma concepção de ambiente,
34
valoriza o desvaloriza determinadas idéias ações, explicitam ou não determinadas questões, tratam de determinados conteúdos e, neste sentido, efetivam uma certa educação ambiental (PCN´s, 2000, pgs. 26, 27).
2. 2. O PARADIGMA HOLÍSTICO OU A INTEGRAÇÃO DOS SABERES
Na cosmovisão proposta pelo paradigma holístico, o universo é muito
mais que uma simples máquina composta por uma infinidade de elementos; é um
todo dinâmico indivisível. Neste sentido, o homem deixa de ser visto como o
senhor sobre a terra, pois, somos apenas um fio de uma teia cósmica de infinitas
relações. Surge então um novo conceito de espiritualidade e, em oposição à
concepção moderna dualista (que prega a separação corpo-mente), o paradigma
holístico vê a espiritualidade do homem de maneira integrada, formando uma
totalidade teórica-vivencial, através dos planos pessoal, comunitário, social e
planetário (Cardoso, 1995).
Na busca da compreensão do todo, a visão holística considera não
somente a razão e a sensação, mas também a intuição e o sentimento, como vias
de construção do real. Juntamente com as funções analíticas, típicas do
pensamento científico, precisa-se das funções cerebrais intuitivas, emocionais,
sintéticas e espirituais, para desenvolver uma percepção holística da realidade. O
caminho metodológico, que permite desenvolver a percepção holística da
realidade pelo ser humano, consiste na integração das ciências, da filosofia, das
artes e da tradição (Cardoso, 1995).
A abordagem cognitivista para compreender a relação do homem com a
natureza se fundamenta, em última instância, numa concepção holística de
homem. Pois o “cognitivo”, enquanto objeto de estudo, não significa que se
focaliza apenas a mente, em detrimento de outras dimensões humanas. A
cognição representa apenas um local em que as várias dimensões humanas se
encontram, na medida em que esta é mente (pensamento); cérebro (aspecto
físico); “berço” das diferentes inteligências; e, ao mesmo tempo produto e
produtora de cultura; um lugar na teia da vida.
De acordo com a Teoria das Inteligências Múltiplas, embora o seu foco
35
seja cognitivista, todas as dimensões humanas são contempladas através das
diferentes inteligências: a dimensão física, por exemplo, na inteligência
cinestésico-corporal; a emocional nas inteligências pessoais e a dimensão
racional, por exemplo, na inteligência lógico-matemática. Na Teoria das
Inteligências Múltiplas, as categorias tradicionais usadas na educação (em que o
homem é visto como um ser biológico, racional, emocional e espiritual) são
reformuladas em termos de inteligências, sendo o homem um ser
pluridimensional, em que as várias inteligências têm o mesmo grau de
importância. A existência de uma nona inteligência, ou seja, uma espiritual, está
sendo discutida em Gardner (2000).
Uma abordagem ecologicamente sensível da educação contém em seu
bojo a visão holística, pois coloca o homem dentro de um contexto mais amplo da
comunidade da Terra, ao mesmo tempo em que se preocupa fundamentalmente
com o futuro da humanidade e de todas as outras formas de vida do planeta
(Cardoso, 1995). Uma abordagem holística visa ajudar os educandos a
desenvolver o conhecimento, as habilidades e os valores de que precisam para
realizar-se pessoalmente, além de garantir a escolarização formal necessária, que
lhes permite responder adequadamente às mudanças globais radicais (Hutchison,
2000).
Desenvolver a consciência ecológica é a própria essência da educação
holística. Não uma ecologia antropocêntrica, que vê na natureza apenas o cenário
de desenvolvimento e realização da dimensão humana, por meio de seu poder de
transformação do ambiente natural pelo trabalho, mas uma ecologia profunda, que
recupere eticamente a nossa dimensão de ser participante do sistema vivo
planetário (Cardoso, 1995).
Neste sentido, a capacidade de sobrevivência da humanidade depende
da nossa alfabetização ecológica (Capra, 2003), que consiste especificamente
em:
• compreender os sistemas vivos;
• compreender a teia da vida;
• focalizar as relações;
36
• integrar arte e educação;
• desenvolver um senso de lugar. Um espaço educacional, que favorece a construção do saber ambiental
é um ambiente sensorial rico, que oferece segurança emocional e apoio da
comunidade. A busca do significado é uma experiência de contexto, que é nada
mais que um padrão de relações entre o objeto ou evento estudado e seu
ambiente. A essência do processo de aprendizagem consiste justamente na busca
de significados ou sentido, que é uma busca de padrões. É fundamental para
garantir a percepção de padrões pelo cérebro, um ambiente afetivo seguro, ou
seja, um espaço social construído com base na compreensão, na solidariedade e
na participação.
2. 3. A SEGUNDA INFÂNCIA COMO PERÍODO MAIS SENSÍVEL PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA ÉTICA DE VIDA
As diversas concepções de educação comportam visões diferentes
sobre a infância. Ao explorar as dimensões multifacetadas do que pode ser
chamado a construção social da infância, localizam-se as raízes das diferentes
concepções culturais na “idéia de criança”, concepções estas mantidas pelos pais
(gerações passadas e futuras), psicólogos do desenvolvimento e educadores.
Precisa-se desafiar a noção de que a infância é uma entidade estática, -
concepção que vem aparecendo na sua manifestação atual desde os tempos
imemoriais -, assim como a idéia de que existe uma “verdadeira natureza” da
infância, a qual esperaria ser descoberta.
Diversos estudos evidenciam que a segunda infância, entre os 6 e 12
anos, é um momento decisivo, pois a criança estaria empenhada em construir
uma cosmologia funcional do universo, sendo fundamental nesta fase a
articulação desta cosmologia em um modo formativo. Com base no confronto
entre as concepções de Froebel, Montessori, Steiner, Cobb, Shepard e outros
estudiosos do desenvolvimento infantil, Hutchison (2000) consegue sintetizar
algumas características da segunda infância, que tornam este período
37
especialmente favorável para a construção de uma cosmologia, ou seja, uma
visão de mundo, ecologicamente sensível.
Durante a segunda infância, existe um esforço explícito, por parte da criança, de exercitar novos modos de pensar, de buscar as causas das coisas e de estabelecer uma história pessoal para si mesma.(...) Nossa história moderna do desenvolvimento na infância desvalorizou bastante o papel da segunda infância, ao ponto de esse período ser considerado, com freqüência, como nada mais que uma ponte para os capítulos mais importantes da primeira infância e da adolescência (Hutchison, 2000, p.112 e 116) .
Estas considerações nos levam a crer que o paradigma holístico, numa
visão crítica, é adequado para fundamentar uma proposta curricular, enfatizando
a construção dos objetivos da educação ambiental e dos novos princípios da
educação. Deve ser levado em consideração, como vimos, que a segunda
infância é a fase de maior sensibilidade à construção da visão de mundo e,
portanto, de uma ética de vida. É necessária, ainda, uma redefinição cultural do
papel social dos jovens na sociedade, na medida em que a nova geração poderá
estruturar diferentemente a sua relação com o meio ambiente. Se considerarmos
que as inteligências se desenvolvem de acordo com o meio cultural e as
experiências pessoais, percebemos a importância da formação escolar, que
ocupa um espaço cada vez maior na vida dos jovens. Ou seja, a escola acabou
assumindo um dos papéis mais decisivos no desenvolvimento infantil. A respeito
do desenvolvimento infantil, Gardner (1994) considera que:
(...) a categoria do “desenvolvimento natural” é uma ficção; fatores sociais e culturais intervêm desde o início e tornam-se crescentemente poderosos bem antes de qualquer inscrição formal na escola. (...) Uma vez que a criança alcança a idade de seis ou sete anos, (...) a influência da cultura – manifesta em uma situação escolar ou não – tornou-se tão penetrante que se tem dificuldade em visualizar como seria o desenvolvimento na ausência de tais cerceamentos culturais (p. 93).
Portanto, este estudioso da cognição humana, nos oferece novas pistas
para o entendimento do desenvolvimento cognitivo, ao contrapor o conhecimento
intuitivo da criança ao conhecimento científico que deverá ser construído na
escola. Ao invés de falar de níveis ou etapas do desenvolvimento, Gardner (1994)
mostra, com base em estudos científicos largamente comprovados, como
funcionam as teorias construídas intuitivamente, na primeira infância; e, de como
estas nos acompanham até mesmo na fase adulta. Ao mesmo tempo, esclarece
38
até que ponto as teorias intuitivas podem representar sérios obstáculos ao
conhecimento científico, se não forem devidamente reveladas e reformuladas, à
luz da ciência, na educação formal. As metodologias de educação ambiental
propostas na pesquisa levam em consideração a compreensão de mundo intuitiva
elaborada na infância, uma vez que forma a base “teórica” sobre a qual se
trabalha na segunda infância.
2. 4. A TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E O SABER AMBIENTAL O eixo principal do presente trabalho gira em torno da idéia de que o
desenvolvimento do saber ambiental e, conseqüentemente, a formação de uma
nova ética, sustentável, de vida, pressupõe a ampliação das capacidades
cognitivas, ou seja, das inteligências. Tendo como pressuposto a teoria de
evolução neo-darwiniana, os novos desafios apresentados pela crise sócio-
ambiental da atualidade, tendem a provocar mudanças radicais nas formas
humanas de pensar, pois é solicitada plenamente a capacidade de adaptação do
homem. Supomos que são necessárias novas formas de compreensão da nossa
cognição, para enfrentarmos os novos desafios e encontrarmos meios de colocar
as nossas capacidades mentais a serviço da nossa sobrevivência. O conceito de
inteligência, na presente pesquisa, é estudado de acordo com as novas teorias
cognitivas, que se respaldam amplamente em diversas áreas de conhecimento,
das quais as mais importantes são a biologia, a neurologia, a história e a
antropologia.
A teoria das IM, proposta por Howard Gardner, surgiu em 1983 e foi
fruto de uma revisão radical da visão tradicional da inteligência.
O ponto essencial na teoria das IM, é que não existe apenas uma capacidade mental subjacente. Ao invés, várias inteligências, funcionando em combinação, são necessárias para explicar como os seres humanos assumem papéis diversos, como físicos, fazendeiros, feiticeiros, dançarinos (Gardner, 2000, p.61).
Tomamos como base, para a definição de inteligência, “a capacidade de
resolver problemas ou criar produtos que são importantes num determinado
ambiente cultural ou comunidade” (Gardner, Kornhaber e Wake: 1998, p. 215),
39
lembrando que Gardner estudou os estados finais (papéis adultos ou exemplos
superiores) de diversas sociedades e sua variedade nas diversas culturas e
épocas.
Gardner, ao publicar sua teoria em Estruturas da Mente (1983), definiu
inicialmente, sete tipos de inteligências:
1. Inteligência lingüística: Consiste na capacidade de pensar em palavras e usar a linguagem oral e escrita. Inclui a capacidade de explorar a sintaxe, a semântica e as dimensões pragmáticas da linguagem, a explicação, a interpretação e a metalinguagem.
Exemplo superior: Autor, poeta, jornalista, orador. 2. Inteligência lógico-matemática: Consiste na capacidade de
usar números e raciocinar logicamente. Refere-se à habilidade em calcular, quantificar, considerar proposições e hipóteses e realizar operações matemáticas complexas. Os tipos de processos relacionados à esta inteligência são: Categorização, classificação, inferência, generalização, cálculo e testagem de hipóteses.
Exemplo superior: Cientistas, matemáticos, contadores,
engenheiros e programadores de computação. 3. Inteligência musical: É a capacidade de perceber,
discriminar, transformar e expressar formas musicais. Consiste na sensibilidade em relação à entonação, melodia, ritmo e tom.
Exemplo superior: Compositores, maestros, instrumentistas,
cantores. 4. Inteligência visuo-espacial: Permite que a pessoa perceba as
imagens externas e internas, isto é, o mundo visuo-espacial, recrie, transforme e modifique imagens. Refere-se à sensibilidade à cor, forma, linha, configuração e espaço e às relações entre esses elementos. Ela inclui a capacidade de visualização, representação gráfica de idéias e à orientação numa matriz espacial.
Exemplo superior: Artista plástico, arquiteto, navegador, piloto. 5. Inteligência corporal-cinestésica: É a perícia no uso do
corpo todo para expressar idéias e sentimentos, a facilidade no uso das mãos para transformar coisas e inclui habilidades físicas específicas: Coordenação motora ampla e fina, equilíbrio, destreza, força, flexibilidade, velocidade e capacidades proprioceptivas, táteis e hápticas.
40
Exemplo superior: Ator, mímico, atleta, dançarino, cirurgião, artesão, mecânico, escultor.
6. Inteligência intrapessoal: Auto-conhecimento e a capacidade
de agir adaptativamente em função deste. Refere-se à capacidade de construir uma imagem precisa de si mesmo e na capacidade de usar este conhecimento para o planejamento e direcionamento de sua vida. Inclui auto-disciplina, auto-entendimento e auto-estima.
Exemplo superior: Psicólogos, líderes espirituais, filósofos. 7. Inteligência interpessoal: Consiste na capacidade de
compreender as outras pessoas e interagir efetivamente com elas. Decorre da sensibilidade em distinguir humor, intenções, motivações e sentimentos nos outros e reagir adequadamente aos mesmos. Pode incluir a habilidade em interpretar expressões faciais, voz e gestos e discriminar sinais interpessoais e a capacidade de responder a estes sinais de forma pragmática.
Exemplo superior: Professores, líderes, assistentes sociais,
políticos, atores.
E, quase dez anos após seu primeiro livro, Gardner incluiu uma oitava inteligência:
8. Inteligência naturalista: Consiste na capacidade em
reconhecer padrões na natureza, identificar e classificar objetos e as numerosas espécies, compreender sistemas naturais e aqueles criados pelo homem. Inclui a sensibilidade a outros fenômenos naturais, com nuvens, montanhas e paisagens.
Exemplo superior: Fazendeiro, botânico, biólogo, caçador,
ecologista e paisagista. A sua decisão de admitir a existência de uma oitava inteligência,
decorreu da possibilidade de aplicar à inteligência naturalista praticamente todas
os critérios de evidência (apresentados a seguir) subjacentes à definição de cada
inteligência. Ele justifica:
(...) a inteligência do naturalista é tão arraigada como as outras inteligências. Há, para começar, as capacidades essências para reconhecer exemplos como membros de um grupo (mais formalmente, de uma espécie); para distinguir entre os membros de uma espécie; para reconhecer a existência de outras espécies próximas; e para mapear as relações, formal ou informalmente, entre as várias espécies. Evidentemente a importância de uma inteligência naturalista está bem comprovada na história evolucionária, onde a sobrevivência de um organismo depende de sua habilidade de distinguir entre espécies semelhantes, evitando algumas (predadoras) e investigando outras (para
41
servir de presa ou brinquedo). A capacidade do naturalista se apresenta não só nos primatas evolucionariamente próximos dos seres humanos; as aves também podem discernir as diferenças entre espécies de plantas e animais (inclusive diferenças que não existam em seu ambiente esperado,“normal”) e até reconhecer as formas humanas numa fotografia (Gardner, 2000, p. 65,66).
Os vários critérios ou fontes de evidência – fruto de muitos anos de
estudo científico - para definir uma inteligência, deram ao seu trabalho o devido
rigor teórico-metodológico, que garantiu o acolhimento da sua teoria pelo mundo
científico. Sua teoria baseia-se numa síntese de evidências de várias fontes, das
quais são as principais:
1) Estudos minuciosos sobre o isolamento potencial por lesão cerebral. As evidências mais sólidas para a sustentação da existência de
inteligências separadas vêm do estudo de pessoas outrora normais que sofreram
algum tipo de dano cerebral por derrame ou trauma. Em vários casos descritos por
Gardner e outros cientistas, as lesões cerebrais pareciam ter afetado
seletivamente uma inteligência, deixando todas as outras intactas. Neste sentido,
Gardner é levado a defender a existência de oito sistemas cerebrais relativamente
autônomos.
2) A existência de savants, prodígios e outros indivíduos excepcionais. Mediante o estudo de populações de perfis intelectuais especiais,
Gardner chega a conclusão de que os savants e prodígios são indivíduos que
demonstram capacidade superior em parte de uma inteligência e um
funcionamento em baixo nível em outras. Parecem existir savants em todas as oito
inteligências.
3) Uma história desenvolvimental característico e um conjunto definível de desempenhos peritos de “estados finais”. Gardner sugere que as
inteligências estão relacionadas a uma participação em alguma atividade
culturalmente valorizada e que o desenvolvimento do indivíduo nesta atividade
segue uma determinada trajetória desenvolvimental, levando de manifestações
básicas e universais a um estado final de perícia.
4) Achados da biologia evolutiva indicam uma história evolutiva para cada inteligência. Gardner mostra, com base na biologia evolutiva, que
cada uma das oito inteligências tem sua origem na evolução das espécies, sendo
42
possível estabelecer relações entre as diversas espécies quanto ao
desenvolvimento das inteligências.
5) Uma operação ou um conjunto de operações centrais identificável. Gardner procura evidências nos mecanismos de processamento de
informações, sendo que compara o cérebro ao funcionamento do computador,
apoiando-se nas descobertas na área da inteligência artificial. Cada inteligência,
para funcionar, possui um conjunto de operações centrais que serve para acionar
as várias atividades inerentes a seu potencial.
6) Suscetibilidade à codificação em um sistema simbólico. Um dos
melhores indicadores de comportamento inteligente, segundo Gardner, é a
capacidade do ser humano de usar símbolos. Sistemas simbólicos são meios
através dos quais as culturas capturam e transmitem informações importantes.
Gardner conclui que cada inteligência possui seu sistema simbólico ou notacional.
A teoria das IM chama a atenção para as diferenças individuais, pois sustenta que
as mentes humanas não funcionam todas da mesma maneira, ou seja, os seres
humanos não têm os mesmos pontos fortes e os mesmos pontos fracos. “Todos
temos o mesmo conjunto de inteligências – num sentido, elas representam a
herança cultural da nossa espécie -, mas não temos qualidades iguais nem perfis
semelhantes” (Gardner:2000, p.201).
2. 5. O DESENVOLVIMEMTO HUMANO E O CONHECIMENTO DA NATUREZA
Durante os primeiros anos de vida as crianças em todo mundo
surpreendem os adultos, ao dominar rapidamente e com pouco auxílio formal um
conjunto de habilidades em diversas áreas. Talvez a aquisição, ao mesmo tempo,
mais regular e extraordinária, seja a linguagem, pois esta é aprendida, há
milênios, pelas crianças muito jovens em todo lugar, enquanto os lingüistas
continuam com uma certa dificuldade para descrever satisfatoriamente a
gramática de qualquer língua natural (Gardner, 1994).
Eles (os jovens) tornam-se competentes para cantar canções, dirigir bicicletas, executar danças, manter escrupulosa vigilância de rastros de dúzias de objetos em suas casas, na rua ou no bairro. Além disso, embora menos visivelmente, eles desenvolvem poderosas teorias sobre como o mundo
43
funciona e como as suas próprias mentes funcionam. Eles estão aptos a antecipar quais manipulações farão com que uma máquina não funcione adequadamente; eles podem rebater e apanhar bolas arremessadas sob variadas condições; eles estão aptos a trapacear em um jogo quando perceberem que alguém está tentando enganá-los. Eles desenvolvem sentidos claros de verdade e falsidade, bem e mal, beleza e feiúra – sentidos que podem nem sempre ser compatíveis com padrões comunitários, mas que se mostram notavelmente úteis e fortes (Gardner, 1994, p. 6).
Porém, ressalta o autor, parece existir uma grande diferença entre o
saber intuitivo e o saber escolar, que hoje é requerido em todo mundo
alfabetizado. Esta distância entre o saber natural e o escolar evidencia-se, quando
observamos as dificuldades que as crianças enfrentam, com freqüência, ao
entrarem na escola.
Os mesmos jovens que desenvolvem teorias complexas do universo ou
teorias intrincadas da mente, demonstram muitas vezes dificuldade em aprender
os conteúdos escolares: enquanto falar e compreender a linguagem mostra-se
simples, ler e escrever pode representar um sério desafio; contar e jogar é
divertido, mas aprender as operações matemáticas básicas pode inquietar e as
maiores conquistas da matemática podem até permanecer fora do alcance da
maioria das pessoas. Supõe-se, portanto, que a aprendizagem natural, universal
ou intuitiva que acontece nos primeiros anos de vida, seja de uma ordem
completamente diferente da aprendizagem escolar (Gardner, 1994).
Gardner (1994) distingue três personagens da aprendizagem:
1. Aprendiz intuitivo, ingênuo, natural ou universal. Criança que aprende
a linguagem e constrói teorias úteis sobre o mundo físico e o mundo das pessoas.
2. Estudante tradicional ou acadêmico, entre 7 e 20 anos tenta dominar
os conteúdos escolares e que, uma vez afastado do contexto da escola,
apresentando um desempenho-padrão, responde as questões científicas num
modo que se aproxima ao de uma criança da escola primária.
3. Especialista disciplinar, indivíduo, de qualquer idade, que realmente
compreende e domina os conceitos e habilidades de uma disciplina ou área e que
tem capacidade de utilizar seus conhecimentos para iluminar, de forma adequada,
novos fatos e situações.
Os cerceamentos neurobiológicos e de desenvolvimento típicos da
espécie humana explicam, porque crianças em toda parte desenvolvem teorias
44
comparáveis sobre o mundo no qual vivem e as pessoas com as quais se
comunicam. Ao mesmo tempo em que, crianças e jovens são capazes de dominar
uma grande quantidade de informações e usar fluentemente sistemas de símbolos
(como a linguagem), graças às condições neurobiológicas, essas teorias intuitivas,
ingênuas ou naturais, - embora úteis para resolverem uma série de desafios no
dia-dia e permitirem a sobrevivência da espécie -, fundamentam-se, do ponto de
vista científico, em muitas concepções equivocadas sobre o mundo.
Há, portanto, uma lacuna entre o aprendiz intuitivo e o estudante
tradicional. Estudantes que têm compreensões intuitivas perfeitamente adequadas
podem exibir grandes dificuldades em dominar as lições da escola. E, mesmo os
estudantes que provam ser “bons alunos”, falham em considerar as lacunas entre
suas concepções ingênuas e o saber transmitido na escola.
Desempenhos desejáveis manifestam-se, por exemplo, quando
estudantes de física recorrem às leis apropriadas da mecânica para buscar uma
explicação pelo não funcionamento de um aparelho de som; ou, quando um
estudante de história, que compreendeu os fatores que precipitaram a Revolução
Francesa é capaz de discutir as circunstâncias que levaram a um movimento
revolucionário contemporâneo. Observa-se que a compreensão disciplinar está
em constante mudança e nunca se encontra acabada; ao contrário do que ocorre
com os saberes ritualísticos ou rotineiros, baseados na simples memorização. A
maestria numa área de conhecimento é demonstrada, quando o saber disciplinar
se incorpora na compreensão corrente do indivíduo e passa a fazer parte da sua
cultura (Gardner, 1994).
Para Gil (1994, apud Garcia, 1997) há quatro enfoques educativos que
visam provocar nos educandos uma mudança conceitual, no sentido de aproximá-
los do conhecimento científico. São eles:
o ensino de conteúdos conceituais, no qual se pretende substituir o conhecimento cotidiano pelo científico; o ensino da metodologia científica, em que se pretende substituir os procedimentos próprios do conhecimento cotidiano pelos procedimentos próprios da ciência; o ensino do papel desempenhado pela ciência na sociedade, em que se pretende que o aluno compreenda a função social da ciência [...]; o “fazer” ciência, a partir da resolução de problemas entendida como pesquisa, enfoque que pretende propiciar uma mudança conceitual, de atitude e metodológica no pensamento
45
dos alunos, aproximando-os do conhecimento científico (apud, García, 1997, p. 87).
Gil e outros (1988, apud Garcia, 1997) não concordam com a dicotomia
rígida entre os diferentes saberes, nem com os enfoques de substituição do saber
cotidiano pelo científico. Alerta pelo risco apresentado por essa dicotomia, mesmo
quando se defende que o conhecimento cotidiano é um conhecimento natural,
seguro e eficaz para viver seu dia-a-dia. Pois, se existe a idéia subjacente de que
o conhecimento intuitivo funciona bem, torna-se desnecessária qualquer
intervenção pedagógica. Enquanto a realidade mostra que, em alguns campos do
saber, por exemplo na ecologia, o conhecimento intuitivo é absolutamente
insuficiente.
A educação, num sentido amplo, é uma das principais metas de todas
as culturas e estas têm empregado múltiplas abordagens para a educação de
seus jovens. Portanto, é impossível discutir aprendizagem, sem se preocupar com
as instituições da educação, que evoluíram historicamente de acordo com as
características e os valores das sociedades e, hoje, se encontram totalmente
especializadas. Se almejamos uma educação voltada para a compreensão, temos
que nos preocupar, não só com a natureza humana, mas também com as
instituições educacionais e os valores das sociedades e, no caso específico da
sociedade ocidental, com a educação formal, considerando o papel especialmente
importante que desempenha no contexto atual (Gardner, 1994).
Neste sentido, o conhecimento escolar deve estar ancorado no
pensamento próprio de cada cultura, pensamento que se organiza em diferentes
sistemas de idéias que interagem entre si. O processo de ensino-aprendizagem
caminha, assim, entre o simples e o complexo, na tentativa de compreender a
realidade e torná-la inteligível. É possível diluir a dicotomia entre o cotidiano
(intuitivo) e o científico, mediante a proposição de problemas, que sejam simples
ou cotidianos, na medida em que afetam nossas vidas, mas que, pela sua
complexidade de compreensão e resolução, exijam uma abordagem científica.
46
2.5.1. Todo mundo não aprende da mesma forma Quando falamos dos três personagens: o aprendiz intuitivo, o estudante
acadêmico e o especialista disciplinar, comparamos a aprendizagem mecânica,
rotineira à compreensão genuína, profunda e autêntica, como se fossem duas
opções claras e bem definidas e, como se a aprendizagem ocorresse de maneira
uniforme em todos os indivíduos. Porém, apesar do reconhecimento de certas
características universais dos processos de aprendizagem, de acordo com a
Teoria das Inteligências Múltiplas (TIM), os seres humanos possuem pelo menos
oito modos diferentes de conhecer o mundo, ou seja, todos nós somos capazes de
conhecer o mundo através da linguagem, da análise lógico-matemática, da
representação espacial, do pensamento musical, do uso do corpo para resolver
problemas ou fazer coisas, através da compreensão de si mesmo, dos outros e
dos demais seres vivos. O entendimento de que as pessoas apresentam perfis
diferentes de inteligências complica o exame da compreensão e da aprendizagem
humana, pois, na realidade, esta nova visão do ser humano exige, de um lado,
que se fale das compreensões e das aprendizagens humanas no plural e, do
outro, aponta claramente para a complexidade desses fenômenos. As diferenças
individuais desafiam os sistemas educacionais, que consideram homogêneos os
estudantes, a suas formas de aprender e o processo de avaliar (Gardner,
1983:2002).
O amplo espectro de perfis cognitivos da espécie humana, ao contrário,
requer um tratamento variado dos conteúdos e o uso de diferentes sistemas de
símbolos no processo de ensino-aprendizagem, como também um sistema de
avaliação diversificado. Enquanto o atual sistema educacional se fundamenta
quase que exclusivamente nos modos lingüísticos (e em menor grau lógico-
matemáticos) de instrução, muitas pessoas que são capazes de apresentar
compreensões significativas na vida real, fracassam no mundo escolar, por não
serem aptas a negociar com a moeda comumente aceita neste meio. Ao mesmo
tempo, estudantes bem sucedidos, freqüentemente, revelam-se incapazes de
aplicar o conhecimento escolar nos mais simples desafios do cotidiano.
47
2. 5. 2. Além dos aspectos universais da mente Piaget afirmou, que todo o pensamento durante um estágio de
desenvolvimento específico reflete as mesmas operações mentais subjacentes –
independentemente das dimensões com as quais estejamos lidando (espaço,
tempo, número, linguagem) -, pois a criança que está em determinado nível
operacional, executa as mesmas operações com respeito a diversos conteúdos.
Embora, ele tenha defendido que sua teoria representava aspectos universais da
mente, sua atenção, como vimos, dirigia-se para os problemas do tipo lógico-
matemático, científico e numéricos, o que foi considerado uma forma muito restrita
de analisar a cognição. David Feldman, autor do livro Beyond Universals in
Cognitive Development (1994), argumenta que a visão de Piaget foi limitada
demais ao focalizar as categorias kantianas de tempo, espaço e causalidade e
questionou a idéia de que estas dimensões pudessem ser encontradas
universalmente e desenvolvidas independentemente dos ambientes culturais
(Gardner, Kornhaber & Wake, 1998).
Feldman descreve três tipos de domínios que precisam ser levados em
consideração para compreendermos o desenvolvimento:
1. Os domínios culturais – domínios que todos os indivíduos de uma
mesma cultura conhecem bem. Por exemplo, na nossa cultura espera-se que
todos os adultos saibam ler e escrever. Em uma outra cultura, a alfabetização
pode não ter nenhum valor, mas espera-se que todos os indivíduos aprendam a
pescar, caçar ou plantar. O fato de que na nossa cultura relativamente poucas
pessoas são capazes de realizar as operações formais propostas por Piaget,
mostra que não se trata de uma capacidade universal, (o que não exclui a
possibilidade de, um dia, esta capacidade se tornar um traço universal da cultura
ocidental). Cada cultura organiza a sua educação em função de certos domínios
considerados prioritários e cada sociedade tem a tendência em considerar -
erroneamente - que estes domínios são universais.
2. Os domínios baseados nas disciplinas são aqueles que podem ser
dominados ao longo de alguns anos de uma cultura. Nem todos os indivíduos de
48
uma cultura precisam dominar estas áreas de conhecimento, como, por exemplo,
biologia, história geral, xadrez, ballet etc., mas, uma certa mestria pode ser
esperada em certos subgrupos de uma cultura.
3. Os domínios únicos – apresentam áreas de habilidade e capacidade
que são dominadas apenas por um indivíduo, como, por exemplo, a capacidade
de encontrar uma carta que foi colocada num lugar errado no arquivo de uma
pessoa. Esses domínios não interessam especificamente aos outros membros de
uma cultura, embora uma invenção particular, excepcionalmente, possa vir a
afetar uma cultura inteira. Isto ocorre normalmente em disciplinas acadêmicas,
sendo um exemplo a invenção do cálculo por Newton e Leibnitz no final do século
XVII, quando criaram uma série de práticas que, com o tempo, tornaram-se uma
disciplina reconhecida.
Em apoio aos estudos de Feldman, há toda uma área de pesquisa sobre
os prodígios, indivíduos que, ainda criança, apresentam um desempenho
equivalente a um adulto em algum domínio (geralmente restrito a um só domínio).
Os estudos da perícia em outras áreas – por exemplo, conhecimento sobre vários tipos de dinossauros – confirmam que indivíduos jovens podem atingir níveis adultos de habilidade por meio da prática, mas essas habilidades permanecem notavelmente restritas aos conteúdos específicos através dos quais se desenvolveram (Gardner, Kornhaber & Wake, 1998, p. 137).
De acordo com os estudiosos desta linha, em geral, os perfis de
realização são irregulares, em vez de uniformes. A visão pluralista ou modular
constitui a essência da teoria das inteligências múltiplas. Piaget e a maioria dos
teóricos da mente consideraram a inteligência como um conjunto de habilidades
do tipo lógico-matemático e lingüístico, ao passo que outras habilidades, como
velejar, tocar um instrumento, possuir apurado auto-conhecimento etc. foram
considerados meros talentos sem muita relevância.
Os investigadores que têm uma visão modular da mente diferenciam-se da comunidade de pesquisa piagetiana por vários fatores. Primeiro, eles prestam atenção não apenas àquelas capacidades que todos os seres humanos podem ter, mas também àquelas que se apresentam em certos ambientes culturais. Segundo, eles centram-se naqueles ambientes educacionais que inculcam níveis elevados de habilidades, e também examinam as pessoas que manifestam uma grande competência (inclusive num nível adulto) enquanto ainda são crianças. Adicionalmente eles questionam a noção de estruturas ou competências gerais , à Piaget; em sua análise, as
49
crianças podem estar num nível de sofisticação em determinado conteúdo, mas num nível bem superior (ou inferior) de sofisticação em outro conteúdo (Gardner, Kornhaber & Wake, 1998, p. 138).
O foco nos domínios oferecidos numa cultura e uma análise em quais o
indivíduo se destaca mais, não só produz uma perspectiva ampliada da mente,
como leva em consideração a importância das várias habilidades para o
funcionamento de uma sociedade.
2. 5. 3. Constrangimentos para o conhecimento
Um dos cientistas mais influentes da virada do século XXI é Noam
Chomsky (1972), um lingüista norte-americano que ficou conhecido por uma série
de idéias vigorosas sobre a mente humana. Ele afirma que as habilidades de
linguagem surgem porque os seres humanos possuem uma “faculdade de
linguagem”. Assim como possuímos órgãos, que viabilizam o funcionamento do
nosso corpo, a mente humana consiste de uma série de capacidades ou “órgãos
mentais”, que seguem regras prescritas. Isto explica, porque as crianças, em todo
mundo, aprendem a falar uma língua (ou mais) com facilidade, independente de
terem bons professores, uma vez que possuem regras e princípios abstratos que
lhes permitem compreender a língua que é falada ao seu redor e produzir
sentenças compreensíveis nessa língua (Gardner, Kornhaber & Wake, 1998).
Chomsky (1972 apud Gardner, Kornhaber e Wake, 1998) afirma que é
impossível aprender uma língua com base numa visão comportamentalista
(Skinner) ou piagetiana da aprendizagem e defende que o mais importante é
identificar o conhecimento inato, ou seja, aquele que a criança traz no seu
nascimento e que é característico da nossa espécie. A abordagem do estudo da
cognição - em que se examina os domínios da inteligência infantil, um por um, até
o desenvolvimento pleno ou adulto dos mesmos – passou a ser chamada de
“abordagem dos constrangimentos” (em inglês constraints), sendo os maiores
estudiosos nesta área Susan Carey, Gelman R., Hirschfeld, L. e Frank Keil.
Este último centrou-se no estudo da ontologia, ou seja, naquilo que
existe para a mente humana. Abordando este complexo território filosófico, Keil
50
estudou os tipos de objetos que as crianças conseguem perceber e as maneiras
pelas quais elas os agrupam preferencialmente. Ele constatou que até crianças
muito pequenas percebem a diferença entre objetos, que são vivos (plantas e
animais), e objetos, que não são vivos (brinquedos, máquinas). Elas acham
absurdas e rejeitam as apresentações ou perguntas, em que uma entidade viva é
transformada numa entidade não-viva (como por exemplo, um gato numa xícara)
ou vice-versa. Embora façam quantitativamente menos distinções do que pessoas
mais velhas, o pensamento das crianças é submetido a certas coações que
produzem uma regularidade nos seus agrupamentos. Elas, por exemplo, não
dizem que um objeto não-vivo está com fome, está zangado ou teve uma idéia
brilhante, assim como jamais afirmam que um objeto não-vivo foi feito por uma
máquina ou que ele crescerá se for molhado diariamente. Evidentemente estas
distinções ontológicas não são ensinadas, portanto, supõe-se que as mentes
jovens são construídas de tal forma que fazem facilmente alguns tipos de
distinções, enquanto não fazem outras (Gardner, Kornhaber & Wake, 1998).
Alguns estudiosos na tradição dos constrangimentos estudaram como a
criança desenvolve teorias (Carey, 1985; Carey & Spelke, 1994; Hirschfeld &
Gelman, 1994; Keil, 1991). Segundo eles, a criança pequena analisa o mundo
separando-o em amplos domínios – o vivo, o humano, o inanimado – e
desenvolve teorias sobre esses domínios. Esses estudiosos consideram que a
criança desenvolve, desde pequena, uma teoria da vida (todos os objetos que se
movem são vivos; todos os objetos que não se movem estão mortos); uma teoria
da matéria (a matéria é composta de pequenos fragmentos, que podemos ver; os
objetos mais pesados caem mais rapidamente do que os mais leves); uma teoria
da mente (todos os seres humanos têm mente; aqueles animais que se parecem
conosco têm mentes parecidas com a nossa). Algumas dessas teorias são
coerentes com uma visão científica da realidade, outras não (Gardner, Kornhaber
e Wake, 1998). Como essas teorias mudam e se é que mudam realmente com a
educação formal é uma questão central da teoria das inteligências múltiplas e
representa uma das grandes preocupações de Gardner (1994).
Uma vez que Piaget enfatizou a descrição de crianças em ambientes relativamente naturais, os processadores da informação tentam
51
modelar os comportamentos com um computador. Piaget enfatizou a natureza unitária do conhecimento, de modo que os modularistas tentam mostrar as diferenças entre vários domínios. Já que Piaget mostrou a criança construindo conhecimento essencialmente a partir de zero, os teóricos do constrangimento tentam mostrar que o conhecimento está presente no nascimento e os fatores que constrangem a maneira pela qual o conhecimento se desenvolve a partir daí (Gardner, Kornhaber & Wake, 1998).
Annette Karmiloff-Smith (1999) busca uma síntese entre a teoria
piagetiana e a concepção modular da mente. Esta pesquisadora, ao aventurar-se
além da modularidade, apresenta uma perspectiva desenvolvimental da ciência
cognitiva na sua obra Beyond Modularity: a developmental perspective on
cognitive science. Ela admite a existência de domínios separados de
conhecimento, cada um com suas próprias regras e constrangimentos. Ao mesmo
tempo, ela continua defendendo a idéia piagetiana de que a criança constrói
ativamente o seu conhecimento, ou seja, que a criança realmente se desenvolve.
Para essa estudiosa é importante diferenciar domínio de módulo,
considerando-os do ponto de vista desenvolvimental. No pensamento infantil, o
domínio corresponde a um conjunto de representações que constituem uma área
de conhecimento, como a língua, o número, a física etc. O módulo é a unidade de
processamento de informação que encapsula o conhecimento e o processamento
do mesmo. Mas, a consideração dos domínios não necessariamente tem que ser
casada com uma visão modular da mente e vice-versa. No seu livro, ela apresenta
os resultados de estudos em cinco áreas de conhecimento ou domínios:
linguagem, número, notação (desenho), entendimento do mundo físico e
entendimento do mundo social-psicológico (a teoria da mente). A autora mostra
que, em cada domínio, certas questões são específicas e admite uma certa
independência no desenvolvimento destes, embora considere que as crianças
atravessem as mesmas fases gerais em cada um dos domínios, ao longo do seu
desenvolvimento.
Karmiloff-Smith (1999) descreve, para cada domínio, detalhadamente,
como todas as crianças começam com um conhecimento implícito – com a
capacidade de realizar tarefas, reconhecidamente de uma forma rígida e inflexível,
como um programa. Porém, com a prática e o feedback constante obtidos ao
longo do tempo, o conhecimento da criança se torna mais flexível e ela começa a
52
desenvolver formas mais explícitas de conhecimento. Ainda, segundo esta
pesquisadora, através de ciclos de “redescrições representacionais” a criança
torna-se consciente do que está fazendo, ao refletir e falar sobre a sua ação,
sendo que a fala leva finalmente à teorização. Essa seqüência acontece em todos
os domínios, embora em ritmos diferentes, e em relação a todos os tipos de
conteúdos. São esses os processos metacognitivos descritos anteriormente.
2.5.4. Novas concepções do desenvolvimento humano
Piaget denominou a primeira infância de sensório-motora, enfatizando
como as formas iniciais de conhecimento dependem da ativação e do
desenvolvimento dos órgãos sensoriais e das atividades motoras. Parece que de
modo similar aos pré-socráticos que, ao começarem a ponderar questões
filosóficas, primeiramente, se concentraram na natureza do mundo externo,
buscando assegurar-se de elementos fundamentais a partir dos quais o nosso
mundo foi construído, as crianças recém-nascidas são consideradas, na teoria
piagetiana, de exímias exploradoras do meio físico, em busca da construção das
categorias ontológicas fundamentais. Gardner (1994), porém, chama atenção de
que o conhecimento do meio, mesmo nesta fase, vai muito além dos objetos,
sendo dirigido, em grande parte, para o conhecimento das pessoas, ou seja, do
meio social. Assim, pesquisas recentes demonstraram que os bebês são
extremamente sensíveis a expressões faciais e respondem diferentemente a
rostos normais ou distorcidos.
Se de um lado Piaget conseguiu derrubar a visão inatista cartesiana,
através da demonstração de que as categorias de espaço, tempo e as relações de
causalidade são construídas ao longo de um complexo processo de
desenvolvimento, ele subestimou as capacidades infantis acerca de um grande
número de compreensões precoces não-verbais. Conclui-se que a relação da
criança com a natureza, como uma das questões mais arraigadas da psicologia
cognitiva, ainda não têm respostas definitivas, mas exige que analisemos o
desenvolvimento humano, tendo em vista os cerceamentos genéticos (na medida
53
exata em que a ciência nos oferece pistas neste sentido), ao lado de uma
compreensão profunda das pressões culturais que interagem com o organismo
(Gardner, 1994).
As impressões, experiências e práticas da primeira infância não são
captadas conscientemente pela criança, pois falta-lhe a capacidade simbólica para
tal. No entanto, este conhecimento, embora “esquecido” e em grande parte
inacessível para nós, constitui a base de todo desenvolvimento cognitivo
subseqüente. Ao contrário, a fase dos 2 a 6 anos é marcada pelo desenvolvimento
da capacidade simbólica. Apesar das muitas diferenças entre os vários
pesquisadores, há uma unanimidade em admitir que o “domínio simbólico” é uma
característica universal desta fase. Toda educação posterior, seja formal ou
informal, ergue-se sobre a pressuposição de que a criança possa desenvolver a
capacidade simbólica, sendo o domínio mais importante a linguagem.
A aprendizagem de uma primeira língua continua sendo um dos
comportamentos mais impressionantes da nossa espécie, na medida em que este
processo, tão complexo, acontece de forma desproporcionalmente natural e
automática. Efetivamente, todas as crianças normais no mundo aprendem a falar
nesta fase sem ajuda específica; e, até as crianças Kaluli (só para citar um
exemplo curioso), cujos pais não falam diretamente com as mesmas, aprendem a
falar sua língua materna de forma perfeitamente adequada (Gardner, 1994).
2.5.5. A linguagem como instrumento para compreender o mundo: nomeando os elementos e construindo roteiros
A linguagem mostra-se crucial para conhecer o mundo, pois é através
dela que estabelecemos categorias ontológicas, ou seja, nomeamos e
classificamos objetos, elementos e entidades do mundo. A forma como
conhecemos o mundo, nomeando seus elementos e inferindo coisas sobre os
mesmos a partir das categorias conhecidas, - até poucas décadas um assunto
típico da filosofia -, representa, atualmente, uma das áreas de estudo mais ricas e
intrigantes da psicologia cognitiva.
54
Segundo Gardner (1994), estudos cuidadosos dos procedimentos
classificatórios humanos desmantelaram completamente a assim chamada visão
“clássica”, a qual defendia que os elementos do mundo eram classificados em
nossa mente de acordo com um conjunto de características definidoras
necessárias e suficientes (um coelho é um animal peludo com orelhas compridas,
a cadeira é um móvel com quatro pernas etc.). Uma refutação simples desta
teoria, cuja origem está na filosofia grega, é o fato de que um coelho continuaria
sendo reconhecido como tal, mesmo que tivesse apenas três pernas.
