NORONHA, Ricardo - Lenine Em Portugal. a Corrente Marxista-leninista e Os Escritos Do “Camarada...

6
Lenine em Portugal: a corrente marxista- leninista e os escritos do “camarada Campos” Ricardo Noronha "Pretende-se com esta comunicação passar em revista os escritos produzidos por  Francisco Martins Rodrigues, no contexto do seu abandono do PCP e da criação da corrente marxista-leninista em Portugal. A abordagem crítica dos seus textos    que inauguraram o campo teórico da extrema-esquerda em Portugal    procurará identificar as causas da sua dissidência e os principais eixos de análise e reflexão acerca da  formação social portuguesa e da luta contra a ditadura no contexto dos anos 60." Leia esta comunicação apresentada por Ricardo Noronha ao C o ngr e sso I nte r na ciona l K a r l  Ma rx  , no painel H i stó r ia do C o m unism o e m Po r tugal . Lenine em Portugal: a corrente marxista- leninista e os escritos do “camarada Campos” Resumo  Pretende-se com esta comunicação passar em revista os escritos produzidos por  Francisco Martins Rodrigues, no contexto do seu abandono do PCP e da criação da corrente marxista-leninista em Portugal. A abordagem crítica dos seus textos    que inauguraram o campo teórico da extrema-esquerda em Portugal    procurará identificar as causas da sua dissidência e os principais eixos de análise e reflexão acerca da  formação social portuguesa e da luta contra a ditadura no contexto dos anos 60. Salientaremos como elementos fundamentais desses documentos a interpretação da história do movimento operário português e da resistência ao Estado Novo, a caracterização da economia e da sociedade portuguesa e a formulação de uma estratégia de combate político alternativa à do PCP. Procurar-se-á sublinhar em que medida a análise dos ciclos de radicalização da luta social e política, o posicionamento sobre a questão colonial e a definição das etapas e tarefas da «Revolução Portuguesa» serviram de referência teórica fundadora para o conjunto da extrema-esquerda portuguesa nos anos posteriores à sua prisão (1966) e contribuíram para a radicalização da oposiçao ao regime. Será objecto de particular análise a resposta ensaiada pelo PCP    nomeadamente através dos escritos do seu Secretário-Geral Álvaro Cunhal    ao aparecimento e crescimento de agrupamentos políticos situados à sua esquerda.  Escrito entre os finais de 1963 e os inícios de 1964, «Luta pacífica e luta armada no nosso movimento» foi o texto fundador do movimento, onde «Campos» condensou e clarificou o essencial das críticas que formulara em diversas ocasiões nos anos anteriores, geralmente por carta enviada ao C.C., à linha política do PCP. Interessa sublinhar a influência deste texto que, reeditado em 1974, circularia até ao 25 de Abril, de forma restrita e clandestina, pelos militantes m- l’s. O seu tema central, a abordagem da possibilidade e necessidade de encetar acções de luta armada contra o regime salazarista, é atravessado por duas questões fundamentais para a compreensão do que está em causa. São argumentos, mas também, pela forma que assumem, temas de reflexão teórica habitualmente ausentes dos debates internos no PCP.

description

Lenine Em Portugal. a Corrente Marxista-leninista e Os Escritos Do “Camarada Campos”

Transcript of NORONHA, Ricardo - Lenine Em Portugal. a Corrente Marxista-leninista e Os Escritos Do “Camarada...