Em oposição a esta visão, a categorização parece ocorrer mediante a
aplicação de dois princípios básicos: primeiro, as categorias são organizadas em
torno de exemplos representativos, chamados de protótipos que não são nada
mais que “boas versões” de uma classe de elementos; segundo, há um nível de
especificidade no qual tendemos a produzir nomes, isto, é, os seres humanos
parecem predispostos a nomear elementos ou categorias em um nível específico,
o chamado “nível básico”. O nível básico corresponde a uma categoria
considerada lugar comum e facilmente percebido e reconhecido, assim, por
exemplo, é mais provável que um coelho seja chamado de “coelho” do que de
“animal” (categoria superordenada) ou “um coelho pequeno de orelhas redondas”
(categoria subordenada). Nomear e classificar são aspectos centrais da linguagem
e psicólogos enfatizam a importância destas capacidades, na medida em que
abrem todo um universo de significados à criança pequena e ajudam a introduzir
novas áreas de experiência (Rosch et al., 1975 apud Atran, Medin e Ross 2002;
Gardner, 1994; Karmiloff-Smith, 1999).
Ao mesmo tempo, a linguagem pode limitar o seu usuário, pois, quando
há estereótipos ou preconceitos no sentido das palavras aplicadas, a rotulação de
um elemento ou de uma pessoa pode impedir que ocorra uma interação direta,
verdadeira e aberta entre o sujeito e o meio. Erroneamente, a capacidade de
emitir um nome e de relacionar um conjunto de figuras é, freqüentemente, visto
como sinônimo de conhecimento de uma entidade ou conceito. Mas, pesquisas
com estudantes demonstraram que, embora estes, muitas vezes, sejam capazes
de nomear elementos e conceitos em testes padronizados, demonstram não ter
55
uma compreensão mais profunda e permanecem incapazes para aplicar estes
“conhecimentos” de forma criativa (Gardner, 1994; Wolff, Medin e Pankratz, 1999).
Outro uso da linguagem muito importante e criativo consiste na
descrição de eventos recorrentes, ou seja, o uso de “roteiros”. Portanto, de um
lado temos a aplicação, pela criança, de nomes ou rótulos aos elementos do seu
ambiente, revelando o processo de categorização e organização mental
subjacente à construção do conhecimento de mundo pela mesma. Do outro lado,
temos o uso de roteiros ou seqüências rígidas de eventos familiares, que a criança
verbaliza, através da identificação e do ordenamento de acontecimentos ou
atividades, associando elementos díspares, dando-lhe um sentido para a sua
vivência. Gardner (1994) observa que o uso de roteiros torna-se mais visível em
função da linguagem, o que não significa, porém, que este depende
exclusivamente da mesma. Pois, pesquisas demonstraram que mesmo antes do
domínio da linguagem, bebês são capazes de associar objetos que pertencem a
uma atividade recorrente, como, por exemplo, crianças de apenas 14 meses
podem apontar para os objetos que fazem parte do roteiro “vestir-se pela manhã”
ou “arrumar-se antes de sair de casa”.
Entretanto, o conhecimento de roteiros integra-se logo à linguagem e
com dois a três anos de idade as crianças são aptas a descrever roteiros, ricos em
detalhes, referentes aos eventos que acontecem nas suas vidas ou, também, a
respeito de acontecimentos dos quais ouvem falar. As versões lingüísticas de
roteiros são muito solicitadas na escola, mas as versões não verbais observadas
pelas crianças em diversos contextos (desenhos animados da televisão, afazeres
domésticos, atividades num supermercado, numa oficina mecânica etc.) são
também de fundamental importância para a sua compreensão de mundo
(Gardner, 1994).
Os roteiros conhecidos pelas crianças representam um importante
instrumento de aprendizagem, na medida em que estes conjuntos genéricos de
seqüências de eventos são utilizados para interpretar eventos recentemente
encontrados e, ainda, desconhecidos. Assim, quando a criança encontra um livro
de contos ou observa uma seqüência de eventos num laboratório de ciências na
56
escola, ela procura comparar estas novas séries com os roteiros com os quais já
está familiarizada. Neste sentido, além de oferecerem uma ajuda conveniente para
a memória, os roteiros constituem ferramentas cognitivas extremamente
poderosas, para compreensão do mundo (Gardner, 1994).
Por serem relativamente rígidos e seu uso ser instantâneo e automático,
os roteiros, também, contém um certo risco, podendo levar a pessoa a não
perceber detalhes de um evento ou levá-la a lembrar, dos mesmos, de forma
equivocada. Ou seja, há uma tendência em voltar para a seqüência geral de um
roteiro, ao invés de conservar com precisão suas variações, elaborações ou
desvios; o que pode ser útil no dia-dia, ao mesmo tempo em que pode representar
um sério obstáculo à aprendizagem, por exemplo, na área das ciências. 2.5.6. Capacidade metarrepresentacional
O jogo simbólico da criança pequena, tida como uma novidade
característica da primeira infância, foi amplamente estudado pelos pesquisadores
do desenvolvimento infantil nas últimas décadas. Presume-se que as crianças
pequenas já possuem uma linguagem do pensamento, algum tipo de imagem
mental, na qual fatos do mundo são representados interiormente (“aquilo é uma
cadeira”, “o cachorro está perto” etc.). As primeiras formas de simbolização
seriam, pois, implícitas e, basicamente, inconscientes. Porém, quando a criança
se engaja no jogo de faz-de-conta, ela se torna envolvida em um tipo de atividade
mental diferente da “representação de primeira ordem” (Karmiloff-Smith, 1999).
Se, num primeiro momento, ela pega uma banana e pensa para si, “esta
é uma banana e eu posso comer”, ela, agora, faz um movimento mental diverso:
aproximando a fruta à sua cabeça, finge que é um telefone, no qual está falando,
fazendo, pois, uma representação de segunda ordem do mesmo objeto. Tratar um
objeto como se fosse outro é a forma principal da metarrepresentação e, em cada
caso de metarrepresentação está operando uma recognição, na medida em que o
estado das coisas é posto entre parêntese intencionalmente, de modo a criar outro
estado de coisas. A criança não só deve estar consciente do que está fazendo,
57
como ela também deve adquirir a consciência de que os outros podem fazer a
mesma coisa, pois sem esta consciência ela correria o risco de ser
constantemente enganada (Gardner, 1994; Karmiloff-Smith, 1999).
Esta capacidade de tomar posição frente à realidade cotidiana, para
confirmá-la, negá-la ou alterá-la confere enormes novos poderes à criança, sendo
a base para todas as construções mentais que envolvem o uso da imaginação,
sejam elas produções artísticas ou teorias sobre o mundo. As invenções livres e
saborosas da primeira infância povoam o mundo da criança pré-escolar,
continuam a exercer uma forte influência no contexto da escolarização e, é através
desta capacidade representacional, que a criança consegue entender a realidade
além da sua vivência imediata.
Quando as formulações inventadas pela criança correspondem às
explicações dadas pelas ciências e apresentadas na escola, surgem
compreensões substanciais; porém, se as representações simbólicas se
encontram distantes em relação às teorias científicas ou, até, as contradizem
radicalmente, elas podem se tornar um empecilho à aprendizagem disciplinar.
Assim, por exemplo, se a visão elaborada pessoalmente pela criança sobre o
sistema solar se assemelha à visão dos astrônomos, ela está apta a assimilar
imediatamente informações sobre a lua, o sol e os planetas. Mas, se a sua visão
diverge diametralmente em relação ao conhecimento científico, ela pode tornar-se
confusa ou prender-se a duas visões de mundo totalmente incompatíveis, sendo
que um determinado momento, provavelmente a sua visão original ressurgirá
dominando o seu conhecimento. Isto se evidencia, quando estudantes
universitários, ao participarem de pesquisas que avaliam o conhecimento em
física, dão respostas erradas para fenômenos científicos básicos (Gardner, 1994).
Numa perspectiva piagetiana, supõe-se que todas as atividades
semióticas acontecem em paralelo, ou seja, um marco numa determinada área
anunciaria diretamente marcos em outras áreas. Porém, hoje, se considera que o
desenvolvimento desta capacidade pode diferir bastante entre domínios. Assim,
por exemplo, a linguagem ou a construção do número (ambas esferas
consideradas como a própria inteligência em Piaget) podem ter uma relação
58
distante ou acidental entre si, sem provocar avanços em outras esferas (Gardner,
1994).
2.5.7. As ondas de desenvolvimento simbólico
Numa tentativa de sintetizar as correntes mais recentes da psicologia do
desenvolvimento, Gardner (1994) afirma que o desenvolvimento semiótico da
primeira infância, embora muito complexo, pode ser descrito em quatro dimensões
ou ondas marcantes.
A primeira onda de simbolização é “estruturadora de papéis” ou
“estruturadora de eventos”, na medida em que a criança de entre dezoito meses e
dois anos de idade se torna capaz de captar nos símbolos o conhecimento de que
existem eventos, que estes envolvem agentes, ações e objetos e que estes
eventos têm conseqüências. O ponto de origem desta capacidade simbólica está
na linguagem, mais especificamente naqueles aspectos da linguagem que são
mobilizados pelo jogo simbólico. Porém, esta capacidade não permanece nestes
limites, pois logo a compreensão dos papéis e eventos “derrama-se” sobre outros
domínios. Por exemplo, ao ganhar um lápis e ser solicitada a desenhar um
caminhão, uma criança pequena pode pegar o mesmo e imitar o som e o
movimento de um caminhão sobre o papel, aplicando um roteiro conhecido da sua
vivência (o barulho e movimento de um caminhão) a um domínio novo, a
representação gráfica.
A segunda onda simbólica ocorre em torno dos três anos de idade e
refere-se à capacidade chamada “mapeamento topológico”, em que o símbolo é
utilizado para captar relações dominantes de tamanho e formato, retirados do
campo de referência. Primeiramente observado na representação bi e
tridimensional, quando a criança se torna apta a perceber e representar de forma
plástica as relações espaciais, o mapeamento topológico logo se “espalha” por
outros domínios. Por exemplo, a criança pode desenhar dois círculos de tamanhos
diferentes um sobre o outro, representando um corpo humano (tronco e cabeça) e,
ao ser solicitada a criar um final para uma história, ela desenvolve dois
59
personagens contrastantes (por exemplo, um mãe bondosa e uma filha
impertinente), mantendo a relação topológica dominante, sem as nuances e
detalhes explícitos.
A terceira onda de simbolização, que ocorre mais ou menos aos quatro
anos de idade, se refere ao “mapeamento digital”. Enquanto o mapeamento
topológico capta as relações gerais espaciais e temporais de uma configuração, o
mapeamento digital capta quantidade e relações numéricas precisas. Neste
momento, a criança torna-se capaz de enumerar um pequeno conjunto de objetos,
explicitamente, e avaliar o que há em comum entre um conjunto de quatro
elementos de um tipo e outro conjunto de quatro elementos de outro tipo. Com
rapidez o mundo passa a ser visto como um lugar para contar.
A onda final de simbolização, que ocorre em torno dos cinco a sete
anos, é, sem dúvida, a mais importante, principalmente, no que diz respeito ao
processo de escolarização. Neste período, as crianças começam a mostrar
interesse pela simbolização “notacional” ou “secundária”, isto é, sistemas de
códigos que podem ser originais (criações da própria criança) ou convencionais
(criações da cultura). A tendência em criar um conjunto de marcas que se refere a
um outro conjunto de marcas é uma característica inerentemente humana e
representa um processo que acontece universalmente no ser humano, a partir de
estímulos mínimos. Evidentemente, o contexto cultural colore a simbolização tão
nitidamente, quanto marca todos os demais aspectos do desenvolvimento infantil.
A decisão universal de começar a escolarização formal em torno de
cinco a sete anos não é uma coincidência, mas se justifica pelo fato de esta
pressupor que a criança tenha alcançado uma certa facilidade para lidar com a
simbolização primária e que esteja pronta para usar símbolos que se referem, por
si só, a outros símbolos.
Uma vez que alguém tenha criado um sistema simbólico que se refira ele próprio a outros sistemas simbólicos, surge a possibilidade de amalgamento; sistemas completos podem ser absorvidos sistematicamente como partes componentes em sistemas ainda mais poderosos, como, por exemplo, quando a multiplicação presume a adição ou quando a álgebra presume a aritmética. Tais sistemas secundários e superiores de registro residem no centro de muitas atividades acadêmicas. A capacidade para engajar-se em tais atividades metassimbólicas certamente auxilia no sucesso acadêmico, e são muitas vezes igualadas a ele (Gardner, 1994, p. 70).
60
O processo de desenvolvimento infantil considerado com base nessas
ondas de simbolização permite a integração de várias aspectos oriundos de
teorias criadas por grandes psicólogos, como Piaget, Jerome Bruner, Karmiloff-
Smith e outros, porém muitos estudos ainda serão necessários para garantir maior
aprofundamento em busca de uma compreensão abrangente da infância.
E Gardner (1994) pondera, finalmente, que, se estas ondas de
simbolização, de fato, representam as principais maneiras pelas quais os seres
humanos constroem significados, terão poderosas implicações para a educação
tanto formal, como informal. Pois, é de se esperar que os estudantes estarão
predispostos a aprender matérias que sejam apresentadas de forma que
enfatizam estruturas causais (histórias), mapas topológicos (relações de tamanho,
espaço ou tempo), mapas digitais (aspectos quantitativos), e/ou formas simbólicas
secundárias (registro que se referem a outros sistemas de conhecimento).
Comparando ainda crianças pré-escolares com crianças mais velhas até
a adolescência, Gardner (1994) ressalta que as primeiras demonstram um
interesse intrínseco por todas as atividades simbólicas, enquanto as segundas,
freqüentemente, precisam de estímulos externos e específicos que as motivem
para interagir com certos sistemas simbólicos. As crianças pequenas desenham,
cantam e descobrem o mundo natural com o mesmo entusiasmo, sem nenhum
tipo de resistência; ao passo que adolescentes não necessariamente demonstram
tal interesse pelos assuntos escolares, mesmo que estes envolvam atividades
criativas e prazerosas. Podemos concluir, portanto, que a primeira e segunda
infância são períodos especialmente sensíveis para uma introdução de novos
sistemas simbólicos no mundo infantil.
2.5.8. As múltiplas inteligências: pluralização e individualização dos conhecimentos
Ao definir as oito inteligências, com base nos critérios científicos
sustentados em vários anos de estudo de uma equipe multidisciplinar de
pesquisadores (psicólogos, neurologistas, antropólogos etc.), Gardner (1994)
61
defende que
somos uma espécie que evoluiu para pensar lingüisticamente, conceber em termos espaciais, analisar de modos musicais, calcular com instrumentos lógico-matemáticos, resolvendo problemas utilizando todo nosso corpo ou partes dele, compreender outros indivíduos e a nós mesmos (p. 73).
Porém, é importante ressaltar que, ao mesmo tempo em que a espécie
possui a singularidade universal de ser equipada com oito inteligências, estas nos
diferenciam no interior dela. Pois, cada indivíduo possui quantidades diferentes de
cada inteligência e as combina e as utiliza de forma pessoal e idiossincrática.
Portanto, possuímos mentes individualmente diferenciadas e cada combinação de
inteligências é única.
Até agora a maioria das escolas na maioria das culturas enfatizou uma certa combinação de inteligências lingüísticas e lógicas. Indubitavelmente, esta combinação é importante para dominar a agenda da escola, mas fomos muito longe ao ignorar as outras inteligências. Ao minimizar a importância das outras inteligências dentro e fora da escola, nós levamos muitos estudantes, que fracassam em exibir a mistura “adequada”, à crença de que são tolos, e não tiramos vantagens dos modos nos quais as múltiplas inteligências podem ser exploradas para atingir as metas da escola e da cultura mais ampla (Gardner, 1994, p. 74).
No que diz respeito ao desenvolvimento das inteligências, sabe-se, hoje,
que, desde os primeiros anos de vida, indícios de cada inteligência podem ser
observados na criança. Embora o desenvolvimento das ondas de simbolização
apresente uma certa regularidade em todas as crianças pré-escolares, nítidas
diferenças de perfis de inteligências podem ser notadas, seguramente, já a partir
dos quatro anos de idade. Como outros aspectos da cognição, as múltiplas
inteligências têm, em cada pessoa, feições próprias que se envolvem com
aspectos distintos da cultura, processo este que se torna mais intensivo no
contexto escolar. Aos seis ou sete anos, cada uma das inteligências humanas já
se desenvolveu em um alto grau em qualquer criança normal, além disso, a
criança absorveu o protótipo do sujeito inteligente da sua cultura, o que acaba
reforçando o desenvolvimento de umas inteligências, em detrimento de outras
(Gardner, 1994).
62
2.5.9. As compreensões intuitivas
O período dos dois aos seis, sete anos de idade é uma fase fascinante
do desenvolvimento humano, na medida em que a criança começa a desenvolver
sua capacidade simbólica; ela conta histórias, faz desenhos, conta objetos e cria
significados; enfim, neste período, a criança tenta dar um sentido geral ao mundo.
Mesmo sem escolarização formal, a criança, através da exploração ativa
e constante do mundo ao seu redor e a interação com outras pessoas, adquire
uma grande quantidade de conhecimentos, nos primeiros anos de vida.
Combinando seus modos sensório-motores de conhecimento com capacidades de
uso de símbolos primários e inteligências emergentes, crianças pequenas vêm a
pensar sobre os objetos, eventos e pessoas de maneira coerente, pois elas
elaboram compreensões intuitivas sobre o mundo. Portanto, as crianças, quando
ingressam na escola primária, trazem consigo um formidável conjunto de “teorias
feitas em casa”, capacidades, compreensões e propensões sobre o mundo, que
irão influenciar fortemente o contato dos jovens estudantes com as novas matérias
escolares (Carey, 1985; Gardner, 1994).
As teorias infantis apresentam certas regularidades que permitem
afirmar, pelo menos no que diz respeito ao mundo ocidental, que algumas dessas
primeiras compreensões sobre o mundo são universais. Nas ciências a palavra
“teoria” é reservada a um conjunto de proposições que se referem
sistematicamente umas às outras e que podem ser capturadas em registros
formais e operacionalizadas em laboratório. Ao se falar de teorias infantis o
sentido da palavra não é tão rígido. Antes, estas teorias incipientes são crenças
organizadas ou visões consistentes do mundo, que constituem conjuntos mais ou
menos coerentes de idéias utilizadas pelas crianças de forma regular e criativa,
para compreender o mundo e inferir coisas sobre o mesmo, quando deparadas
com o desconhecido.
Hoje, não há dúvida de que a criança de dois anos já adquiriu um sentido
funcional do mundo físico; e isto pode ser afirmado independentemente da opinião
dos inatistas que consideram este conhecimento inato ou de Piaget, que considera
63
que este conhecimento é construído. A criança de dois anos sabe que os objetos
existem no tempo e no espaço e continuam existir mesmo quando saem da sua
vista. Ela tem expectativas claras sobre os possíveis comportamentos de
diferentes objetos, como, por exemplo, uma bola jogada para cima voltará em
direção ao chão, enquanto uma bola jogada pela janela não voltará para ela, a
menos que seja devolvida por uma outra pessoa.
As teorias infantis ou teorias intuitivas não só são extremamente úteis,
como também poderosas. Em grande parte inconscientes, elas permitem, às
crianças, darem sentido, mesmo que provisório, a quase tudo que encontram na
vida. Ao mesmo tempo, porém, podem representar um sério obstáculo ao
conhecimento formal. Segundo Gardner (1994), somente quando essas teorias
são reconhecidas e integradas pelo processo de aprendizagem escolar, é
possível, para a criança e seus professores, determinar sob que circunstâncias
elas podem ser usadas e quando são irrelevantes ou, simplesmente, contrárias a
um conhecimento formal desenvolvido na cultura e valorizado na escola.
Nos anos seguintes aos dois anos de idade, o conhecimento inicial da
criança sobre o mundo físico sofre uma série de mudanças e diferenciações mais
finas, sendo que a ontologia emergente da criança, ou seja, os tipos de entes que
ela reconhece e os tipos de distinções que estabelece entre os mesmos, constitui
uma área que tem sido estudada cuidadosamente por muitos psicólogos.
Até o momento atual as pesquisas na psicologia cognitiva permitiram o
agrupamento das compreensões infantis em várias teorias abrangentes, que são
as seguintes: teorias ontológicas; teorias do número; teorias da mecânica ou física
intuitiva; teorias sobre o mundo dos seres vivos ou biologia intuitiva; teorias da
mente.
I. Teorias ontológicas
Observou-se que, em um primeiro momento, as distinções feitas pela
criança são grosseiras, por exemplo, entre objetos que são tangíveis (bola, doce,
mesa) e entes não tangíveis (tempo, amor). Depois, as distinções são delineadas
64
dentro de categorias: alguns objetos movem-se, outros não; alguns apresentam
movimentos autônomos, outros só se movem se impulsionados por um agente
externo etc. As crianças julgam que se pode falar e pensar sobre qualquer tipo de
objeto ou ente, tangível ou não; que se pode levantar qualquer objeto tangível; que
“objetos” que possuem movimento autônomo estão “vivos”, enquanto os demais
geralmente não estão; que entre os elementos vivos alguns sentem e uma
quantidade menor pode ler e contar mentiras.
Além de distinções cada vez mais finas, as crianças estabelecem
conceitos a partir dos quais certas inferências são permitidas, dentro e além dos
limites das categorias. Assim, tendo uma vez decidido que alguma coisa é
inanimada, elas a julga incapaz de ter sentimentos, pensamentos e desejos. As
inferências não podem ofender princípios básicos de uma categoria, assim,
máquinas não podem ser tristes, e pessoas jamais podem ser consertados na
oficina (Gardner, 1994).
A ontologia emergente da criança é importante, porque, primeiro, a
maneira como a criança pensa sobre classes de entes determina os tipos de
teorias que ele desenvolve sobre estas classes e os tipos de inferências que estas
permitem esboçar; e, segundo, os agrupamentos e inferências não são arbitrários,
mas atendem a cerceamentos biológicos e culturais muito poderosos. Por
exemplo, as teorias da mecânica das crianças aplicam-se a entes que elas
consideram semelhantes a máquinas (cujo protótipo é, por exemplo, um carro),
ao, passo que a teoria dos fenômenos mentais só se aplica aos entes que são
considerados “entes que sentem e pensam” (cujo protótipo é a pessoa). Assim,
uma vez tendo classificado, certos elementos, como pertencentes à categoria dos
“não-vivos”, a criança imediatamente se recusa a pensar sobre esses entes de
acordo com os princípios que se aplicam à categoria dos entes inanimados. Se ela
encontrar um novo elemento desconhecido, este será considerado de acordo com
a categoria mais provável a qual pertence e a criança poderá inferir certas
características com base nas propriedades conhecidas dessa categoria. Conforme
mudam os limites desses agrupamentos, também mudam os entes aos quais as
respectivas teorias são aplicadas. Porém, essas teorias só mudam
65
gradativamente, se é que mudam, pois, representam arraigadas concepções que
nos acompanham durante toda nossa vida.
Gardner (1994) considera que mesmo autoridades como professores,
pais e livros encontram dificuldades em convencer estudantes de que um tomate
é, na verdade, uma fruta, que uma baleia é um mamífero ou que os vírus diluem o
limite usual entre seres vivos e não-vivos.
II. Teorias sobre o mundo dos seres vivos
Uma das primeiras e mais poderosas distinções feitas pelas crianças é a
distinção entre seres que se movem por si próprios, considerados “vivos” e seres
que não se movem sem impulso externo, considerados “mortos” ou “não-vivos”.
Segundo Susan Carey (1985), o organismo físico prototípico é o ser humano e
quanto mais um ser vivo se parece com ele, na sua aparência física, mais a
criança julga provável que este tenha os atributos e comportamentos dos seres
humanos. Essas distinções iniciais levam a uma biologia intuitiva ou popular, com
características, muitas vezes, discrepantes da biologia academicamente
fundamentada e a qual é apresentada na escola.
Numa primeira aproximação, evidencia-se que, de acordo com a teoria
intuitiva da vida, os animais são vivos, mas as plantas não, porque não se movem.
Carey (1985) também reinterpreta afirmações de Piaget sobre o animismo infantil,
como a evidência de que propriedades, como o movimento (as nuvens movem-se
porque querem ir para algum lugar), são mais potentes do que evidências sobre
as estruturas internas (as nuvens não têm sistema nervoso e, portanto, não
podem se mover por conta própria). Crianças pré-escolares também costumam
observar rigidamente uma distinção entre coisas naturais (plantas, animais e
pessoas) e outras feitas pelo homem (artefatos). Além disso, elas podem fazer
inferências baseadas nas distinções; por exemplo, se algo é vivo, mas não se
move, poderá estar dormindo, fingindo de morto ou poderá estar ferido.
Para a maior parte das proposições do dia-a-dia, estas concepções são
úteis e suficientes, mas, será necessária uma revisão das mesmas em confronto
66
com as teorias científicas no contexto da educação formal (Gardner, 1994) e
diante dos princípios do pensamento complexo (Morin, 1980; Gil, 1994 apud
Garcia, 1997).
III. Teorias da mente
Da mesma forma que as crianças desenvolvem teorias intuitivas sobre
os seres vivos, elas elaboram modelos complexos para pensar sobre a mente
humana. Os seres humanos têm, pois a capacidade de considerara aqueles entes,
que nós chamamos de mentes, em outros seres humanos. Vários estudos
recentes demonstram que crianças pequenas, mesmo antes da idade escolar, já
possuem uma teoria da mente vigorosa, que envolve não só conhecimentos sobre
a mente dos outros, mas também, a consideração de si próprio como um agente
que possui um corpo e uma mente. Assim, a criança de 5, 6 anos é capaz de um
auto-conhecimento, que transcende o superficial. Sabe que é melhor sucedida em
algumas áreas, que tem medos e vontades, que é capaz de obediência e
desobediência, egoísmo e altruísmo, embora possa não utilizar estes termos
(Gardner, 1994).
Os estudos de Piaget sobre o egocentrismo infantil parecem ter sido
reconhecidos pelas pesquisas atuais e isto se evidencia em testes famosos, que
comprovam que a criança até quatro anos de idade é incapaz de considerar o
ponto de vista de outra pessoa, ou seja, até essa idade ela percebe o mundo a
partir do seu ponto de vista, unicamente, e ela acredita que todas as pessoas a
enxergam a partir deste mesmo ponto de vista. Com quatro anos, ocorre uma
mudança crucial e a criança torna-se capaz de apreender que o outro pode ter
uma percepção diferente do que ela, mesmo em se tratando da mesma coisa
observada. De acordo com Piaget, neste momento, a criança torna-se capaz de
assumir o ponto de vista do outro; e, de acordo com a teoria da mente, ela se
torna capaz de compreender a mente do outro.
A habilidade de considerar outra pessoa que tenha um conjunto de
crenças diferentes das pessoais é essencial, para garantir a convivência entre as
67
pessoas, pois uma tal capacidade oferece a possibilidade de superar estereótipos
e é pressuposto para construir um respeito verdadeiro em relação aos variados
modelos que as pessoas possuem para interpretar a realidade.
Com este levantamento teórico, acreditamos ter conseguido reunir as
principais peças do nosso quebra-cabeça, ou seja, as teorias e os conceitos
necessários à discussão dos dados da nossa pesquisa. As idéias apresentadas,
ao longo do presente quadro teórico, deverão pois, compor a estrutura subjacente
a todas as demais reflexões.
68
3. FORMULAÇAO DO PROBLEMA
A crise ecológica é global na sua abrangência e seus efeitos tornam-se
cada vez mais agudos. A degradação do meio ambiente, a redução da
biodiversidade e o progressivo esgotamento dos recursos naturais são as
conseqüências inevitáveis da ação do ser humano que está preocupado,
unicamente, em satisfazer suas próprias necessidades imediatas. Encontramos-
nos num momento perigoso e decisivo, pois os problemas ambientais revertem-se
contra a própria humanidade, pondo em risco a sobrevivência da nossa espécie.
Portanto, as questões ambientais não mais afligem apenas os ambientalistas, ao
contrário, as discussões sobre o meio ambiente se deslocaram para o centro dos
debates políticos, econômicos e sociais. É necessário que se construa uma nova
compreensão da relação do homem com a natureza, a fim de garantir a
preservação de todas as formas de vida e tornar sustentável a presença humana
no planeta terra.
O sul - sudeste da Bahia é uma região de prioridade mundial quanto à
necessidade de preservação, pois apresenta um dos maiores índices de
biodiversidade do mundo, ao mesmo tempo em que representa um triste exemplo
de degradação ambiental decorrente da ação antrópica. As ações públicas
voltadas para a conscientização da população e a implantação obrigatória da
educação ambiental nas escolas, segundo as orientações dos PCN´s, não tiveram
o êxito de reverter o quadro de degradação ambiental desta região da Bahia, ao
passo que continuam avançando numa velocidade desenfreada a invasão
desorganizada dos espaços naturais e a exploração predatória dos seus recursos.
Constata-se, que as informações a respeito da necessidade de preservação e a
compreensão das questões ambientais, em si, são insuficientes para transformar a
consciência da população, no sentido de provocar uma profunda mudança na sua
relação com o meio ambiente. Isto se verifica nas várias camadas sociais, ou seja,
tanto os fazendeiros, empresários e comerciantes, como também a população de
baixa renda, colaboram intensamente para o agravamento do quadro de
devastação ambiental. Portanto, a falta de êxito da educação ambiental não se
69
deve exclusivamente a problemas sócio-econômicos, mas, ao contrário, podemos
perceber que a educação ambiental não consegue atingir os sujeitos na sua
consciência, a fim de provocar a desejada transformação profunda da relação do
homem com a natureza.
A inteligência humana, embora altamente evoluída, precisa ser
remoldada, a fim de atender às novas exigências e aos novos desafios da
atualidade. A educação escolar, de modo geral, deve estar voltada para a
formação de um homem, que coloque todas as suas capacidades cognitivas a
serviço da compreensão do mundo em toda sua complexidade. Só mediante o
desenvolvimento da visão sistêmica - que consiste no entendimento das múltiplas
dimensões da realidade e na apreensão das complexas relações entre
componentes bióticos e abióticos – ao homem será possível a descoberta de
formas mais sustentáveis de relacionar-se com o meio ambiente e, especialmente,
com as outras espécies que com ele habitam o planeta terra!
3. 1. PROBLEMA CIENTÍFICO
Os conhecimentos mais recentes sobre o funcionamento da mente
humana permitiram a formulação de novas teorias cognitivas. Uma delas, a Teoria
das Inteligências Múltiplas (TIM), tem o mérito de ampliar o construtivismo de Jean
Piaget e as vertentes sócio-culturais, ao oferecer um modelo plausível da
complexidade da mente. Howard Gardner (1983), o criador desta teoria, defende a
existência de, no mínimo, oito inteligências no ser humano, inclusive uma
inteligência naturalista, que está relacionada à capacidade de compreensão dos
fenômenos naturais.
As propostas educativas fundamentadas no construtivismo precisam ser
revistas, pois relativizam os dados do meio natural, dando uma ênfase maior ao
contexto social e priorizando o desenvolvimento das inteligências lógico-
matemática e lingüística, em detrimento das outras capacidades humanas. Supõe-
se que, subjacente à educação ambiental, como vem sendo trabalhada nas
escolas atualmente, há várias concepções equivocadas sobre os processos de
70
construção do conhecimento biológico. Ao contrário, as novas teorias cognitivas
buscam compreender como a natureza cognitiva intervem na relação que o
homem estabelece com o meio natural.
A TIM contempla o homem nas suas várias dimensões cognitivas,
considerando igualmente as inteligências lingüística e lógico-matemática, como as
inteligências naturalista, musical, visuo-espacial, cinestésico-corporal e
emocionais. Com base na TIM, já foram elaboradas, em diversas partes do
mundo, inúmeras propostas educacionais - metodologias que favorecem o
desenvolvimento das oito inteligências - aplicadas com sucesso notável em várias
áreas do conhecimento. Supõe-se que a TIM poderia oferecer uma nova base teórico-
metodológica para a educação ambiental. O ponto de vista adotado é cognitivo; o
fato de considerar o saber ambiental uma questão relacionada à cognição é uma
abordagem inovadora na educação ambiental. A ausência de pesquisas nesta
área provoca uma série de questões significativas que apresentam, numa tentativa
de aproximação, o seguinte desdobramento:
Existe alguma relação entre a natureza das inteligências e o
desenvolvimento de um saber ambiental?
Qual a natureza exata da inteligência naturalista, em que consiste e como
pode ser descrita?
Além da inteligência naturalista, quais são as inteligências que favorecem o
desenvolvimento do saber ambiental e como estas inteligências interagem
com a primeira?
A aplicação dirigida de metodologias que favorecem a expansão da
inteligência naturalista favorece a construção do saber ambiental e é capaz
de provocar mudanças significativas na relação das crianças com o meio
ambiente?
71
Uma vez que as inteligências foram definidas como moralmente neutras por
Gardner, como a inteligência naturalista se relaciona com a ética?
O trabalho sistemático com a TIM em sala de aula, ou seja, um trabalho
pedagógico metacognitivo, em que a criança aprende a conhecer suas
próprias inteligências, pode favorecer o desenvolvimento de um saber
ambiental?
3. 2. OBJETIVOS
3.2.1. Objetivos gerais
Estabelecer uma relação entre as inteligências humanas e o saber
ambiental.
Propor, para a educação ambiental, formas de utilização das descobertas
mais recentes na área das teorias cognitivas, que se destacam por
considerar amplamente a gama de possibilidades humanas, a fim de tornar
mais eficientes as metodologias aplicadas na educação ambiental.
Desenvolver, a partir da TIM, metodologias educacionais que promovam o
desenvolvimento do saber ambiental no homem, como pressuposto para o
estabelecimento de uma nova relação do homem com o meio ambiente,
tendo em vista a sustentabilidade da espécie humana.
3.2.2. Objetivos específicos
Investigar a inteligência naturalista e a interação entre esta e as demais
inteligências e analisar como esta interação contribui para a construção de um
saber ambiental.
Buscar uma relação entre o perfil das inteligências das crianças e seu saber
72
ambiental. Procurar identificar que inteligências parecem estar mais
diretamente relacionadas ao saber ambiental.
Reformular as metodologias propostas para o desenvolvimento das
inteligências, tendo em vista os objetivos da educação ambiental.
Tornar a educação ambiental eficaz, interessante e atraente, tanto para os
educadores, como para as crianças.
73
4. METODOLOGIA
4.1. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS - PCN
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para as séries iniciais do Ensino
Fundamental (1997) integraram os conteúdos de Meio Ambiente às diferentes
áreas de conhecimento, numa relação de transversalidade. Espere-se que os
temas transversais, dos quais meio ambiente e ética dizem respeito mais
diretamente à educação ambiental, impregnem toda a prática educativa e ao
mesmo tempo, permitam criar uma visão global e abrangente da questão
ambiental, visualizando os aspectos físicos e histórico-sociais, assim como as
articulações entre a escala local e planetária desses problemas.
O trabalho pedagógico com a questão ambiental deve, segundo os
PCN´s, centrar-se no desenvolvimento de atitudes e posturas éticas, e no domínio
de procedimentos, mais do que na aprendizagem de conceitos. Constatamos que,
os princípios defendidos estão em perfeita harmonia com a proposta metodológica
da Teoria das Inteligências Múltiplas. O aluno precisa aprender os tópicos da
educação ambiental não porque vão “cair na prova”, mas porque o ajudam a
identificar as possibilidades humanas. Gardner (2000) afirma, neste sentido, que
“As vivências de compreensão que verdadeiramente importam são as que
fazemos como seres humanos num mundo imperfeito, que podemos afetar
positiva ou negativamente” (p. 219).
As metodologias aplicadas em sala de aula, além de pautadas nos
princípios da transversalidade (meio ambiente como tema transversal), devem ser
organizadas de acordo com a estrutura da área de conhecimento das ciências
naturais. Os PCN´s prevêem a abordagem de grande quantidade de temas
essenciais em biologia, química e física, já nos primeiros quatro anos de ensino
fundamental. São temas que, mais tarde, são retomados nas disciplinas
específicas, mas cujos princípios básicos devem ser compreendidos pela criança
numa primeira aproximação.
74
Nas Diretrizes Curriculares para a Educação Básica, apresentadas pelo
Conselho Nacional da Educação (CNE), as competências são um conceito-chave,
e a nova educação, ao invés de mera transmissão de conteúdos é entendida
como um processo formador de competências.
Trata-se de um conceito-chave nas diretrizes para a educação contemporânea no Brasil e no mundo. Com o advento da sociedade da informação e as novas formas de produção e distribuição do conhecimento, fica claro que o importante não é a quantidade de conceitos e fórmulas que o aluno aprende, mas sua capacidade de usar esse conhecimento e, principalmente, de continuar aprendendo (...). Competências podem ser definidas como a capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situação. Esses recursos cognitivos podem ser conhecimentos teóricos, um saber fazer prático, valores, julgamentos, intuições baseadas na experiência, habilidades, percepções, avaliações estimativas. O importante é que para ser competente, uma pessoa precisa integrar tudo isso e agir na situação de modo pertinente. A competência, portanto, só tem sentido no contexto de uma situação (MEC/CNE:2001).
O CNE enfatiza que para um país federativo, de dimensões continentais
e grande diversidade regional como o Brasil, não comporta um currículo nacional
obrigatório na forma de conteúdos e disciplinas a serem ensinadas com cargas
horárias nacionalmente definidas. Por esta razão, as diretrizes não configuram um
currículo único ou mínimo, segundo a concepção tradicional, mas, identificam as
competências a serem desenvolvidas por todos os alunos da educação básica,
deslocando, do ensino para a aprendizagem, o foco das normas nacionais.
4.2. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SABER AMBIENTAL
O saber ambiental pode ser descrito à luz da teoria das inteligências
múltiplas, - enquanto potencial biopsicológico -, mas, também, em termos de
competências específicas, no que diz respeito à manifestação das inteligências.
Ou seja, buscamos uma associação dedutiva entre inteligência e competência,
para justificar a aplicação das metodologias que estimulam as diversas
inteligências, considerando que existem vários projetos bem-sucedidos no mundo
que comprovam a existência desta relação.
Observa-se que estas competências precisam ser descritas de acordo
com as exigências dos novos princípios da educação e, especificamente, da
75
educação ambiental. Apenas para arriscar uma primeira e possível aproximação
entre saber ambiental, inteligências e competências, vejamos, sinteticamente, as
definições exatas de cada termo:
O saber ambiental, segundo Leff (2002),
problematiza o conhecimento fragmentado em disciplinas e a administração setorial do desenvolvimento, para constituir um campo de conhecimentos teóricos e práticos orientado para a rearticulação das relações sociedade natureza. [...] O saber ambiental excede as 'ciências ambientais' [...], para abrir-se ao terreno dos valores éticos, dos conhecimentos práticos e dos saberes tradicionais” (p.145).
A abordagem deste autor é de caráter filosófico e evidencia estar
intimamente relacionada com os princípios universais da educação. De forma
similar, à idéia de uma possível nova ética de vida, defendida como tendência
necessária globalmente, Leff (2002) apresenta o saber ambiental enquanto
fenômeno coletivo, que transcende a esfera individual. E, da mesma forma que os
quatro pilares da educação definidos por Delors/UNESCO (1998) apresentados
acima, o saber ambiental deve ser compreendido como um saber, um saber fazer,
um saber viver juntos e um saber ser.
Em comparação, a inteligência é conceituada por Gardner (2000),
como um potencial biopsicológico para processar informações que pode ser ativado num cenário cultural para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados numa cultura. [...] as inteligências não são objetos que podem ser vistos nem contados. Elas são potenciais – neurais presumivelmente – que poderão ser ou não ativadas, dependendo dos valores de uma cultura específica, das oportunidades disponíveis nessa cultura e das decisões pessoais tomadas por indivíduos e/ou suas famílias, seus professores e outros (p. 47).
Embora o potencial biopsicológico seja um aspecto do indivíduo, o
desenvolvimento das inteligências é determinado pelo contexto cultural. Gardner,
ao propor a sua teoria, busca uma compreensão melhor das capacidades
humanas, a fim de permitir uma compreensão melhor do mundo e garantir a
sustentabilidade da nossa espécie. Isto fica muito claro, quando afirma:
Todos reconhecem a importância da ciência e da tecnologia, mas não se podem menosprezar as artes e as humanidades. As ciências lidam com princípios e previsões gerais e leis universais; as artes e as humanidades, com a individualidade. [...] Reconhecendo nossa individualidade, podemos descobrir nosso vínculo comum mais profundo – que somos todos um produto conjunto da evolução natural e cultural. E podemos descobrir que precisamos unir forças, de uma forma complementar mais sinérgica, para assegurar a sobrevivência da
76
Natureza e da Cultura para as gerações futuras (Gardner, 2000, p.263).
As inteligências podem ser consideradas o potencial humano para a
materialização do saber ambiental. As competências, num nível mais concreto,
são a própria materialização destes princípios, o que ocorre através das
inteligências. Não pretendemos estabelecer uma dicotomia entre “interior”
(inteligência, potencial) e “exterior” (competência, comportamento manifesto) - o
que seria uma simplificação grotesca - mas, a correlação proposta entre saber,
inteligência e competência tem o intuito de tornar mais palpável, ou seja, melhor
observável, o nosso objeto de estudo, que é a compreensão do meio ambiente
pelo homem na perspectiva da educação ambiental.
Finalmente, faz-se necessário recapitular, resumidamente, qual o
significado da nossa escolha que nos leva a adotar, para a educação ambiental,
uma proposta de trabalho com base na teoria das inteligências múltiplas. É
evidente, entre leigos e também entre muitos educadores e teóricos, a crença de
que a consciência ecológica pertence acima de tudo ao domínio da emoção,
sensibilidade, do encanto ou até da magia. E, sempre, evidencia-se a questão
ética ou moral, atribuindo-se a crise ambiental a uma suposta crise de valores.
O nosso ponto de vista é cognitivo. Na origem da crise ambiental,
encontra-se o ser humano que, embora dotado de um potencial cognitivo
extraordinário, usa sua razão de forma parcial e incompleta. O que se deve, em
grande parte, ao contexto cultural (inclusive à educação) que levou ao
desenvolvimento das inteligências humanas em função de determinada
compreensão da realidade, não correspondendo às necessidades atuais do
mundo.
As descobertas mais recentes das ciências cognitivas sobre o
funcionamento da mente, indicam que esta é a sede de todas as formas humanas
de compreender o mundo, na medida em que é constituída pelos vários potenciais
biopsicológicos ou inteligências que permitem conhecer a realidade. Embora a
abordagem proposta seja cognitivista, ela não se limita a focalizar a mente como
algo separado do corpo, mas, ao contrário, a cognição é considerada numa
perspectiva holística. O saber ambiental deve ser um conhecimento in-corpo-rado
77
pela sensibilidade e pela intuição e não simplesmente aprendido pelo intelecto. O
que se busca é uma verdadeira sabedoria, em que os conhecimentos e a vivência
se mantêm intimamente relacionados; uma sabedoria constituída pelo saber e o
ser, pois a sabedoria religa a ciência e a ética.
A Teoria das Inteligências Múltiplas oferece um modelo relativamente
simples, e muito plausível, do funcionamento da mente e de como as diversas
inteligências podem ser estimuladas, o que torna esta teoria muito bem vinda na
área educacional. Convida a todos para uma ressignificação do que seja a
cognição - ao invés de sinônimo de razão, como algo oposto ao corpo, ao sentir e
à imaginação, é considerada na sua pluridimensionalidade - enquanto o berço de
todas as possibilidades humanas de conhecer e compreender o mundo.
A pesquisa apresenta vários aspectos que requerem uma combinação de
diferentes tipos de metodologias para integração do nosso “Research Design”. Isto
se deve ao fato de ser uma pesquisa que, de um lado, se caracteriza como uma
“pesquisa básica”, ao mesmo tempo em que se caracteriza como uma “pesquisa
aplicada”. O autor do livro Research Methods In Education esclarece:
Basic and applied research are differentiated by their purposes. The primary purpose of basic research is the extension of knowledge; the purpose of applied research is the solution of an immediate, practical problem (Wiersma: 2000, p. 10).
Neste sentido, a nossa pesquisa, ao ensejar, de um lado, a verificação
da hipótese de que existe um elo entre as inteligências e a consciência ambiental,
configura-se como uma pesquisa básica, que visa à extensão do conhecimento
científico. De outro lado, a nossa pesquisa pretende oferecer uma resposta prática
a um problema concreto e imediato: a falta de um conjunto sistematizado de
metodologias atraentes e eficientes em educação ambiental, configurando-se,
nesse aspecto, como uma pesquisa aplicada.
78
4.3. A QUESTÃO CENTRAL DA PESQUISA: A BUSCA DO ELO ENTRE O SABER AMBIENTAL E AS INTELIGÊNCIAS
Este aspecto da pesquisa foi abordado mediante uma metodologia
hipotético-dedutiva, a fim de estabelecer uma relação entre a consciência
ambiental, palavra-chave amplamente utilizada na educação ambiental, e as
inteligências. O termo “saber ambiental” - que está para a consciência ambiental
ou a consciência ecológica, ou a nova racionalidade - representa a variável sobre
a qual a educação ambiental visa atuar. Isto é, de modo geral, pode-se afirmar
que o objetivo da educação ambiental é o desenvolvimento do saber ambiental,
enquanto saber-conhecimento, saber-fazer, saber ser e saber viver juntos.
Houve uma preocupação em definir exatamente o “saber ambiental”
(tanto no Quadro teórico, como nos Fundamentos teórico-metodológicos), pois, na
pesquisa aplicada, esta é a nossa complexa variável, que deve sofrer algum tipo
de modificação, em função da nossa intervenção, mediante aplicação de novas
metodologias educacionais. A hipótese central desta pesquisa consiste na
suposição de que, ao estimular (através da aplicação das novas metodologias) o
desenvolvimento da inteligência naturalista da criança, em combinação com
alguns aspectos das outras inteligências, o seu saber ambiental pode ser
ampliado significativamente.
4.4. CONTEXTUALIZAÇÃO E VALIDADE DA PESQUISA
Trata-se, no presente estudo, de uma pesquisa predominantemente
qualitativa, embora, como veremos, lidemos também com alguns dados
quantitativos. Comparada com a pesquisa quantitativa, é difícil assegurar a
validade da pesquisa qualitativa, uma vez que é impossível repetir exatamente um
estudo, em outro contexto ou em outra época. A descrição minuciosa do nosso
trabalho pode contribuir para a constituição de uma coerência interna da pesquisa,
sendo que há vários métodos que podem conferir mais segurança aos dados: Na
observação, a coleta de dados deve ocorrer junto a várias pessoas; devem ser
79
utilizados diferentes meios para captar os dados, como, por exemplo, registro oral
e escrito e fotografias (Wiersma, 2000). Neste sentido, a presente pesquisa
contemplou registros de observações feitas em sala pela professora de cada série
e registros de observações realizadas pela própria pesquisadora. O mesmo autor
afirma que dois ou mais observadores podem obter dados diferentes, mas, se
estes não são francamente contraditórios, podem ser utilizados igualmente.
Como veremos mais adiante, dados de vários tipos de fontes foram
colhidos nesta pesquisa, a fim de descrever o saber ambiental das crianças e o
seu perfil de inteligências. Deve ser considerado, ainda segundo Wiersma (2000),
que, em se tratando de fenômenos complexos sob análise, o que confere a
validade interna da pesquisa qualitativa, é a interpretação coerente e significativa
dos dados e, não, a simples eliminação das contradições inerentes ao fenômeno.
A validade externa, no caso da pesquisa quantitativa, é garantida,
quando os resultados permitem ser generalizados. Na pesquisa qualitativa, a
validade externa refere-se à possibilidade de comparação e transferência dos
seus resultados, uma vez que não se admite, a princípio, uma simples
generalização. Para que se possa realizar uma comparação ou transferência, é
fundamental a descrição detalhada das metodologias de pesquisa e do seu
contexto de aplicação (Wiersma, 2000).
A contextualização da pesquisa ocorreu em diversos níveis. Buscamos
estabelecer um vínculo entre os princípios teóricos gerais (filosófico-científicos) da
educação e os princípios metodológicos e a aplicação das atividades. Para a
nossa pesquisa interessou, em primeiro lugar, uma contextualização do saber
ambiental de acordo com os objetivos da educação ambiental (PCN; Dias 1999).
Analisamos a possibilidade de estes objetivos serem inseridos numa proposta
pedagógica para a educação formal; em segundo lugar, fizemos uma
contextualização dos objetivos da educação ambiental em função da faixa etária
das crianças, de seus interesses e preferências; em terceiro lugar, buscamos,
através da descrição do contexto sócio-econômico, cultural e ambiental da
pesquisa, uma adequação das metodologias às possibilidades locais.
Assim, buscamos subsídios para discutir a validade externa da pesquisa,
80
mediante a inserção da pesquisa no ambiente local, considerando suas
características específicas. Pois, ao concluir a pesquisa com a indicação de
algumas tendências de validade universal no que diz respeito à relação entre
determinada inteligência e o desenvolvimento de determinada competência
específica (considerada essencial ao novo saber exigido pelos fundamentos
universais da educação), tivemos a preocupação de discutir possibilidades
concretas de a escola auxiliar no desenvolvimento destas inteligências e
competências.
4.5. PÚBLICO-ALVO
O público da pesquisa foi constituído de crianças de 1ª a 4ª série do
Ensino Fundamental da Escola Suíço-Brasileira de Ilhéus – ESBI (Bahia),
instituição mantida por uma Associação de Pais sem fins lucrativos com proposta
de ensino construtivista. A pesquisa foi aplicada com um total de 45 alunos.
Quadro 1: Esquema de aplicação da pesquisa: Ano 2003, fevereiro a novembro.
Séries Idade Fev. / Março Abril – Novembro
Grupo 6 1ª série professora A
7 anos
Diagnóstico
“Saber ambiental”
Intervenção IM Acompanhamento Saber
Ambiental Grupo 7 2ª série professora B
8 anos
Diagnóstico
“Saber ambiental”
Intervenção IM Acompanhamento Saber
Ambiental Grupo 8 3ª série professora C
9 anos
Diagnóstico
“Saber ambiental”
Intervenção IM Acompanhamento Saber
Ambiental Grupo 9 4ª série professora D
10 anos
Diagnóstico
“Saber ambiental”
Intervenção IM Acompanhamento Saber
Ambiental
Avaliação processual do perfil de inteligências das crianças
8 meses de pesquisa aplicada
81
4.6. POR QUE A ESCOLA SUÍÇO-BRASILEIRA DE ILHÉUS?
Esta escola, que possui aproximadamente 120 alunos, embora só tenha
uma sala de cada série, tem a vantagem de possibilitar um trabalho mais
minucioso, pois cada turma tem um número reduzido de educandos. Além disso,
tivemos completo acesso aos professores, à sala de aula e aos documentos da
escola. Fatores sócio-econômicos comuns nas escolas públicas do país e que
dificultam o processo de ensino-aprendizagem, como, por exemplo, desnutrição,
moradia precária, falta de transporte, delinqüência e outros não foram encontrados
no contexto da pesquisa, pois trata-se de uma escola para a classe média, ou
seja, é uma escola com boas condições gerais de trabalho, tanto no que diz
respeito às condições materiais, como aos recursos humanos. Neste sentido,
possíveis variáveis que poderiam destorcer o efeito das intervenções
pedagógicas, foram afastadas. A proposta pedagógica da escola é construtivista,
baseada essencialmente na pedagogia de projetos.
4.7. A INTRODUÇÃO DA TEORIA DAS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS NA ESCOLA
A Escola Suíço-Brasileira de Ilhéus desenvolve constantemente um
trabalho de formação continuada do corpo docente, sendo que acontecem
quinzenalmente reuniões pedagógicas aos sábados, pela manhã, durante todo
ano letivo; e nas férias escolares, acontecem semanas pedagógicas
(respectivamente uma semana em julho e uma semana antes do início das aulas,
em fevereiro).
No ano 2002, várias reuniões pedagógicas foram dedicadas ao estudo da
Teoria das Inteligências Múltiplas (anexo C) e, antes do término das aulas, em
dezembro, as professoras participaram de um curso, cujo tema foi a epistemologia
genética de Jean Piaget (ministrado na própria escola por uma pesquisadora e
doutorando na área da educação, Natália Furtado), visando aprofundar a
compreensão da proposta construtivista. A introdução da TIM na escola
82
contemplou um seminário de apresentação para professores, um curso de 30
horas e um seminário para pais e professores no ano 2002.
Em concomitância ao estudo da Teoria das Inteligências Múltiplas,
tivemos a preocupação de realizar dinâmicas com as professoras, que
permitissem refletir sobre os próprios perfis de inteligências. As professoras foram
incentivadas a lembrar eventos importantes de sua infância que contribuíram para
cristalizar ou bloquear inteligências, assim, como foram feitas atividades
envolvendo as diferentes inteligências, para que cada pessoa pudesse analisar
suas forças e fraquezas à luz da Teoria das Inteligências Múltiplas. Pois,
Antes de aplicar qualquer modelo de aprendizagem em um ambiente de sala de aula, devemos primeiro aplicá-lo a nós mesmos como educadores e aprendizes adultos, pois, a menos que tenhamos um entendimento experiencial da teoria e tenhamos personalizado seu conteúdo, provavelmente não nos empenharemos em usá-lo com os alunos. Conseqüentemente, um passo importante no uso da Teoria das Inteligências Múltiplas [...] é determinar a natureza e a qualidade das nossas inteligências múltiplas e buscar maneiras de desenvolvê-las na nossa vida (Armstrong, 2001, p. 26).
Durante todo ano 2003, foi feito um acompanhamento das professoras
em serviço, a fim de orientar a aplicação da teoria na sala de aula. As professoras
foram acompanhadas pela pesquisadora, tanto no que tange a elaboração e
aplicação dos projetos didáticos interdisciplinares, como na avaliação e
acompanhamento dos perfis de inteligências das crianças. Aconteciam encontros
individuais com cada professora, semanalmente ou quinzenalmente, em que eram
discutidos as intervenções pedagógicas previstas (planejamento das aulas) e os
resultados observados.
Nestas ocasiões, a prática pedagógica era confrontada com os princípios
da educação contemporânea e os objetivos da educação ambiental, para analisar,
junto com a professora, a adequação das intervenções aplicadas e permitir o
redimensionamento constante dos projetos. Ao discutir minuciosamente os
projetos, a visão sistêmica e conceitos fundamentais da ecologia eram
apresentados de forma contextualizada para a professora, sempre em relação aos
conteúdos específicos trabalhados na sua prática pedagógica. Vários aspectos
dos projetos acabavam sendo enriquecidos ou reformulados, em decorrência
dessas trocas, entre as docentes e a pesquisadora.
83
Fazíamos reflexões, também, de como trabalhar o meio ambiente
enquanto tema transversal, de forma integrada com os demais conteúdos
curriculares (seqüências didáticas de língua portuguesa e matemática). Desta
maneira, procuramos ampliar gradativamente o olhar sistêmico e ecológico para
além das fronteiras dos projetos interdisciplinares de ciências naturais e sociais.
Mantivemos estreito contato com alguns professores da Universidade
Estadual de Santa Cruz - UESC, que atuam nas áreas das ciências naturais,
realizando entrevistas, consultando-os através da internet ou também
pessoalmente; e, em algumas ocasiões, estes professores fizeram visitas na
escola, para permitir que as crianças os entrevistassem, o que enriqueceu muito o
trabalho pedagógico.
4.8. INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS: PROJETOS INTERDISCIPLINARES DE CIÊNCIAS NATURAIS E SOCIAIS
As professoras participaram ativamente na elaboração das metodologias
de inteligências múltiplas, como na sua aplicação e na avaliação dos resultados,
pois uma grande parte das intervenções surgiram dentro dos próprios projetos
didáticos. Como vimos, a elaboração e aplicação dos projetos interdisciplinares
tiveram a colaboração da pesquisadora e, em alguns momentos, de uma bióloga.
Quanto ao tema “meio ambiente”, este foi abordado de três formas:
• em projetos didáticos interdisciplinares de ciências naturais e sociais;
• em projetos de empreendimento;
• como tema transversal em outros projetos e disciplinas;
• através de intervenções pedagógicas específicas, visando auxiliar no
desenvolvimento da inteligência naturalista das crianças, elaboradas e
aplicadas pela própria pesquisadora.
O estudo aprofundado da Teoria das Inteligências Múltiplas, por parte do
corpo docente, como também uma seleção partilhada e contextualizada dos temas
considerados essenciais no currículo de ciências naturais e sociais de cada série
(com base nas orientações dos PCN´s, temas transversais e os referenciais
84
mencionados na fundamentação), viabilizaram este trabalho. Como vimos, a
interdisciplinaridade tornou-se um imperativo da prática pedagógica, tanto em
função dos princípios filosóficos e dos objetivos da educação contemporânea,
como em decorrência direta dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Aliás, estes
exigem que o currículo para as séries iniciais do Ensino Fundamental seja
organizado de forma a considerar a interdisciplinaridade, na medida em que a
escola deve trabalhar apenas com os eixos Ciências Naturais e Ciências Sociais,
o primeiro reunindo biologia, física e química, o segundo, história e geografia.
A construção do saber sócio-ambiental, pela pluridimensionalidade e a
complexidade do fenômeno, reclama uma abordagem interdisciplinar. Além da
integração entre as ciências naturais e as ciências sociais, deve, inclusive,
contemplar um verdadeiro diálogo entre diferentes saberes; diálogo em que
diferentes formas de conhecer possam enriquecer-se mutuamente. Na escola, isto
significa que os conteúdos da educação ambiental devem ser abordados através
de projetos interdisciplinares, que permitem, tanto a elaboração dos conceitos
científicos essenciais de cada disciplina (biologia, química etc.), como a
contemplação de formas não-científicas de conhecer a realidade, ou seja, todas as
formas de artes, a intuição, a espiritualidade, o senso comum, a experiência
prática. Cabe à escola fazer com que a criança domine gradativamente o
pensamento científico, como uma das formas, - e que nem sempre é a melhor! -
de conhecer a realidade.
Os projetos didáticos interdisciplinares foram todos elaborados pelas
professoras, tendo como ponto de partida, de um lado, o conhecimento prévio e os
interesses das crianças e, de outro, o currículo escolar. Este explicita não só os
conteúdos conceituais essenciais, mas estabelece metas a serem alcançadas e os
saberes (descritos como conjunto de habilidades e competências) mínimos que as
crianças precisam elaborar em cada série. Os projetos foram planejados de forma
flexível, de modo a permitir a participação ativa das crianças, inclusive, para que
vários sub-temas pudessem ser desenvolvidos, com base nas intervenções das
próprias crianças.
Todos os projetos envolveram a utilização sistemática de todas as
85
inteligências, portanto, contemplaram, além da integração de diversas disciplinas,
a abordagem dos conteúdos mediante o uso de diferentes linguagens (artes). O
conceito de saber sócio-ambiental, enquanto saber conhecer, saber fazer, saber
viver juntos e saber ser norteou a elaboração dos objetivos na criação das
intervenções pedagógicas. Nota-se que alguns projetos viabilizaram um
verdadeiro diálogo entre saberes de diferente natureza, como, por exemplo, o
projeto do grupo 6 que, ao discutir a história do universo, permitiu um confronto
entre a ciência e a religião; ou o Projeto “Eu no Mundo” do grupo 8, o qual
proporcionou encontros dos nossos educandos com crianças da classe popular
para discutir os direitos das crianças.
4.9. ESQUEMA GERAL DA PESQUISA
Apresentamos, em seguida um esquema geral dos procedimentos de
intervenção da pesquisa na escola. O nosso ponto de partida, para o estudo em
questão, foi um diagnóstico do saber ambiental e a descrição do perfil de
inteligências das crianças. No decorrer do ano, aplicamos intervenções
pedagógicas, cujo objetivo era estimular o desenvolvimento das inteligências, com
ênfase na inteligência naturalista. O desenvolvimento de alguns aspectos
observáveis do saber ambiental e das inteligências das crianças foi acompanhado
durante todo processo de aplicação das metodologias.
O estudo teórico minucioso da inteligência naturalista e do saber
ambiental, relacionado com os dados da pesquisa de campo, - tanto no que se
referem ao diagnóstico, como ao desenvolvimento do saber ambiental e do perfil
de inteligências das crianças -, procuramos evidenciar certas relações existentes
entre as inteligências e o saber ambiental.
86
Quadro 2 Esquema geral dos procedimentos de intervenção da pesquisa na escola
DESCRIÇÃO
Saber ambiental /
competênciascrianças
Perfil Inteligências das crianças
METODOLOGIA de INTERVENÇÃO
Projetos Interdisciplinares
de Ciências Naturais e Sociais,
Transversalidade do tema Meio Ambiente, com base na
Teoria das Inteligências Múltiplas.
Aplicação das metodologias
durante 8 meses
Acompanhamento Acompanhamento
Perfil Inteligências das crianças
A P V R
A P V R
A O A O L C I E
L C I E
A S A S Ç S Ã U O A
Ç S Ã U O A
L L
RELAÇÃO INTELIGÊNCIAS/
SABER AMBIENTAL
??
? E LO ?
Saber ambiental /competências crianças
87
4.10. COMO AVALIAR E ACOMPANHAR O DESENVOLVIMENTO DAS INTELIGÊNCIAS?
Todas as pessoas possuem as oito inteligências, podendo desenvolvê-las
em um nível bem elevado de competências, mas, observou-se que as crianças
apresentam certas tendências ou inclinações, desde pequenas. Espera-se que, na
segunda infância, as crianças já estabeleceram maneiras preferenciais de
aprender, seguindo algumas inteligências, em detrimento de outras (Armstrong,
2001). Ao buscar descrever os perfis individuais das crianças, devemos ter
cuidado, para não categorizar, nem rotular as mesmas. Ao contrário, a avaliação
dos perfis de inteligências deve servir, não só para facilitar o acesso da criança
aos conteúdos escolares (mediante abordagens pedagógicas que considerem os
estilos individuais de aprendizagem), como deve ser um instrumento para
estimular o desenvolvimento integral da criança, através de um trabalho
direcionado em função das inteligências mais ou menos marcantes.
De acordo com Wiersma (2000), a pesquisa qualitativa pode ser interativa
ou não e utiliza, para a coleta de dados, basicamente, a observação, entrevistas, a
análise de documentos e relatos orais.
Descrever um perfil de inteligências de uma pessoa não é fácil, uma vez
que nenhum teste pode determinar precisamente a natureza nem a qualidade de
uma inteligência (Armstrong, 2001) e, de acordo com o conceito das inteligências
das ciências cognitivas, estas, muito menos, podem ser quantificadas de forma
absoluta. Testes padronizados medem sempre apenas uma pequena parte de um
largo espectro de capacidades (Gardner, 2002). Além disso, o autor alerta para o
risco da reificação da inteligência, pois seria uma visão reducionista do potencial
humano.
Este risco da reificação é grave num trabalho de exposição, especialmente em um trabalho que tenta apresentar conceitos científicos novos. Eu e leitores simpatizantes tenderemos a pensar – e cair no hábito de dizer – que aqui observamos a “inteligência lingüística”, a “inteligência pessoal” ou a “inteligência espacial” em funcionamento e isto é tudo. Mas não é. Estas inteligências são ficções – no máximo, ficções úteis – para discutir processos e capacidades que (como tudo na vida) são contínuos, a natureza não tolera qualquer descontinuidade aguda do tipo aqui proposto. Nossas inteligências estão sendo separadamente
88
definidas e descritas estritamente para esclarecer questões científicas e fazer frente a problemas práticos prementes. É permissível incidir no pecado da reificação, contanto que permaneçamos conscientes de que isto é o que estamos fazendo. Então, quando voltamos nossa atenção para as inteligências específicas devo repetir que elas existem não como entidades fisicamente verificáveis, mas apenas como construtos científicos potencialmente úteis. [...] (Gardner, 2002, p. 53).
Portanto, cabe-nos, sem dúvida, adaptar as técnicas de avaliação aos
imperativos da teoria, a fim de garantirmos a seriedade do nosso trabalho.
Segundo Gardner (2002) e também Armstrong (2001), a melhor maneira de
compreender o perfil de uma criança, é a observação. Pode-se começar por
observar o mau comportamento, pois, provavelmente, a criança altamente
lingüística estará falando fora de hora, a cinestésico-corporal estará se mexendo o
tempo todo etc. Pode-se, também, observar as crianças nas horas livres,
descobrindo as suas preferências e interesses espontâneos. Por fim, podem ser
oferecidas diferentes possibilidades para executarem certas atividades, para que
se evidenciem as forças e as fraquezas de cada criança. Devem ser feitos
registros, regularmente, a partir das observações.
Uma vez que cada inteligência possui seu próprio sistema simbólico e
suas formas particulares de manifestação, é importante que a avaliação aconteça
de formas variadas, dando possibilidades para cada criança demonstrar suas
verdadeiras potencialidades. A variedade de experiências de avaliação sugerida
por Armstrong (2001) contempla, entre outras coisas: registros de experiências
vividas feitos pelo professor ou pela própria criança; amostras de trabalhos;
registros em meios audiovisuais e fotografias; diário da criança; testes informais;
uso informal de testes padronizados (lista de verificação com base nos critérios de
cada inteligência); representações em gráficos ou tabelas; entrevistas com a
criança, informações fornecidas pelos pais etc.
De acordo com o envolvimento dos educandos nos projetos de
inteligências múltiplas e a crescente prática dos educadores em fazer registros
diários das suas observações mais importantes, recomenda-se a implantação da
técnica de portfólio para acompanhar o desenvolvimento individual das crianças. O
portfólio de inteligências múltiplas, proposto por Armstrong (2001), é uma pasta da
criança, em que são guardados os registros referentes a cada inteligência colhidos
89
ao longo dos anos letivos. Tanto a criança, como a professora tem acesso a este
material, que periodicamente deve ser analisado e interpretado.
Na Escola Suíço-Brasileira de Ilhéus a técnica do portfólio foi adotada a
partir do ano 2003. Esta foi desenvolvida em paralelo com o sistema de avaliação
quanti-qualitativo, já consolidado na escola, que contempla os conteúdos
disciplinares, as habilidades e competências tipicamente escolares e uma auto-
avaliação. Os critérios para o uso do portfólio foram discutidos, coletivamente,
assim como as várias possibilidades de uso deste meio de avaliação. Em seguida,
cada professor estabeleceu livremente a sua própria política, em função do perfil
da sua turma e seus objetivos pedagógicos.
Na Escola Suíço-Brasileira de Ilhéus, uma das peças dos portfólios de
2003 foi a avaliação do perfil de inteligências da criança através de listas de
verificação das mesmas. Além disso, outros meios forneceram dados para o
acompanhamento do desenvolvimento das múltiplas inteligências das crianças.
Veja, os principais meios aplicados na escola no ano 2003:
Avaliação processual do desenvolvimento das múltiplas inteligências no ano 2003:
- Avaliação mediante formulários (anexo B): auto-avaliação, avaliação dos pais,
avaliação da professora.
- Acompanhamento do processo de desenvolvimento das múltiplas inteligências,
no decorrer da aplicação das metodologias, mediante a coleção de registros
específicos guardados no portfólio da criança.
Registros da professora no diário da professora.
- Aplicação de metodologias: observação e registro das falas e dos
comportamentos das crianças durante a aplicação das metodologias; com foco na
inteligência naturalista.
- Observações assistemáticas dentro e fora da sala de aula; registros feitos pela
própria pesquisadora, com foco na inteligência naturalista.
Nota-se que, na pesquisa aplicada, foram utilizadas duas metodologias diferentes
na avaliação dos perfis de inteligências:
90
1) Uma metodologia quanti-qualitativa, através de formulários, em que cada
uma das inteligências é avaliada em função de 10 a 15 indicadores; foi
contado o número de indicadores marcados em cada inteligência,
compondo o perfil individual de inteligências da criança; o número de
indicadores foi convertido em um valor percentual relativo para cada
inteligência e esses valores foram representados num gráfico de curvas em
que os valores foram suprimidos.
2) Uma avaliação processual e qualitativa, para acompanhar o
desenvolvimento das inteligências nas crianças.
Observa-se que, na avaliação e no acompanhamento do desenvolvimento
das inteligências, algumas atividades exigiam da criança uma auto-análise do seu
perfil de inteligências. A introspecção, como meio de descrever as faculdades
mentais, já aparece na história da psicologia no século XIX, quando Wundt
introduziu o método da introspecção. Para a aplicação desta metodologia, Wundt
treinava seus sujeitos experimentais.
Assim, num nível muito mais simples, também preparamos as crianças
para realizarem as auto-avaliações, razão pela qual cada professora fez várias
intervenções na sala de aula, antes de aplicar as auto-avaliações. Estas atividades
permitiram a familiarização das crianças com a TIM e o conhecimento de cada
inteligência, assim como procurou estimular a criança a analisar a si própria,
quanto ao uso das inteligências, após e durante a realização de várias atividades
no dia-dia escolar.
Evidenciou-se que, as atividades de auto-análise, ao mesmo tempo em
que permitem fazer uma avaliação da criança, são atividades que estimulam o
desenvolvimento da inteligência intra-pessoal. Portanto, através destas atividades,
as crianças se tornaram cada vez mais íntimas com a Teoria das Inteligências
Múltiplas, aprimoraram sua capacidade de auto-avaliação, além de ampliar a sua
capacidade de compreender as outras pessoas. Isto podia ser notado de várias
formas: comparando a dificuldade inicial das crianças com a posterior (relativa)
facilidade em realizar as auto-avaliações (diário das professoras e portfólio das
91
crianças, 2003); desenvolvimento da capacidade das crianças de expressarem os
próprios sentimentos, estados emocionais, como raiva, ciúme, alegria etc.
(observações em sala); ampliação do vocabulário para expressar sentimentos,
desejos, aflições etc.
Este processo explica porque as avaliações com formulários (lista de
verificação dos indicadores) não ocorreram no início da pesquisa e, sim, apenas
após algum tempo (outubro, novembro), em que as crianças puderam se
familiarizar com a teoria.
4.11. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS SOBRE OS PERFIS DE INTELIGÊNCIAS
Com o objetivo de descrever o perfil individual e coletivo (por grupo) das
crianças à luz da Teoria das Inteligências Múltiplas, aplicamos, no 2º semestre de
2003, avaliações através de formulários criados especificamente para este fim
(Formulários de avaliação - anexo B), sendo que estes apresentavam cada
inteligência ilustrada por vários indicadores (exemplificados para a inteligência
naturalista nos Quadros 3 e 4).
Um tipo de formulário, que apresentava 15 indicadores para cada
inteligência, foi preenchido pelas crianças (auto-avaliação - anexo B), sob a
orientação da professora, em sala de aula, quando as crianças já possuíam um
certo conhecimento da teoria e uma significativa vivência com a identificação das
diferentes inteligências (veja seqüência didática para IM - anexo D1).
É importante esclarecer que estas avaliações têm um caráter relativo, pois
descrevem o perfil das crianças com base em perguntas referentes a suas
preferências e, neste momento, não foram colocados problemas para serem
resolvidos pelas crianças, ou seja, não se trata de testes psicomêtricos.
92
Quadro 3: Indicadores para auto-avaliação da inteligência naturalista
1 ADORO ANIMAIS E CUIDO BEM DELES 2 GOSTO DE ESTAR AO AR LIVRE, TENHO LUGARES PREFERIDOS NA NATUREZA 3 PERCEBO COM FACILIDADE PEQUENOS DETALHES PRESENTES NA NATUREZA 4 APRECIO PLANTAS E GOSTO DE CUIDAR DELAS 5 FICO INDIGNADO(A) COM QUALQUER TIPO DE MAUS TRATOS AOS ANIMAIS 6 GOSTO DE COLECIONAR OBJETOS DA NATUREZA (PEDRAS, CONCHAS, FOLHAS, ETC.) 7 NUM ESPAÇO NATURAL OU SELVAGEM, FICO À VONTADE E SINTO-ME FAZENDO PARTE
DAQUELE AMBIENTE
8 GOSTO DE ESTUDAR CIÊNCIAS NATURAIS (SERES VIVOS, QUÍMICA, FÍSICA, HISTÓRIA DA TERRA)
9 PREFIRO PRAIA À PISCINA, POIS NA PRAIA ESTOU EM CONTATO COM A NATUREZA 10 OBSERVAR O COMPORTAMENTO DOS ANIMAIS ME FASCINA 11 GOSTO DE ASSISTIR FILMES SOBRE A NATUREZA OU A VIDA ANIMAL 12 EU ME ACHO PARECIDO(A) COM OS ANIMAIS EM MUITAS COISAS 13 ADORO LER OU OUVIR HISTÓRIAS RELACIONADAS COM A VIDA NA NATUREZA 14 NA CIDADE GRANDE NÃO ME SINTO TÃO BEM, POIS, PARA MIM, É IMPORTANTE VIVER
NUM LUGAR PERTO DA NATUREZA
15
Quadro 4: Indicadores para avaliação da inteligência naturalista pelos pais
MEU FILHO / MINHA FILHA 1 ADORA ANIMAIS E CUIDA BEM DELES 2 GOSTA DE ESTAR AO AR LIVRE, TEM LUGARES PREFERIDOS NA NATUREZA 3 PERCEBE COM FACILIDADE PEQUENOS DETALHES PRESENTES NA NATUREZA 4 APRECIA PLANTAS E GOSTA DE CUIDAR DELAS 5 FICA INDIGNADO(A) COM QUALQUER TIPO DE MAUS TRATOS AOS ANIMAIS 6 GOSTA DE COLECIONAR OBJETOS DA NATUREZA (PEDRAS, CONCHAS, FOLHAS, ETC.) 7 NUM ESPAÇO NATURAL OU SELVAGEM, FICA À VONTADE E SENTE-SE FAZENDO PARTE
DAQUELE AMBIENTE
8 GOSTA DE ESTUDAR CIÊNCIAS NATURAIS (SERES VIVOS, QUÍMICA, FÍSICA, HISTÓRIA DA TERRA)
9 PREFERE PRAIA À PISCINA, POIS NA PRAIA ESTÁ EM CONTATO COM A NATUREZA E SE SENTE MAIS LIVRE
10 OBSERVAR O COMPORTAMENTO DOS ANIMAIS O FASCINA 11 GOSTA DE ASSISTIR FILMES SOBRE A NATUREZA OU A VIDA ANIMAL 12 ACHA-SE PARECIDO(A) COM OS ANIMAIS (FAZ COMPARAÇÕES, IMAGINA SER UM ANIMAL) 13 ADORA LER OU OUVIR HISTÓRIAS RELACIONADAS COM A VIDA NA NATUREZA 14 NA CIDADE GRANDE NÃO SE SENTE TÃO BEM, POIS, PREFERE VIVER NUM LUGAR PERTO
DA NATUREZA
15
93
Um segundo tipo de formulário foi preenchido pelos pais, com 15
indicadores para cada inteligência (anexo B); e um terceiro formulário foi
preenchido pela professora, tendo este apenas 10 indicadores para cada
inteligência (anexo B).
Os formulários foram elaborados com base no livro Inteligências
Múltiplas na sala de aula de Thomas Armstrong (2001), que apresenta um modelo
de avaliação do perfil da criança, em que são utilizados vários indicadores para a
identificação de cada uma das oito inteligências. Fizemos uma adaptação desses
indicadores à realidade local das crianças em estudo.
Os indicadores das inteligências referem-se a comportamentos
manifestos, a interesses e preferências, mas também a sentimentos. A avaliação
do perfil de inteligências da criança, através da escolha dos indicadores que são
julgados mais adequados por quem avalia, corresponde, na verdade a uma
descrição da personalidade da criança, mediante identificação de suas
habilidades, interesses e sentimentos, não tendo qualquer peso valorativo.
Cada indicador ilustra um dos múltiplos aspectos de uma inteligência e,
ao ser assinalado, expressa que a criança apresenta o comportamento, um
interesse, uma preferência ou um sentimento descrito, com certa freqüência, em
detrimento dos demais indicadores não assinalados. Para preencher as avaliações
deve haver uma ponderação entre os indicadores, pois, supõe-se que cada
criança apresenta alguns indicadores de cada inteligência (pois todos possuem
todas as inteligências), mas que em algumas inteligências o número de
indicadores assinalado é maior, sendo mais marcante na personalidade da criança
os respectivos comportamentos, interesses, preferências e sentimentos.
Espera-se que o número maior de indicadores assinalado seja o
resultado de uma auto-avaliação crítica, em que qualidades e limitações são
ponderadas. Mas, o número maior de indicadores assinalados, pode ser também
fruto de outras motivações: inclinações pessoais, como o fato de gostar de algo
(por exemplo, ouvir música), sem ter nenhum talento para lidar com o mesmo (não
é musical); desgostar daquilo que é exigido na escola (por exemplo, ler, escrever e
lidar com a matemática) e gostar daquilo que é menos exigido na escola (por
94
exemplo, atividades físicas pintura etc.). A criança pode também responder o
formulário sob a influência de opiniões dos colegas ou da professora, modas,
tendências divulgadas na TV etc.
Quanto mais jovem a criança, maior o risco de a avaliação ocorrer sob a
influência dessas motivações externas. Para minimizar estes efeitos e garantir
maior grau de veracidade à auto-avaliação, as crianças foram preparadas ao
longo do ano através de diferentes atividades, que envolviam a reflexão sobre
cada inteligência e a análise do uso das mesmas em diferentes situações (Projeto
de Integração, anexo D1; Seqüência Didática para trabalhar com as IM, anexo D1;
Portfólio, anexo F2). A escola, de modo geral, oferece às crianças várias
oportunidades de realizar auto-avaliações, desde o ingresso no Ensino
Fundamental (grupo 6 – 1ª série), o que pode ser observado no boletim das
crianças (anexo F1).
Poderíamos desmembrar cada inteligência em centenas de indicadores,
no entanto, o número de indicadores (entre 10 e 15) foi mantido numa quantidade
razoável para que as avaliações possam ser respondidas pelos participantes com
certa facilidade. Não foi estabelecido um mínimo de indicadores a ser assinalado
(podendo ser zero), e o limite máximo é o próprio número de indicadores (entre 10
ou 15), havendo sempre a possibilidade de o avaliador acrescentar alguns
indicadores que julgasse importantes. Portanto, não há valores absolutos, nem
referenciais fixos, para comparar os perfis, mas trabalhamos com valores relativos
e ponderáveis entre si que demonstram certas tendências individuais e coletivas,
sujeitas a interpretações. Para calcular o valor para cada inteligência, contamos as
questões assinaladas numa inteligência, em relação ao total de indicadores para a
mesma inteligência, relação esta expressa em porcentagem. Se fossem criados
mais indicadores pelo avaliador, esses eram contados no valor total de
indicadores para a inteligência. As porcentagens foram organizadas num gráfico
de curva para cada criança; a porcentagem de cada inteligência é expressa por
um ponto na curva e a cada avaliação (auto, pais e professora) corresponde uma
curva, como veremos na discussão dos resultados.
95
4.12. COMO AVALIAR E ACOMPANHAR O DESENVOLVIMENTO DO SABER AMBIENTAL?
Num ambiente construtivista de aprendizagem, as crianças têm
oportunidade de manipular objetos e idéias e negociar significados entre si e com
os professores, pois a ênfase é dada à construção ativa do conhecimento pelo
sujeito e não à retenção passiva, nem à reprodução de memória dos conteúdos.
Os conteúdos de ciências, incluídos os temas transversais, devem ser
trabalhados em contextos significativos, privilegiando situações do mundo real e
do dia-dia da criança (Yus, 1998). É importante que sejam propiciadas múltiplas
representações dos mesmos objetos ou fenômenos em estudo e a avaliação mais
adequada é processual e formadora, na medida em que está voltada não só para
a regulação da aprendizagem da criança pelo professor, mas para a reflexão e
auto-regulação da própria aprendizagem e esta tem de ser compreendida num
sentido amplo (Armstrong, 2001).
Como vimos, a aprendizagem é um ato eminentemente individual e
idiossincrásico, ainda que profundamente influenciado pela interação do sujeito
com seu meio sócio-ambiental. Neste sentido, o saber ambiental não pode ser
avaliado apenas em relação aos conteúdos definidos pela escola, mas envolve um
conjunto de conhecimentos, habilidades, competências, atitudes e valores. É um
saber complexo de múltiplas dimensões e suas manifestações devem ser
captadas de diferentes formas em diferentes momentos do fazer pedagógico.
Tendo em vista a complexidade do objeto em estudo, foi feito,
inicialmente, um levantamento amplo do saber ambiental das crianças, através de
uma entrevista individual (atividade do diagnóstico nº 1). Ao longo de oito meses
“mergulhados” na escola, estivemos em contato constante com as crianças e as
professoras que participaram da pesquisa, sendo que nos envolvemos com todos
os aspectos do processo de ensino-aprendizagem. Participamos do
planejamento, da construção e execução dos projetos didáticos; das reuniões de
professores, em que ocorrem os cursos de formação; das atividades de
coordenação; de reuniões de pais; e realizamos inúmeras intervenções
96
pedagógicas em sala de aula, das quais algumas aulas, ou ciclos de aulas, foram
anexadas neste trabalho, para discussão e exemplificação (anexo E). No decorrer
das intervenções pedagógicas, foram aplicadas mais cinco atividades de
diagnóstico, pois precisávamos levantar dados, a partir dos quais planejamos as
aulas seguintes. Neste sentido, o trabalho foi conduzido de forma integrada, num
processo constante de ação-reflexão.
Consultamos diversos documentos produzidos pela escola, que
fornecem dados sobre a criança: além da avaliação processual consolidada pela
escola, utilizamos, também, a técnica do portfólio. A avaliação baseada em
portfólios tem o intuito de concentrar a atenção de todos (das crianças, dos
professores e dos familiares) nas tarefas importantes do aprendizado. A avaliação
formativa proposta por Zabala (1998) encontra, na técnica do portfólio, um
instrumento adequado, que viabiliza a realização de um processo avaliativo que
estimula o questionamento, a discussão, a suposição, a proposição, a análise e
reflexão. Cada projeto previa momentos específicos de avaliação, que podem ser
observados nas intervenções listadas nos projetos da escola. Portanto, no
decorrer de alguns projetos aconteceram auto-avaliações, avaliações coletivas,
avaliações dos próprios projetos pelas crianças etc.
Baseamos o acompanhamento do desenvolvimento do saber ambiental,
em registros pessoais colhidos no decorrer da aplicação das intervenções
pedagógicas (anexo E - aulas ou ciclos de aulas) em sala, como nas observações
assistemáticas e nas anotações das professoras, nos seus diários. Os registros
que resultaram das observações em sala, contém a descrição de comportamentos
e atitudes das crianças; mas, também, o registro de falas, opiniões; registros
escritos das crianças; e, outras produções infantis. Esses conteúdos surgiam em
resposta direta às intervenções pedagógicas ou espontaneamente no contato
diário com as crianças.
97
Quadro 5: FONTES PARA A COLETA DE DADOS – PESQUISA DE CAMPO
CATEGORIA MANIFESTAÇÃO/ INDICADORES
INSTRUMENTOS para COLETA DE DADOS
Inteligências das crianças
- Conhecimentos/
compreensão
- Competências
- Habilidades
- Valores, Atitudes
- Avaliação sistemática dos perfis de IM
com formulários (auto-avaliação,
avaliação pelos pais, avaliação pela
professora)
- Intervenções pedagógicas (aulas) com
registro sistemático das observações
- Portfólio da criança
- Diário da professora
- Observação assistemática pela
pesquisadora
Saber ambiental das crianças
- Conhecimentos/
compreensão
- Competências
- Habilidades
- Valores, Atitudes
- Diagnóstico (5 atividades)
- Intervenções pedagógicas (aulas) com
registro sistemático das observações
- Portfólio da criança
- Diário da professora
- Observação assistemática pela
pesquisadora
Observa-se que, tanto as inteligências, - principalmente a inteligência
naturalista -, como o saber ambiental, são conceitos ainda pouco explorados pela
literatura específica, uma vez que são relativamente novos. Em busca de uma
aproximação, baseamos nosso estudo nos princípios gerais da educação, nas
ciências cognitivas, na Teoria das Inteligências múltiplas e nos objetivos e
conteúdos da educação ambiental. No entanto, além de investigar as possíveis
relações existentes entre as inteligências e o saber ambiental, procuramos, no
decorrer da pesquisa, definir de forma mais precisa, ambos os conceitos.
98
5. DESCRIÇÃO DAS INTERVENÇÕES 5.1. DIAGNÓSTICO DO SABER AMBIENTAL Tabela: atividades de diagnóstico METODOLOGIA
POPULAÇÃO
Grupos
DATA
Temas/ elementos do saber ambiental
1. Entrevista ecossistema
6, 7, 8, 9
dez. 2002 a abril 2003
Elementos bióticos/abióticos (função). Relações no ecossistema. Visão sistêmica. Reprodução plantas. Ciclo da matéria. Conceito de “natureza”. O lugar do homem na natureza.
2. Jogos “vivo ou morto”
6, 7, 9
nov. 2002
Conceito de “ser vivo”.
3. Preferência animais
8, 9
Julho 2003
Interesses (espontâneos) da criança.
4. Conhecimentos espécies plantas/animais
7, 8, 9
Ano 2003
Conhecimento da flora e fauna. Distinção flora e fauna brasileira e exótica. Conhecimento da Mata Atlântica. Consciência de viver em um Hotspot.
5. História do universo
6, 8, 9
Março e maio 2003
A vida como fenômeno especial encontrado só na terra. Evolução. Biodiversidade. Extinção. Visão científica ou religiosa.
6. Relação homens/ animais -ética
8, 9
Julho 2003
Relação do homem com os animais e com as plantas – julgamento de valor. Lugar do homem na natureza. Visão da natureza (valor).
99
5. 1. 1. Atividade do diagnóstico nº 1 – Entrevista Ecossistema
A peça central deste diagnóstico foi a entrevista realizada no início da
pesquisa. Pode-se observar que a atividade do diagnóstico nº 1 tinha como
objetivo revelar o pensamento da criança e permitir uma descrição do seu saber
ambiental, à luz de vários aspectos da matriz do saber ambiental. Evidenciamos,
neste momento, os procedimentos de elaboração e aplicação da entrevista, cujos
resultados serão apresentados na parte dos resultados da pesquisa.
Na vertente da Psicologia Genética, o método clínico foi utilizado, para
conhecer o caminho do conhecimento e da aprendizagem percorrido por um
sujeito. Piaget apropriou-se do método clínico (sem a característica do recostado
oriundo da psicologia), valorizando inicialmente a participação verbal do
entrevistado e voltado para o atendimento individual. Como primeiro
experimentador nesta área de pesquisa, Piaget verificou que o método deveria
receber uma adaptação experimental e deixou de ser eminentemente verbal,
como foi caracterizado no início de suas pesquisas. O sujeito a ser investigado
podia falar, experimentar, argumentar e receber contra-argumentações que
permitissem uma reorganização na rota de seu pensamento.
Desenvolvemos a entrevista com base nestes pressupostos
metodológicos, tendo como referência os elementos da matriz do saber ambiental;
assim como utilizamos um modelo específico adaptado de uma pesquisa realizada
com crianças de 5ª a 8ª série, pela Universidade de Harvard por Bell-Basca,
Grotzer, Donis e Shaw (2000).