7/17/2019 NORONHA, Ricardo - Lenine Em Portugal. a Corrente Marxista-leninista e Os Escritos Do “Camarada Campos”

http://slidepdf.com/reader/full/noronha-ricardo-lenine-em-portugal-a-corrente-marxista-leninista-e-os-escritos 1/6

Lenine em Portugal: a corrente marxista-leninista e os escritos do “camarada

Campos” 

Ricardo Noronha

"Pretende-se com esta comunicação passar em revista os escritos produzidos por Francisco Martins Rodrigues, no contexto do seu abandono do PCP e da criação dacorrente marxista-leninista em Portugal. A abordagem crítica dos seus textos  –   queinauguraram o campo teórico da extrema-esquerda em Portugal –  procurará identificaras causas da sua dissidência e os principais eixos de análise e reflexão acerca da

 formação social portuguesa e da luta contra a ditadura no contexto dos anos 60." Leiaesta comunicação apresentada por Ricardo Noronha ao Congresso I nternacional Karl

Marx  , no painel Histór ia do Comunismo em Portugal .Lenine em Portugal: a corrente marxista-leninista e os escritos do “camarada

Campos” 

Resumo 

 Pretende-se com esta comunicação passar em revista os escritos produzidos por Francisco Martins Rodrigues, no contexto do seu abandono do PCP e da criação dacorrente marxista-leninista em Portugal. A abordagem crítica dos seus textos  –   queinauguraram o campo teórico da extrema-esquerda em Portugal –  procurará identificaras causas da sua dissidência e os principais eixos de análise e reflexão acerca da

 formação social portuguesa e da luta contra a ditadura no contexto dos anos 60.Salientaremos como elementos fundamentais desses documentos a interpretação dahistória do movimento operário português e da resistência ao Estado Novo, acaracterização da economia e da sociedade portuguesa e a formulação de uma estratégia

de combate político alternativa à do PCP. Procurar-se-á sublinhar em que medida aanálise dos ciclos de radicalização da luta social e política, o posicionamento sobre aquestão colonial e a definição das etapas e tarefas da «Revolução Portuguesa» serviramde referência teórica fundadora para o conjunto da extrema-esquerda portuguesa nosanos posteriores à sua prisão (1966) e contribuíram para a radicalização da oposiçaoao regime. Será objecto de particular análise a resposta ensaiada pelo PCP  –  nomeadamente através dos escritos do seu Secretário-Geral Álvaro Cunhal  –   aoaparecimento e crescimento de agrupamentos políticos situados à sua esquerda. 

Escrito entre os finais de 1963 e os inícios de 1964, «Luta pacífica e luta armada no nossomovimento» foi o texto fundador do movimento, onde «Campos» condensou e clarificou

o essencial das críticas que formulara em diversas ocasiões nos anos anteriores,

geralmente por carta enviada ao C.C., à linha política do PCP. Interessa sublinhar a

influência deste texto que, reeditado em 1974, circularia até ao 25 de Abril, de forma

restrita e clandestina, pelos militantes m-l’s. 

O seu tema central, a abordagem da possibilidade e necessidade de encetar acções de luta

armada contra o regime salazarista, é atravessado por duas questões fundamentais para a

compreensão do que está em causa. São argumentos, mas também, pela forma queassumem, temas de reflexão teórica habitualmente ausentes dos debates internos no PCP.

7/17/2019 NORONHA, Ricardo - Lenine Em Portugal. a Corrente Marxista-leninista e Os Escritos Do “Camarada Campos”

http://slidepdf.com/reader/full/noronha-ricardo-lenine-em-portugal-a-corrente-marxista-leninista-e-os-escritos 2/6

 

O primeiro é uma referência histórica sem a qual os argumentos de «Campos» careceriam

de fundamento ou base de sustentação. Tratava-se do «ciclo de lutas de 1958-62», que

assinalara a vulnerabilidade do Estado Novo, mas também a sua capacidade de

sobrevivência, funcionando como uma experiência política repleta de lições. O ciclo de

lutas em causa ia desde as eleições presidenciais de 1958 às greves de 1962 nos campos

do Sul, passando pelos vários choques violentos entre as forças policiais e manifestantes

(desde os comícios de apoio a Humberto Delgado até às manifestações de 1 e 8 de Maio

de 1962, realizadas em Lisboa) e ao alargamento da base social de luta contra o regime,

evidenciado na crise académica de 1962. A dar a tónica decisiva a todos esses

acontecimentos, o início da Guerra Colonial em Fevereiro de 1961 (ataque à prisão de

Luanda) e a gorada sublevação do Quartel de Beja, em 1962, haviam colocado o

movimento anti-fascista português perante uma série de novos problemas.