Objetivos, conteúdos e procedimentos de aplicação da entrevista
Um dos aspectos da inteligência naturalista, segundo Gardner (2000)
consiste na capacidade de “mapear relações, formal ou informalmente, entre
várias espécies” ou “compreender os sistemas naturais”. Celso Antunes (2002)
descreve a inteligência naturalista como a “competência para perceber a natureza
de maneira integral e sentir processos de acentuada empatia com animais e com
100
as plantas, uma afinidade que pode estender-se a um sentimento ecológico, uma
percepção de ecossistemas e habitats”.
Com base no conceito de ecossistema, como o conjunto de elementos
bióticos e abióticos que interagem em um determinado espaço, formando um
sistema dinâmico, consideramos fundamental a compreensão deste conceito pela
criança. De acordo com Odum (1983), o ecossistema é “qualquer unidade que
abranja todos os organismos que funcionam em conjunto (a comunidade biótica)
numa dada área, interagindo com o ambiente físico de tal forma que um fluxo de
energia produza estruturas bióticas claramente definidas e uma ciclagem de
materiais entre as partes”.
Portanto, a noção de ecossistema envolve a compreensão dos
elementos bióticos, abióticos suas funções e sua interação, assim como os
grandes ciclos da natureza e a idéia de que existe um equilíbrio dinâmico que
mantém este sistema em funcionamento. Como já vimos, o desenvolvimento do
pensamento sistêmico é, atualmente, um dos grandes objetivos da educação,
além de constituir um aspecto essencial da inteligência naturalista.
Julgamos importante realizar um diagnóstico com as crianças, que nos
permita descrever a compreensão das mesmas em relação à noção de
ecossistema. Vale ressaltar que crianças de 1ª a 4ª série ainda não trabalham, em
um nível formal, com o conceito de ecossistema na escola, pois este é um
conteúdo típico do ensino de ciências a partir da 5ª série. A “natureza”, ou o
“planeta terra”, vocábulos familiares da criança, podem ser compreendidos, neste
sentido, como um grande ecossistema. Buscando uma aproximação ao universo
infantil, é exatamente com estes termos que iremos trabalhar nas entrevistas.
O ecossistema, enquanto conceito científico, é um modelo, fruto de uma
abstração em relação à natureza, seus componentes e sua organização.
Delimitado no espaço, normalmente, os cientistas tomam, como base de estudo
de um ecossistema, áreas definidas no ambiente (uma poça d´água, uma lagoa,
uma floresta etc.). A partir desta delimitação espacial, faz-se uma abstração pela
representação simbólica dos elementos da natureza e a construção de esquemas
lógico-formais das relações entre os mesmos. Um dos aspectos mais importantes
101
do ecossistema são as cadeias alimentares, que interligadas formam a rede ou
teia alimentar (Odum, 1983).
Portanto, com base na análise de diversos fatores, tais como os
componentes bióticos, abióticos e suas relações, a teia da vida, o ciclo da matéria
e o fluxo da energia, busca-se a apreensão mais profunda do ecossistema como
um todo, em seu equilíbrio dinâmico. É, portanto um conceito complexo, que
envolve a compreensão da interação de vários elementos em diversos níveis
simultaneamente.
De acordo com o Guia para o Planeta Terra, de Art Sussman, Cultrix:
2000, a compreensão da terra enquanto sistema comporta a compreensão de
vários aspectos, tais como:
A compreensão do conceito de sistema e a percepção da terra como um
todo interligado e como um microssistema dentro de um sistema maior
(universo); e ao mesmo tempo, a terra como macrossistema que contém
múltiplos ecossistemas menores.
A terra, enquanto sistema, funciona com base em três grandes princípios:
1. O ciclo da matéria (rocha, água, matéria orgânica, substâncias gasosas);
deste ponto de vista a terra é um sistema fechado.
2. O fluxo de energia, que proveniente do sol, atravessa todo sistema; deste
ponto de vista a terra é um sistema aberto.
3. A teia da vida, que consiste na relação entre os seres vivos e estes e os
ciclos da matéria e o fluxo da energia.
Entende-se que a manutenção de um ecossistema complexo depende
das interações entre os seus componentes que, segundo Grotzer & Perkins
(2002), seguem certas regras.
Quanto às relações de causa-efeito ou padrões relacionais num ecossistema,
afirmam que:
uma causa pode ter efeitos diretos e/ou indiretos;
uma causa, mesmo, quando parece irrelevante, pode ter efeitos de
102
largo alcance, pois os efeitos, muitas vezes, se propagam de acordo com um
padrão do tipo “dominó”, ou em forma de “galho” ou “irradiando” para todos os
lados;
em um dado sistema, efeitos isolados são a exceção;
a energia que vem do sol é transferida ao longo das cadeias
alimentares num padrão similar ao dominó.
Quanto ao ciclo da matéria, os mesmos estudiosos consideram que:
a “matéria morta” não some, mas é reciclada pela matéria viva e o
ambiente físico (decomposição da matéria orgânica em elementos essenciais que,
uma vez reintegrados ao ambiente físico, o enriquecem, tornando-o propício para
a proliferação de novas formas de vida);
em um ecossistema há produtores (vegetais), consumidores (animais) e
decompositores (insetos, anelídeos, fungos e bactérias), todos eles essenciais à
manutenção do ecossistema e da vida;
em um ciclo não há início, nem fim;
existem eventos visíveis e outras invisíveis que contribuem para o ciclo
da matéria;
Quanto às relações de troca e de reciprocidade;
simbiose consiste na interação de duas espécies, que estão em contato
direto, afetando-se mutuamente;
mutualismo é um tipo de simbiose, em que as espécies se afetam
mutuamente de forma positiva, ou seja, ambas as espécies se beneficiam;
parasitismo é uma relação, em que apenas uma espécie se beneficia
da outra, em detrimento desta;
enquanto o fluxo de energia num sistema é linear (one-way), a relação
entre populações no interior de uma teia alimentar é de reciprocidade (two-way);
alguns organismos (presas) oferecem alimento para outros
(predadores), o que ajuda a manter o equilíbrio de ambas as populações,
constituindo uma relação de reciprocidade;
103
portanto, o que aparentemente é uma relação linear (one-way), muitas
vezes é uma relação de reciprocidade. Pois, sempre que uma relação afeta ambos
os pólos envolvidos (considerando que podem representar uma população ou um
indivíduo), podendo ser esta influência positiva ou negativa para um dos pólos ou
para ambos simultaneamente, a relação é de reciprocidade (two-way).
Quanto ao equilíbrio ou à estabilidade de um ecossistema considera-se que:
o ecossistema é dinâmico, sendo natural a presença de fluxos e
mudanças;
o que afeta uma população afeta, normalmente, as demais, pois estão
todas interligadas;
os organismos envolvidos numa teia têm uma certa capacidade de
adaptação; a teia apresenta um leve grau de redundância que permite manter-se
estável;
equilíbrio e fluxo podem causar efeitos complexos; o ecossistema pode
sofrer eventos que não têm efeitos significativos sobre os componentes, na
medida em que os elementos conseguem adaptar-se.
A lista de fenômenos que envolvem a compreensão de um ecossistema,
aqui apresentada, não é exaustiva, visando apenas mostrar o grau de
complexidade que o conceito possui. Acreditamos que é importante levarmos em
conta esta complexidade, ao analisar as respostas das crianças. Só assim,
poderemos verificar, em que o pensamento das mesmas se aproxima e em que
ele se distancia de uma compreensão mais profunda da natureza.
Realizamos entrevistas individuais com 30 crianças de 1ª a 4ª série,
utilizando para tal um modelo adaptado de uma pesquisa realizada na
Universidade de Harvard por Bell, Grotzer, Donis e Shaw (2000): Using Domino
and Relational Causality to analyze Ecosystems: Realizing what goes around
comes around.
Cada entrevista durou de 35 a 45 minutos, envolvendo o uso de cartelas
com gravuras - sendo que em cada gravura está registrado, abaixo da figura, o
nome do que é representado - distribuídas da seguinte forma:
104
Cartela:
1 sol
2 água
3 pedras
4 terra
5 campos (morro coberto de vegetação gramínea)
6 árvores (floresta tropical)
7 flor
8 sementes
9 insetos
10 borboletas
11 rãs e sapos
12 pássaros
13 peixes
14 capivara
15 bicho-preguiça
16 cobras
17 onças
18 bactérias
19 fungos ou cogumelos
20 um pedaço de tronco caído
Para realizar a entrevista, tivemos o cuidado de utilizar animais silvestres
típicos brasileiros, com os quais seria possível montar uma teia alimentar. As
gravuras representam todos os animais no plural (exceto a capivara e o bicho-
preguiça). Assim por exemplo, a cartela dos insetos representa uma formiga, uma
libélula, devorando outro inseto menor e uma abelha. Na cartela dos pássaros,
tem um passarinho pequeno colorido e uma ave de grande porte.
Antes de começar a entrevista, pedimos à criança para olhar cada
cartela, lemos o nome escrito junto com ela e explicamos que a gravura não
representava um animal em particular, mas todos os animais daquele tipo. As
105
crianças têm demonstrado, em várias pesquisas, que têm dificuldade em analisar
as relações de um ecossistema com base no conceito de população, ao invés
disso, percebem os indivíduos isoladamente. Isto as leva a raciocinar em termos
de uma relação entre vítima (presa) e agressor (predador), o que suscita a sua
compaixão ou a sua raiva pelos animais em questão (Bell-Basca, Donis, Grotzer e
Shaw, 2000).
Para compreender o sentido pleno das relações entre seres vivos em
um ecossistema, as crianças precisam raciocinar em termos de interações entre
populações e não entre indivíduos. Porém, temos consciência de que as crianças
de 1ª a 4ª série ainda não compreendem os conceitos população e espécie na sua
plena abrangência, mas sabem o que significa, por exemplo, todos as cobras, as
grandes, as pequenas etc. Na entrevista, percebemos, muitas vezes, quando a
criança se referia ao animal de forma particular ou quando considerava todos os
animais daquele tipo (no sentido da espécie ou população) e este aspecto será
levado em consideração, na análise dos resultados da entrevista.
Mantendo o conceito de ecossistema como nosso referencial, a
entrevista tinha como objetivo principal fazer a criança falar sobre a natureza ou o
sistema terra, os seus elementos (as coisas que encontramos na natureza) e as
relações existentes entre os mesmos. O roteiro básico continha a abordagem de
vários subtemas:
Os elementos essenciais à viabilidade da vida sobre a terra:
Fazer a criança falar sobre a função de cada um dos elementos sol, água, árvores,
sendo que nos interessava saber, qual a importância que as crianças atribuem a
esses elementos, tendo em vista a sustentação de todas as formas de vida. Como
percebem os seres vivos e suas relações com o meio.
A teia alimentar:
Qual seria a compreensão da criança das relações entre os animais; como
concebem as cadeias alimentares e as teias ou redes alimentares? Quais são as
relações entre os animais e estes e as plantas? Pedimos à criança, para
estabelecer relações entre os seres vivos, convidando-as para formar cadeias
alimentares (ou uma teia alimentar), envolvendo o maior número possível de
106
cartelas.
O equilíbrio na teia da vida:
Para verificarmos a compreensão da criança em relação à teia da vida,
perguntamos qual seria o impacto causado na natureza pela retirada completa de
um tipo de animal. Essa pergunta era feita após a construção da teia (ou da
cadeia alimentar) pela própria criança com as suas cartelas e através da retirada
concreta e visível de uma cartela essencial nesta teia. Se uma criança, por
exemplo, montou uma teia em que os insetos apareciam como uma presa para
vários tipos de predadores, retiravam-se os insetos e perguntava-se à criança o
que aconteceria se, por alguma razão, todos os insetos morressem.
Ciclo das plantas:
Partindo das plantas que mais chamam a atenção no nosso ambiente, que são as
plantas com flores, queríamos saber se a criança tem conhecimento da
reprodução dessas plantas, relacionando árvore, flor e sementes e, se ela tem
consciência da participação dos insetos na reprodução dessas plantas. Neste
item, interessa saber se a criança percebe a importância dos insetos, não só como
presa para outros animais, mas para a reprodução das plantas.
O ciclo das rochas:
Queríamos saber se a criança compreende que a terra é um planeta rochoso e
que tanto as pedras, as pedrinhas e a areia encontradas por nós, no dia-dia, são a
própria rocha em diferentes estados, elemento essencial à constituição do planeta
terra. A criança está familiarizada com a idéia de que o meio abiótico passa por
transformações? Ela é capaz de estabelecer relações entre os meios biótico e
abiótico?
Ciclo da matéria orgânica:
A partir da imagem de um pedaço de tronco de madeira, queríamos saber se a
criança compreende que há um ciclo natural em que a matéria viva, ao morrer, se
decompõe e volta à terra, fertilizando-a. Além disso, queríamos verificar se a
criança atribui alguma importância aos insetos neste processo.
Bactérias e fungos:
Não sendo plantas, nem animais, qual seria a concepção das crianças a respeito
107
de bactérias e fungos? Na cartela estava escrito, respectivamente, bactérias com
a gravura de diversas bactérias aumentadas no microscópio e fungos e
cogumelos, com uma gravura de cogumelos. Queríamos apenas ver, o que as
crianças já sabiam a respeito dessas formas de vida e se relacionavam-nas a
processos naturais úteis, como o ciclo da matéria.
O lugar do homem na natureza:
Qual é a posição que a criança atribui ao homem na natureza? Ele é parte
integrante ou é visto como o senhor da natureza? O ser humano, dentro do
ecossistema terra, submete-se às mesmas leis que os demais seres vivos? Como
é atingido por mudanças na natureza? Nas opiniões das crianças prevalece o
egocentrismo, o antropocentrismo ou biocentrismo?
Como podemos observar, as perguntas, não seguiam um roteiro muito
rígido, mas eram direcionadas no sentido de aproveitar, da melhor forma possível,
o interesse da criança, fazendo-a expressar seus pensamentos sobre os diversos
subtemas. Nem todas as crianças abordaram todos os temas, algumas falaram
muita coisa, outras menos, sendo que estabelecemos um limite de tempo, que, de
acordo com o interesse, da criança podia ser estendido até o máximo de 45
minutos. Na avaliação dos resultados das entrevistas o aspecto quantitativo será
considerado, pois ficará explicitado o número de crianças que falaram sobre cada
tópico e o número de informações colhido sobre o mesmo.
Como se pode observar, tivemos, na entrevista, uma atenção especial
com o uso da linguagem, adaptando-a à compreensão da criança. Portanto, para
obtermos informações da criança, por exemplo, a respeito da sua compreensão da
função do elemento sol, lhe apresentamos a respectiva cartela e perguntamos:
Para que serve o sol? Se ela respondesse falando da utilidade do sol, apenas
para ela ou para o ser humano, perguntamos: E na natureza, para que serve o
sol? O verbo “servir”, ao nosso ver, abre espaço para a criança falar, tanto da
atividade do elemento, ou seja, do que faz - por exemplo, o sol serve para
iluminar, esquentar -, como da sua importância, considerando que a idéia de servir
remete ao servir para algo ou para alguém - por exemplo: “esquenta a terra” ou
108
“ilumina o dia para eu acordar”.
Se a criança hesitasse em falar, perguntamos, “como seria a terra sem
sol”? Aliás, falar de como seria a terra na ausência do elemento em questão, foi
um recurso utilizado por muitas crianças espontaneamente. Ou seja, ao perguntar
para que serve o sol, a criança respondia, por exemplo; “Ah, sem sol, a gente
morreria de frio!”.
Para fazer a criança falar sobre a teia da vida, trabalhamos em duas
etapas.
1. Em um primeiro momento, trabalhamos com relações topológicas, em
que a criança era solicitada a organizar os elementos no espaço. Pedimos para
ela agrupar os elementos que “ficam na floresta” e juntar próximo à cartela das
árvores os “animais que moram nas árvores”, assim como os “animais que moram
na água” etc. Às vezes, a criança escolhia um jeito próprio de organizar as figuras,
colocando tudo junto.
2. Então, pedimos para mostrar o que acontece entre essas coisas na
natureza. Se a criança, espontaneamente, não estabelecesse nenhuma relação
entre os animais, perguntamos se ela achava que algum desses bichos come um
outro bicho, pois percebemos que esta era a forma mais “natural” da criança
refletir sobre as relações entre animais. Tentamos fazer com que a criança
estabelecesse, pelo menos, uma relação com cada cartela representando um
animal.
Procedimentos de aplicação da entrevista
Foram entrevistadas 30 crianças dos grupos 6 a 9 da escola em
questão, sendo que estes grupos correspondem às 1ª, 2ª , 3ª e 4ª séries do
ensino fundamental (tratadas simplesmente como 1ª, 2ª ,3ª e 4ª séries). Para
facilitar o entendimento, as crianças entrevistadas serão representadas por um
número entre 1 e 49. Os números são organizados da seguinte forma:
1 a 12 correspondem às crianças da 1ª série em 2003 (azul);
13 a 24 correspondem às crianças da 2ª série em 2003 (vermelho);
109
25 a 33 correspondem às crianças da 3ª série em 2003 (verde);
34 a 45 correspondem às crianças da 4ª série em 2003 (laranja)
46 a 49 correspondem às crianças que participaram das entrevistas em 2002, mas
não da pesquisa em 2003.
As professoras de cada série escolhiam aleatoriamente uma criança
para realizar a entrevista conosco, sendo que ela não sabia se íamos entrevistar
todas as crianças da sala ou só algumas delas. Todas as crianças queriam ser
entrevistadas. Elas estavam muito curiosas e consideravam um privilégio serem
escolhidas para participar da nossa atividade. Não fizemos sorteio, pois
pretendíamos entrevistar o maior número possível. Entre as 45 crianças que
compõem as quatro séries, entrevistamos 30, ou seja, 2/3 das crianças.
Aplicamos, inicialmente, seis entrevistas no mês de dezembro de 2002,
sendo com duas crianças da 1ª série (que em 2003 estava na 2ª série), com duas
crianças da 2ª série (que em 2003 estavam na 3ª série) e com duas crianças da 3ª
série (que em 2003 estavam na 4 série). Esta fase foi experimental e ajudou-nos a
elaborar com exatidão o roteiro da entrevista, além de permitir-nos adequar melhor
a linguagem ao universo das crianças. As informações colhidas nestas entrevistas
foram aproveitadas na análise das respostas, porém evitamos, na classificação, a
repetição de uma opinião idêntica da mesma criança nas duas entrevistas.
Em março e abril do ano 2003 repetimos as entrevistas com essas
mesmas seis crianças e entrevistamos mais 24 crianças, completando um total de
36 entrevistas aplicadas com 30 crianças, portanto. Ao todo, entrevistamos 6
crianças da 1ª série, 8 crianças da 2ª série, 9 crianças da 3ª série e 7 crianças da
4ª série.
Para realizar as entrevistas, sentamos, eu (vale ressaltar que sou uma
pessoa bem conhecida e familiar neste ambiente escolar), a criança a ser
entrevistada e uma outra pesquisadora-apoiadora (com a função de anotar tudo
que a criança falava) a uma mesa, localizada em um espaço reservado da escola,
com o conjunto de cartelas, representando o nosso ecossistema.
Explicávamos à criança que ela estaria sendo entrevistada, pois
110
estávamos querendo saber, como ela entendia o funcionamento das coisas na
natureza. Deixávamos claro que o objetivo do trabalho não consistia em avaliar a
criança, nem testar seus conhecimentos, mas estávamos revendo o trabalho da
escola, especificamente, os projetos didáticos de ciências. Para isto, estávamos
tentando entender melhor, como as crianças pensam a respeito da natureza e
precisávamos da sua ajuda para direcionar os projetos da escola, em função de
seus interesses e suas necessidades. A criança era informada de que não se
tratava de uma prova e que poderia falar livremente a sua opinião, não existindo
uma resposta certa ou errada para as perguntas.
Quando sentíamos que a criança estava à vontade, pedíamos a ela que
olhasse cada figura, dizendo o que representava. Exceto o sol e o campo verde,
todas as cartelas estavam com o nome escrito em baixo da figura, de forma bem
legível; e, no caso dos animais, flores e pedras, o nome estava escrito no plural,
para ajudar a criança a pensar no conjunto das coisas ou na espécie de animais,
como um todo, e não numa coisa ou num animal individualizado. A criança, então,
lia o nome de cada cartela em voz alta e olhava a imagem. Em seguida,
começávamos a fazer perguntas.
Cada entrevista durou de 34 a 45 minutos, a depender do interesse da
criança. A pesquisadora apoiadora apenas ouvia e anotava tudo que era
perguntado e respondido na entrevista.
Em seguida, todas as entrevistas foram digitadas e do seu conteúdo foi
extraído o maior número possível de afirmações, feitas pelas crianças, referentes
à compreensão dos elementos bióticos e abióticos de um ecossistema e a relação
entre os mesmos. As afirmações foram classificadas em tabelas elaboradas
especialmente para este fim, sendo que, nestas tabelas, os números de 1 a 30 referem-se às crianças entrevistadas e as cores às séries a que pertencem: a
1ª série é representada pela cor azul, a 2ª série pela vermelha, a 3ª série pela
verde e a 4ª série pela cor laranja. Os algarismos pretos correspondem a dados
quantitativos. Veja no anexo A1: Uma entrevista (exemplo) e a tabela com todas
as respostas das crianças classificadas
Iremos, em todo estudo, ater-nos às séries, - embora o mais comum, em
111
pesquisas deste tipo, seja considerar as crianças pela idade cronológica -, pois a
ênfase nas séries nos permitirá estabelecer um paralelo entre o pensamento das
crianças e a educação formal.
5.1. 2. Atividade do Diagnóstico nº 2 - As Teorias Intuitivas e o Conceito de “SER VIVO”
Esta atividade girou, basicamente, em torno da questão: Qual é o
conceito de “ser vivo” que as crianças possuem? Foram realizadas atividades
lúdicas com as crianças, para avaliar o tipo de classificações que a criança realiza
em relação aos seres vivos, não-vivos. A criança utiliza apenas um critério para
classificar as coisas ou vários critérios? Quais são os critérios utilizados pelas
crianças: critérios relacionados ao comportamento observável (movimento,
movimento autônomo), à atividade biológica visível (comer, andar, enxergar), ao
comportamento sócio-cultural (fazer compras, regar plantas) ou ela classifica em
função da presença (ou ausência) dos processos vitais mais complexos, como a
reprodução, crescimento, alimentação, respiração, etc.? (Anexo A2)
Procedimentos de aplicação: JOGO “Vivo ou não vivo”
Num espaço livre na natureza. A professora pediu para as crianças
procurarem objetos diversos no ambiente, vivos e não vivos. Trouxeram os objetos
e os colocaram no chão, depois, as crianças reuniram-se em volta. A professora
chamou atenção, de que há coisas que são seres vivos e outras que são objetos
não-vivos. A brincadeira consistia em organizar os objetos coletados, nesses dois
grupos e, para ajudá-las a classificá-los, deveriam representar, com o corpo, a que
grupo pertencia cada coisa. A professora apresentava as coisas, uma por uma,
enquanto as crianças se moviam livremente pelo espaço. Quando a professora
mostrava uma coisa, que a criança julgava representar um ser vivo, ela se
movimentava rapidamente, mas, quando julgava que a coisa representava um ser
não-vivo, devia ficar “congelada” (sem movimento). Este jogo vai ao encontro do
pensamento infantil uma vez que, na psicologia, a presença ou ausência de
112
movimento é considerado o argumento central da criança para distinguir seres
vivos de não-vivos.
As crianças trouxeram várias coisas; folhas, pedras, galhos, formigas
vivas, insetos mortos, areia, sucatas (lixo), flores, sendo que acharam muito fácil a
realização desta atividade. Aumentamos gradativamente o nível de dificuldade,
por exemplo, mostrando um galho de planta ainda verde arrancado e um galho
seco. Levantamos, então, uma discussão em torno dos objetos que apresentaram
dúvidas, e estimulamos o debate para definir as características que permitem
classificar os objeto e anotar os argumentos usados pelas crianças. Procuramos
verificar se havia unanimidade nas respostas. A criança consegue estabelecer
regras gerais para a classificação ou se atém ao objeto específico, analisando
caso a caso? Quais são os argumentos utilizados?
As hipóteses levantadas pelas crianças foram registradas. Nesta
atividade, o que nos interessava era verificar se algum critério predominava ou se
a variedade de argumentos predominava na classificação das coisas em seres
vivos e não-vivos. Chamou-nos atenção, em um primeiro momento, o fato de as
crianças terem colocado, no mesmo grupo, coisas inanimadas e seres vivos
mortos (ex: a formiga morta ficou junto com a pedra). No debate, as crianças
tiveram oportunidade de demonstrar seu pensamento, a respeito do termo não-
vivo como sinônimo de morto, ao estabelecer uma diferença entre coisas
inanimadas e seres vivos mortos.
Esta pesquisa foi realizada no final do ano 2002, sendo que 34 crianças
participaram das atividades: 8 crianças da 1ª série (2ª série em 2003), 11 da 2ª (3ª
série em 2003) e 15 da 4ª série (que saíram da escola).
5.1. 3. Atividade do Diagnóstico nº 3 – Interesses das crianças
Aplicamos vinte questionários junto às crianças das 3ª e 4ª séries, (20
crianças) investigando qual o foco de seus interesses, logo no início da pesquisa.
Perguntamos, se a criança fosse cientista, o que gostaria de estudar: animais,
plantas ou a matéria (pedras, misturas químicas etc.); pedimos para justificar suas
113
respostas por escrito e/ou oralmente.
5. 1. 4. Atividade do Diagnóstico nº 4 – Conhecimentos das Espécies de Plantas e Animais
Observamos e procuramos registrar, em várias ocasiões, os
conhecimentos das crianças acerca das espécies de plantas e animais, com as
quais tivemos contato direto ou indireto. Estes momentos aconteceram no
decorrer da entrevista inicial (atividade de diagnóstico nº 1), durante diferentes
intervenções pedagógicas e nas excursões.
5. 1. 5. Atividade do Diagnóstico nº 5 – História da Terra
Com esta atividade, objetivamos descrever a visão dos educandos a
respeito da história da terra, verificando seus conhecimentos prévios acerca do
tema. Nos conhecimentos prévios das crianças interessou-nos observar:
• Se elas usam conhecimentos científicos e/ou religiosos (crenças).
• Quais são os conhecimentos científicos que possuem (eventos importantes)?
• Qual o lugar do homem no mundo?
• A história é linear ou apresenta rupturas inesperadas?
• Elas têm noções do surgimento da vida como evento importante?
• Elas têm noção da crescente complexificação dos seres vivos (transformação
das espécies)?
• Conhecem a ordem na sucessão das espécies que surgiram, saindo do meio
aquático ou úmido (barro) para terra etc. ?
• As coisas são feitas a partir do nada ou a partir de algum tipo de matéria
(relação matéria-vida)?
114
Procedimentos de aplicação da atividade diagnóstico n° 5
Antes de pedir para as crianças do Grupo 9 (4ª série) desenharem a
história da terra e contarem a sua hipótese (primeiro para o grupo e depois para
mim), eu li para elas um trecho de uma bíblia para crianças e falei da visão
religiosa. Perguntei se elas conheciam outra história. Fiquei surpresa que todas
colocaram Deus no meio da história, não sei se foi influência da introdução que fiz.
Pensei que elas fossem contestar a bíblia. Portanto, nos grupos 6 e 8 não contei a
história da Bíblia no início. Menos crianças falaram em Deus. Deixei livre para que
elas contassem a sua versão. Fiz o registro escrito das falas.
5. 1. 6. Atividade do Diagnóstico nº 6 - A Relação Homem - Terra
Essa atividade tinha como objetivos permitir que as crianças refletissem
sobre o lugar e o papel do homem na terra e as diversas formas que este adota
para relacionar-se com o meio ambiente. Provocamos uma discussão em torno da
ética, suscitando um julgamento de valor por parte das crianças. Procuramos
estabelecer, com as crianças, qual seria a forma mais adequada de
relacionamento do homem com o ambiente natural.
Almejamos, através deste diagnóstico, descrever a visão da criança
quanto à sua percepção:
• da terra ou natureza como produtor de recursos a serem explorados, sendo
o homem dono da natureza que está a seu serviço? Percebe o homem fora da
natureza, como mero expectador? A natureza como jardim a ser admirado? O
homem como senhor dos animais?
• da terra como nossa casa que nutre e protege o homem? Homem que
cuida dos demais seres vivos (plantas e animais), sendo parte da natureza?
• da relação entre o homem e as demais espécies? Como é esta relação e
qual o julgamento de valor que a criança faz a respeito?
115
Procedimentos de aplicação da atividade diagnóstico nº 6
1. Momento: Foram formados grupos de três crianças.
Cada grupo recebeu:
• um painel representando o planeta terra (esfera azul sobre um fundo
escuro), que era colocado no chão;
• vários animais de plástico (selvagens e domésticos);
• plantas (folhas);
• vários bonecos (pessoas);
• pedrinhas de vários tamanhos e formas;
As crianças ficavam sentadas em volta do cartaz.
Foi pedido às crianças para montarem um cenário com os objetos sobre
o painel e, em seguida, inventariam uma história para ser apresentada à turma.
Algumas crianças acharam a pintura mais parecida com um lago e
queriam aproveitar o contraste água-terra para montar seu cenário. Tiveram
liberdade para fazê-lo como queriam, a condição era que as “coisas” deveriam ser
arrumadas de forma a interagir entre elas. Acrescentamos, para cada grupo,
algumas folhas (verdes) e flores colhidas no pátio. Algumas crianças
providenciaram uns palitos de madeira (fogueira).
2. Momento: A partir das histórias ou cenários, extraímos todas as relações do
homem com o ambiente que as crianças apresentaram e fizemos uma lista das
mesmas. As falas foram digitadas e as relações contidas nas falas das crianças
foram listadas numa tabela. Acrescentamos algumas relações que apareciam nos
cenários, mas não foram evidenciadas pelas crianças.
Com a lista em mãos, foi solicitado às crianças que identificassem o
número de vezes que cada relação tinha aparecido no seu cenário. Para isto,
receberam a fotografia e o texto digitado da sua própria história ou cenário. Esta
interpretação foi discutida em grupo, porém cada criança podia manter a sua
própria conclusão.
116
3. Momento: Por último, as crianças foram instruídas para atribuírem um valor às
relações. O que julgavam uma coisa boa, seria positivo (+), o que julgavam ruim
ou indesejável, seria negativo (-), sendo que os resultados foram colocados numa
tabela e quantificados. Finalmente discutimos os resultados dessa avaliação com
as crianças em sala (Anexo A3).
117
6. CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO A INSTITUIÇÃO Escola Suíço-Brasileira de Ilhéus - ESBI
Homepage: www.suicobrasileira.com.br
Fone: *73 6331202
Associação com fins não econômicos (sem fins lucrativos) - regida por estatuto
Ata de Fundação em 1987
Entidade mantenedora: Associação de Pais da Escola Suíço-Brasileira de Ilhéus
CNPJ: 16474637/0001-50
Endereço: Rua Lauro Farani de Freitas, 83
Bairro Cidade Nova
Ilhéus – Bahia
CEP: 45650-000
Cursos Educação Infantil
Ensino Fundamental I
118
6. 1. A ASSOCIAÇÃO ESCOLA SUÍÇO-BRASILEIRA DE ILHÉUS
A Escola Suíço-Brasileira de Ilhéus se caracteriza por:
ser uma instituição sem fins lucrativos, cuja diretoria considera que a
educação não deve ser submetida às leis do mercado (Regimento);
as relações entre os profissionais são baseadas no respeito mútuo,
na responsabilidade, na cooperação e na solidariedade, visando o fortalecimento
da autonomia, tanto dos educadores, como dos educandos (Regimento)
a proposta pedagógica é sócio-construtivista (com quase 15 anos de
experiência), baseada na pedagogia de projetos (Projeto Político Pedagógico e
Proposta curricular);
diversos materiais de pesquisa substituem o livro didático, a criança
constrói os projetos junto com o professor;
a criança é considerada o centro da proposta pedagógica e a
preocupação dos profissionais gira em torno da aprendizagem e de como esta se
processa no educando;
a Teoria das Inteligências Múltiplas e suas metodologias inovadoras
ampliam o referencial teórico-metodológico dos profissionais desde 2001,
permitindo um enfoque individualizado do educando e do seu processo de
desenvolvimento integral (Proposta Curricular);
o número reduzido de educandos em sala de aula favorece a troca, a
participação e a reflexão crítica;
a avaliação é processual, contínua, interativa e diversificada
(Portfólio, Boletim);
há uma grande ênfase nos temas transversais: ética, meio ambiente,
pluralidade cultural etc. como fruto de uma preocupação com a construção da
cidadania.
119
6. 2. UNIVERSO DA PESQUISA
A Escola Suíço-Brasileira de Ilhéus, no ano 2003, tem 118 crianças
matriculadas, distribuídas em 9 grupos, sendo 79 crianças da Educação Infantil
(Grupos 1 a 5) e 45 crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental (Grupos 6
a 9).
Os Grupos 1 a 4 contam, cada um, com uma professora regente e uma
professora auxiliar; os grupos 5 a 6 contam, cada um, com uma professora
regente. Das nove professoras regentes da escola, cinco possuem 3º grau
completo, duas professoras estão completando o último ano do curso de
pedagogia na UESC; uma professora está cursando pedagogia e, uma outra,
psicologia, em Faculdades particulares da região.
O ano letivo de 2003 foi um período atípico para a escola, pois foi o
primeiro ano de atuação da nova Diretora executiva administrativo-pedagógica. A
coordenação pedagógica, por sua vez, foi realizada de forma colegiada, o que
representou uma inovação para a escola. A equipe de coordenação se constituiu
por quatro profissionais:
Duas educadoras que integram o quadro de profissionais da escola:
• Vânia Loretz, coordenadora de comunicação, professora licenciada em
letras com pós-graduação em arte-educação, há 7 anos atuante na escola
como professora de literatura infantil;
• Rita de Cássia, professora da 4ª série, formada em pedagogia.
Duas educadoras voluntárias, pesquisadoras:
• Natália Furtado, pesquisadora e consultora, doutorando em educação pela
UFBA, com mestrado na área da psico-pedagogia (área de
aprofundamento: a psicogênese de Jean Piaget), atualmente mãe de uma
criança do ensino fundamental;
• Valérie Nicollier, formada em pedagogia, Presidente da Associação de Pais
desta escola e mãe de uma criança da educação infantil, atuante através da
realização da pesquisa de mestrado.
O público-alvo desta pesquisa é a criança das séries iniciais do Ensino
120
Fundamental, no que diz respeito ao seu desenvolvimento integral, considerando
as múltiplas inteligências e a construção do saber ambiental.
A pesquisa foi realizada junto às quatro séries de Ensino Fundamental
que abrangem, na Escola Suíço-Brasileira de Ilhéus, os grupo 6, 7, 8 e 9. Veja a
quantidade de crianças em cada sala:
Quadro 7: Público-alvo da pesquisa:
EDUCANDOS Nº
Faixa etária F M TOTAL
6 (= 1ª série) 7 anos 5 7 127 (= 2ª série) 8 anos 3 9 128 (= 3ª série) 9 anos 1 8 99 (= 4ª série) 10 anos 5 7 12
total 14 31 45 Em se tratando do estudo de um fenômeno complexo, a pesquisa
focaliza a criança não de forma isolada e abstraída do seu contexto, mas a partir
de um conjunto de fatores que influenciam o seu desenvolvimento.
A pretensão de realizar um estudo contextualizado da temática exige
uma atenção especial, de um lado, para com o professor que trabalha com a
criança em sala de aula e, do outro, com o contexto familiar da criança. Neste
sentido, as professoras regentes serão contempladas, em alguns momentos do
estudo, embora não constituem o alvo da pesquisa. Os demais educadores, tais
como, professores de língua estrangeira, educação física, literatura e artes, não
serão contemplados diretamente na pesquisa, pelo fato de seu contato com as
crianças ser menos intenso.
121
Quadro 8: Perfil profissional das professoras dos grupos em estudo GRUPO / Formação professora
Graduação
Pós-graduação
Ano de ingresso na escola
6
Pedagogia
Psico-pedagogia
1999
7
Pedagogia
-
2001
8
Administração
-
1997
(ausentou-se no ano 1999)
9
Pedagogia
-
1998
6. 3. CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA DA POPULAÇÃO: PERFIL DAS FAMÍLIAS ASSOCIADAS DA ESCOLA SUÍÇO-BRASILEIRA DE ILHÉUS
Quanto ao perfil sócio-econômico das famílias, a escola não possui
informações sobre a renda familiar, mas, o valor da mensalidade para as séries
iniciais do ensino fundamental é de aproximadamente 250.00 R$ (incluindo taxa
de material), indicando que se trata de uma escola para a classe média.
As informações fornecidas pela família, no ato da matrícula, permitem
concluir que a escola possui o seguinte perfil de pais, quanto ao nível de
escolaridade:
Às crianças dos grupos 6, 7, 8 e 9 do ensino fundamental corresponde o
número total de 80 pais, pois algumas famílias têm dois filhos na escola. Desses
80 pais, 60 fornecem informações a respeito do seu grau de instrução, sendo que
52 desse total concluíram curso superior e 8 não. Se considerarmos o total de 80
pais, o número que possui nível superior representa 65%, o número que não
possui nível superior representa apenas 10%. O Instituto Nacional de Pesquisas
Educacionais – Inep informa, em 11/03 de 2004 (uol educação), que, na média,
apenas 6% da população brasileira entre 24 e 36 anos possuem nível superior
122
enquanto, na Bahia, apenas 3% desta população tem nível superior.
Observa-se que o nível de escolaridade destas famílias está muito acima
da média nacional. As profissões informadas (Quadro 9) e as áreas de atuação
(Quadro 10) demonstram que os pais dessa escola exercem funções que exigem
alto grau de responsabilidade, considerando que o âmbito de influência das suas
ações na sociedade é amplo. Deve-se ressaltar ainda que, embora não conste nas
informações fornecidas pelas famílias, vários pais da escola são envolvidos com a
política local, inclusive dois ocupam cargos públicos (Secretários da Prefeitura
entre 2001 e 2004).
Quadro 9: profissões dos pais da escola PROFISSÕES INFORMADAS Nº de pais Administrador(a) de Empresas 9Engenheiro agrônomo 4Engenheiro(a) civil 3Bioquímico(a) 3Biólogo9a) 3Esteticista 2Dentista 2Engenheiro 2Professor(a) de línguas 2Professor de educação física 1Pedagoga 1Engenheiro alimentar 1Engenheiro mecânico 1Engenheiro elétrico 1Marceneiro 1Psicóloga 1Advogado 1Geólogo 1Físico 1Instrumentista 1Total 41
123
6. 4. RENDIMENTO ESCOLAR
Para efeito de aprovação, as crianças da Escola Suíço-Brasileira são
avaliadas bimestralmente em português, matemática, ciências sociais e ciências
naturais, como pode ser observado no boletim escolar e no livro de registro das
notas do ME. A média para aprovação é 7 e o índice de repetência nos últimos
dez anos, entre 1994 e 2003, foi próximo de zero.
Portanto, concluímos que, se as estatísticas atuais em educação
continuam indicando as tendências nacionais por alguns anos, as crianças desta
escola, certamente, irão ingressar em universidades de qualidade, que lhes
permitirão ser profissionais com o mesmo ou até com maior grau de influência dos
seus pais, na sociedade em que viverão. Neste sentido, justifica-se todo cuidado
com a educação sócio-ambiental e ética destes jovens, considerando que a
primeira e segunda infância são comprovadamente as fases mais sensíveis para a
construção da visão de mundo.
124
7. AS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS NA CONSTRUÇÃO DO SABER AMBIENTAL
7.1. INVESTIGANDO A INTELIGÊNCIA NATURALISTA
A inteligência naturalista foi cronologicamente a última a ser identificada
por Gardner na sua Teoria das Inteligências Múltiplas. É a inteligência, até então,
menos estudada no âmbito da teoria e, portanto, a cujo respeito encontramos
menos informações. Nas palavras do próprio autor, “as capacidades do naturalista
não foram muito estudadas por psicólogos, que tradicionalmente usam estímulos
artificiais, como formas geométricas, para avaliar padrões de reconhecimento”.
(Gardner: 2000, p. 68). Por isso, é escassa a literatura sobre dados experimentais
e psicométricas nesta área da psicologia cognitiva.
Porém, estudos de outras áreas, tais como a arqueologia, a antropologia e
a psicologia evolutiva, vêm iluminando a evolução das inteligências ao longo da
história da humanidade, demonstrando, inclusive, que a capacidade de lidar com o
ambiente natural sempre foi um aspecto essencial à sobrevivência de qualquer
espécie. Portanto, do ponto de vista evolutivo, a inteligência naturalista,
certamente, pode ser considerada uma das primeiras inteligências a surgir na
espécie humana (Mithen, 2002).
A importância desta inteligência evidencia-se claramente na biologia
evolutiva, que analisa, diante das pressões seletivas, as possibilidades de
sobrevivência e o êxito reprodutivo de organismos, em função da sua capacidade
de localizar fontes de alimento ou de distinguir entre espécies semelhantes,
evitando algumas (predadoras) e investigando outras (para servir de presa ou
brinquedo, por exemplo). Neste sentido, estudos recentes demonstraram que a
capacidade do naturalista se apresenta não só nos primatas evolucionariamente
próximos dos seres humanos, mas, animais como as aves, por exemplo, podem
igualmente discernir as diferenças entre espécies de plantas e animais (Gardner,
2000).
No entanto, o que levou Gardner a pensar sobre a existência de uma
125
inteligência naturalista, foi o reconhecimento de que o perfil de inteligências de
grandes naturalistas, tais como Darwin, Rachel Carson, E. O. Wilson e outros, não
podia ser compreendido dentro das 7 inteligências conhecidas.
Quadro 11: A inteligência naturalista à luz dos 8 critérios definidores de uma inteligência - critérios descritos em Inteligência. Um conceito reformulado
(Gardner, 2000, p. 49-55).
RAÍZES DISCIPLINARES CRITÉRIOS
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
1. Isolamento potencial por dano cerebral.
2. Uma história evolucionária –
plausabilidade evolucionária.
ANÁLISE LÓGICA
3. Uma operação ou conjunto de
operações nucleares identificável.
4. Suscetibilidade à codificação num
sistema de símbolos.
PSICOLOGIA DO
DESENVOLVIMENTO
5. Uma história do desenvolvimento
distinta, juntamente com um conjunto
definível de desempenhos “acabados”.
6. A existência de sábios idiotas,
prodígios e outras pessoas
excepcionais.
PSICOLOGIA TRADICIONAL
7. Apoio de tarefas psicológicas
experimentais.
8. Apoio de descobertas psicométricas.
A verificação da inteligência naturalista, à luz dos critérios gerais de
identificação de uma inteligência, demonstrou a plausibilidade desta nova
categoria.
126
7.2. DESCRIÇÃO DOS PERFIS DE INTELIGÊNCIAS DAS CRIANÇAS
Considerando que todas as inteligências têm sua história evolutiva e,
portanto, cada uma pode ser encontrada no reino animal em algum estágio de
evolução, ao contrário, a fluidez cognitiva, parece ser uma característica distintiva
da mente humana moderna. É bem provável que algum grau de interação das
inteligências ocorra também nas mentes de certos animais; mas, o nível em que
ocorre a fluidez entre os domínios cognitivos no ser humano, atualmente, deve ser
único no reino animal. Esta fluidez nos proporciona a capacidade de lidar com os
símbolos, sendo, pois, o fundamento de toda cultura humana.
Estes autores possuem, pois, um tema em comum: tanto o
desenvolvimento, como a evolução da mente humana, passam (respectivamente
passaram) por uma mudança que permite a interação de uma série de domínios
cognitivos relativamente independentes, razão pela qual as idéias, as formas de
pensamento e o conhecimento acabam por fluir livremente entre domínios. Neste
sentido, para compreendermos o funcionamento da mente humana, precisamos
focalizar as inteligências, não individualmente, mas, antes de tudo, precisamos
compreender como as inteligências interagem. Em outras palavras, compreender
a inteligência naturalista é compreender como esta interage com as demais
inteligências. O saber ambiental surge, então, como um produto da interação da
inteligência naturalista com as demais inteligências.
Propomos algumas reflexões acerca da relação da inteligência
naturalista com outras inteligências, sem nenhuma pretensão de esgotarmos o
assunto. Com base nos fundamentos teóricos, iremos analisar os perfis de
inteligências dos grupos de crianças que participaram da pesquisa, tendo em vista
a manifestação mais ou menos marcante das diferentes inteligências em cada
grupo. A análise do perfil individual de algumas crianças deverá completar o
quadro de discussão, permitindo abordar diferentes aspectos, relacionados às
inteligências, que têm influência na construção de um saber ambiental e que
consideramos especialmente relevantes para o espaço escolar.
127
7.3. PERFIS DE INTELIGÊNCIAS DOS GRUPOS OBSERVADOS
No grupo 6 (1ª série), apenas a professora preencheu o formulário de
avaliação de cada criança (gráficos com apenas uma curva) e os pais de 4
crianças (gráficos com duas curvas). Os demais pais não participaram da
pesquisa. As crianças do grupo 6 não foram submetidAs ao procedimento de auto-
avaliação com o formulário, que exige exclusivamente a inteligência lingüística,
por ainda não terem o pleno domínio da leitura.
Nos demais grupos (7, 8, 9) apenas um pai (uma mãe) em cada grupo
não preencheram o formulário de avaliação. Todas as crianças fizeram a auto-
avaliação (gráficos com três curvas).
Comparação médias totais de questões assinaladas nas avaliações de IM Médias totais questões assinaladas Em %
Grupo 7 Grupo 8 Grupo 9
Auto-avaliação 75 72 66Avaliação pais 45 53 41
Avaliação professora 53 64 64
Nos três grupos (7, 8, 9), em que podemos comparar os dados da
avaliação dos pais, com os da professora e os da criança, observamos que a
média total de indicadores assinalados pelas crianças (auto-avaliação) foi sempre
mais alta, com respectivamente 75%, 72% e 66%, do que as médias totais
assinaladas pelos pais (45%, 53% e 41%) e pela professora (53%, 64% e 64%).
Estas médias altas na auto-avaliação, mas que diminuem com o avanço
das séries, podem ser um indicador de que a capacidade de auto-crítica se
aprimora de acordo com o aumento da idade das crianças. Pois, no grupo 7
(crianças de 8 anos) uma média de 75% dos indicadores foram assinalados pelas
crianças, enquanto no grupo 8 (crianças de 9 anos) foram assinalados uma média
total de 72% e no grupo 9 (crianças de 10 anos) apenas 66%, um valor próximo ao
da professora (64%).
Por sua vez, a média total de indicadores assinalados pelos pais foi
mais baixa nos três grupos, com respectivamente, 45%, 53% e 41%. Parece que
128
os pais, de modo geral, têm uma visão muito mais crítica do filho, atribuindo
qualidades com grande parcimônia. Deve-se levar em consideração que os pais,
no momento da avaliação, ainda estavam menos familiarizados com a Teoria das
Inteligências Múltiplas e este tipo de olhar sobre o filho foi completamente novo
para todos eles. Ou seja, supõe-se que muitos pais, normalmente, não têm o
hábito de analisar várias capacidades de seus filhos, como a habilidade com
música, a afinidade com a natureza, nem sabem como avaliar se o filho desenha
bem, imagina com facilidade figuras tridimensionais no espaço etc.
Analisando as médias dos indicadores de cada inteligência na avaliação
de cada criança, estabelecemos respectivamente, as três médias mais altas e as
duas médias mais baixas (no Grupo 6 apenas a última mais baixa), classificando
as inteligências por ordem de preferência individual.
Calculamos a média de cada inteligência em cada grupo e organizamos
as inteligências em ordem de preferência para cada grupo (Quadros 12 a 15). Em
seguida, observamos que inteligências apresentavam a maior ocorrência entre as
três primeiras e entre as duas últimas (no Grupo 6, entre a última) colocadas. Com
base nesta classificação, descrevemos o perfil de cada grupo. Este perfil foi
completado com outras informações, oriundas do portfólio das crianças, do diário
do professor, de observações em sala de aula (intervenções pedagógicas) e a
análise de produções infantis.
Para efeito de comparação dos perfis das turmas, devemos atribuir um
peso menor à avaliação do grupo 6, pois esta foi realizada apenas com base na
avaliação da professora e de alguns pais, enquanto as médias obtidas nos grupos
7, 8 e 9 foram resultado da auto-avaliação, da avaliação dos pais e da professora.
Portanto, analisaremos, num primeiro momento, os perfis destes grupos, para, só
em seguida, incluir o grupo 6.
Chama-nos atenção que a inteligência naturalista alcançou nos três
grupos uma posição entre as primeiras três colocadas, como também a
inteligência visuo-espacial; e a inteligência cinestésico-corporal aparece entre as
primeiras quatro colocadas. Ao contrário, tanto a inteligência lingüística, como a
inteligência intrapessoal figuram entre as últimas colocadas. A inteligência musical
129
oscila entre as primeiras colocadas (grupo 9) e as últimas colocadas (grupos 7 e
8).
No grupo 6, as inteligências naturalista e cinestésico-corporal,
também,aparecem entre as primeiras colocadas, mas a inteligência interpessoal
foi percebida como a mais marcante pela professora. Esta inteligência, aliás,
também aparece entre as primeiras quatro colocadas nos grupos 7 e 9; sendo o
grupo 8 uma exceção neste sentido, pois, neste caso, a inteligência interpessoal
figura entre as últimas. Como foi comentado acima, as crianças do grupo 8
apresentavam algumas dificuldades específicas nos relacionamentos
interpessoais.
A inteligência lógico-matemática figura entre as últimas nos grupos 6, 7
e 9; apenas no grupo 8 esta inteligência está próxima ao meio, entre as primeiras
quatro colocadas.
O fato de as inteligências tradicionalmente mais valorizadas na escola -
as inteligências lingüística e lógico-matemática – apresentarem esta colocação
aponta para a necessidade de uma reflexão mais aprofundada sobre o papel da
escola na sociedade e do significado desta na vida de uma criança.
Nos Quadros 12 a 15 são representados os perfis de inteligências dos
grupos, com base nas avaliações por formulários. Os gráficos de barras mostram
as médias quantitativos de cada inteligência em cada grupo, sendo que o eixo X
foi deixado sem os valores (uma vez que esses são relativos); e o eixo Y
corresponde às 8 inteligências avaliadas.
130
Quadro 12 M ÉD IAS D AS INTE LIGÊNC IAS
GR UP O 6 - 200 3
INTER CORP NAT M US VIS O L ING MA T INTRA
Quadro13
M ÉD IAS D AS INTE LIG ÊNC IASGR U P O 7 - 200 3
NAT VIS O CO RP INTER MA T L ING MUS INTRA
131
Quadro 14
MÉDIAS DAS INTELIGÊNCIAS GRUPO 8 - 2003
NAT VISO CORP MAT INTRA INTER MUS LING
Quadro 15
MÉDIAS DAS INTELIGÊNCIASGRUPO 9
MUS VISO NAT INTER CORP MAT LING INTRA
132
7.3.1. PERFIL DE INTELIGÊNCIAS DO GRUPO 6
O grupo 6, correspondente a 1ª série, é constituído de crianças de
aproximadamente 7 anos de idade, sendo 5 meninas e 7 meninos. Ao analisar o
resultado destas avaliações (avaliação pela professora), observa-se que na ordem
de preferência, a inteligência naturalista aparece 8 vezes entre as primeiras três
colocadas, seguida pelas inteligências visuo-espacial e cinestésico-corporal,
ambas figurando 6 vezes entre as três primeiras colocadas. As inteligências
musical e lingüística figuram com maior freqüência entre a última colocada, ou
seja, 4 vezes cada uma; seguidas pela inteligência intrapessoal, com 3
ocorrências entre a última colocada.
Na classificação em função dos valores médios (Quadro 12), a
inteligência interpessoal é a primeira colocada, com 58,7%; a inteligência
cinestésico-corporal é a segunda colocada, com 58,6%; e a inteligência naturalista
é a terceira colocada, com 58,4%. Pode-se observar que as diferenças entre estas
três primeiras são mínimas, na ordem de poucos décimos. A última colocada é a
inteligência intrapessoal, com apenas 46,3%, seguida pelas inteligências lógico-
matemática (48,8%) e lingüística (50,4%).
Em ambos os casos, observa-se que as inteligências cinestésico-
corporal e naturalista são marcantes neste grupo, mas as crianças também dão
grande valor às relações interpessoais. As atividades “tipicamente escolares”,
como ler, escrever e contar (às quais se associa as inteligências lingüística e
lógico-matemática) causam maior dificuldade e a motivação não se instala
espontaneamente nas crianças.
A professora constatou que as crianças costumam reclamar um pouco
na hora de ter que escrever, mas esta insatisfação podia ser aliviada com
trabalhos em dupla. A leitura se tornava mais prazerosa, quando se tratava de ler
para a turma e socializar as anotações no diário do final de semana ou os
resultados de uma pesquisa sobre um assunto interessante (Diário julho, 2003).
O auto-conhecimento, ou seja, a capacidade de avaliação das próprias
possibilidades e dos próprios limites ainda é insipiente e as crianças desta idade
parecem, invariavelmente, não apreciar a solidão. Buscam, a todo momento, a
133
integração com o grupo e a aceitação completa pelas outras crianças. (Diário,
2003)
No decorrer do ano, a professora constatou que o grupo apreciava muito
os trabalhos de desenho e pintura, capacidade que ela resolveu estimular através
de atividades direcionadas. Apenas duas crianças demonstravam uma certa
resistência para este tipo de trabalho: uma criança (5) por causa da dificuldade de
realizar este tipo de atividade (habilidade psicomotora) e a outra (2) por estar
revoltada com o mundo, ela dizia: “eu odeio desenhar, odeio pintar”, mas, depois,
o fazia com prazer (Diário 14/05/03); e, em alguns momentos, chegou a se
destacar nos desenhos naturalistas, (ver nos perfis individuais, nº 2).
7.3.2. PERFIL DE INTELIGÊNCIAS DO GRUPO 7
O grupo 7, correspondente a 2ª série, é constituído de crianças de
aproximadamente 8 anos de idade, sendo 9 meninos e 3 meninas. Ao analisar o
resultado destas avaliações, observa-se que na ordem de preferência, a
inteligência naturalista aparece 9 vezes entre as primeiras três colocadas, sendo
também a inteligência que alcançou maior valor médio com 70,4%.
A inteligência visuo-espacial aparece 6 vezes entre as três primeiras
colocadas e apresenta uma média de 63,7%, sendo seguida pelas inteligências
inter-pessoal (57,9%) e cinestésico-corporal (59,5%) (Quadro 13).
Podemos observar que, neste grupo, a inteligência naturalista obteve
um peso marcadamente mais elevado do que todas as demais inteligências, mas,
as inteligências visuo-espacial, interpessoal e cinestésico-corporal também se
destacaram no perfil deste grupo. As inteligências intra-pessoal (51,7%) e musical
(54,6%), por sua vez, têm um peso menor na composição das capacidades destas
crianças.
Devemos ressaltar que durante o ano 2003 esta turma trabalhou com
um projeto didático interdisciplinar, cujo foco era a relação do homem com a
natureza (Projeto “Flora”, resumo no anexo D2), o que, certamente, influenciou as
avaliações das múltiplas inteligências. Porém, foi justamente no decorrer deste
134
trabalho que a professora constatou o interesse do grupo pelo conhecimento do
ambiente natural, razão pela qual o projeto, que inicialmente tinha sido planejado
para o primeiro semestre, acabou se estendendo por todo ano letivo.
Comparando, na ordem de preferência, a média das inteligências
naturalista (1ª) e lingüística (6ª), observa-se que, embora o projeto “Flora” tenha
envolvido leituras diárias sobre o tema e vários tipos de escrita, não foi a
inteligência lingüística que se destacou nas avaliações e, sim, as inteligências
naturalista, a visuo-espacial e a cinestésico-corporal.
Nas avaliações do projeto pelas crianças, entre doze, sete crianças
citam a inteligência lingüística e seis a inteligência naturalista, como inteligências
que foram estimuladas pelo projeto, evidenciando que elas têm consciência de
quando estas são solicitadas. Portanto, o fato de ter existido o projeto Flora não
justificaria, por si só, uma predominância tão expressiva da inteligência naturalista
neste grupo.
Além disso, quatro crianças demonstravam dificuldades acentuadas na
escrita (n° 15, 18, 20, 21) e dois deles também na leitura (n° 15 e 21) o que pode
ser verificado, inclusive, nas notas do boletim (Diário da professora, 2003 e
rendimento escolar), sendo mais uma justificativa para o baixo desempenho da
inteligência lingüística neste grupo. Temos que ponderar, porém, que entre as
quatro crianças, uma se destacava fortemente na oralidade (20), em função da
sua participação ativa na hora da rodinha, quando era capaz de expor suas idéias,
contar casos com detalhes, discutir e argumentar num debate em sala de aula
(Diário da professora, 2003 e observações durante aplicação de metodologias).
Neste grupo, também, os trabalhos em duplas ajudavam as crianças a
superar suas dificuldades relacionadas à escrita (Diário, 2003), sendo que a
professora observou várias vezes, como uma criança ajudava a outra para realizar
as atividades de escrita propostas, exercendo suas inteligências interpessoais,
embora alguns meninos (n°20 e 21) ficassem dispersos nestes momentos de
troca.
O grupo 7 tinha um número maior de meninos e estes apreciavam,
especialmente, os jogos de futebol nos intervalos. Dois dos meninos (n°15 e 21)
135
iam freqüentemente para a fazenda com o pai, sendo que na sala contavam suas
aventuras vivenciadas no campo, na mata e com os animais. Estes dois fatores
devem ter influenciado a avaliação, atribuindo um peso significativo à inteligência
cinestésico-corporal (Diário da professora, 2003 e observações durante as aulas).
Nas auto-avaliações, as crianças demonstravam certa dificuldade no
início do ano, mas com a escrita do diário, até a auto-avaliação no boletim tornou-
se fácil e a professora constatou, no terceiro bimestre (agosto), que deveria ter
mais espaço para as crianças escreverem sobre si (Diário da professora, agosto
2003). Porém, na hora de assistir a uma fita, em que apareciam fazendo uma
atividade que tinha sido filmada na sala, várias crianças se incomodaram bastante,
sentindo-se ridículas.
Uma vez constatado, no início do ano, que as crianças não estavam
desenhando com muito entusiasmo, e sem esmero (com raras exceções), a
professora resolveu aplicar uma série de atividades que estimulassem o
desenvolvimento da inteligência visuo-espacial, sendo que este trabalho seria
acompanhado pelo portfólio. Um importante aspecto destas intervenções era a
auto-avaliação das produções. Além de haver um crescente interesse pelas
atividades de desenho e pintura no grupo, de modo geral, em setembro, a
professora constatou que as crianças já estavam analisando os seus trabalhos
com muita facilidade, fazendo auto-críticas pertinentes. Ela observou, no segundo
semestre, que o trabalho com pintura estava indo muito bem; os alunos estavam
analisando os desenhos e colocando no diário a sua impressão sobre os mesmos;
eles estavam gostando de observar o desenho e fazer registros a respeito do
mesmo (Diário da professora, setembro, 2003).
Observando, pois, a freqüência e a aparente facilidade com que as
crianças deste grupo realizavam atividades que envolviam a auto –avaliação, não
explicam a razão pela qual a inteligência intra-pessoal ficou como última colocada
nas avaliações. Porém outros aspectos levaram a este resultado: as crianças,
embora se avaliem com uma certa facilidade, na hora de preencher os formulários
chegaram a um recorde de 75% de indicadores marcados (ou seja, elas acham
que são boas em tudo), o que demonstra uma dificuldade em perceber os próprios
136
limites e comparar suas capacidades em relação a outras pessoas; as avaliações
mostram que as crianças não gostam de ficar sozinhas, preferem realizar
atividades com os colegas do que individualmente; e, ainda não possuem muita
independência (autonomia).
Durante todo ano 2003, a professora buscou ajudar as crianças a
desenvolver a sua autonomia. Em setembro, ela escreveu no seu diário: “Estou
percebendo uma maior autonomia nos meus alunos. Corrigem o dever, lêem as
atividades, conseguindo interpretá-las sem ajuda.” Não só na realização das
atividades escolares, a professora incentivou as crianças a buscar a sua
independência, mas também no que diz respeito à organização (arrumação dos
materiais e da sala após as atividades, estimulando a cooperação entre as
crianças), como, também, nos trabalhos em grupo, orientando como proceder e
deixando que as crianças se organizem, momentos nos quais ela podia observar
se havia um líder no grupo e se as crianças eram capazes de interagir entre si de
forma adequada (Diário, 2003).
A professora trabalhou com leitura compartilhada o livro Etiquetas para
crianças o que provocou uma sensível melhora das relações interpessoais entre
as próprias crianças (cooperação na arrumação da sala, educação para pedir
material emprestado, não esbarrar no colega ou pedir licença, desculpas etc.),
como entre as mesmas e os educadores. Até os porteiros elogiaram o grupo
porque todas as crianças passaram a dar bom-dia (Diário, 2003).
7.3.3. PERFIL DE INTELIGÊNCIAS DO GRUPO 8
O grupo 8, correspondente a 3ª série, é constituído de crianças de
aproximadamente 9 anos de idade, sendo 8 meninos e 1 menina. Ao analisar o
resultado destas avaliações, observa-se que, na ordem de preferência, a
inteligência cinestésico-corporal ocupa o primeiro lugar, aparecendo 6 vezes entre
as três primeiras colocadas, enquanto as inteligências naturalista e interpessoal
ocupam o segundo lugar, com cada uma 4 ocorrências entre as três primeiras
colocadas.
137
Porém, ao se observar os valores das médias (Quadro 14), a
inteligência naturalista aparece em primeiro lugar (71,9%), a visuo-espacial (71,8)
em segundo e a inteligência cinestésico-corporal (69%) em terceiro lugar. É
importante ressaltar que a diferença entre as duas primeiras é mínima (0,1%).
Após estas vem logo a inteligência lógico-matemática (64,5%), ao passo que a
inteligência lingüística aparece em último lugar (50,4%). Chama a atenção, neste
grupo, que a inteligência inter-pessoal apresenta apenas 61,4%, figurando no
ante-penúltimo lugar na ordem de preferência.
No Projeto de Integração, a professora explorou intensamente o
ambiente com as crianças, fazendo com que estas tomassem contato com os
elementos naturais próximos, que ocorrem no dia-dia da escola. O grupo construiu
uma teia da vida e discutiu em várias ocasiões a relação entre seus elementos
bióticos e a abióticos.
No decorrer do ano, as crianças do grupo 8 participaram da realização
de dois projetos didáticos interdisciplinares (“Água” e “Eu no mundo”, anexo D2),
cujo foco eram as ciências naturais e sociais, com uma forte ênfase no estudo das
relações do homem com a natureza. Além disso, as metodologias aplicadas
(anexo E) permitiram uma aproximação com o mundo dos insetos; a construção
de bacias hidrográficas em miniatura na areia e na argila; e viabilizaram a
realização de várias mini-excursões para estudar os ecossistemas próximos.
Estas intervenções pedagógicas surgiram em função do interesse do
grupo e, ao mesmo tempo, permitiram que as crianças entrassem em contato com
a sua inteligência naturalista, conhecendo as capacidades humanas envolvidas na
relação com o meio natural. Estas circunstâncias justificam a média elevada
apresentada pela inteligência naturalista nas avaliações das múltiplas inteligências
das crianças.
Desde o início do ano 2003, a professora constatou que três crianças
deste grupo demonstravam uma dificuldade acentuada nas relações interpessoais,
ao ponto de ser quase impossível trabalhar em equipe. Quando eram sugeridas
atividades que exigiam a interação entre as crianças, estas logo se desentendiam
com os colegas ou, simplesmente, não cooperavam ou realizavam tudo sozinhas,
138
ignorando a presença das demais (Diário, 2003).
Portanto, a fim de estimular o desenvolvimento da inteligência
interpessoal, foi dada muita ênfase a atividades que exigiam negociação e
cooperação. Mesmo assim, de acordo com os relatos da professora, revelou-se
difícil a realização de trabalhos em grupo com esta turma, pois algumas crianças
ficavam especialmente dispersas nestas ocasiões, enquanto outros começavam a
brigar com freqüência ou, simplesmente, se recusavam a interagir com os colegas
(Diário, 2003).
Nos momentos em que o foco era a inteligência cinestésico-corporal, a
professora encontrou maior grau de dificuldade para trabalhar com a turma, -
embora na avaliação esta seja uma das inteligências predominantes do grupo -,
pois as crianças, no pátio, se dispersavam e acabavam não participando da
atividade proposta, demonstrando não possuírem a necessária autonomia para a
realização de atividades ao ar livre (Diário, 2003).
A maioria das crianças se auto-avaliaram, marcando grande quantidade
de indicadores na maioria das inteligências (média crianças: 72%; média
professora: 64%; média pais: 53%), demonstrando dificuldade em perceber suas
forças e fraquezas, o que pode ser interpretado como um indício para uma
inteligência intra-pessoal pouco desenvolvida. Em compensação, algumas destas
crianças eram muito seguras, realizavam todas as atividades com autonomia e
procuravam intervir nas brigas entre colegas de maneira a apaziguar os ânimos e
reestabelecer a harmonia do grupo. (Diário da professora, 2003 e observações em
sala nas metodologias de aplicação) Neste caso, o alto índice nas auto-avaliações
pode ser visto como reflexo de uma boa auto-estima, de equilíbrio interior e
independência emocional.
139
7.3.4. PERFIL DE INTELIGÊNCIAS DO GRUPO 9
O grupo 9, correspondente a 4ª série, é constituído de crianças de
aproximadamente 10 anos de idade, sendo 5 meninas e 7 meninos. Ao analisar o
resultado destas avaliações, observa-se que a auto-avaliação e a avaliação da
professora apresentam uma média total similar de indicadores assinalados,
respectivamente, de 66% (média total da auto-avaliação) e 64% (média total da
avaliação pela professora). Ao contrário, a avaliação pelos pais apresenta uma
média total mais baixa, na ordem de 41%, acompanhando o padrão geral
comentado acima.
Na classificação das inteligências por ordem de preferência, observa-se
que a inteligência musical predomina sobre as demais, com oito ocorrências entre
as três primeiras colocadas; em seguida, apresentam-se as inteligências visuo-
espacial e cinestésico-corporal, ambas com sete ocorrências entre as três
primeiras colocadas; e, logo após, vem a inteligência naturalista com cinco
ocorrências entre as três primeiras colocadas. As inteligências consideradas
menos marcantes, neste grupo, são a intrapessoal e a lingüística, com
respectivamente nove e sete ocorrências entre as duas últimas colocadas na
classificação geral.
Na classificação das inteligências pela média total de cada inteligência
no grupo (Quadro 15), a musical se destaca como primeira colocada, com 65,8%;
em segundo lugar temos a inteligência visuo-espacial, com 64%; em terceiro lugar,
a inteligência naturalista, com 62,2%; e as inteligências cinestésico-corporal e
interpessoal, ambas com 61,6% vêm em quarto lugar. As inteligências menos
desenvolvidas no grupo, de acordo com o valor médio das mesmas, são a
intrapessoal (43,6%) e a lingüística (44,7%).
O perfil, em que as inteligências musical, corporal-cinestésica e
naturalista predominam, se estabeleceu, desde o início do ano (Projeto de
Integração - anexo D1), de acordo com o Diário da Professora. Ela observa, nesta
ocasião, que as crianças se mobilizam para a realização de diferentes atividades,
inclusive relacionadas à matemática ou à escrita de textos, quando solicitadas
140
através destas inteligências, consideradas marcantes para o grupo. As
inteligências visuo-espacial e interpessoal são menos marcantes, na avaliação
feita oralmente na sala com as crianças (Diário da professora: fevereiro, 2003).
Um perfil semelhante se instalou numa primeira sondagem (anterior à
avaliação com formulários), realizada pela professora no segundo semestre de
2003, quando esta constatou a predominância das inteligências cinestésico-
corporal, musical e naturalista neste grupo (Portfólio das crianças). Em nove de
doze portfólios analisados, há depoimentos apaixonados a favor da natureza, em
que as crianças declaram seu amor às plantas e aos animais, às paisagens e ao
mar. Ou seja, no mínimo 75% das crianças deste grupo se consideram fortes
amantes da natureza.
Nas intervenções pedagógicas ao longo do ano 2003, as crianças deste
grupo demonstraram ser predominantemente extrovertidas, falantes e
espontâneas (apenas duas crianças eram marcadamente introvertidas e tímidas).
A professora constatou, no início do ano, que as crianças não gostavam muito de
ler. Era um grupo que possuía várias crianças bastante agitadas (algumas têm
dificuldades com os limites) que, às vezes, conseguiam desorganizar toda
dinâmica proposta pela professora (Diário abril, 2003).
As atividades mais apreciadas pelo grupo envolviam movimento
corporal, música e eram realizadas, de preferência, ao ar livre. As crianças
vibravam com desafios, apreciando a apresentação de problemas que exigiam a
busca prolongada de soluções (com consultas entre colegas), que permitiam
várias soluções ou envolviam a negociação entre várias soluções possíveis. E as
crianças ficavam sempre especialmente motivadas, quando, por exemplo, a
matemática era trabalhada com ritmo, o português com rimas, ou seja, quando era
dada uma abordagem musical à atividade (Diário da professora e intervenções
pedagógicas, 2003).
Existiam fortes laços entre as crianças e estas e a professora, sendo
que a motivação pelos trabalhos dependia diretamente dessas relações afetivas.
Portanto, quando havia discordância entre crianças ou entre estas e a professora,
a realização das atividades pedagógicas se tornava difícil e a produção caía
141
sensivelmente. Isto acontecia invariavelmente em se tratando, tanto de produções
de texto ou desenhos, como na realização de dramatizações, jogos, etc. (Diário da
professora, portfólios e intervenções pedagógicas, 2003).
A professora trabalhou durante todo ano 2003 intensamente com a
inteligência interpessoal, para prevenir ou superar situações de conflito que se
apresentavam com freqüência e que são comuns, por se tratar de crianças em
fase de pré-adolescência. Os tipos de conflitos eram, geralmente, a chacota por
parte dos colegas, por causa de uma particularidade física (por exemplo, os
meninos chamavam uma menina mais gordinha de baleia); a exclusão na hora de
compor os trabalhos em equipe; a fofoca (falar em segredo na frente de colegas,
suscitando a desconfiança); brigas (discussões ou leves agressões físicas) entre
os meninos por causa dos jogos de bola; e, neste grupo, houve várias situações
de conflito pelo espaço da bola, pois as meninas também gostavam de jogar bola
na quadra, mas meninos e meninas, geralmente, não queriam jogar juntos (Diário
da professora, observações pessoais, 2003).
Após várias negociações que mobilizaram até a diretora da escola, o
grupo conseguiu organizar a utilização do espaço para os jogos de bola. Apesar
disso, ainda suscitavam muitos conflitos, pois o tempo dos intervalos e os horários
da educação física nunca pareciam suficientes para decidir as partidas e as
crianças não se conformavam em sair como perdedores de um jogo. A atividade
das meninas era uma característica deste grupo: elas discutiam com a mesma
ênfase que os meninos e disputavam o espaço, sem medo de se exporem (Diário
da professora, observações pessoais, 2003).
Portanto, a professora adaptou, inúmeras vezes, as atividades
planejadas à situação real de conflito, dedicando o tempo necessário à resolução
do mesmo, tendo como objetivo permitir o crescimento pessoal das crianças, a
harmonização do grupo e o desenvolvimento integral dos educandos, como
cidadãos de uma sociedade democrática e responsável (Diário da professora,
2003).
Tanto o Projeto de Integração (fevereiro, 2003), como as atividades com
as Inteligências Múltiplas, durante todo ano de 2003, tinham como foco o
142
aprimoramento do auto-conhecimento e da qualidade das relações interpessoais
(anexo E - aula nº 29).
Observei e constatei alguns problemas nas inteligências inter e intrapessoais no grupo 9. Para gerenciar os conflitos, resolvi trabalhar com algumas técnicas. Com essas práticas e vivências os alunos concretizarão e expressarão o desenvolvimento das competências pessoais e sociais (ser e conviver). Esse trabalho está sendo uma aventura para mim, pois questiono, ouço e coleto as opiniões dos meus alunos. Sei que não existem certezas absolutas ao se lidar com as pessoas. Quando trabalho com o desenvolvimento pessoal e social dos alunos, me refiro ao processo de crescimento na direção da melhoria da qualidade das relações da criança consigo, com o outro, com o grupos dos quais participa e com a natureza. Fortalecer a auto-estima e a identidade sócio-cultural do aluno para torná-lo cidadão e facilitar a minha atuação junto aos meus alunos, são os meus objetivos e acredito que já tenho um grande trabalho para o portfólio, sem falar que estou trabalhando com as inteligências múltiplas (Diário da professora, 28/04/03).
Entre as inúmeras dinâmicas que a professora desenvolveu com seus
alunos, todo dia, uma criança era escolhida para receber uma mensagem dos
colegas. O grupo era solicitado a escrever esta mensagem, sendo que devia ser
verdadeiro e gentil ao mesmo tempo. Portanto, as crianças deviam aprender a
valorizar as qualidades dos outros, - mesmo dos colegas, dos quais gostavam
menos -, não eram admitidas colocações hipócritas, nem ofensas. Esta dinâmica
gerou vários tipos de reflexões e discussões (Diário da professora, março 2003).
A partir do mês de agosto, houve uma sensível melhora nos
relacionamentos entre as crianças. Num dia de prova em outubro, por exemplo, a
professora encontrou o grupo, fazendo revisão, sendo que as crianças estavam
ajudando umas as outras a resolver problemas, tirando dúvida e trocando idéias
(Diário da professora, 2003). As crianças tímidas começaram a se expressar com
freqüência e sem medo ou se tornaram capazes de falar da sua timidez.
Os conflitos que aconteciam sempre entre as mesmas crianças foram
superados. As auto-avaliações sofreram uma qualificação perceptível. Uma
criança que, no início do ano, julgava sempre negativas as suas produções,
passou a ponderar o valor das mesmas, dizendo, concretamente, o que gostaria
de melhorar. Outras, que faziam avaliações superficiais, valorizando aspectos
desinteressantes (por exemplo, beleza física numa dramatização), desenvolveram
maior grau de criticidade em relação ao seu trabalho (Diário da professora, 2º
semestre de 2003).
143
A professora utilizou freqüentemente o desenho e trabalhou muito
com imagens em sala de aula, durante todo o ano 2003. Principalmente no Projeto
“Viajando pela história econômica do Brasil”, que culminou com uma excursão
fotográfica ao Rio do Engenho (Dário da professora, 2003) e nas intervenções
pedagógicas voltadas para a vivência da Teoria das Inteligências Múltiplas
(Portfólio). Além disso, vários trabalhos artísticos foram realizados pelas crianças,
o que permitiu a descoberta de talentos diversificados. Evidencia-se que as
inteligências visuo-espacial e interpessoal, embora não tenham aparecido entre as
preferidas nas primeiras sondagens, em que as crianças foram solicitadas a se
auto-avaliar em sala de aula (Portfólio), foram ganhando importância no decorrer
do ano, provavelmente, em função das atividades desenvolvidas em sala de aula,
o que explica a sua média elevada nas avaliações pelos formulários, realizadas
em outubro de 2003.
7.4. A INTELIGÊNCIA NATURALISTA NO PERFIL INDIVIDUAL DAS CRIANÇAS
Como vimos, na avaliação dos perfis dos grupos, na média geral
quantitativa das inteligências, a inteligência naturalista foi a mais marcante. Assim,
esta inteligência foi, de modo geral, a mais “querida” pelas crianças. Observamos,
em todos os grupos, uma crescente afinidade com esta inteligência no decorrer da
pesquisa. Ao trabalhar com a teoria das inteligências múltiplas, as crianças foram
elaborando gradativamente um conhecimento metacognitivo, no qual a inteligência
naturalista surgiu como um potencial novo, antes desconhecido. Em comparação
com as inteligências tradicionalmente mais valorizadas na escola (as inteligências
lógico-matemática e lingüística), a inteligência naturalista foi um conceito
absolutamente novo para as crianças e os dados da pesquisa sugerem que, para
elas, a idéia de possuir este potencial as fascinava, levando ao estabelecimento
de uma forte ligação afetiva com o mesmo.
Além dessa inteligência, predominaram ainda, nos perfis dos grupos, as
inteligências visuo-espacial e cinestésico-corporal, portanto, vamos analisar estas
144
inteligências em seguida.
Veja, o que Gardner escreveu recentemente sobre a relação entre a
inteligência naturalista e as demais inteligências:
Não é fácil fixar as fronteiras entre as inteligências: reconhecidamente, essa delineação constitui, em certa extensão, um julgamento estético, mais que científico. Permita-me expor o que penso. Por um lado, a inteligência naturalista pode parecer envolver simplesmente o exercício dos nossos órgãos sensoriais: olhos, ouvidos, mãos, etc., com atenção e sagacidade. Essa observação certamente é verdadeira, mas também é insuficiente. Mesmo que alguém esteja privado de um ou mais dos órgãos sensoriais, como o famoso naturalista cego Geermat Vermij, ainda pode fazer distinções conseqüentes. Neste sentido, a inteligência naturalista - como as outras inteligências – é “supra-sensorial”. Por outro lado, a inteligência naturalista pode parecer apenas o exercício da nossa inteligência lógico-matemática – a capacidade de categorizar. Mas esta análise redutiva também não funciona. A discriminação entre duas entidades é anterior à sua classificação e, na verdade, qualquer esquema de classificação biológico é sempre secundário a algum conjunto de critérios percebidos. Como regra prática podemos invocar a seguinte seqüência: primeiro, percebemos os objetos por um ou mais modalidades dos sentidos; a seguir, fazemos alguma distinção conseqüente pelo uso da inteligência naturalista; por fim, classificamos (e talvez, reclassificamos) de acordo com critérios lógicos específicos (Gardner, 2005, p. 48).
Iremos iniciar a nossa análise com a elucidação da relação entre a
inteligência naturalista e as inteligências que lhe são, por natureza, mais próximas,
isto é, a visuo-espacial e a cinestésico-corporal. Esta proximidade tornou-se
evidente ao longo da discussão da inteligência naturalista a partir dos critérios que
a definem; ao mesmo tempo, como veremos logo em seguida, são estas
inteligências também as mais acessíveis para as crianças. Num segundo
momento, iremos discutir a relação da inteligência naturalista com as inteligências
pessoais e, por último iremos abordar a sua relação com as inteligências
lingüística e lógico-matemática.
7.4.1. A Inteligência visuo-espacial em interação com a inteligência naturalista
A inteligência visuo-espacial, de acordo com a definição de Gardner,
está relacionada à percepção precisa do mundo em termos visuais (referindo-se
aos elementos linha, cor, forma, configurações) e espaciais (relação entre
elementos) e à capacidade de orientar-se no espaço. Como vimos, quando Mithen
145
(2002) descreve o surgimento e a evolução da inteligência naturalista, considera
um de seus aspectos, a capacidade de encontrar, no espaço, os recursos naturais
necessários à sobrevivência, memorizar a localização dos mesmos e construir
mapas mentais que contém estas informações (mapeamento). Pode ser que
estas capacidades tenham evoluído a partir da inteligência naturalista no sentido
de constituírem, hoje, um domínio independente?
É importante, para a nossa pesquisa, levar em consideração que na
construção de um saber ambiental são fundamentais alguns aspectos
relacionados à inteligência visuo-espacial. Em primeiro lugar, os elementos da
natureza são percebidos pelos seres humanos em função de suas propriedades
visuais (Rosch et al., 1978 e Berlin, 1992 apud Wolff, 1999). Embora estas
propriedades não sejam as únicas a serem percebidas e embora a sua percepção
não ocorra de forma independente, por exemplo, de esquemas motores, os
aspectos visuais são, certamente, os mais importantes, principalmente, no
contexto atual. Não só as condições biológicas da nossa espécie nos levaram a
uma supervalorização da visão, como também o contexto cultural reforça esta
tendência. O sentido da visão é, pois, o mais valorizado na nossa cultura; e a
nossa percepção visual é muito mais desenvolvida, em comparação com os
demais sentidos.
Portanto, supomos que a percepção visual dos elementos da natureza
deva ser fundamental para o desenvolvimento da inteligência naturalista, na
medida em que grande parte do conhecimento naturalista é elaborado através da
percepção visual (em combinação com outros sentidos e esquemas mentais).
Evidencia-se que não só a localização dos elementos naturais no espaço e a
construção de mapas mentais estruturam-se sobre informações visuais, mas
também o conhecimento da fauna e da flora, no que tange às suas características,
passa, essencialmente, pelo registro de dados visuais. Por exemplo, o
comportamento animal pode ser percebido pela observação dos movimentos na
configuração do corpo, que é compreendida em função de propriedades físicas
que se transformam, como tamanho, forma, textura e cor do pêlo, a presença de
ossos ou de outras estruturas rígidas; rastros e pistas deixadas por animais no
146
solo, são registrados e interpretados a partir da visão; as formas, as cores e as
texturas das plantas e das suas partes são percebidas pela visão etc.
Uma outra dimensão refere-se ao trabalho com modelos abstratos que
representam os elementos da natureza e as relações entre os mesmos. Por
exemplo, na construção do conceito de ecossistema podem ser utilizados
símbolos, para representar, tanto os elementos, como as suas relações. Ou seja,
os ecossistemas podem ser estudados através do uso de uma linguagem
ideográfica que envolve, de um lado o pensamento lógico-matemático (abstração)
e, de outro, as capacidades visuo-espaciais.
7.4.2. A Inteligência cinestésico-corporal em interação com a inteligência naturalista
Consideramos a percepção visual é o órgão de sentido mais valorizado
pela cultura ocidental moderna, ao passo que a inteligência cinestésico-corporal
era mais solicitada e valorizada no contexto das comunidades de caçadores-
coletores, uma vez que esta inteligência se refere às capacidades que envolvem o
uso do aparelho motor (movimentos amplos e finos) e o tato (Mithen, 2002).
Portanto, agilidade, destreza, equilíbrio, força, precisão nos movimentos do corpo,
mas também, a capacidade de identificar diferenças sutis pelo tato ou agilidade e
precisão com as mãos (fabricação e uso de instrumentos de caça) fazem parte da
manifestação desta inteligência.
Do ponto de vista evolutivo, a inteligência naturalista foi uma das
primeiras a surgir na evolução do homem (Mithen, 2002); e, considerando que o
desenvolvimento cinestésico-corporal deve ter sido absolutamente fundamental à
sobrevivência do homem naquela época, supomos que ambas as inteligências
sejam, originalmente, estritamente relacionadas. Na época do surgimento do
homem do Pleistoceno, conhecer o mundo era equivalente a conhecer a natureza
e, considerando que todo desenvolvimento cognitivo humano tem como base o
conhecimento sensório-motor, evidencia-se o quanto estas inteligências estão
entrelaçadas.
147
A percepção dos elementos da natureza, no âmbito neural, envolve
esquemas, tanto visuais, como motores; aliás, os esquemas sensório-motores
parecem ser a origem de todo desenvolvimento cognitivo humano. Intuitivamente
compreendemos, também, que há um abismo entre um conhecimento, por
exemplo, apenas visual ou verbal, em relação a um elemento da natureza e um
conhecimento elaborado mediante o envolvimento de esquemas motores. Ou seja,
para citar um exemplo concreto, uma coisa é ver um animal numa revista e saber
o seu nome (o que garante tranqüilamente que possamos reconhecê-lo em
qualquer outro contexto!); e uma outra coisa é tocar um animal e abraçá-lo, sentir
o seu calor e a textura do seu pêlo. No primeiro contato trata-se, como sugerimos
anteriormente, de uma interação “leve” (envolvendo apenas a visão e o
conhecimento verbal); no segundo caso, a interação é “intensa”, envolve vivência
concreta e, conseqüentemente, deve gerar um registro afetivo mais profundo.
Portanto, concluímos que o estudo da evolução e do desenvolvimento
das inteligências sugere que há um paralelo entre ambos os fenômenos no
tocante à relação entre as inteligências naturalista e cinestésico-corporal. Em
razão disso, podemos afirmar que o conhecimento da natureza passa
essencialmente pelo uso da inteligência cinestésico-corporal. Esta posição se
sustenta igualmente, tendo em vista as pesquisas que demonstram o processo de
involução do conhecimento biológico nas sociedades industrializadas, em função
da falta do contato direto com o ambiente natural. 7.4.3. As inteligências “concretas” como porta de entrada para a construção do saber ambiental
Gardner, em seu último livro Mentes que mudam (2005) propõe o
agrupamento das oito inteligências em três categorias. A primeira categoria
engloba as inteligências visuo-espacial, corporal-cinestésico e naturalista, que se
referem mais diretamente ao mundo dos objetos materiais e às habilidades das
pessoas. A segunda categoria engloba as inteligências musical, lingüística e
lógico-matemática, que se baseiam em sistemas de símbolos e estão relacionadas
148
com conceitos, teorias e histórias. O terceiro grupo contém as inteligências
pessoais que envolvem o conhecimento sobre os seres humanos.
As avaliações dos perfis de inteligências das crianças revelaram, de
modo geral, a predominância nítida das inteligências da primeira categoria, ou
seja, as inteligências naturalista, visuo-espacial e corporal-cinestésico, que estão
relacionadas diretamente ao conhecimento do mundo concreto. Ao contrário, as
inteligências lingüística e lógico-matemática, relacionadas ao mundo dos
símbolos, figuraram entre as últimas colocadas nos perfis de inteligências das
crianças. A inteligência interpessoal era bastante marcante, a musical oscilava
entre primeira e última colocada e a intrapessoal figurava sempre entre as últimas
colocadas, ao lado das inteligências lingüística e lógico-matemática.
A criança na segunda infância parece apresentar uma afinidade com as
inteligências ligadas ao mundo concreto, ao passo que à escola cabe justamente o
papel de inserir a criança no universo da linguagem escrita e da matemática, os
domínios que envolvem o uso de sistemas simbólicos e, portanto, exigem maior
grau de abstração. A forma como projetamos a educação formal na sociedade
ocidental mostra que a descoberta do mundo dos objetos, através do uso das
inteligências ligadas ao mundo concreto não ocorre na escola, mas deve ser
anterior ou exterior à mesma.
Estabelecendo um paralelo com os estágios de desenvolvimento humano
em Piaget, podemos concluir que as crianças caminham, gradualmente, de formas
de conhecimento relacionadas à experiência do mundo concreto, em direção a
formas de conhecimento que envolvem maior grau de abstração e o uso
predominante de sistemas simbólicos. Nesta visão, as crianças, até completarem
a segunda infância - em torno de 12 anos, quando se inicia o estágio das
operações formais -, têm uma inclinação a aprender com facilidade qualquer
conteúdo através das “inteligências concretas”, ou seja, as inteligências corporal-
cinestésico, visuo-espacial e naturalista.
Portanto, a forma adequada de abordar a construção de um saber
ambiental na infância ocorre, em primeiro lugar, mediante o estímulo destas
inteligências. O desenvolvimento destas inteligências na infância revela-se, ao
149
mesmo tempo, o fim e o meio para a construção de um saber ambiental; um fim,
no sentido de estas serem as inteligências que constituem a essência de um saber
ambiental; um meio, porque é através do uso destas inteligências que a criança é
capaz de construir um conhecimento significativo e uma compreensão mais
profunda da realidade.
De acordo com as avaliações dos perfis, podemos concluir que as
“linguagens” adequadas, para se falar para a criança sobre o meio ambiente, são
a naturalista, a visuo-espacial e a cinestésico-corporal. Estas inteligências seriam,
em outras palavras, a porta de entrada para a construção do saber ambiental na
segunda infância. Ou seja, a análise sugere que o conhecimento do ambiente
deve chegar à criança através da exploração livre do meio e um intenso contato
físico e visual com o mesmo. No decorrer das intervenções pedagógicas,
evidenciou-se a facilidade que as crianças possuem em lidar com qualquer tema
apresentado através destas inteligências; elas nutrem verdadeiramente uma
profunda “simpatia” por estas inteligências, ao passo que informações veiculadas
através das inteligências “abstratas” parecem menos acessíveis.
7.4.4 Exemplo de um perfil individual em que predominaram as inteligências concretas
Exemplo 1: A criança escolhida (nº 30) apresentou, nas três avaliações,
curvas praticamente idênticas, apontando a inteligência naturalista, como sendo a
mais expressiva e a inteligência lingüística, a menos expressiva.
150
Quadro 17
Cr ian ça N° 3 0
LING MA T CORP V ISO MUS INTER INTRA NA T
A UTO
PA IS
PROF
Esta criança (nº 30) adorava as aulas de ciências naturais e era
fascinada pelo tema natureza. Era curiosa e fazia perguntas interessantes,
demonstrando grande sensibilidade com relação a questões ambientais. Um dia
trouxe para sala um caracol e explicou que ela o encontrava no jardim, sempre
que queria, pois bastava seguir seu rastro na terra.
A criança (nº 30) tinha um excelente relacionamento com colegas,
funcionários e professores, era muito querida por todos. Sensível a problemas
alheios, buscava solucionar conflitos; era conciliadora e tentava ser justa, sem
tomar partido. Bastante introspectiva, a criança demonstrava conhecer-se bem e
conseguia expressar seus sentimentos, além de respeitar seu ritmo pessoal. Fazia
excelentes reflexões, a respeito da vida e de si mesmo (Portfólio, 2003).
No início do ano, a criança apresentava muitas dificuldades com a
escrita, mas teve um crescimento perceptível, tanto no que se refere a questões
ortográficas, como na produção de textos. Estes se tornaram cada vez mais
criativos e coerentes, porém, ainda precisa melhorar alguns aspectos na escrita
(Portfólio, 2003).
Os desenhos produzidos eram excelentes, expressando exatamente o
que a criança queria dizer. No entanto, em outros aspectos, possuía dificuldades
com a coordenação motora.
Destacamos este perfil por ser também bastante interessante. É uma
criança que não se sobressai nas áreas tradicionalmente mais valorizadas pela
151
escola; introspectiva e sensível, embora se relacione bem com os colegas, corre o
risco de ter pouca atenção por parte dos educadores. O trabalho intensificado com
as inteligências concretas criou oportunidades para que esta criança pudesse
manifestar suas capacidades. Revelou-se um “naturalista nato”, ou seja, uma
pessoa com um dom específico para as áreas biológicas, sobretudo para a
observação e o estudo dos insetos. Sua inteligência interpessoal bem
desenvolvida manifestava-se não só na relação com as pessoas, mas, também,
na empatia e no trato cuidadoso com os animais.
7.4.5. As inteligências intra e interpessoais em interação com a inteligência naturalista
Na análise do perfil de inteligências, no que se refere às inteligências
pessoais, observamos que as crianças privilegiam nitidamente a inteligência
interpessoal, em detrimento da inteligência intra-pessoal. A primeira é associada
ao prazer de estar se relacionando com outras pessoas, de estar em companhia
dos amigos, de ser incluído e bem quisto por todos. A segunda, ao contrário, é
vista pelas crianças como um sinônimo para a solidão ou exclusão em relação ao
grupo, estado muito temido pelas crianças, de um modo geral.
Supomos que possa ser de alguma forma natural a facilidade em lidar
precocemente com a inteligência interpessoal, enquanto o desenvolvimento da
inteligência intrapessoal ganhe importância em fases mais adiantadas da vida. O
que não significa que a inteligência intrapessoal não acompanhe o
desenvolvimento da inteligência interpessoal. Embora o desenvolvimento do auto-
conhecimento aconteça, provavelmente, de forma concomitante ao
desenvolvimento da inteligência interpessoal, este manifesta-se diretamente por
comportamentos observáveis, enquanto a intrapessoal precisa de uma elaboração
através de outra linguagem, para tornar-se visível.
Esta visão parece encontrar paralelos na história de evolução da nossa
espécie, como, por exemplo, em Mithen (2002) que descreve, como a inteligência
social se desenvolveu, referindo-se, primeiramente, às relações interpessoais, ou
152
seja, à comunicação entre os membros de um grupo. Portanto, historicamente, o
surgimento da linguagem é observado nas relações interpessoais e não no que
tange à capacidade de expressar as próprias necessidades.
Como pode ser analisado a partir das observações das professoras
(Diários) e da pesquisadora, as crianças mostram, no seu desenvolvimento, uma
tendência nítida em voltar seus interesses para questões relacionadas à
inteligência interpessoal, ao passo que demonstram uma certa dificuldade para
lidar com questões que envolvem auto-avaliação e auto-conhecimento.
De acordo com Mithen, o antropomorfismo consiste num dos produtos
gerados pela interação das inteligências pessoais e naturalista. Este processo
mental, que pode ser considerado uma forma primitiva de pensar, tem sua
importância para o conhecimento naturalista, na medida em que auxilia na
compreensão do comportamento animal e permite estabelecer uma ligação afetiva
com os meios biótico e abiótico.
Ao acompanhar a evolução da inteligência naturalista, observamos que,
originalmente, esta não se configurava como um sentimento de afinidade ou
aversão em relação à natureza, mas antes como um “instinto para descobrir o que
era útil ou prejudicial à sobrevivência do organismo”. Supomos, portanto, que a
biofilia seja, originalmente, um produto da interação da inteligência social com a
naturalista, considerando que as capacidades associadas às relações
interpessoais (como, por exemplo, a empatia), surgiram, de acordo com Mithen
(2002), em função da evolução da inteligência social. Mas, esta é uma área que
precisaria, certamente, de mais estudos específicos e aprofundados.
Tendo em vista a construção de um saber ambiental, pensamos na
importância das inteligências pessoais na sua relação com a inteligência
naturalista, na medida em que estas inteligências são as principais responsáveis
para a compreensão do ser humano e este faz parte da própria natureza. Como
vimos, a natureza não é algo que está fora do âmbito humano, o mundo sendo um
só integrado, que contém de forma entrelaçado o ambiente natural e cultural,
sendo o homem um elemento importante de ambos.
Neste sentido, tornou-se impensável a construção de um saber
153
ambiental, à margem da compreensão do próprio ser humano. Podemos, sem
dúvida afirmar que, o desenvolvimento das inteligências intra- e interpessoais é
uma condição fundamental para melhorar o auto-conhecimento, as relações
interpessoais e, conseqüentemente a relação dos sujeitos e da coletividade com o
ambiente natural. Os novos paradigmas da educação expressam bem esta idéia
de que a melhoria da qualidade de vida, em todos os sentidos, começa pela
melhoria da qualidade das relações entre as pessoas.
Dada a complexidade do assunto e considerando que existe vasta
literatura que trata do mesmo, queremos focalizar apenas alguns aspectos
relacionados diretamente com a nossa pesquisa. Defendemos, pois, com base na
análise dos dados da pesquisa, que o desenvolvimento da inteligência intra-
pessoal (ligada ao auto-conhecimento) permite, entre outras coisas, a constatação
de que temos uma inteligência naturalista, enquanto potencial biopsicológico
universal; e a compreensão de que temos esta inteligência favorece o seu
desenvolvimento, na medida em que processos metacognitivos são estimulados.
Em outras palavras, defendemos que o fato de pensarmos sobre nós
mesmos, como seres vivos que possuem uma inteligência naturalista (assim como
outros animais também), representa um estímulo direto à própria inteligência. Este
processo de aprendizagem sobre a sua capacidade naturalista pode ser explicado
mediante aplicação dos princípios da própria Teoria das Inteligências Múltiplas ou
do modelo de representação representacional (RR) de Karmiloff-Smith (1999),
pois ambos defendem que um conhecimento oriundo de um domínio, ao ser
abordado por outros domínios é ampliado e aprofundado. Portanto, propõe-se que
as inteligências intra e interpessoais sejam estimuladas no sentido de permitir uma
aprendizagem sobre as capacidades naturalistas do ser humano (auto-
conhecimento e conhecimento do outro) e, esta aprendizagem deve ocorrer,
envolvendo diferentes inteligências, como a lingüística, a cinestésico-corporal, a
espaço-visual etc.
Neste sentido, observamos uma valorização desta inteligência pelas
crianças, ao longo das intervenções pedagógicas voltadas para o estudo da Teoria
das Inteligências Múltiplas, na medida em que estas puderam tomar consciência
154
de um potencial antes desconhecido.
7.4.6. Exemplo de um perfil individual em que predominou a inteligência interpessoal em interação com a inteligência naturalista
Exemplo 2: A criança (nº 13) apresentou um perfil, em que se destacavam as
inteligências naturalista e interpessoal (avaliação feita pela professora). Os pais
também avaliaram que a inteligência interpessoal era predominante no seu filho,
enquanto a inteligência naturalista foi considerada menos acentuada (valor
médio). Há uma diferença também entre a auto-avaliação e a avaliação feita pelos
pais em relação à inteligência naturalista.
Quadro 20
Criança N° 13
LING MAT CORP VISO MUS INTER INTRA NA T
A UTO
PAIS
PROF
Qual seria a razão pela diferença entre a avaliação da inteligência
naturalista pelos pais e a avaliação desta pela criança? Temos a seguinte
explicação.
Na avaliação, a mãe apenas marcou os seguintes indicadores:
Meu filho....
.... gosta de colecionar objetos da natureza;
.....gosta de estudar ciências naturais;
......gosta de assistir filmes sobre a natureza ou a vida animal.
A criança, na auto-avaliação, colocou:
155
Adoro animais e cuido bem deles;
Fico indignado com qualquer tipo de maus tratos aos animais;
Gosto de colecionar objetos da natureza;
Gosto de estudar ciências naturais;
A professora marcou nove de dez indicadores, considerando esta
inteligência mais expressiva no comportamento da criança.
Veja alguns indícios que levaram a professora a fazer esta avaliação:
Num jogo sobre ecossistema (anexo E - aula n° 20), pede várias vezes a palavra,
atribui prontamente uma função correta às bactérias, relaciona árvores e solo.
Falou da fotossíntese, relaciona água e terra, comentando a permeabilidade da
mesma (disse que a terra absorve a água para não alagar) (Diário, julho, 2003).
Um dia, observamos minhocas no pátio da escola e a maioria das crianças
demonstrou aversão e nojo, não querendo nem tocar no animal. A criança (nº 13)
dizia que já tinha estudado as minhocas na escola e pegava com tranqüilidade
para olhar, explicando para os colegas que eram inofensivas e que tinham uma
função importante na terra (anexo E - aula nº 14).
Observamos, neste exemplo que o perfil desenhado pela criança e pela
professora são similares, no que se refere à inteligência naturalista (considerada
mais marcante), enquanto o dos pais destoa neste aspecto (consideram a
inteligência naturalista menos marcante).
Na sala de aula, ao longo da aplicação das intervenções pedagógicas
do projeto didático “Flora” (resumo anexo D2) e das aulas (anexo E) relacionadas
ao projeto de pesquisa, tanto a professora, como a criança tiveram oportunidade
de vivenciar o uso da inteligência naturalista, compreendendo melhor, quando e
como esta entra em ação. O trabalho pedagógico propiciou não só o contato com
muitas informações sobre a natureza, mas foram realizadas excursões na mata e
várias atividades práticas ligadas ao conhecimento do meio ambiente. Tudo isto
nos permitiu explorar, junto com as crianças, a nossa inteligência naturalista e
realizar uma avaliação da mesma. Os pais não tiveram este mesmo contato e,
portanto, possuem uma visão mais restrita desta capacidade biopsicológica.
156
A professora e a pesquisadora vivenciaram diversas situações com
estas crianças, em que se evidenciou o seu interesse, a sua afetividade e sua
capacidade aguçada para compreender temas relacionados à natureza;
conseqüentemente, consideraram esta inteligência marcante nas avaliações das
crianças. Ao contrário, os pais não têm, provavelmente, esta vivência com seu
filho, nem podem identificar estas capacidades nele. Evidencia-se, neste aspecto,
a importância da escola na descoberta desta inteligência na criança.
7.4.7. A inteligência lingüística em interação com a inteligência naturalista
As inteligências lingüística e naturalista mantêm uma estreita relação,
pois, como vimos, o sistema simbólico desta encontra sua expressão através da
língua. Neste sentido, fazendo uma comparação com a música ou com a
matemática, por exemplo, a inteligência naturalista não possui um sistema
notacional independente da língua, pois as taxonomias são expressas através de
palavras de uma língua (na ciência, o latim). Ao mesmo tempo, devemos
considerar que as unidades lingüísticas utilizadas nas taxonomias, não são
organizadas como uma língua (sujeito, verbo, objeto etc.). Ao contrário, as
palavras representam exclusivamente nomes de elementos naturais e grupos,
classificados em hierarquias de forma específica; sendo esta organização, o que
distingue o sistema simbólico das taxonomias em relação à língua propriamente
falando.
Subjacente à representação dos elementos naturais por nomes e grupos
relacionados, há uma organização sistemática dos elementos, que é própria da
inteligência naturalista e independe basicamente da linguagem; e este fato se
confirma, quando observamos que a compreensão do mundo natural nem sempre
é expressa por palavras, mas também por outros tipos de símbolos, tais como as
simbologias da idade média (“bestiários”) citados por Thomas (1996) ou os
complexos sistemas relacionados ao totemismo e representados em artefatos de
povos caçadores-coletores (Mithen, 2002).
Portanto, acreditamos que a “lógica da organização dos elementos da
157
natureza”, ou seja, a compreensão das propriedades dos elementos que permite
que sejam nomeados e relacionados de determinada forma, não está na
linguagem, mas no conhecimento naturalístico dos elementos. Sem o
conhecimento naturalístico, as taxonomias se reduzem a rótulos vazios, que,
embora possam ser transmitidos verbalmente, carecem absolutamente de sentido.
Para a educação, acreditamos ser importante a percepção de que o
conhecimento biológico, embora seja transmitido em grande parte pela língua, em
muito extrapola a mesma. Os elementos da natureza podem ser percebidos de
diferentes formas e, até no âmbito dos neurônios, a apreensão visual parece estar
associada, normalmente, a esquemas motores ou afetivos (Garbarini e Adenzato,
2004). A palavra dificilmente poderá abranger todas estas dimensões.
A definição, num sentido clássico, não é adequada para compreender os
elementos naturais, pois as categorias naturais se formam em torno de protótipos
(Rosch et al., 1976 apud Atran, 2002). A definição corresponde a uma afirmação
precisa e unívoca; o protótipo envolve mais do que isso e, dificilmente, pode ser
expresso adequadamente pela língua somente. Muito mais, parece basear-se em
experiências ricas em impressões subjetivas, vivências concretas ou em imagens
mentais repletas de detalhes.
Estas observações permitem-nos sugerir certas conclusões, no que se
refere à construção de um saber ambiental no espaço escolar. É de suma
importância a vivência e o contato direto com a natureza, para o desenvolvimento
da inteligência naturalista, pois o conhecimento biológico propriamente dito não se
transmite verbalmente.
O uso de diferentes linguagens é fundamental no trabalho com o
conhecimento naturalista, uma vez que a língua não é capaz de apreender, nem
de expressar a riqueza inerente a este conteúdo. Por exemplo, o comportamento
animal, pode ser conhecido intuitivamente e representado numa dramatização ou
num desenho com precisão (a exemplo da arte pré-histórica e a surpreendente
riqueza de conhecimento naturalista expressa nas pinturas rupestres), ao passo
que pode ser quase impossível descrever um comportamento animal
adequadamente em palavras.
158
Uma vez que a inteligência naturalista surgiu para garantir a
sobrevivência imediata do organismo (Mithen, 2002), supomos que grande parte
do conhecimento naturalista ocorre em um nível mais intuitivo, podendo ser
expresso e transmitido entre gerações, diretamente, por comportamentos e
atitudes manifestos cotidianamente; pois supomos que grande parte do
conhecimento naturalista não exige necessariamente que seja representado em
um sistema de símbolos, para que seja compreendido e partilhado entre pessoas.
Enquanto todo conhecimento biológico construído pelas ciências está
contido em livros, o mesmo, certamente, não pode ser afirmado em relação ao
conhecimento popular. Aliás, quem tem oportunidade de conversar com pessoas
analfabetas que possuem um profundo conhecimento naturalístico adquirido pela
experiência ao longo de suas vidas, percebe que há uma dificuldade intrínseca em
explicitar este conhecimento verbalmente.
No entanto estas constatações devem ser ponderadas, pois, numa
sociedade letrada, a língua torna-se a principal ferramenta de transmissão do
conhecimento. Neste sentido, considera-se atualmente mais perfeito um
conhecimento que pode ser verbalizado, - o ideal sendo a utilização da língua num
padrão científico -, na medida em que se acredita ser possível, através desta
língua, partilhar universalmente um conhecimento. A língua tornou-se, para nós,
um dos principais instrumentos metacognitivos, além de ser o sistema simbólico
mais valorizado no meio escolar.
Lembrando a proposta de Karmiloff-Smith (1999), que descreve o
desenvolvimento como um processo de sucessiva redescrição representacional
(RR), - que é a representação de um conhecimento oriundo de um domínio em
outro domínio -, consideramos importante que se construam formas de
representação lingüística do conhecimento naturalista. Ao mesmo tempo, deve
ficar claro, que a representação deste conhecimento pela língua jamais será
completo, uma vez que a natureza do conhecimento biológico é de outra ordem.
159
7.4.8. Um perfil individual em que predominou a inteligência lingüística em interação com a inteligência naturalista
Exemplo 7: A criança (nº 2) se expressava muito bem oralmente,
escrevia e lia com facilidade, como também, não demonstrava nenhuma
dificuldade em matemática. A professora observou, além disso, no Conselho de
Classe (1º semestre, 2003) que tinha uma excelente caligrafia, mas,
freqüentemente se atrasava na realização das atividades escritas.
Quadro 22
Criança N° 2
LI NG MAT CORP VIS O M US INTER INTRA NA T
PROF
Esta criança tinha bastante facilidade em aprender qualquer conteúdo
escolar e, ao longo do ano letivo, foi se tornando especialmente interessada nos
temas relacionados à natureza. Na hora do estudo da História da Terra, defendia
que Deus criou a terra, (idéia que sua mãe seguia em função da sua religião),
participando efetivamente dos debates (Diário, professora 30/07/03).
Em todas as aulas relacionadas ao estudo dos insetos gostava observar
os animais; na aula nº 10 demonstrava ter interesse para olhar a lagarta de perto,
ao estudar a metamorfose, demonstrando paciência e capacidade para observar
detalhes; e fazia muitas perguntas pertinentes, sempre que eram discutidos
assuntos das ciências naturais. Um dia me surpreendeu com um caderno pequeno
e um lápis na mão, dizendo; “Tia, estou pesquisando muitas coisas sobre os
animais e anotando aqui. A gente pensa que os animais são uma coisa simples,
mas tem tanta coisa para saber e descobrir ...” (Observações outubro, 2003) Tudo
160
isto justifica, portanto, o índice elevado na avaliação da inteligência naturalista.
7.4.9. A inteligência lógico-matemática em interação com a inteligência naturalista
Ao descrever como a inteligência naturalista foi incluída como oitava e
última inteligência por Gardner na Teoria das Inteligências Múltiplas,
mencionamos o fato de que, até então, certas capacidades relacionadas com esta
inteligência, - por exemplo, classificar elementos da natureza -, eram consideradas
aspectos da inteligência lógico-matemática. Hoje, podemos seguramente mostrar
que há uma grande diferença entre a abordagem lógico-matemática e a
compreensão naturalista do ambiente.
As operações nucleares da inteligência lógico-matemática são
compreendidas adequadamente, quando se considera o desenvolvimento da
inteligência, como foi descrita em Piaget. Pois, trata-se da capacidade de partir de
experiências com eventos ou objetos materiais e mover-se em direção a sistemas
formais cada vez mais abstratos, cujas interconexões tornam-se questões de
lógica que dispensam a observação empírica. A lógica está envolvida com
afirmativas; a matemática trabalha com entidades abstratas, não lingüísticas; e a
lógica tende, em última instância, a conduzir à matemática” (Gardner, 1983:2002).
Esta inteligência refere-se também à capacidade de lidar com números;
de perceber padrões subjacentes e seqüências lógicas em proposições, que uma
vez abstraídos, podem ser aplicados em outros contextos, levando aos mesmos
resultados; de simplificar problemas complexos através da sua representação por
modelos abstratos etc. (Gardner, 1983:2002).
Buscando uma comparação entre as inteligências naturalista e lógico-
matemática, observa-se que as operações nucleares, - como a classificação e
organização hierárquica de elementos e o reconhecimento de padrões -, embora
estejam presentes na definição de ambas as inteligências, adquirem feições
diferentes em cada domínio. Quando relacionadas à inteligência naturalista, estas
capacidades estão associadas à percepção sensório-motora e afetiva dos
161
elementos e de suas relações (ver categorização e percepção de protótipos), não
implicando necessariamente em representações simbólicas e abstrações.
A matemática não se interessa pelo mundo físico em si, mas pelas suas
propriedades regulares. Por exemplo, num padrão, a matemática busca a
abstração, simplificação e generalização das propriedades recorrentes, para
formar um modelo que possa representar qualquer situação concreta no mesmo
padrão. Nas classificações, busca um número mínimo de critérios que permitam a
formação de categorias.
O pensamento naturalístico trabalha com categorias formadas em torno
de protótipos, que são exemplares típicos, aos quais não se aplica uma definição
exata; contempla a noção de essência (não como padrão abstrato) que só se
aplica às coisas vivas; utiliza a multiplicidade de critérios para a formação de
classes e a riqueza de detalhes na descrição dos fenômenos (como, por exemplo,
o comportamento animal); não busca necessariamente a regularidade absoluta de
padrões. Portanto, a “lógica” naturalista é fundamentalmente diferente da “lógica”
matemática.
Retomando a idéia de que existem diferentes graus de abstração em
relação à realidade, precisamos analisar os conteúdos de biologia, que são
tratados na escola através de modelos abstratos; sendo que iremos nos ater à
noção de ecossistema, buscando para este conteúdo uma aplicação concreta das
reflexões acima. A noção de ecossistema, normalmente, não é considerada um
conteúdo para crianças das séries iniciais do ensino fundamental, dado o nível de
abstração necessário para a sua compreensão (ver PCN). De acordo com a visão
predominante do desenvolvimento humano (baseado, principalmente em Piaget),
o ser humano alcança o estágio das operações formais em torno de doze anos de
idade.
Porém, acreditamos ser possível, com base nos estudos referentes à
inteligência naturalista, desenvolver metodologias que permitam a construção do
conceito de ecossistema com crianças da segunda infância. Inclusive,
defendemos que esta aproximação é necessária e deve ser anterior à introdução
do conceito abstrato, como costuma ser tratado na ecologia. Pois, se à criança
162
são ensinados diretamente modelos abstratos para representar a natureza, ela
desenvolve o conhecimento lógico-matemático; ao passo que a etapa de
construção do conhecimento naturalista, que deveria ser anterior, é negligenciada.
Permanecerá, na mente da criança, uma representação abstrata, a memória de
um modelo, vazio de conteúdo naturalista.
7.4.10. Um perfil individual em que predominou a inteligência naturalista em detrimento da inteligência lógico-matemática
A criança (nº 21) escolhida possuía um perfil, em que a expressão
predominante da inteligência naturalista estava conjugada com baixos escores nas
inteligências lingüísticas e lógico-matemáticas. Esta criança apresentava um baixo
rendimento escolar, devido as suas dificuldades com a linguagem e a matemática.
Ao contrário, a sua inteligência interpessoal era marcante.
Quadro 24
Criança N° 21
LING MAT CORP VISO MUS INTER INTRA NA T
AUTO
PA IS
PROF
No Diário da professora encontramos estes trechos: “Na atividade de
classe de matemática, não conseguiu resolver nenhuma questão sem a minha
ajuda. Ele tem dificuldades na leitura, na interpretação, na escrita, em assuntos
gramaticais, na auto-correção. No lógico-matemático, as dificuldades são
menores, porém, presentes. Esta criança tem pouca concentração; na hora da
roda, a conversa paralela está sempre presente; na maioria das vezes intervém,
163
saindo do assunto em discussão. Porém, quando sento junto à mesma, realiza
suas atividades, faz auto-correção e consegue, na maioria das vezes, perceber
seu erro na escrita das palavras ”(Diário, 09/07/2003). Tem dificuldade em prestar
atenção à fala dos colegas (Diário, 2003).
Porém, era uma criança comunicativa, que fazia amizades com facilidade
e apreciava a companhia dos colegas. Demonstrava tristeza quando não
acompanhava a sala nas atividades de leitura e interpretação (Diário, 2003).
No início do ano, não caprichava no acabamento dos desenhos, porém,
com as intervenções pedagógicas específicas, a partir do meio do ano, começou a
se dedicar mais e demonstrava satisfação em desenhar e pintar as mandalas
(Diário julho, 2003 e Portfólio). Sua caligrafia não era boa. Tinha dificuldades em
dramatizar um tema, ficava numa postura rígida e repetia os mesmos movimentos
(Diário, setembro, 2003). Estas observações podem corroborar a pouca
expressividade da inteligência cinestésico-corporal na avaliação dos pais e da
professora. Deve-se, porém, ressaltar que esta criança passava sempre os finais
de semana na fazendo com o pai, sentindo-se completamente à vontade neste
ambiente natural; além disso, montava cavalo com muita destreza e agilidade.
Na hora da roda, quando o assunto era natureza, esta criança
desabrochava; a sua satisfação fica visível no rosto, ela participava ativamente
(Diário, julho, 2003). Ela ficou preocupada e chateada, quando outras crianças
quebraram uma planta na sala. Nas aulas aplicadas pela pesquisadora e no
decorrer do projeto “Flora” esta foi a criança que mais se destacou na inteligência
naturalista, demonstrando interesse e motivação, mas, também, facilidade em
compreender os conteúdos relacionados à natureza. Por exemplo, decorou com
facilidade o complexo ciclo reprodutivo do salmão (que a professora explicou na
sala e sobre o qual as crianças assistiram a um filme) e contou em forma de
roteiro o processo, detalhadamente, para a pesquisadora numa entrevista final
sobre ecossistema (anexo E - aula nº 42).
Na avaliação do projeto esta criança escreveu:
Eu tive prazer em estudar o projeto porque foi muito legal. Eu tive dificuldades, mas não tantas, porque a minha inteligência naturalista é a mais desenvolvida.[...] Eu gostei de estudar tudo, principalmente, sobre as
164
baleias, as grandes navegações, os animais etc. Eu fiquei muito interessado, não gostaria de mudar nada e nem ter estudado outra coisa. Eu gostei muito da flora local, foi o meu melhor projeto.
Abaixo, podemos observar a riqueza das respostas desta criança de 2ª
série sobre as relações existentes em um ecossistema. Num primeiro momento,
ela preencheu o desenho com setas e, num segundo momento, pedi para explicar
o que queria dizer (anexo E - aula n° 41).
Nº 21 - grupo 7 (2ª série) 1º Momento expressou com as setas o seguinte: Insetos - ser humano
Indiferente
Plantas – ser humano Indiferente.
Plantas – insetos Ajudam-se mutuamente.
Mamífero – ser humano A vaca ajuda as pessoas.
Insetos – mamífero Indiferentes.
Mamífero - plantas Ajudam-se mutuamente.
2º Momento – entrevista:
Insetos - ser humano
As pessoas e os insetos não se ajudam, porque os insetos picam e as pessoas os matam. A abelha pode prejudicar o homem, picando-o. A abelha pode, também, ajudar o homem, mas o mosquito não. Plantas – ser humano As pessoas ajudam as plantas, pois, quando respiram, dão gás carbônico para as plantas. As pessoas preparam o adubo, ajudando as plantas e os insetos. Plantas - insetos As plantas (a natureza) ajudam os insetos, pois estes vivem delas. Os insetos ajudam as plantas, “fazendo o processo” (queria dizer polinização). A abelha, quando ajuda as plantas, ajuda a vaca que come plantas. Mamífero – ser humano A vaca dá leite e carne para o homem.
165
As pessoas cuidam da vaca. Insetos - mamífero A vaca ajuda os insetos, fornecendo “bosta” que lhes serve de alimento. Os insetos ajudam a vaca, “fazendo” (“transformando a bosta em”) adubo. Mamífero – plantas A vaca come as plantas, por isso estas a ajudam. A vaca fornece adubo para as plantas, ajudando-as a crescer.
Observa-se, nesta criança, uma acentuada compreensão das relações
num ecossistema. No primeiro momento, quando deveria se expressar por meio
de setas, teve dificuldades em expressar seu pensamento, mas, quando teve
oportunidade para falar sobre o tema, revelou todo seu conhecimento. Esta
constatação mostra o seguinte: a dificuldade em expressar o pensamento no
primeiro momento está relacionada à inteligência lógico-matemática, uma vez que
envolve o uso de símbolos para representar relações de forma abstrata. Como
vimos, esta criança apresentava uma relativa baixa capacidade nesta inteligência.
No segundo momento, ela podia utilizar um recurso mais acessível, ou seja, a
oralidade, para expressar seus conhecimentos, demonstrando então o que
realmente sabia sobre as relações num ecossistema.
Além disso, este exemplo, nos mostra que os conhecimentos naturalistas
não são necessariamente relacionados às áreas tradicionalmente valorizados pela
escola, ou seja, a leitura, a escrita e a matemática. Em outras palavras, crianças
que obtém baixos escores no rendimento escolar, podem ter bons conhecimentos
naturalistas.
Supomos que há uma diferença fundamental entre o raciocínio lógico-
matemático e o conhecimento naturalista, embora ambos estejam também
relacionados. A construção do conhecimento biológico parece possuir
características diferentes, em comparação com a construção do conhecimento
lógico-matemático. A elaboração dos conceitos biológicos não corresponde,
simplesmente, a uma aplicação dos princípios gerais do desenvolvimento da
inteligência, em Piaget, ou da inteligência lógico-matemática, em Gardner, a esta
área de conhecimento, mas segue um caminho próprio. Talvez este percurso
possa ser descrito com mais adequação através do modelo da Redescrição
166
Representacional (RR) proposto por Karmiloff-Smith (1999), na medida em que
esta pesquisadora busca uma integração entre os conceitos de Piaget e das
ciências cognitivas mais recentes.
167
8. O SABER AMBIENTAL DA CRIANÇA NA SEGUNDA INFÂNCIA
Os pesquisadores do desenvolvimento cognitivo sustentam que o ponto
de partida para qualquer trabalho educativo, que vise provocar mudanças
conceituais, é a compreensão das teorias intuitivas da criança-aprendiz. Pois, são
estas que representam, tanto as possibilidades, como os cerceamentos dentro dos
quais o pensamento infantil se configura (Carey, 1985; Gardner, 1994; Karmiloff-
Smith, 1999).
Para realizarmos uma análise mais profunda dos resultados da pesquisa
de campo, iremos, ao invés de interpretar as respostas em termos do que lhes
falta para constituírem um conhecimento científico coerente (que esteja de acordo
com a biologia e a ecologia), descrever a visão de mundo – constituída num misto
de teorias intuitivas e conhecimentos científicos – que caracteriza o pensamento
infantil em relação aos seres vivos e à interação destes com o meio, dando ênfase
aos aspectos que podem contribuir para a construção de um saber ambiental.
As informações obtidas, a partir das entrevistas (1ª atividade do
diagnóstico), serão complementadas e confrontadas com os dados colhidos junto
às crianças nas outras atividades de diagnóstico (nº 2 a 6 descritas no capítulo da
metodologia) e no decorrer das intervenções pedagógicas (em anexo as aulas que
contém a aplicação de metodologias) e observações em sala de aula, dos quais
mantivemos registros pessoais, além dos registros consultados nos diários das
professoras e nos portfólios dos sujeitos de pesquisa.
Como foi discutido no quadro teórico, as novas teorias cognitivas lançam
um novo olhar sobre o desenvolvimento infantil, sendo que, ao invés de
estruturado em estágios (como preconizados por Jean Piaget), descrevem o
desenvolvimento infantil em termos de domínios cognitivos. A criança pré-escolar
desenvolve várias teorias intuitivas, teorias ontológicas, do número, da mecânica,
teorias da mente e teorias sobre o mundo dos seres vivos. Em função do contexto
cultural (e, na nossa sociedade, especificamente, na escola), a criança começa a
ser confrontada com as ciências, de forma mais sistemática, geralmente a partir
168
de 5, 6 ou 7 anos de idade. Espera-se, pois que a visão de mundo das crianças de
1ª a 4ª série se caracterize, tanto em termos de teorias intuitivas, como de
conhecimentos científicos adquiridos pela interação com o meio social , através da
aprendizagem informal e formal.
Vários estudos mostram que a criança desenvolve uma biologia intuitiva
na primeira infância, que gradativamente se aproxima de uma biologia científica na
adolescência, mas, ainda assim, muitos aspectos da biologia intuitiva tendem a
permanecer até na vida adulta (Carey, 1983; Gardner, 1994; Keil, 1989; Gelman
& Markman, 1987 apud Gardner 1994).
Em que consiste esta biologia intuitiva, também chamada de teoria
intuitiva dos seres vivos? Como o conhecimento biológico científico é elaborado
gradativamente? Os diferentes conhecimentos construídos se excluem
mutuamente ou convivem em harmonia? Como cada tipo de conhecimento
contribui para um saber ambiental?
Propomos a descrição minuciosa deste processo de construção do
conhecimento biológico na criança, a partir de uma revisão de literatura em
confronto com os resultados obtidos na pesquisa de campo, com o intuito de
identificar os aspectos cognitivos – com foco na inteligência naturalista - que
permitem a elaboração do saber ambiental. Na descrição de vários aspectos do
conhecimento biológico estaremos mapeando os conteúdos da inteligência
naturalista.
8.1. A VISÃO SISTÊMICA DA CRIANÇA: NATUREZA, HOMEM E SERES VIVOS
Partimos da análise das respostas das crianças na entrevista (anexo
A.1.2.), sendo a 1ª atividade do diagnóstico, para podermos mergulhar no universo
infantil e compreender o pensamento dos nossos sujeitos de pesquisa. A partir
deste primeiro encontro com o pensamento dos nossos sujeitos de pesquisa,
iremos discutir a construção do saber ambiental tecendo um diálogo entre as
teorias, os dados colhidos em campo e as intervenções pedagógicas realizadas
com as crianças.
169
8.1.1. A importância do sol Nas entrevistas realizadas, 29 crianças falaram da importância do sol,
sendo que destas falas colhemos e classificamos 124 afirmações (ver no anexo
A.1.2: Quadro 1.1. A função do sol; e Quadro 1.2. Para quem o sol é importante).
Ao ser indagada sobre a função do sol (Quadro 1.1), todas as crianças
fizeram referência à luz ou ao calor ou a ambos os aspectos. A criança, muitas
vezes, não falava as palavras “luz”, “calor”, mas falava que “o sol serve para
iluminar” (nº24), “o sol serve para fazer arco-íris, para não ficar escuro” (nº 27) ou
“se não tivesse sol, a gente estaria congelado” (nº 41) etc.
Na 1ª série, apenas uma criança fez referência a ambos os aspectos,
enquanto todas as demais respostas se referiam apenas ao aspecto luz. Na
segunda série, três crianças se referiam a ambos os aspectos, três se referiam
apenas à luz e uma criança apenas ao calor do sol. Ao todo, na 1ª série,
continuava, portanto, predominando o aspecto luz (7 vezes citado) sobre o
aspecto calor (4 vezes citado). Nas 3ª e 4ª séries, a importância atribuída pelas
crianças a ambos os aspectos era quase igual, com a luz citada apenas uma vez a
mais na 4ª série.
Observa-se, portanto, que na criança mais jovem prevalece o aspecto
visual (luz), sendo este apreensível de forma imediata, em função da própria
vivência com a alternância do dia e da noite. O aspecto calor (cinestésico-
corporal) parece de mais difícil apreensão, tornando-se mais importante a partir da
3ª série.
As crianças das 1ª e 2ª séries relacionaram a importância do sol à
realização de atividades visíveis dos seres vivos, como, comer, enxergar, dormir e
acordar, fazer compras, caçar ou regar as plantas (2 opiniões da 1ª série e 7 da 2ª
série correspondem a esta visão). Consideraram que o sol é indispensável para a
realização destas atividades, portanto, é importante para os seres vivos, neste
sentido.
Isto traz um conflito, pois, embora elas afirmem que os animais
precisam do sol para viver, ao mesmo tempo, admitem que alguns animais não
170
precisam do sol, porque têm hábitos noturnos e enxergam à noite. Assim, algumas
crianças das 1ª e 2ª séries justificaram que morcegos, corujas, aranhas e gatos,
não precisam do sol (nº 1, 5, 9, 13). Na visão de uma criança da 1ª série o peixe, a
terra, as flores e as árvores dispensam o sol (pois não enxergam), como também
o vagalume, que tem luz própria para movimentar-se à noite (nº 23). Na mesma
linha de raciocínio encontrava-se a criança que justificou, que na ausência do sol,
os seres humanos morreriam de fome porque os supermercados não abririam, ou
as plantas morreriam apenas porque deixaríamos de regá-las (nº 24).
A partir da 3ª série não encontramos mais este tipo de pensamento. Ao
contrário, surge a preocupação com processos vitais invisíveis, tais como o
fornecimento de energia, a fotossíntese, a evaporação da água. É também nesta
fase, que algumas crianças começaram a considerar o sol essencial à vida, de
modo geral.
Das 29 crianças que falaram da importância do sol, 9 reconheceram que
este é essencial à vida, sendo apenas uma opinião deste tipo oriunda da 2ª série,
porém 4 da 3ª série e 4 da 4ª série. Observa-se que, na maioria das vezes, a
criança não falou que o sol é essencial à vida, mas consideramos a presença
desta idéia na fala da criança, sempre que esta afirmava, de forma categórica (não
admitindo nenhuma exceção), que sem o sol todos os seres vivos morreriam. Um
exemplo é a criança que não admite que qualquer animal possa sobreviver, sem o
sol, exceto as bactérias (nº 28).
Ao serem indagadas sobre o sol, a maioria das crianças, considerando
as 1ª, 2ª e 4ª séries, citou, num primeiro momento, a importância do sol para o ser
humano (Quadro 1.2.) De 14 afirmações, 11 referem-se primeiramente ao ser
humano e apenas 3 consideram primeiro os animais ou as plantas. Portanto, só
em um segundo momento, essas 11 crianças consideraram a importância do sol
em relação aos demais seres vivos, sendo que esta predominância do fator
humano foi mais marcante na 2ª série (6 para uma que citou primeiro os animais).
A 3ª série representou uma exceção neste item, pois 4 crianças citaram
primeiramente as plantas, uma os animais e apenas 3 crianças priorizaram o fator
humano ao falar da importância do sol.
171
15 crianças reconheceram a importância do sol em relação ao todo em
geral, expressão que escolhemos para classificar as respostas que se referiam ao
ser humano, os animais e as plantas simultaneamente, ou à terra ou ao mundo
como um todo ou à relação entre o meio físico e biológico. Por exemplo, quando a
criança falava que o sol serve “para iluminar a terra” (nº5) ou “para se misturar
com a água e o vento e plantar as plantas” (nº33), estas opiniões foram
classificadas nesta coluna. Observa-se que a maioria das crianças falou de
elementos isolados em algum momento (falou do ser humano ou dos animais ou
das plantas – nº 9) e é preciso ressaltar que a consideração do todo em geral por
uma criança da 1ª série, não exclui a possibilidade de esta mesma criança afirmar
que alguns seres vivos não precisam de água (nº 2). Portanto, o todo em geral
não compreende necessariamente o essencial à vida.
6 crianças falaram da importância do sol em relação ao equilíbrio entre a
seca e a chuva, assim, algumas crianças afirmam que se não houvesse sol, só iria
chover (nº1, 33) ou não choveria, porque o ciclo da água seria interrompido (nº 13,
36).
3 crianças falaram da importância do sol para o crescimento das
plantas. Este item será retomado no Quadro 2, logo abaixo.
8.1.2. A importância da água
Nas entrevistas, 26 crianças falaram da importância da água, sendo que
destas falas colhemos e classificamos 90 afirmações (ver no anexo A.1.2., Quadro
2.1. A função da água; e Quadro 2.2. Para quem a água é importante).
Das 24 afirmações, relativas à importância da água (Quadro 2.1.),
obtidas pelas crianças das 4 séries, 19 se referiram à água para beber. Apenas
cinco crianças pensaram na água como ambiente para o peixe viver, duas
citaram-na como meio para brincar e nadar, mas 7 crianças (5 da 3ª série)
pensaram na utilidade da água para a nossa higiene, ou seja, para tomar banho,
lavar as mãos, lavar os alimentos etc.
A idéia da essencialidade da água para a existência da vida apareceu
172
em uma proporção similar à do sol, pois das 26 que falaram da importância da
água, apenas 9 consideraram-na essencial à vida. É interessante notar que, em
relação ao sol, esta afirmação se concentrou nitidamente nas 3ª e 4ª séries,
enquanto a essencialidade da água foi reconhecida por duas crianças da 1ª série,
duas da 3ª série e 4 da 4ª série. Ao todo, as mesmas 6 crianças reconhecerem,
simultaneamente, a essencialidade do sol (10 crianças ) e da água (9 crianças)
para a vida sobre a terra.
Porém, na 1ª série apareceram, ao lado da essencialidade para vida,
também afirmações de que alguns seres vivos não precisam de água: 2 crianças
disseram que borboleta não precisa de água, pois “só fica voando” (nº1, 2). Esta
visão está relacionada à idéia da água apenas como líquido para beber e não
como elemento essencial aos processos vitais.
O fator beber, na maioria dos casos, referia-se ao ser humano em
primeiro lugar e, como tanto as atividades de nadar e brincar, como a necessidade
da água para a higiene, são características inerentemente humanas, o respectivo
item prevalece nitidamente com 17 respostas (Quadro 2.2.).
Apenas 10 crianças reconheceram a importância da água para o todo em
geral, o que provavelmente está relacionado com o foco na água como recurso
para beber e, quem bebe, na visão da criança, são em primeiro lugar as pessoas e
depois os animais. Embora, quando indagadas neste sentido, a maioria das
crianças reconheça que as plantas precisam ser regadas, elas não julgam este
aspecto tão importante, quanto os outros citados.
No Quadro 2.1. aparece, como no primeiro, a importância da água para o
crescimento das plantas. Este item foi incluído, embora possa parecer pouco
significativo em termos quantitativos (3 afirmações), pois chamou-nos atenção,
que a criança pensou na necessidade da água para o crescimento,
especificamente, desconhecendo as necessidades das plantas, quanto aos
processos vitais, ou seja, quanto ao metabolismo responsável pela manutenção
da vida. Como na importância do sol, a importância da água está associada,
portanto, ao desenvolvimento dos seres vivos e não, simplesmente, à manutenção
da vida. O crescimento é algo observável para a criança, enquanto os processos
173
vitais, não.
8.1.3. As árvores e a vida
Nas mesmas entrevistas, 19 crianças falaram da importância das
árvores, sendo que destas falas colhemos e classificamos 47 informações (ver no
anexo A.1.2., Quadro 3).
No Quadro 3 prevaleceu a visão referente às árvores como casa ou
esconderijo para os animais com 11 opiniões, o que pode estar relacionado ao
fato de a entrevista ter como uma das etapas o agrupamento dos animais que
“moram na floresta”. Porém, precisa ser levado em consideração, que a entrevista
foi estruturada a partir da interação com o pensamento e a atividade da própria
criança. Ou seja, ao elaborarmos a metodologia da entrevista (formulação das
perguntas), observamos que, para indicar o habitat de um animal (conceito que
ainda não domina), a criança fala que os animais “moram” na floresta, que o peixe
“fica” na água. Portanto, na visão da criança, a importância das árvores se
justifica, primeiramente, no sentido de proteger os animais, ou nas falas das
crianças, para permitir que “a onça se esconde atrás de uma folha para poder
caçar” (nº 1) ou “sem as árvores o bicho-preguiça não poderia mais ficar
dependurado no galho” (nº 27).
Em segundo lugar, apareceu, no Quadro 3, a importância das árvores
como instrumento ou produto para o ser humano (10 afirmações) e, em terceiro
lugar, o item em que a sua importância é devida à produção de oxigênio ou ar
puro, aspecto citado por 9 crianças. Observa-se, neste momento, que, embora a
entrevista não visava indagar sobre a importância do oxigênio, apareceu na fala
de 4 crianças (das 1ª, 2ª e 3ª séries) a afirmação de que o oxigênio é importante
para o ser humano. Ou seja, as árvores, na visão das crianças mais novas,
servem para “fazer ar para a gente” (nº 9, 25) ou ela diz, “sem árvores a gente não
ia poder viver, pois a gente respira pelas plantas” (nº 27). Esta opinião convive, ao
mesmo tempo, com a afirmação de que, sem árvores sobre a terra, “os
passarinhos não poderiam mais fazer seus ninhos [...], alguns bichos não
174
poderiam mais subir na árvore para se defender [...]"(nº 27).
Portanto, mais uma vez, torna-se evidente que a afirmação feita por
uma criança de que as plantas são importantes porque produzem oxigênio, não
significa que ela considere-as essenciais à sustentação da vida, no mesmo
sentido em que os adultos o entendem. Voltaremos, em momento oportuno, à
discussão do significado da palavra vida para as crianças.
7 afirmações das 19 crianças que falaram das árvores, referem-se à
idéia da natureza, como um todo harmônico, belo e intocável, sendo que estas
crianças justificaram a importância das árvores com base neste tipo de argumento.
É fundamental ressaltar que este argumento foi mais freqüente na 1ª série, em
que das 5 crianças que falaram da importância das árvores, 3 disseram que as
árvores não podem ser retiradas porque “a árvore é natureza” (n º 3) ou “a árvore
faz parte da natureza” (nº 1) ou “a floresta serve para ter natureza, para ficar
bonito” (nº 8). Uma criança da 2ª série imaginou a terra sem florestas e disse:
“pode ter a terra sem florestas, mas as paisagens ficam frias, ia ser uma vida difícil
para as pessoas e para a terra” (nº 24).
Isto nos revela que, na ausência da compreensão exata da
interdependência entre os seres vivos, ao invés de focalizar as relações entre os
mesmos, a criança considera o todo, a natureza, atribuindo-lhe um significado
quase sagrado, considerando-a intocável. Este é um dado que deverá ser
considerado na reflexão sobre quais as visões de mundo e valores que devem e
podem ser cultivados na escola (e em respeito a cada faixa etária), a fim de
nortear o comportamento e as atitudes dos jovens em relação ao meio ambiente.
Analisando, pois, a compreensão das crianças em relação ao conceito
de ser vivo e a essencialidade dos elementos sol, água e plantas para a
sustentabilidade da vida, observamos-se várias particularidades.
Em primeiro lugar, chamou-nos atenção de que as crianças não
utilizaram o termo “vida”, para dizer da importância destes elementos.
Principalmente, as crianças mais jovens (1ª e 2ª série) demonstraram não ter
consciência da essencialidade destes elementos para os seres vivos, associando
aqueles a fatores visíveis (movimento, atividades) que impedem a morte de
175
pessoas, animais ou plantas, mas não aos processos vitais invisíveis (respiração,
metabolismo do organismo vivo etc.).
Neste sentido, as crianças se contradiziam, pois ao mesmo tempo, em
que falavam da importância de algum elemento para determinado ser vivo, não a
percebiam para os demais seres vivos. As crianças que admitem que alguns
animais podem sobreviver sem sol ou sem água, evidentemente, não percebiam a
essencialidade desses fatores ambientais para garantir a existência da vida sobre
a terra, mesmo que, em algum momento, tivessem afirmado que o sol era
importante para os seres vivos.
Parece que as crianças não possuem uma visão biológica da vida, mas
associam algumas manifestações observáveis dos seres vivos ao fato de serem
considerados vivos e, quando estas são relacionadas ao ser humano, consistem
em atividades tipicamente sócio-culturais e não biológicas.
Comparando as respostas das diversas séries, conclui-se que a grande
maioria das crianças não possui um conceito biológico de vida até a 3ª ou 4ª série,
quando acontece uma mudança nítida na visão da criança (maior número de
crianças considera a essencialidade desses elementos para a vida).
Mas, ainda assim, muitas respostas das crianças de 3ª e 4ª série não
demonstram uma compreensão mais profunda dos processos biológicos que
sustentam a vida, ao contrário, as falas parecem, às vezes, uma mera repetição
de afirmações feitas pelos adultos. Portanto, mesmo entre as crianças mais
velhas, a opinião de que algo é imprescindível para a vida das pessoas (como a
“árvore que faz ar para a gente”), não exclui a possibilidade de imaginar os demais
seres vivos sobrevivendo, sem a existência deste componente.
Deste ponto de vista, pode-se afirmar que as crianças, de modo geral,
não explicitaram a relação dos meios biótico e abiótico, como pressuposto para a
existência da vida. Não demonstraram, pois, ter uma visão sistêmica da terra, mas
demonstraram perceber a relação destes fatores de forma fragmentada, atendo-se
apenas aos aspectos visíveis das interações entre os meios biótico e abiótico.
Apesar disso, as crianças são capazes de perceber a natureza como um todo,
sendo esta uma compreensão intuitiva.
176
8.1.4. A cadeia alimentar
As 30 crianças entrevistadas falaram sobre cadeia ou teia alimentar,
envolvendo animais e plantas. Destas falas colhemos e classificamos, ao todo,
148 informações (ver no anexo A.1.2., Quadro 4.1. Alimentação e relações e
Quadro 4. 2. Cadeia alimentar envolvendo apenas animais)
Na fase experimental da entrevista (dezembro, 2003), ao perguntarmos
as crianças o que acontecia entre os animais agrupados de acordo com a
organização das suas cartelas, percebemos que as mesmas, na maioria das
vezes, focalizavam espontaneamente as relações predatórias entre os animais.
Ou seja, parece muito fácil, para a criança, raciocinar em termos de quem come
quem na floresta.
Apesar desta constatação, não usamos este vocabulário, como
esclarecemos no capítulo que descreve a aplicação da entrevista, mas
perguntamos o que acontece entre os animais que moram nas árvores e na sua
proximidade.
Constatamos, nas respostas das crianças apresentadas no Quadro 4.1.,
que 18 delas, isto é, 60% das crianças deram ênfase imediata a algum tipo de
relação predatória entre animais. Neste caso, a visão da criança está voltada para
a atividade do predador, ou seja, do animal que mata e come outro animal, sendo
a presa mera vítima. A presa não é vista como elemento que alimenta um outro
ser vivo, um elemento que fornece a energia necessária à sobrevivência de um
animal. Várias crianças citaram primeiramente a onça ou a cobra, pois as
consideram predadores mais vorazes.
Apenas duas crianças (da 2ª série) afirmaram, em um primeiro momento,
que não acontece nada entre os animais. Como, por exemplo, a criança que, ao
ser indagada sobre a relação entre os animais da floresta, afirmou que “um não
mexe com o outro” (nº 23). 3 crianças citaram espontaneamente atividades,
realizadas por animais, não relacionadas à alimentação, como “os insetos ficam
andando pela árvore” (nº 49) ou “ o pássaro pega a fruta, joga a semente e nasce
uma árvore na floresta” (nº 33).
177
25 crianças citaram algum tipo de animal que se alimenta de produtos
oferecidos pelas plantas: folhas, sementes, frutas, são os citados pelas crianças.
Nas 1ª e 2ª séries, 2 crianças afirmam que há animais que comem pessoas
(cobras e onças). 3 crianças da 2ª série afirmam que algum animal come um tipo
de alimento oferecido pelo homem, como, por exemplo, a mesma criança que
acha que não acontece nada entre os animais, afirma que “pássaro come alpiste”
(nº 17), como também a criança que inicialmente falou sobre os animais que “um
não mexe com o outro” , sustenta neste momento que a “onça come bife” (nº 23).
Podemos constatar que não surge este tipo de raciocínio nas 3ª e 4ª séries.
Em todas as séries, há casos em que animais carnívoros são
considerados herbívoros e vice-versa (7 opiniões ao todo). Uma criança da 2ª
série afirma que o cogumelo não precisa comer, porque “ele fica que nem uma
estátua” (nº 23). Em outras palavras, o que não se mexe, tampouco precisa se
alimentar.
Analisando o Quadro 4.2. percebemos que, ao todo, 12 crianças
conseguiram formar uma teia, envolvendo sete ou mais animais representados
nas cartelas. É interessante notar que, embora a teia apresente maior
complexidade, 2 crianças (de um total de 6 crianças) da 1ª série e 3 (de um total
de 8 crianças) da 2ª série formaram teias completas.
Quando apresentada dentro de uma teia, a relação simples A – B,
significando que A come B (ou A se alimenta de B), não foi contada na
classificação, pois a relação A - B foi considerada apenas quando aparecia de
forma isolada. Mesmo assim, a relação simples A – B é a que aparece com maior
freqüência, citada pelas crianças 19 vezes. Em quantidade quase igual, sendo
registrada 17 vezes, segue a relação A – B – C, que significa que A se alimenta de
B que se alimenta de C. É interessante notar que 4 das seis crianças
entrevistadas na 1ª série estabeleceram este tipo de relação.
A relação A – B – C – D, que significa A se alimenta de B que se
alimenta de C que se alimenta de D, aparece com menos freqüência, sendo citada
por, respectivamente, uma criança da 1ª e uma da 2ª série, além de ser esta
relação estabelecida por 5 crianças das 3ª e 4ª séries, perfazendo um total de 7
178
ocorrências.
A relação de reciprocidade, em que A pode se alimentar de B, ao mesmo
tempo em que B pode se alimentar de A, também parece de mais difícil apreensão
para as crianças mais jovens. Apenas uma criança da 1ª série fala deste tipo de
relação e nenhuma da 2ª série, ao passo que 5 crianças das 3ª e 4ª séries citam
esta possibilidade entre os animais.
Os últimos itens apresentados no Quadro 4.2. referem-se à compreensão
de que há animais que são presas de muitos (3 ou mais) outros animais (por
exemplo, os insetos) e que há animais que são predadores de muitos (3 ou mais)
outros animais (por exemplo, as cobras). Evidencia-se, nas respostas das
crianças, que na 1ª série está mais presente a idéia do predador que come muitos
outros bichos, inclusive o homem. 4 das 6 crianças entrevistadas nesta série
falaram da onça ou da cobra neste sentido. Assim, temos afirmações, como “a
cobra pode comer um animal inteiro: capivara preguiça, peixes, pássaros” (nº 5)
ou “as cobras comem carne, [...] elas comem todos os animais, menos o sapo e a
rã que são venenosos” (nº 1). A ênfase, nestas afirmações, recai não sobre o
aspecto da alimentação, mas sobre a agressividade do animal predador, num
misto de admiração e temor.
Ao todo, 14 crianças citaram este tipo de relação entre animais, porém
na 4ª série este item foi menos relevante (2 opiniões).
O estabelecimento de uma presa para muitos predadores aparece só em
uma fala na 1ª série, em 3 falas da 2ª série e em 4 falas respectivamente nas 3ª e
na 4ª séries, perfazendo um total de 12 exemplos apresentados pelas crianças
entrevistadas. Em todos os 12 casos apresentados, os insetos representam a
“presa universal”, servindo de alimento para 3 ou mais predadores. Aliás, os
insetos aparecem como presa de vários animais em todas as entrevistas
realizadas. Este aspecto é importante, para compreendermos, que papel as
crianças atribuem aos insetos na natureza.
Com base nestes dados, constatamos que a maioria das crianças possui
bastantes informações a respeito dos animais, reconhecendo-os pelo nome (só a
capivara e o bicho-preguiça causaram dúvidas), fazendo observações
179
espontâneas sobre o seu comportamento e seus hábitos. Só um pequeno número
de crianças teve dificuldade em perceber os animais nas suas relações com os
demais e, quase todas as crianças, conseguiram dar informações referentes à
vida selvagem dos animais, excluindo deste âmbito a interferência do homem
(visão do animal na natureza).
Percebe-se que as crianças se atêm às relações ativas entre os animais
(quem come quem), sendo que nas crianças menores há uma forte identificação
emocional (medo, nojo, admiração), ora com a presa (vítima), ora com o predador
(agressor). As crianças mais velhas possuem uma visão mais objetiva destas
relações, porém, em todas as séries predominou nitidamente o aspecto ativo das
relações em detrimento do aspecto passivo, ou seja, da ação visível entre os
seres vivos em detrimento da passagem da energia (fenômeno invisível) de um
nível trófico para o outro.
Todas as crianças foram capazes de estabelecer vários tipos de relações
entre os animais, inclusive, em cada série, surgiram teias de maior complexidade.
Portanto, não se pode afirmar de forma generalizada, que houve um aumento da
complexidade das relações com o avanço das séries, ao contrário, há uma
evidência de que, em todas as séries, predominaram as relações lineares simples,
do tipo A – B e A – B – C. As relações de reciprocidade, em que presa é predador
e predador é presa simultaneamente, foram as menos freqüentes.
Quase todas as crianças estabeleceram uma ou mais relações entre
animais e plantas (estas últimas como alimento) e nenhuma criança descreveu
espontaneamente alguma relação de cooperação entre animais.
8.1.5. A retirada de animais na natureza
As 30 crianças entrevistadas falaram sobre A retirada de animais da
natureza. Destas falas colhemos e classificamos, ao todo, 114 informações (ver no
anexo A.1.2., Quadro 5).
Interessa-nos descobrir, nesta fase da entrevista, como a criança
compreende a relação entre os elementos das cadeias alimentares ou da teia, que
180
ela mesma representou, na fase anterior (Quadro 4). Em outras palavras, o que
significa, por exemplo, para a criança a relação (predador – presa) A – B – C - D,
representada pela organização específica das cartelas, quando ela explica que A
come B que come C que come D?
Para compreendermos melhor o significado destas relações para a
criança, perguntamos o que aconteceria se retirássemos um dos elementos
(escolhemos na hora da pergunta um elemento-chave da cadeia ou teia montada
por ela). Observa-se que não perguntamos todas as crianças em relação a todos
os elementos, mas escolhemos os elementos-chave da cadeia ou teia montada
por cada criança. Assim, na linha dos insetos temos o maior número de respostas
(40), em seguida, temos rãs e sapos (32), cobras (18), onças (14) e outros animais
(10), de acordo com a importância atribuída a estes animais nas teias das
crianças.
Obtivemos o maior número de respostas (25 opiniões) na coluna em que
a retirada de um animal é percebida como algo que afeta negativamente um tipo
de animal. Como as crianças demonstraram uma forte tendência em focalizar o
ato do predador, ou seja, do animal que come outro bicho (como foi explicado no
Quadro 4.1.), a perda de um animal foi associada diretamente ao prejuízo de um
determinado predador (que chamaremos de predador imediato), que, na opinião
das crianças, fica sem comer, morre de fome, precisa procurar outra coisa para
comer ou deixa de ter filhotes. O maior número de repostas, nesta coluna,
concentra-se, portanto, na linha dos insetos (14), pois estes foram identificados
como a “presa universal” pelas crianças (em todas as entrevistas os insetos foram
a presa de um ou mais animais e 12 crianças conseguiram estabelecer três ou
mais predadores para os insetos).
A coluna em que a retirada de um animal afeta positivamente um tipo de
animal (22 opiniões neste sentido), refere-se à idéia de que, ao retirar um
predador, a presa (que chamaremos de presa imediata), nas palavras das
crianças, não é mais comida, fica feliz ou aumenta em número. Como o sapo foi
considerado o “predador universal” dos insetos (ou da mosca) por quase todas as
crianças, aparecendo esta relação em 27 entrevistas, é na retirada deste elemento
181
que o impacto positivo para a presa é percebido por mais crianças (10). Também
na retirada da cobra, predador importante, o impacto positivo para um outro animal
é percebido por 7 crianças.
Na 1ª série a retirada dos insetos, embora relacionada com o prejuízo do
predador, não é percebida imediatamente, pelas crianças, como algo que gera
desequilíbrio na natureza, ou que desencadeia a morte de vários tipos de animais.
O fator permanece isolado, enquanto, na 2ª série, a retirada dos insetos é
associada à morte de vários tipos de outros animais (4 opiniões neste sentido).
Nas 3ª e 4ª séries, respectivamente 6 e 4 crianças associam a retirada dos insetos
à morte de vários tipos de outros animais e 1 criança de cada série acrescentou
que geraria um desequilíbrio na natureza.
Na 1ª série, a retirada dos insetos é considerada bom para o ser humano
ou para si por apenas uma criança (porque não gosta de formigas – nº 8) e
negativo (como algo que prejudica o ser humano) por outra (“as galinhas não
botariam mais ovos” – nº 9). Uma criança da 2ª série acha que os insetos fariam
falta para o homem, apenas porque não teria mais o mel das abelhas (nº 47).
Na 2ª série uma criança afirmou que a retirada dos insetos teria as
seguintes conseqüências: “Alguns animais iam morrer, iam ficar só alguns na
terra. O passarinho vai morrer, a onça e os outros animais, porque os animais que
comem animais que comem animais que comem insetos vão morrer e, depois, a
gente vai morrer” (nº 24).
Uma outra criança afirmou que, embora a retirada dos insetos
desencadearia a morte de muitos animais, não afetaria a gente (“porque a gente
come carne” - nº 14); e uma criança considerou que, sem os insetos seria melhor,
porque são uma ameaça para o ser humano (“tem insetos que podem matar a
gente, são grandes e podem pegar a gente por trás” – nº 20), mas depois se
retificou e disse que isto acontece apenas, quando insetos entram nas nossas
casas, enquanto na natureza devem permanecer.
Na linha referente à retirada dos sapos e rãs, observa-se que a
percepção do prejuízo para o ser humano foi um pouco mais nítida (do que na
retirada dos insetos), tendo 6 opiniões, neste sentido, apenas uma da 1ª série,
182
porém, duas da 3ª e três crianças da 4ª série, embora ainda 4 crianças (2
respectivamente da 1ª e da 2ª série) considerassem que a perda destes animais
não afetaria o ser humano de forma alguma.
Observa-se que as crianças que percebem o prejuízo da perda de um
animal para o predador imediato (25) ou para a presa imediata (23), não
necessariamente percebem o prejuízo desta perda em relação a outros animais, à
natureza (ecossistema) como um todo, nem em relação ao homem que faz parte
deste todo. Temos, portanto, um total de 48 afirmações (de um total 113 ou 42%)
referentes ao prejuízo para um predador ou uma presa imediatos, mas apenas 17
crianças perceberam o desencadeamento da morte de muitos animais em
decorrência da retirada de um animal (17 afirmações entre 113 ou 15%); e temos
16 respostas, em que a criança não especificou o tipo de prejuízo causado, mas
deixou claro que ela acha que não se deve retirar nenhum elemento, porque seria
ruim para a natureza. Somando estes dois tipos de respostas (contidas nas
últimas duas colunas do Quadro 5) temos um total de 33 afirmações (ou 29%),
que podemos chamar de conseqüências mediatas ou indiretas, de maior
abrangência.
O fato de prever o desencadeamento da morte de vários animais (17
afirmações), não garante que a criança perceba nisto, necessariamente, uma
conseqüência negativa para o ser humano, correspondência esta que só foi
explicitada por 2 crianças (das 1ª e 2ª séries). Porém, das 16 crianças que
afirmam que a retirada de um animal seria ruim para a natureza, 4 sustentam que
isto afetaria também o ser humano (nº 1, 2, 19, 39) e só uma criança da (1ª série)
afirma que isto não afetaria o ser humano (nº 14).
Todas as afirmações feitas pelas crianças, que contêm a idéia de que a
retirada de um animal favorece um tipo de presa, foram classificadas na coluna
afeta positivamente um tipo de animal. Pois, analisamos o seguinte: se a criança
considera que, ao retirar os sapos, “os insetos ficam felizes” ou, se ela diz que “vai
ter muitos insetos”, mas não relaciona este fato com outras conseqüências (em
relação ao equilíbrio na natureza, a outros seres vivos ou para o ser humano),
estas respostas não diferem qualitativamente, razão pela qual foram classificadas
183
na mesma coluna.
Apenas em duas falas (nº 29, 41) identificamos que as crianças
perceberam na perda de um tipo de animal, ao mesmo tempo, uma conseqüência
“positiva” (para a presa) e uma conseqüência “negativa” (para o predador). É
importante ressaltar este aspecto, considerando que as perguntas foram feitas
com base nas cadeias e teias construídas pelas crianças, sendo que no Quadro
4.2. apresentamos o grande número de crianças que estabeleceram relações do
tipo A – B – C (17), A – B – C – D (7) e teias com no mínimo 7 animais (n°12). Isto
nos mostra que a criança, normalmente, focaliza a atenção no predador (mais
freqüente) ou na presa (menos freqüente), tendo mais dificuldade para perceber
um mesmo animal como predador e presa, ainda que esta situação esteja
representada pelas cartelas utilizadas.
Algumas crianças identificaram estas conseqüências inversas e
concomitantes em relação à retirada de um animal, mas apenas quando levada a
pensar sobre isto passo a passo, através de perguntas direcionadas, assim, por
exemplo: (nº 28)
Entrevistadora - O que aconteceria, na sua opinião, se tirássemos todos
os sapos e rãs?
Criança - Alguns peixes iriam morrer; tem peixes que comem rãs e insetos.
E - O que aconteceria com os insetos se tirássemos os sapos e as rãs?
C – Ia ser bom para os insetos!
E – E para a gente, como seria?
C – Ruim, porque ia aumentar muito a quantidade de insetos.
Estas respostas foram classificadas separadamente nas duas colunas,
respectivamente, em afeta positivamente um tipo de animal e afeta negativamente
um tipo de animal, sendo que colhemos 6 respostas deste tipo junto as 3ª e 4ª
séries.
Observa-se, portanto, que das 30 crianças entrevistadas, apenas duas
(da 1ª e 2ª séries) afirmaram que a retirada de algum animal não tem qualquer
conseqüência negativa e, isto, apenas em relação a animais, que causam
sentimentos negativos nestas crianças (sapo, onça). Talvez pelo fato de a retirada
184
de animais ter sido apresentada de forma contextualizada (com base nas cadeias
ou teia alimentares montadas pela própria criança), praticamente todas as
crianças identificaram algum tipo de impacto causado por esta retirada.
Além disso, quase todas as crianças foram capazes de citar, em algum
momento, conseqüências positivas e negativas, variando de acordo com o animal
retirado e as perguntas a ele dirigidas. O mais comum era que cada pergunta fazia
a criança lembrar um tipo de conseqüência imediata.
Porém, apenas aproximadamente a metade das crianças percebeu os
impactos em um nível de maior complexidade ou em relação ao todo, neste último
caso, sem especificar as relações inerentes.
O ser humano foi tratado, por muitas crianças, como algo a parte do
todo, ora atingido de forma direta e exclusiva, ora representando o único a não ser
atingido pelos efeitos causados pela retirada de um animal da natureza.
Desenhando um panorama geral das respostas, chama atenção de que
das 49 informações colhidas e classificadas junto as 1ª e 2ª séries, 11 respostas
ou 24% se encontram em uma das duas primeiras colunas (é bom para a gente/
para si e não prejudica o ser humano); há 6 respostas ou 12% na terceira coluna,
em que a criança considerou que a retirada de um animal prejudica o ser humano;
e 13 respostas ou 27% estão nas duas últimas colunas, em que a criança prevê a
morte ou o aumento de vários tipos de animais ou um desequilíbrio para a
natureza.
Nas 3ª e 4ª séries, temos um total de 65 informações colhidas e
classificadas, sendo que apenas 1 resposta ou 1,5% nas duas primeiras colunas
(é bom para a gente/ para si e não prejudica o ser humano); há 10 respostas ou
15% na terceira coluna (prejudica o ser humano) e 19 respostas ou 29% estão nas
duas últimas colunas (morte ou o aumento de vários tipos de animais ou um
desequilíbrio para a natureza). Evidencia-se, portanto, que as crianças mais
velhas possuem uma compreensão diferenciada e qualitativamente mais elevada,
em relação à complexidade de um ecossistema, enquanto as crianças mais
jovens, aparentemente, demonstram uma tendência em captar apenas as relações
diretas e localizadas.
185
Mas, algumas crianças mais jovens também nos surpreenderam com
reflexões profundas e a percepção de efeitos abrangentes (veja nº24); e várias
crianças, embora não pudessem explicar exatamente o porquê, tiveram a intuição
do prejuízo que a retirada de um tipo de animais poderia causar para a natureza,
demonstrando que percebem-na como um todo integrado e de alguma forma
intocável.
8.1.6. As pedras e a vida
Nas entrevistas, 21 crianças falaram do elemento pedras, sendo que
destas falas colhemos e classificamos 47 informações (ver no anexo A.1.2.,
Quadro 6).
Ao perguntarmos às crianças para que servem as pedras, mostrando
uma cartela com pedras grandes e pequenas, esperamos que elas fizessem
alguma referência a diversas formas de aparecimento do elemento rocha no seu
ambiente conhecido. Porém, chamou-nos atenção de que a criança não associa
espontaneamente pedra –rocha – montanha – planeta terra, nem pedra – brita –
areia- poeira, com algumas exceções.
Assim, 2 crianças citaram a possibilidade de transformar as pedras em
areia ou pedras menores e 3 crianças aproximaram-se da idéia de que as pedras
são um elemento essencial à constituição do planeta terra, expressando os
seguintes pensamentos: As pedras fariam falta, porque “são um componente da
natureza, por todo mundo tem pedras, até na China” (n 5º). Ou, imaginando o
mundo sem pedras, “[...] para as represas seria ruim. Para as cavernas também,
pois não existiriam. O vulcão, quando a lava congela, vira pedra. Se não existisse
vulcão, a terra seria gelada (nº 37). E “as pedras servem para o mar, para
separar”, (e se as pedras deixassem de existir?), fariam falta “para a gente pisar”
(nº 28).
A mesma visão, discutida no final do Quadro 3 em relação à função das
árvores, aparece em relação às pedras, sendo que no Quadro 6 constam 3
crianças que sustentam a importância das pedras simplesmente porque são
186
bonitas, ou porque fazem parte da natureza.
Uma idéia que se aproxima à concepção científica das pedras como
elemento constitutivo do planeta e parte do ciclo das rochas, temos a opinião de
10 crianças que ressaltam a importância das pedras como barreira natural da
água em cachoeiras e rios. Assim, as crianças manifestaram a opinião de que “as
pedras servem para colocar na água, porque senão ia sair água para tudo quanto
é lado” (nº 23).
Observa-se que quase a metade das crianças estabeleceu uma relação
entre as pedras e a água, o que pode ter ocorrido pelo fato de que a gravura
apresentada mostrava pedras grandes e pequenas arredondadas com um pouco
de água respingando (quase imperceptível!), sendo que esta imagem pode ter
remetido o pensamento das crianças diretamente às cachoeiras, rios etc. Outra
explicação pode ser o fato de esta pesquisa ter sido realizada numa cidade
litorânea, banhada por vários rios, onde grande parte da paisagem é dominada por
praias (algumas partes têm pedras), rios e cachoeiras; portanto, a vivência das
crianças com a natureza pode estar intimamente relacionada a este tipo de
ambiente.
8 crianças consideraram a importância das pedras para que pessoas ou
animais possam se segurar. Esta idéia está relacionada quase que
exclusivamente à imagem das pedras na água (cachoeira, rio) e uma criança
afirma, por exemplo, que “sem as pedras, se uma pessoa estiver se afogando, ela
não vai conseguir se segurar” (nº 23) ou, uma outra diz que, “sem pedras o rio ia
correr muito rápido, a gente ia ficar tonto e morrer” (nº 24).
Ainda 7 crianças reconhecem nas pedras uma utilidade para o homem,
como instrumento de trabalho, para fazer fogo, construir coisas etc. 7 opiniões
referem-se aos animais, que precisam das pedras como esconderijo (cobras,
lagartos e outros).
Percebe-se que as pedras, em todos esses aspectos, são consideradas
de forma isolada, como objetos colocados sobre a terra, podendo ser deslocadas,
retiradas, utilizadas ou substituídas. Exceto nas três afirmações apresentadas no
início da discussão do Quadro 6 (em que identificamos a compreensão do
187
elemento pedras como componente essencial à constituição do planeta terra), as
crianças não estabelecem uma relação entre as pedras e suas outras formas de
ocorrência na natureza (rocha, areia, montanha etc.), percebendo cada coisa
como um elemento isolado.
Enfim, observamos que o ciclo da rocha é desconhecido pelas crianças
das séries iniciais do ensino fundamental. Justifica-se, portanto, a pouca
importância que muitas crianças atribuíram às pedras, sendo que 5 afirmações
defendem que as pedras não têm utilidade alguma, considerando-as inteiramente
dispensáveis, e duas opiniões manifestam falta de conhecimento para dar
qualquer justificativa para a existência das pedras.
As pedras, para a grande maioria das crianças entrevistadas,
permanecem um elemento solto, jogado por cima do planeta, cuja existência
parece não ter grande valor para os seres vivos. Para perceber uma relação entre
os elementos rocha-pedra-areia, falta, provavelmente, às crianças a noção de
transformação, processo pelo qual passam todos os materiais na natureza e cuja
compreensão é fundamental para apreender os princípios que regem os ciclos da
matéria em um ecossistema.
Podemos concluir que a relação entre o meio abiótico e o biótico
consiste, para as crianças mais jovens (1ª e 2ª séries), de um lado, na oferta por
parte do meio físico (incluindo ou não as plantas) de alimento a ser ingerido pelos
seres vivos e, de outro lado, na função do meio físico como casa (esconderijo,
proteção) para os seres vivos. A criança desconhece os processos biológicos que
sustentam a vida, tampouco pode pensar no ciclo dos minerais, como aspecto
essencial para a compreensão da interação dos meios biótico e abiótico.
8.1.7. Os fungos e a vida
23 crianças falaram dos fungos ou cogumelos, sendo que destas falas
colhemos e classificamos 36 informações (ver no anexo A.1.2, Quadro 7).
Utilizamos os dois nomes fungos e cogumelos, sabendo que,
vulgarmente, os fungos são conhecidos como cogumelos, apesar de que estes
188
são apenas um pequeno grupo deste imenso reino na classificação dos seres
vivos. Não sendo vegetais (pois são heterótrofos), nem animais, como seriam
compreendidos, quanto à sua função na natureza, pelas crianças? Elas os
associam ao ciclo da matéria ou não? Quais os conhecimentos que possuem
acerca deste ser vivo?
Em 11 respostas as crianças consideraram que este elemento é um
alimento para pessoas, em 7 falas foi considerado um alimento para diversos
animais; e algumas crianças (8 opiniões) disseram que cogumelos são venenosos
ou que alguns são venenosos. Em 2 respostas este elemento foi considerado um
mero enfeite e em 1 resposta um esconderijo para pequenos animais. 2 crianças,
respectivamente, das 1ª e 2ª séries disseram que os cogumelos não servem para
nada, enquanto 2 crianças, respectivamente, das 3ª e 4ª séries disseram que não
sabem para que servem. Apenas 3 crianças, sendo uma de cada série,
respectivamente, da 1ª, da 3ª e da 4ª série, associaram a presença do cogumelo à
podridão ou destruição da madeira.
Resumindo, podemos afirmar que, ao falar dos fungos, as crianças
pareciam mais inseguras e é bem provável que, muitas vezes, simplesmente
“inventaram” qualquer resposta. Isto é, criaram uma afirmação nova a respeito de
um fenômeno sobre o qual não possuíam nenhuma informação concreta.
Portanto, inventar neste sentido, não equivale a mera adivinhação, pois inventar e
afirmar uma nova idéia (nova para a criança), não quer dizer que não tenho havido
o uso de critérios para tal. Ou seja, quando, por exemplo, a criança considera o
fungo um alimento para pássaros, esta afirmação pode parecer mera adivinhação,
porém, por trás disso, há uma idéia de que o fungo é uma planta, ou de que é
como uma planta. Considerando que os processos cognitivos das crianças são tão
lógicos, quanto os nossos, as “meras invenções” podem adquirir um significado
todo especial.
189
8.1.8. As bactérias e a vida As 30 crianças entrevistadas falaram das bactérias, sendo que, destas
falas, colhemos e classificamos 61 informações (ver no anexo A.1.2., Quadro 8).
Este é o único elemento não visível ao olho nu que apresentamos para
as crianças, através de uma gravura com bactérias vistas no microscópio.
Queríamos ver o que as crianças pensam e sabem a respeito das bactérias.
Neste item, as respostas foram mais nitidamente polarizadas, sendo que
das 61 informações colhidas a respeito das bactérias, 25 se referem às bactérias
como um elemento que traz doenças, mata ou prejudica ser humano e/ou os
animais. Além disso, dessas crianças, 9 afirmaram que as bactérias não servem
para nada, sendo dispensáveis, 1 criança (nº 23) afirma que apenas algumas são
boas ou úteis. Ao todo, 6 opiniões foram emitidas, considerando que algumas
bactérias são benéficas, sendo 4 afirmações de crianças da 4ª série.
2 crianças disseram que não sabem para que servem as bactérias e 3
crianças deixaram claro que elas são sinônimo de sujeira. É importante ressaltar
que foram feitas 13 afirmações no sentido de que as bactérias são encontradas na
terra. Esta visão deverá ser considerada em momento oportuno, para
compreendermos melhor as dificuldades que podemos encontrar, ao realizar
projetos didáticos voltados para a educação ambiental, que envolvem trabalhos
diretos com a terra.
Neste caso, percebemos que as crianças possuem “preconceitos”
contra as bactérias, e estes são muito bem compreendidos, quando se leva em
consideração, como na nossa sociedade os adultos tentam transmitir as primeiras
noções de higiene para as crianças. Porém, o que julgamos importante notar, é
que as crianças admitem (e até defendem a sua necessidade) a retirada completa
de um elemento da natureza. Ou seja, elas possuem a idéia de que algum
elemento da natureza pode ser exclusivamente prejudicial e não ter outra função a
não ser destruir. As bactérias, para muitas crianças (principalmente as mais
jovens), são o mal que deve se combatido.
190
8.1.9. O ciclo das plantas
24 crianças falaram da importância da flor, sendo que, destas falas,
colhemos e classificamos 66 informações (ver no anexo A.1.2., Quadro 9.1.).
Em 21 falas, a flor foi considerada fonte de alimento para os insetos. Em
16 falas, ela é vista como enfeite para a natureza ou como parte da árvore, tendo
uma função mais decorativa, no sentido de compor a paisagem natural. 1 criança
da 2ª série disse que “a flor faz companhia para a árvore” (nº 4). 10 crianças
consideraram que as flores podem servir, também, de esconderijo para pequenos
animais.
Mas nesta tabela, o que chama mais nossa atenção, são os itens menos
citados. Assim, 4 crianças associaram a flor à produção do oxigênio, igualando-a à
planta como um todo, apesar de ter- lhe sido apresentada a gravura de uma flor
isolada.
3 crianças da 1ª série e 1 da 2ª série disseram que a flor faz a árvore
crescer ou que a flor vira árvore. 1 criança, ao ser indagada, como a flor vira
árvore respondeu: “ela vai aumentando” (nº 22). 2 crianças da 3ª série e 1 da 4ª
série disseram que a flor faz as sementes e/ou os frutos. Apenas 1 criança da 2ª e
1 criança da 3ª série associaram a flor ao processo de polinização, explicitando a
função reprodutiva da flor.
21 crianças falaram da importância da semente, sendo que destas falas
colhemos e classificamos 41 informações (em anexo quadro 9.2.)
Das 41 informações colhidas junto às crianças, 17 referem-se à semente
como o elemento que vira uma árvore ou uma flor, sendo que, como foi visto
anteriormente, algumas crianças confundem os termos árvore e flor, não tendo um
conceito exato destes. Em 10 falas, a semente é considerada alimento de animais.
Enquanto parece fácil para as crianças dizerem, qual será o destino das
sementes, elas demonstram, de modo geral, uma certa dificuldade em apontar a
origem das sementes. 2 crianças da 1ª série e 1 da 4ª série falaram que as
sementes vêm da terra ou da natureza. 4 crianças disseram, respectivamente, que
as sementes vêm da árvore ou da fruta e, apenas 1 criança associou a origem das
191
sementes à flor (semente vem da flor). 1 criança da 3ª afirmou que os pássaros
espalham as sementes, e 1 criança da 4ª série disse que os insetos podem ajudar
a espalhar as sementes.
24 crianças falaram da Relação flor - insetos, sendo que, destas falas,
colhemos e classificamos 34 informações (em anexo quadro 9.3.).
Analisando todas as falas relacionadas às plantas e insetos,
conseguimos extrair a seguinte compreensão das crianças, no que diz respeito à
relação entre as flores e os insetos: 20, das 34 informações colhidas, deixaram
clara a idéia das crianças, de que os insetos se beneficiam das plantas. Porém,
apenas 4 crianças , oriundas da 3ª e da 4ª série, julgaram que os insetos possuem
alguma importância para as plantas (as plantas precisam dos insetos).
5 crianças afirmaram que as plantas não precisam de insetos, enquanto
1 criança não percebe relação alguma entre flores e insetos; e 4 crianças admitem
que há uma relação, mas não sabem especificar em que consiste.
Em resumo, observa-se que, além de confundir os termos flor, planta e
árvore, a maioria das crianças desconhece o ciclo das plantas com flores. Ao
contrário, sabem de fatos isolados em relação às plantas (semente que nasce,
inseto que visita a flor, etc.), mas, parece que nunca pensaram sobre a
reprodução das plantas, como processo que caracteriza os seres vivos.
A flor, pois, é vista como alimento para animais ou parte da natureza e,
muitas vezes, tem a simples função de embelezar o ambiente. A grande maioria
das crianças considera que apenas os insetos se beneficiam das plantas, mas só
4 crianças (2 da 3ª e 2 da 4ª série) afirmaram que os insetos são importantes para
as plantas.
8.1.10. O ciclo da matéria orgânica
Nas entrevistas, 24 crianças falaram do Ciclo da matéria, sendo que
destas falas colhemos e classificamos 83 informações (ver no anexo A.1.2.,
Quadros 10.1 e 10.2.).
Das 26 opiniões a respeito da Função do tronco caído (Quadro 10.1.),
192
obtivemos 9 respostas em que este foi considerado um empecilho para animais e
pessoas, ou uma mera sujeira para o ambiente (atrapalha / suja o ambiente / cai
em cima de gente, animal etc.), sendo que esta visão predominou junto às
crianças da 1ª série (4 de um total de 6 crianças). Para exemplificar, ao ser
indagada se pode deixar o tronco caído na floresta ou se é melhor tirá-lo, uma
criança respondeu: “É melhor tirar tudo, assim a natureza fica melhor para os
animais. A natureza suja é igual à rua suja” (nº 4).
Em 9 falas o tronco é visto como madeira da qual o homem pode fazer
algo (madeira para o homem fazer banco, cadeira, mesa etc.); e em 5 respostas
as crianças consideram o tronco um esconderijo para animais (coruja, cobra etc.).
Apenas 2 crianças da 3ª e 1 criança da 4ª série falaram que o tronco caído poderia
tornar-se adubo para a terra e/ou as plantas. Observa-se que uma criança
reconheceu no tronco caído essas várias funções ao mesmo tempo (nº 8).
Perguntamos às crianças entrevistadas, o que aconteceria com o tronco
caído com o decorrer do tempo (Quadro 10.2.), colhendo 53 informações sobre
este fenômeno. As três primeiras colunas, em que se concentra um total de 28
respostas, referem-se a visões que não estão relacionadas à decomposição da
matéria, enquanto as três últimas colunas, em que se encontram um total de 24
respostas, referem-se ao processo de decomposição. Observa-se que, muitas
vezes, a mesma criança forneceu, tanto informações que foram classificadas nas
primeiras três colunas, como informações que foram classificadas nas últimas
quatro colunas. Só assim, podemos garantir a manutenção do pensamento da
criança integralmente, com toda sua incompletude, suas contradições e sua
originalidade, permitindo uma aproximação à compreensão verdadeira da criança.
Evidencia-se que a maioria das respostas, das 1ª e 2ª séries, concentra-
se nas primeiras três colunas, ou seja, 18 do total de 25 respostas das 1ª e 2ª
séries ou 72%, pois, nestas séries um grande número de crianças acha que algum
animal irá quebrar, destruir ou empurrar o tronco caído ou uma pessoa o levará
embora (força mecânica) e, se nenhuma dessas hipóteses ocorrerem, julgam que
o tronco ficará para sempre no mesmo lugar (15 das 18 respostas). Em 3
respostas, deste total de 18 respostas, as crianças admitem, também, em um
193
segundo momento e ao serem indagadas, a possibilidade de, após muito tempo, o
tronco se desfazer ou decompor sozinho ou em função da ação da chuva e do sol
(2 respostas).
Da 1ª série, apenas uma criança (nº 24), prevê que o tronco irá
decompor-se com a ajuda do sol e da chuva, tornando se poeira. Veja a resposta
desta criança à pergunta:
E: - O que acontece com o tronco caído?
C - O cogumelo pega nele e faz ele apodrecer.
E - O que acontece quando ele apodrece?
C - Ele desaparece.
E - Como assim?
C - Vira poeira.
E - O que mais ajuda nisso, além do cogumelo?
C – As formigas fazem nele seu formigueiro, os cupins também.
Nas 3ª e 4ª séries a relação se inverte, sendo que o maior número de
respostas se concentra nas três últimas colunas (respostas relacionadas com o
processo de decomposição), ou seja, 18 do total de 28 respostas das 3ª e 4ª
séries ou 64%.
Portanto, em um primeiro olhar, avaliamos que poucas crianças
conhecem o ciclo da matéria orgânica, pois apenas três crianças explicitaram que
o tronco caído se tornaria adubo para a terra (Quadro 10.1 última coluna). Em um
pouco mais da metade das repostas (Quadro 10.2.), é defendida a idéia de que o
tronco é atingido apenas por forças mecânicas, em decorrência da atividade
humana ou animal (28 do total de 53 respostas, ou seja, 53%); e somente 4
crianças admitiram a contribuição de insetos ou fungos neste processo.
Há, porém, uma nítida diferença entre a concepção das crianças mais
jovens (1ª e 2ª séries) e as crianças mais velhas (3ª e 4ª séries), sendo que mais
da metade destas últimas possui noções relacionadas à decomposição. Ainda
assim, falta às crianças, de modo geral, a compreensão do processo de
decomposição como uma seqüência de transformações, como também, a visão
geral do processo enquanto ciclo.
194
Embora algumas crianças tenham dito que a matéria se transforma em
adubo para a terra, não explicitaram a idéia da passagem da matéria entre os
meios biótico e abiótico, não estabelecendo claramente esta relação. Os eventos
conhecidos permanecem isolados na fala das crianças (conhecimento
fragmentado), não constituindo uma compreensão da totalidade do processo.
8.2. A VIDA E OS SERES VIVOS COMO CONCEITOS ESSENCIAIS DO SABER AMBIENTAL
O conhecimento biológico pode ser considerado como um conhecimento
intuitivo, também chamado de teoria dos seres vivos, ou como conhecimento
científico. Em ambos os casos o conceito de ser vivo é basilar.
Propõe-se, neste momento, uma descrição detalhada do processo de
construção do conceito de ser vivo, - levando em consideração que estamos
lidando com uma população-padrão -, mediante a integração do conhecimento
teórico e os dados colhidos junto às crianças, no decorrer do diagnóstico e das
intervenções pedagógicas.
A primeira parte da entrevista, referente à importância do sol, da água e
das árvores (ver no anexo A.1.2., Quadros 1, 2 e 3) visava, basicamente, revelar a
compreensão da criança a respeito da relação dos seres vivos com o ambiente e,
indiretamente, a noção da mesma em relação ao conceito vida. Abordamos um
aspecto central, tanto da biologia, como da ecologia, que consiste na
compreensão da vida como fenômeno que se produz apenas em condições
ambientais específicas e em dependência de certos fatores abióticos.
A ecologia, como vimos, surge em função da preocupação com a
preservação da vida, isto é, a sustentabilidade dos sistemas vivos (ecossistemas).
Podemos comparar a importância do conceito de ser vivo na biologia e na
ecologia com a importância do conceito de número na matemática, da palavra na
lingüística ou do som na música. Enfim, ser vivo é o conceito-chave, em torno do
qual gira toda produção de saber em biologia e ecologia.
Muitas pesquisas já foram realizadas com crianças, para estudar a sua
195
compreensão do conceito vida. Diversas pesquisas realizadas por psicólogos
evidenciam que elas não possuem um conceito biológico de vida, ou seja, não
possuem o mesmo conceito (científico) da vida que os adultos possuem na cultura
ocidental (Piaget, 1929; Laurendeau & Pinard, 1962 apud Carey, 1985)
Ao analisar o resultado das entrevistas, percebemos que a maioria das
crianças não percebe os elementos sol, água e plantas como essenciais à
manutenção dos processos vitais, sendo que, de acordo com os resultados das
nossas entrevistas, várias crianças:
• admitem que alguns animais não precisam de sol ou de água para viver;
• acham que o sol é importante apenas para realizar atividades biológicas
visíveis que envolvem movimento aparente (andar, enxergar, comer etc.)
ou atividades sócio-culturais (fazer compras, regar plantas etc.);
• acham que a água é importante apenas para não morrer de sede, portanto
animais que aparentemente não bebem água (como, por exemplo, a
borboleta citado por uma criança), não precisam de água para viver;
• julgam que o sol e a água são importantes para o crescimento das plantas,
o que se aproxima da concepção anterior, em que estes elementos são
relacionados ao movimento ou, neste caso, às mudanças aparentes dos
seres vivos;
• demonstram, pois, desconhecer a existência dos processos biológicos vitais
essenciais que não são visíveis;
• acham, em relação às árvores, que são importantes como casa para os
animais ou produto útil para o homem e, mesmo quando falam da produção
do oxigênio, não associam a ausência das árvores necessariamente à
cessação da vida dos animais;
• apenas aproximadamente um terço das crianças reconheceu explicitamente
a essencialidade do sol e/ou da água para a manutenção da vida.
Observamos, nas entrevistas, de modo geral, que nenhuma criança usou
espontaneamente o termo “vida” para dizer da importância do sol, da água ou das
árvores. Muitas crianças, porém, relacionaram a ausência de algum destes
elementos à morte de seres vivos, aliás, na maioria das vezes, à morte de apenas
196
alguns seres vivos. Em seguida, iremos discutir vários aspectos relacionados à
construção do conceito de ser vivo na infância.
8.3. O CONCEITO DE SER VIVO E AS CATEGORIAS ONTOLÓGICAS
Carey (1985) conclui que, embora a questão semântica interfira na
construção dos referidos conceitos, outros aspectos do pensamento infantil estão
relacionados ao fato de a criança não fazer a distinção entre o ser vivo e o ser
não-vivo, de acordo com uma compreensão científica da biologia. Segundo a
mesma autora, a compreensão do conceito “vida” está relacionada às categorias
do real construídas pela criança, ou seja, a questão é ontológica.
Gardner (1994) considera que, no desenvolvimento das teorias
ontológicas, a criança faz primeiramente distinções grosseiras (como, por
exemplo, entre objetos tangíveis e intangíveis) e, gradativamente estabelece
classes dentro destas categorias.
Vimos que os artefatos (artifacts) formam uma categoria ontológica, em
contraste com a categoria ontológica das coisas naturais (natural kinds) (Rosch,
1978). Supõe-se que esta distinção é universal na mente humana, representando,
portanto, um forte cerceamento na interpretação da realidade. Os artefatos são
coisas criadas pelo homem, enquanto as coisas naturais são criadas pela
natureza. Esta distinção essencial não corresponde à distinção entre a categoria
dos seres vivos e a dos não-vivos, pois a categoria das coisas naturais contém
elementos naturais não-vivos, como pedras, areia etc. (Quadro 25).
197
Quadro 25: O conceito de ser vivo e as categorias ontológicas
No nosso diagnóstico, a distinção ontológica entre coisas criadas pelo
homem (artefatos) e coisas da natureza surgiu nitidamente na fala de várias
crianças (8 afirmações), ao tentarem explicar a diferença entre seres vivos e não-
vivos. Uma criança (nº 17) exemplificou com uma bola de basquete,
argumentando que esta “não tem vida porque foi construída”. Uma outra criança
(nº 21) desenhou uma casa e disse que esta fazia parte dos seres não vivos,
porque “é montada”. (no anexo A2 - tabela de resultados do Jogo Vivo/não-vivo) A distinção entre seres animados e inanimados, também, decorre da
existência de categorias ontológicas essenciais, como vimos no capítulo
Inteligência naturalista. Retomando um exemplo clássico, quando uma criança
decide se uma coisa pertence à classe dos seres vivos ou não-vivos, utilizando-se
do critério movimento autônomo, ela considera os animais como seres animados e
as plantas como seres inanimados. Há, portanto, seres com movimento autônomo
(seres animados) e outros sem movimento ou com movimento provocado por
outrem (seres inanimados).
Podemos observar que o conceito de seres vivos não corresponde a
nenhuma dessas duas categorias, pois há seres vivos inanimados, como as
plantas, fungos e animais aquáticos fixos; e existem seres animados, como carros,
aviões etc. que não pertencem à classe dos seres vivos (Quadro 26).
Quadro 25: artefatos / coisas
Artefatos Coisas naturais
Seres vivos
Quadro 25: Artefatos / Coisas Naturais
198
Quadro 26: O conceito de ser vivo e as categorias ontológicas
Seres animados Seres inanimados
Seres vivos
Quadro 26: seres animados / inanimados
Com base em muitas evidências nas suas pesquisas, Carey (1985)
mostra que a criança pequena possui duas categorias ontológicas distintas, as
plantas (subcategoria dos seres inanimados) e os animais (subcategoria dos seres
animados), que não podem ser reunidas em uma categoria, pois para isto, lhe falta
o conhecimento biológico necessário, isto é, o conhecimento dos processos vitais
invisíveis que são comuns a animais e plantas (Keil, 1979 apud Carey, 1985).
Vimos, também, que há uma distinção ontológica entre animais
(seguindo um protótipo) e não animais, sendo que crianças de apenas três anos já
demonstram fazer esta separação rígida (Gelman, Spelke e Meck (1983) e Dolgin
& Behrend (1984) apud Carey, 1985). Parece que os animais prototípicos formem
a categoria mais próxima do conceito de ser vivo, na mente das crianças, uma vez
que estes são entes naturais e possuem movimento autônomo.
O ser humano, intuitivamente, não é considerado um animal, sendo a
distinção do ser humano, em relação aos demais seres vivos, aparentemente um
aspecto universal da mente humana, como confirmam os estudos antropológicos.
Portanto, neste aspecto, observamos que o conceito de seres vivos reúne
categorias ontologicamente distintas (Quadro 27).
199
Quadro 27: O conceito de ser vivo e as categorias ontológicas
Animais Plantas Ser humano
Não-animais
Seres vivos
Quadro 27: Animais, plantas e ser humano
Conclui-se que o conceito de seres vivos, tão essencial ao conhecimento
biológico científico, não corresponde a nenhuma categoria ontológica
propriamente dita. Ao contrário, este conceito é uma construção da ciência, ou
seja, um construto da nossa cultura, em que o conhecimento científico ocupa um
lugar especial.
8.4. O SABER AMBIENTAL E A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE SER VIVO
Adotando o ponto de vista de Carey (1985), acreditamos que o
pensamento infantil na área de biologia deva ser compreendido de acordo com as
teorias subjacentes (categorias ontológicas, conceito de pessoa, animal e planta,
de ser vivo, compreensão dos processos vitais dos organismos vivos, etc.) que
determinam as formas de interpretar a realidade, pois são estas que permitem a
manifestação de certas opiniões acerca dos seres vivos e da interação dos
mesmos com o ambiente.
Ao contrário do que afirmava Piaget, esta pesquisadora sustenta que as
crianças pensam de forma dedutiva, estando presente o raciocínio lógico e a
causalidade mecânica no seu pensamento, porém seus conhecimentos biológicos,
a partir dos quais as deduções lógicas são realizadas, são escassos e não
200
permitem uma compreensão mais abrangente dos principais fenômenos
biológicos. Neste sentido, tanto o animismo, como o antropomorfismo, são
características do pensamento infantil, porém, longe de serem decorrentes da falta
de capacidade de raciocínio lógico, seriam o resultado de deduções a partir de
conhecimentos insuficientes na área da biologia (Carey, 1985).
Na fase entre 4 e 10 anos de idade a criança adquire uma quantidade
fenomenal de informações que levam a reestruturações sucessivas dos seus
conhecimentos biológicos, sendo que a criança de 10 anos possui uma visão que
se aproxima da concepção científica ou adulta em biologia, quanto ao conceito de
ser vivo (ibdem). Nesta fase, este conceito central das ciências naturais surge no
pensamento infantil, sendo que a vida é inicialmente reconhecida pela apreensão
das manifestações humanas comportamentais (muito mais de cunho sócio-cultural
do que biológico) e, gradativamente, se torna um conceito biológico, relacionado
aos processos vitais que ocorrem em todos os seres vivos.
Mostramos que há aspectos importantes no pensamento infantil, que não
deveriam ser desprezados, ao contrário, deveriam ser cultivados e ampliados: a
riqueza das suas observações e seus questionamentos, a forma lúdica e
prazerosa pela qual descobrem o seu ambiente, o envolvimento subjetivo que
mantêm com os objetos e seres vivos analisados, são essenciais para a
construção de uma nova relação do homem com o ambiente.
O conceito científico, diante destas explorações infantis, parece uma
pálida redução sem sentido. O conceito, sem dúvida é importante - e cabe à
escola desenvolver o pensamento científico da criança -, mas, diante de uma
proposta educacional que pretende estimular o amor à natureza, parece que
ganham importância as características do pensamento infantil, justamente nos
seus aspectos não-científicos.
Morin (1996) distingue a compreensão da explicação como duas formas
- radicalmente diferentes, porém complementares - de apreender a realidade.
Assim, sustenta no capítulo Compreender a compreensão:
O campo da compreensão é tão vasto como o do conhecimento humano, pois tudo que procede por analogia e representações é de natureza compreensiva. Todavia, os desenvolvimentos originais da compreensão, na
201
esfera psíquica, têm por motor a projeção/identificação e estão focalizados nas relações e situações humanas (Morin, 1996, p. 139).
Sobre as projeções/identificações acrescenta, em rodapé, o autor: “[...estas] tiveram, porém, uma área de extensão universal nas
civilizações ditas “animistas”, onde, ao modo racional/empírico, se sobre-imprimia uma visão antropozoomórfica das coisas naturais. Em tal visão, ou os elementos naturais eram identificados com espíritos ou com deuses, e os acontecimentos estavam devidos à sua intervenção, ou os espíritos e os deuses eram por trás de todas as coisas naturais e faziam-nas funcionar segundo a sua vontade. Este modo de compreensão da natureza está hoje desintegrado, tendo sido rejeitado, primeiro pelo conhecimento da teologia monoteísta e, depois, pelo conhecimento científico. Permanece vivo na nossa poesia, e dormita, eventualmente prestes a despertar, nos fundos arcaicos dos nossos espíritos (ibidem, p. 139).
A explicação, por sua vez, Morin apresenta como um “processo abstrato
de demonstrações lógicas, a partir de dados objetivos, em virtude de
necessidades causais materiais ou formais e/ou, em virtude de uma adequação a
estruturas ou modelos” (ibidem, p. 140). Evidencia-se, que, seguindo o raciocínio
deste filósofo, podemos estabelecer uma analogia entre o pensamento infantil
sobre os seres vivos e a compreensão, enquanto o pensamento biológico
científico, certamente se aproxima da explicação.
Analisando as diversas formas de apreensão da realidade em termos de
inteligências em ação (tendo como referência a teoria das inteligências múltiplas),
percebe-se que o conceito científico é fruto de uma abordagem característica para
o pensamento lógico-matemático, enquanto as formas infantis de exploração dos
objetos (e as conseqüentes classificações de acordo com múltiplos critérios),
parecem ser características da inteligência naturalista.
Evidentemente, a própria ciência só chegou a um conceito científico
abstrato, após longas investigações naturalísticas. O problema é que, na escola,
os currículos são voltados para a construção do conhecimento científico (embora
não alcance nem sequer este objetivo!), em detrimento das demais formas de
pensamento. Neste sentido, a inteligência naturalista não é estimulada e os
conceitos científicos devem se decorados, mesmo quando não compreendidos na
sua essência.
Se a escola organizar seu trabalho pedagógico de forma a desenvolver a
inteligência naturalista das crianças, estas poderão compreender os conceitos
202
biológicos na sua dimensão plena. Além disso, as crianças serão levadas a
perceber o conhecimento científico, como apenas uma possível abordagem entre
outras, evitando que seu encanto e seu envolvimento com a natureza sejam
reduzidos a uma meia dúzia de conceitos abstratos, desprovidos de qualquer
significado pessoal.
8.5. O CONHECIMENTO DOS SERES VIVOS NA TEIA DA VIDA A parte da entrevista referente à teia alimentar ou teia da vida (respostas
das crianças classificadas nos Quadros 4 e 5) está mais diretamente relacionada
com o conceito de ecossistema, outra noção fundamental da ecologia. Propomos
uma análise mais profunda da visão das crianças, quanto à sua compreensão do
conceito de teia da vida.
A criança percebe as relações entre os animais em termos de relações
predatórias, de quem come quem (Bell-Basca, Grotzer, Donis e Shaw, 2000), o
que também foi verificado nas respostas das crianças em análise. Observa-se que
a sua percepção, neste sentido, restringe-se, muitas vezes, apenas aos aspectos
visíveis ou ativos (o ato de comer), ao invés dos aspectos invisíveis, passivos,
relacionados à passagem de energia (da presa para o predador). Outras
pesquisas relatadas no artigo de Bell-Basca et. al. (2000) mostram este fenômeno,
sendo que um estudo realizado no México com jovens de 4ª a 6ª série revelou que
estes explicam as cadeias alimentares em função das relações predador-presa
(Galegos, 1994 apud Bell et. al., 2000), enquanto os conceitos de produtores,
consumidores e transferência de energia entre seres vivos não são encontrados
nas cadeias construídas por jovens estudantes (também por Barman & Mayer,
1994, apud Bell-Basca et. al., 2000). Estes mesmos autores observaram que
muitas crianças percebem os animais como fortes e ferozes em relação às
plantinhas indefesas e relações na cadeia alimentar seriam explicadas nestes
termos, que poderíamos chamar de animistas, de acordo com que vimos dos
estudos de Piaget (1929) apud Carey (1985).
Em várias ocasiões da nossa entrevista, as crianças estabeleceram
203
relações entre animais com base em critérios como tamanho, ferocidade ou outras
qualidades não estritamente biológicas (mais freqüente no grupo 6 ou 1ª série –
como mostra a tabela no anexo A.1.2., Quadro 4. 2.). Mas, parece que isto ocorre,
sempre que a criança não tem uma explicação mais precisa. Por exemplo:
crianças da 1ª série afirmaram que cobras e onças são predadores vorazes, que
comem vários tipos de animais e até pessoas. Uma ainda excluiu, no final, os
sapos e as rãs venenosas. Isto demonstra falta de conhecimento biológico e, na
ausência deste, ocorre a substituição por clichês ou estereótipos (os desenhos
animados e as histórias infantis são repletos de animais ferozes) e opiniões
pessoais, vivências e crenças (medo dos dentes da fera, nojo dos sapos e receio
de ser envenenado pelas rãs).
Ao contrário, as crianças mais velhas especificaram, quais os animais
onças e cobras comem (incluindo os insetos como fato nada espetacular),
demonstrando um conhecimento construído em relação aos hábitos e
necessidades desses animais. Observa-se que a maioria das crianças não sabia
quase nada a respeito do bicho-preguiça, nem em relação à capivara (animais
típicos da fauna brasileira!), muitas delas deixando-as por último, sem incluí-las
imediatamente na teia. Portanto, na cadeia eram colocadas apenas como
predadores (de outros animais menores, geralmente insetos) ou comedores de
folhas, frutas etc. ou, então, a criança enumerava os animais que a onça devora,
citando por último a capivara e o bicho-preguiça. E as crianças, ao serem
perguntadas, sobre quais eram predadores destes animais, invariavelmente
refletiam um pouco, apontando, sem muita certeza, para a onça. Veja os
exemplos;
A)
Entrevistador: E a onça, o que come?
Criança (nº23): Carne.
E: Ela caça?
C: Caça bichos.
E: Tem algum animal aqui que ela come (apontando para as cartelas)?
C: Borboletas, insetos.
204
E: Será que ela consegue encher a barriga apenas com estes bichos?
C: Ela pode comer um bife.
E: E se ela não encontrar um bife, ela poderia comer, por
exemplo, a capivara?
C: A capivara tem carne?
E: Tem.
C: Então ela come.
B)
E: Algum animal come o bicho-preguiça?
Criança (nº 45 ): Um carnívoro. A onça.
C)
Uma criança (nº 24) estabeleceu relações entre os animais,
usando todos as cartelas. Quando viu que a onça ficou no fim da cadeia,
ele acrescentou: “O leão come a onça”.
Parece que a criança realmente adota o tamanho ou o fato de ter carne,
ou a ferocidade de um e a indefesa do outro como critérios, para definir uma
relação predador-presa. Muitas vezes, estes critérios, embora possam não ser
estritamente científicos, são perfeitamente válidos, representando uma
aproximação ao pensamento científico. De qualquer forma, o uso de critérios
gerais para analisar um caso concreto caracteriza o raciocínio lógico dedutivo,
demonstrando a capacidade de reflexão das crianças e, mais uma vez, parece
que o que falta à criança é o conhecimento biológico, para realizar uma análise
mais profunda.
As crianças raramente respondiam que não sabiam quem come quem.
Antes, usavam um estereótipo, como a onça devora tudo, ou o sapo come moscas
ou, simplesmente, adivinhavam, como no caso em que a criança falou:
C (nº 5 –2ª série): A cobra mata o bicho-preguiça.
E: Por quê?
C: Porque ela tem veneno.
205
E: Mais alguém come o bicho-preguiça?
C: Antigamente, as pessoas.
E: Quem?
C: Os japoneses.
O Quadro 4. 1. (no anexo A.1.2.) mostra que 60% das crianças
entrevistadas apontaram imediatamente uma relação predador-presa entre
animais. Pergunta-se porque esta ênfase nas relações predatórias, quando
sabemos que outros tipos de relações são tão importantes para a manutenção do
equilíbrio de um ecossistema (relações de cooperação, mutualismo,
comensalismo etc.). Será esta uma visão natural, sendo o homem também um
predador, como tantos dizem, ou vivemos em um contexto cultural que favorece
esta visão? Este fenômeno, certamente, merece um aprofundamento, sendo
interessante investigar quais as fontes de informações das crianças (TV, livros,
internet), para descobrir como a cultura veicula estes conteúdos.
Quase todas as crianças, em algum momento, incluíram uma ou várias
relações em que animais se alimentam de plantas. Isto pode significar que elas
percebem que as plantas são a base da teia alimentar? Veremos mais adiante que
não, pois a criança geralmente focaliza a relação direta e concreta entre
determinado animal e as plantas, em detrimento das relações indiretas. Ou seja,
elas, por exemplo, não acham as plantas importantes para a onça, pois esta só
precisa delas para se esconder, esquecendo de que, quando a onça come
capivara, esta última se alimentou de capim etc. No item relacionado à importância
das árvores (Quadro 3 no anexo A.1.2.), até as crianças mais velhas, que falaram
da importância da produção do oxigênio pelas árvores, estabeleceram uma
relação direta com o ser humano, que respira, e não, necessariamente, com os
demais animais.
Mesmo assim, julgamos importante o fato de que quase todas as
crianças estabeleceram uma relação entre plantas e animais na sua teia. É um
dado que pode representar um ponto de partida para trabalharmos com as
crianças a noção de que as plantas sustentam a cadeia alimentar.
Algumas crianças não apontaram imediatamente alguma relação entre
206
animais (Quadro 4.1. – no anexo A.1.2.), mas falaram de outros tipos de
atividades realizadas pelos mesmos (como, andar pela árvore, esconder-se, etc.).
Dessas crianças, algumas sustentaram que os animais da floresta comem coisas
oferecidas pelo homem, tais como alpiste ou bife. Entendemos que esta segunda
visão está relacionada com a primeira, demonstrando a falta de conhecimentos
biológicos da criança, para fazer inferências mais apropriadas. Ou seja, a criança
sabe, por exemplo, que a onça é carnívora, mas não possui nenhuma informação
sobre os seus hábitos na selva. Adotando um ponto de vista piagetiano, esta
afirmação seria interpretada em termos de um pensamento antropomorfista,
fortemente marcado pelo egocentrismo infantil. Porém, com base nos estudos de
Carey (1985), podemos observar que, na falta do conhecimento biológico, a
criança recorre aos seus conhecimentos oriundos das suas teorias sobre a vida
social e comportamental, cujo centro de referência é a pessoa. Portanto, a criança
parte do pressuposto de que a onça come carne, mas para explicar como a onça
encontra seu alimento, na falta do conhecimento biológico necessário - ou seja, na
falta do conhecimento referente à vida dos felinos na mata -, ela recorre ao
conhecimento correspondente no âmbito humano, social, onde comer carne
significa comer bife, comprado na loja.
8. 6. O SABER AMBIENTAL E O PRINCÍPIO DA CAUTELA
Lembrando os objetivos da educação ambiental, percebe-se que um dos
seus princípios essenciais é a cautela em relação ao meio ambiente. Pois, o
desenvolvimento sustentável tem como um de seus princípios básicos, a noção de
que o ser humano precisa desenvolver a cautela para agir face ao meio ambiente.
O que significa que, toda vez, que não se possui dados científicos suficientes para
avaliar as conseqüências dos atos humanos, deve-se tomar decisões no sentido
de evitar a realização destes atos, mesmo que estes prometam, por exemplo, a
geração de empregos, a acumulação de riquezas, etc.
O princípio da cautela exige que o homem abra mão de vantagens
imediatas e tome decisões em função de fatores desconhecidos, em detrimento de
207
dados evidentes. Exige, portanto, que o homem tenha consciência da
complexidade da realidade e desconfie do próprio conhecimento, ou melhor, da
sua própria capacidade limitada de conhecer o real em toda sua complexidade.
O princípio da cautela não se constitui, portanto, um simples
conhecimento, mas é fruto de uma compreensão profunda e se caracteriza por
uma postura diante da natureza. Constitui uma ética de vida, que leva o homem a
enfrentar o desconhecido com cautela, reconhecendo os limites do seu próprio
conhecimento. Esta postura é um importante elemento do saber ambiental.
E o que será que esta postura tem a ver com as bactérias? Pois, nos
perguntamos, se é possível a criança aprender esta postura através de um
trabalho pedagógico específico. Ou seja, acreditamos que a escola deve
desenvolver meios para que a criança, gradativamente, aprenda a pensar sobre
os elementos da natureza em função de um princípio geral, o princípio da cautela.
Consideramos que este, muitas vezes, exige que se desconfie do próprio saber,
que se faça afirmações contra-intuitivas e que se procure apreender a realidade,
levando em consideração a sua complexidade.
A crença predominante da atualidade, de que podemos desvendar e
dominar a natureza livremente precisa, também, na criança, ser substituída por
uma crença de que na natureza cada elemento tem seu lugar e, mesmo que não
se compreenda a função específica de cada elemento, supõe-se que possui um
papel indispensável para o todo. Digamos crença, porque, embora esta
compreensão, hoje, faça parte dos conhecimentos científicos, gerados pelas
novas ciências, como a ecologia, a criança evidentemente não terá ainda como
compreender o alcance científico deste princípio. Neste sentido, o princípio da
cautela, inicialmente só poderá ser trabalhado como uma crença, uma verdade
vinda de uma autoridade, isto é, a professora e outros adultos respeitados pela
criança.
Aplicadas a nossa descrição da visão das crianças, estas reflexões
levam-nos às seguintes conclusões: a criança naturalmente não é confrontada
com situações, em que ela tem que decidir se um elemento da natureza deve ser
preservado ou se pode ser destruído, nem deve tomar decisões importantes que
208
podem ter graves conseqüências ambientais. Mas, no seu pequeno universo de
vivências, ela certamente será confrontada com seres vivos, pelos quais não nutre
nenhum tipo de afeição ou até que a incomodam. A escola pode, também, criar
situações deste tipo, e estes momentos podem ser explorados para “exercitar” o
princípio da cautela e a desconfiança em relação ao próprio pensamento, quanto
às suas limitações de compreender a complexidade dos fenômenos da natureza.
A escola precisa proporcionar este tipo de vivências, e pode ser
interessante, provocar situações, envolvendo seres considerados dispensáveis,
como as bactérias (num nível mais abstrato), além de insetos, lagartas, rãs ou
sapos e anelídeos (num nível mais concreto), em que a criança é levada a inferir a
importância destes elementos, a partir de um princípio geral, mesmo que nada de
observável sustente, a priori, certas conclusões. Ou seja, isto representa um
convite ao exercício do pensamento dedutivo, contra-intuitivo aplicado às ciências
ambientais no trabalho com crianças.
Nas aplicações das metodologias (anexo E1 - aula nº 10) pudemos
observar como as crianças modificaram seu comportamento em relação à lagarta,
inicialmente um ser vivo temido (as crianças achavam que é venenoso e vai
machucá-las), considerado nojento e inútil ou, até, prejudicial para as plantas e
que muitas vezes, quando é encontrada por uma criança, é destruída
prontamente. Ao estudar a metamorfose, elas perceberam que as aparências
podem enganar e que, na verdade, na lagarta “estava escondida uma linda
borboleta”, este, sim, um ser vivo apreciado por todos.
Esta descoberta deve ser explorada pela professora, no sentido de fazer
a criança perceber conscientemente como ela estava “enganada”, ao querer
destruir a lagarta; como ela foi precipitada no seu julgamento de valor em relação
ao um ser vivo, do qual não sabia quase nada. A professora deve explorar ao
máximo possível a função das lagartas e borboletas no meio ambiente, mostrando
que cada coisa tem seu lugar na natureza. Deverá conversar com as crianças e
estas deverão verbalizar suas idéias, a respeito das conseqüências da destruição
das lagartas; deverão evidenciar o limite de seu conhecimento e como este pode
levar a conclusões erradas. Concluindo, acreditamos que as crianças, desde
209
pequenas, podem desenvolver uma postura de cautela diante da natureza, através
de vivências direcionadas.
210
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o intuito de compreender a relação do homem com a natureza e as
possibilidades de transformar essa relação, dentro de uma proposta educacional,
propomos um estudo da cognição humana, considerando que é a mente, que
processa as informações do meio, produz os pensamentos, é responsável pelas
nossas emoções e origina todas as nossas ações. Mas, não adotamos uma visão
dualista da natureza (inclusive da natureza humana)! Portanto, consideramos a
mente, não como Descartes, uma razão superior e centro da existência, que está
em oposição ao corpo físico e aos sentimentos. Consideramos a mente em suas
múltiplas dimensões, como um lugar especial em que se encontram o mundo
material e os pensamentos; berço das diferentes inteligências humanas, que são a
origem das nossas experiências, tanto físicas, como abstratas e emocionais.
As ciências cognitivas, ao investigar a natureza humana, fazem um
mapeamento, cada vez mais minucioso, dos nossos potenciais bio-psicológicos,
apontando, tanto para as nossas possibilidades, como para os cerceamentos
próprios da nossa espécie. A mente humana, - produto de uma longa história
evolutiva, que, ao mesmo tempo, em que cria a realidade individual e coletiva, é
moldada em função das forças biológicas e culturais do ambiente -, constitui-se o
centro de atenção do campo de estudo multidisciplinar das ciências cognitivas,
que reúne áreas tão disparas como a psicologia, a antropologia, a biologia, a
arqueologia e paleontologia, assim como todos os ramos da neurociência. De
acordo com esse campo de estudo, o ser humano desenvolve, desde a mais tenra
infância, uma série de teorias intuitivas, ou seja, um conjunto de saberes e
crenças, bastante coerentes, que o ajudam a entender o mundo à sua volta e
viabilizam, não só, a sua sobrevivência física, como, também, permitem que este
se relacione com outros seres humanos e os demais seres vivos. A teoria intuitiva
da mente refere-se à capacidade “natural” (ou seja, desenvolvida de forma mais
ou menos regular, a partir de certas condições inatas) da nossa espécie, para
compreender a própria mente e a mente das outras pessoas. Neste sentido, ao
estudarmos a cognição humana, nesta pesquisa, buscamos a ampliação da nossa
211
capacidade de compreender mentes humanas, considerando que a origem do
estudo científico da cognição humana se encontra numa capacidade característica
da nossa espécie, ou seja, a capacidade de ler a própria mente e a mente dos
outros.
Esta pesquisa propôs-se a investigar as condições bio-psicológicas, que
nos permitem compreender o mundo à nossa volta e relacionar-nos com a
natureza. Neste caminho, encontramos, dentro das ciências cognitivas, a Teoria
das Inteligências Múltiplas (TIM) de Howard Gardner, uma bela teoria da mente,
sofisticada, coerente, plausível e de relativa fácil compreensão. A TIM, que surgiu
em 1983, defende a existência de, no mínimo, oito inteligências no ser humano,
inclusive uma inteligência naturalista. A partir desses pressupostos, procuramos
desvendar a relação entre as inteligências e o saber ambiental. A definição de
uma inteligência pressupõe critérios científicos de identificação da mesma, porém,
no caso da inteligência naturalista, que foi reconhecida apenas dez anos após a
criação da TIM, Gardner não evidenciou, com o mesmo nível de detalhamento
aplicado às outras inteligências, os vários aspectos desse potencial bio-
psicológico para configurá-lo como inteligência. Fizemos, portanto, um
levantamento teórico, buscando fontes e ampliando as mesmas, a fim de
fundamentar a nossa pesquisa de campo.
As inteligências naturalista, visuo-espacial e cinestésico-corporal estão
ligadas ao mundo dos objetos, portanto, as chamamos livremente de “inteligências
concretas”. As inteligências lingüística e lógico-matemática estão relacionadas
primariamente aos sistemas de símbolos. E as chamamos de “inteligências
abstratas”. As crianças da pesquisa demonstraram ter uma afinidade maior com o
primeiro grupo. Inclusive, identificamos estas inteligências como sendo uma porta
de entrada para o estudo de qualquer tema, pois a abordagem através das
inteligências concretas torna acessível, para as crianças, qualquer conteúdo
didático, sendo a motivação para o estudo garantida. Ou seja, no que tange ao
conhecimento biológico, além de estas inteligências estarem inseparáveis pela
sua natureza, recomenda-se que a exploração dos conteúdos das ciências
naturais ocorra através do uso intenso das inteligências concretas.
212
Ao descrevermos os perfis de inteligência das crianças, que participaram
da pesquisa, embora quiséssemos focalizar a inteligência naturalista, fomos
obrigados a considerá-la em interação com as demais inteligências. Assim, por
exemplo, obtivemos perfis, em que a inteligência naturalista se manifestava, de
forma mais marcante, em interação com a inteligência cinestésico-corporal: uma
criança que demonstrava ter uma forte afinidade com ambientes naturais, quando
estes podiam ser explorados com o corpo e através do movimento, ou seja,
crianças que se sentiam mais à vontade ao ar livre, em espaços amplos e
selvagens, na floresta, dentro do mar ou em cima de um cavalo. Este perfil
contrastava com o perfil, em que interagem a inteligência naturalista com a
inteligência lingüística: crianças que gostam de estudar a natureza, colecionando
informações sobre mundo natural.
Embora a inteligência naturalista não possa ser considerada de forma
isolada, é possível distingui-la de outras faculdades, como a inteligência lógico-
matemática ou a lingüística. Apenas para lembrar alguns pontos distintivos, a
inteligência naturalista é diretamente ligada ao mundo concreto - assim como as
outras duas inteligências que chamamos de concretas, a visuo-espacial e a
cinestésico-corporal. O desenvolvimento da inteligência naturalista pressupõe a
experiência visual, tátil, afetiva, com base na qual há um discernimento entre
diferentes entes, que por sua vez permite a sua classificação lógica; e conhecer o
mundo natural não se resume em saber nomear seus elementos corretamente,
pois os nomes, mesmo quando se referem aos elementos da natureza, podem
estar desprovidos de conhecimento naturalista.
Uma vez assegurada a existência da inteligência naturalista no plano
teórico, buscamos estudá-la nas suas manifestações. Neste sentido, colhemos
muitos dados empíricos, junto às crianças, que participaram da nossa pesquisa.
Ao analisar esses dados, procuramos desvendar a relação existente entre os
conteúdos manifestos pelas crianças e as inteligências subjacentes aos mesmos.
A coleta de dados foi guiada por uma matriz, em que reunimos alguns temas
centrais para a educação ambiental (Tabela no anexo G).
Investigamos, também, a inteligência naturalista, quanto aos seus
213
conteúdos. Um conceito central no domínio da biologia e o conceito de ser vivo.
Discutimos, com base nos dados empíricos, a construção desse conceito pela
criança, a partir das suas teorias intuitivas, mostrando que este, por ser um
conceito científico, exige um certo grau de abstração. Analisando os mecanismos
utilizados pela inteligência naturalista para categorizar os elementos do meio,
evidencia-se que a classe “seres vivos” não corresponde a nenhuma categoria
ontológica, que poderia ser chamada de universal.
O Quadro 30 mostra de forma sintética a nossa linha de raciocínio:
partimos de conhecimentos manifestos das crianças, conhecimentos construídos,
com base em compreensões intuitivas e conhecimentos científicos. Analisamos,
fundamentados no conceito teórico das inteligências e, principalmente, da
inteligência naturalista, como este potencial bio-psicológico produz o saber que as
crianças possuem. Através de intervenções pedagógicas, que visavam estimular a
inteligência naturalista, em interação com outras inteligências, procuramos ampliar
as compreensões infantis, tendo em vista um saber ambiental.
214
QUADRO 30: RELACÃO ENTRE SABER AMBIENTAL E INTELIGÊNCIAS
TEORIAS INTUITIVAS
CONHECIMENTO CIENTÍFICO
CONTEÚDO MANIFESTO (Competência)
EX: Compreensão do Conceito de ser vivo
INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA:
Estímulo ao desenvolvimento da INTELIGÊNCIA NATURALISTA
Em interação com outras inteligências
INTELIGÊNCIA Possibilidades da inteligência naturalista na compreensão
deste conteúdo.
Interação com outras inteligências.
“ELO PERDIDO”
SABER
AMBIENTAL
215
Assim como propomos uma investigação de como a criança constrói o
conceito de ser vivo, precisamos estudar outros conceitos essenciais da biologia,
como espécie, biodiversidade, extinção etc. e buscar compreender como a criança
elabora esse conhecimento. Vimos que as teorias intuitivas trazem muitos
conhecimentos, mas apresentam, também, conteúdos que contrastam com os da
ciência. Porém, tendo em vista o saber ambiental (e não um saber estritamente
científico), alguns aspectos do conhecimento intuitivo têm um grande valor, na
medida em que favorecem a relação afetiva do sujeito com a natureza.
Enquanto a teoria da mente está relacionada à interação social, a física
intuitiva nos permite lidar com o mundo dos objetos e a biologia intuitiva nos
permite compreender os seres vivos. Os conhecimentos científicos se erguem em
cima dessas teorias primitivas universais, rompendo com muitos conceitos
originais, exigindo a revisão de alguns e o abandono radical de outros. Muitas
vezes, não são menos complexas que os conhecimentos científicos, nem menos
eficazes para atribuir significados à nossa existência. O saber ambiental pode ser
construído, através da integração de diferentes formas de conhecer, em que
teorias ontológicas, intuitivas e conceitos científicos interagem intensamente,
permitindo o estabelecimento de múltiplas relações do sujeito com o meio. Os
estudos voltados para a aprendizagem em relação a sistemas complexos apontam
para as dificuldades cognitivas na compreensão da complexidade. Estas
dificuldades são atribuídas à existência de obstáculos cognitivos específicos,
razão pela qual se defende a necessidade de superação de teorias intuitivas e
ontológicas, para permitir a elaboração do conhecimento científico. Concordamos
que o conhecimento científico, muitas vezes, se elabora a partir da superação ou
reformulação das teorias intuitivas, (neste sentido haveria uma ruptura), mas o
saber ambiental não é simplesmente um conhecimento mais próximo do científico
e mais distante do conhecimento intuitivo.
Intuitivo não é sinônimo de simples, nem científico é sempre sinônimo de
complexo (basta lembrar das simplificações extremas da realidade alcançadas
numa fórmula matemática). Assim, um saber ambiental não necessariamente tem
216
que ser complexo; e conceitos intuitivos, às vezes, podem estar mais úteis a
formas sustentáveis de vida, do que muitos elaborados conceitos científicos.
Assim, na entrevista (atividade do diagnóstico n° 1 no anexo A.1.2.) as crianças
podiam dar respostas simples, como: não se deve retirar nenhum animal da
natureza, pois senão todos os outros animais vão sentir falta; ou porque tudo faz
parte da natureza e senão fica feia; sendo que estas respostas estão mais
coerentes com um saber ambiental, do que um conhecimento científico complexo
que descreve exatamente alguns prejuízos específicos (assim algumas crianças
disseram corretamente, quais os predadores que iriam ser prejudicados com a
perda de determinada espécie), mas que é incapaz de manter a visão do todo.
Ao estudarmos a relação das crianças com as plantas e, principalmente,
por se tratar de uma população inserida num hotspot da floresta tropical,
percebemos que há uma dificuldade, intrínseca ao objeto de estudo, em promover
o conhecimento do mundo vegetal. É possível, por exemplo, através do uso
intenso das inteligências concretas (as preferidas das crianças!), motivar crianças
da segunda infância para o estudo das plantas. Mas, especificamente, o estudo da
Mata Atlântica (e supomos de todas as florestas tropicais) é dificultado, em função
da complexidade deste bioma. A nomenclatura popular foi perdida ao longo da
história e a taxonomia científica é inacessível para a população leiga.
Como estabelecer uma relação com a Mata Atlântica, sem conhecer seus
elementos pelo nome? A taxonomia científica é complexa demais para ser
aprendida por crianças e leigos na disciplina da biologia. Mas, assim como
dominamos muitos nomes de animais (que são apenas aproximações em relação
à taxonomia científica), precisamos ter acesso a uma taxonomia de plantas da
Mata Atlântica. Sugerimos que seja inventada uma nova taxonomia para a Mata
Atlântica, talvez a observação das crianças, na interação com este bioma, seja um
ponto de partida para a construção de uma nova taxonomia popular. Precisamos
inventar uma nova linguagem para conhecer este meio, com base nas formas
primitivas e infantis de conhecer, em interação com o conhecimento científico
mínimo necessário. Defendemos que, muito além de um conhecimento disciplinar,
a compreensão da Mata Atlântica deve se tornar um domínio cultural, ou seja, um
217
saber, que circula livremente no senso comum, a fim de garantir a sua
conservação.
A escola tem certamente um importante papel na construção e
divulgação deste novo domínio. Sem nome e desconhecida, a mata, que é nossa
“vizinha”, continua sendo uma “estranha” para nós, sendo que na relação entre
seres que não se conhecem, predomina facilmente a indiferença. A escola deve
promover encontros não habituais com os elementos da natureza, ou seja, se
normalmente a criança “encontra” as plantas para comê-las, a escola deve
promover contatos com as plantas em que é apreciado o cheiro, a cor etc. das
mesmas. O estímulo às diferentes inteligências no contato com a natureza,
intensifica a nossa relação com a mesma e amplia o nosso saber ambiental.
A convivência com animais domésticos é uma forma eficiente de
aproximar as crianças do mundo natural e desenvolver seu saber ambiental.
Aprendemos a conhecer a natureza através do contato com protótipos. Portanto, a
escola deve povoar o ambiente das crianças com protótipos de animais e plantas,
exemplares vivos, aos quais a comunidade atribui um valor especial e que podem
ser conhecidos, também, cientificamente. A escola é o principal veículo para a
transmissão do conhecimento científico, mas ela deve romper com os limites
rígidos da ciência, pois o saber ambiental exige a integração de diferentes formas
de conhecer. Constituído de teorias intuitivas e conhecimentos científicos,
fundamentado em vivências e permeado por relações afetivas, o saber ambiental
resulta da interação da inteligência naturalista com as outras inteligências.
Estamos em busca de um novo modelo de homem. A natureza está
literalmente sufocada pela presença humana, pois, já somos numerosos demais e
não podemos simplesmente nos retirar da natureza. Chegamos a uma
encruzilhada, sendo obrigados a assumir a nossa “Mãe Terra” - que está em
nossas mãos, gritando por socorro – e cabe-nos transformá-la numa grande lixeira
ou fazer dela um lindo jardim. Inexiste a possibilidade de unirmo-nos à “Mãe
Terra”, ou seja, não há volta ao sagrado, pois este sagrado talvez nunca tenha
existido; é ilusória a perspectiva de uma vida humana em harmonia completa com
a natureza. Mas, há a possibilidade de aproveitarmos melhor os nossos potenciais
218
bio-psicológicos, começando por resgatar o desenvolvimento da nossa inteligência
naturalista. Está na hora de acordarmos a “bela adormecida”.
219
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