A estratégia do PCP, desde a «reorganização» dos anos 40, assentava no desenvolvimentode lutas de massas com base em reivindicações económicas parciais e na sua confluência

em lutas superiores, de maiores dimensões e com objectivos explicitamente políticos, que

levassem a um “levantamento nacional” com a participação de sectores democráticos

das forças armadas e a neutralidade dos sectores intermédios. Tratava-se de uma linha

 política que procurava assegurar ao PCP, através da sua influência social, um lugar central

na oposição ao regime e que consistia, fundamentalmente, em conduzir os movimentos e

lutas sociais tendo como horizonte a negociação com as restantes forças da oposição -

nomeadamente os liberais e republicanos (que no início dos anos 60 se haviam organizado

num Directório Democrático e Social e cuja influência junto de alguns sectores de oficiais

das Forças Armadas permitia imaginar uma solução deste tipo).

Este tipo de horizonte estratégico havia demonstrado a sua inadequação precisamente no

decorrer do ciclo de lutas de 1958-62, ao deixar um movimento popular amplo, combativo

e radicalizado na expectativa - relativamente às conjuras mais ou menos palacianas

levadas a cabo por algumas altas patentes militares (nomeadamente a“conspiração da

Sé” em 1959 e o golpe militar do General Botelho Moniz em 1961) - e dependente da

hesitação, temor e moderação das elites liberais. Temos assim que a interpretação

histórica do «ciclo de lutas» e do impasse em que este resultara conduzia «Campos» à

necessidade de formular uma estratégia alternativa, que identificava no seio da Oposiçãodemocrática diferentes classes sociais, posicionamentos políticos conflituais e por vezes

até antagónicos.

Tratava-se de identificar um «centro de gravidade do Movimento», protagonizado

 pelos sectores sociais de vanguarda –  os mais combativos, radicalizados e reprimidos –  e

 pelo seu comportamento político, do qual o Partido devia ser o intérprete e porta-voz, ao

invés de o nivelar pelas posições políticas mais recuadas com o propósito de garantir a

máxima unidade e a participação mais ampla.

Se a contradição entre os dois campos sociais no interior da Oposição democrática ao

regime parecia a Francisco Martins Rodrigues um factor de paralização da dinâmica

7/17/2019 NORONHA, Ricardo - Lenine Em Portugal. a Corrente Marxista-leninista e Os Escritos Do “Camarada Campos”

http://slidepdf.com/reader/full/noronha-ricardo-lenine-em-portugal-a-corrente-marxista-leninista-e-os-escritos 3/6

 popular, a redução da estratégia para o derrubamento do fascismo à defesa da mais ampla

unidade tornara-se um impasse em que o PCP se havia deixado aprisionar. A única

maneira de desenredar este nó górdio seria a formulação de uma estratégia autónoma, em

que o movimento popular adquirisse a sua própria força de ataque e deixasse de depender

de altas patentes militares para a preparação de uma insurreição contra o regime. "Omovimento revolucionário tinha o seu crescimento próprio, acumulava a sua experiência

 própria, formava a sua «personalidade própria», e o papel do partido não era de modonenhum o de «fabricar» um movimento revolucionário, mas o de o conduzir àvitória.”  (p.30).

"Campos" definia como tarefas imediatas do partido a teorização e propaganda a favor

do uso da violência e a criação de núcleos armados como base do futuro exército popular.

Perante a capacidade de sobrevivência da ditadura aos vários momentos legais ou semi-

legais até aí ensaiados pela Oposição Democrática (greves, manifestações, marchas de

luta, petições, eleições) sublinhava a necessidade de subordinar a utilização das formaslegais de luta a um processo geral de radicalização da classe operária e dos sectores

 populares, passando das formas mais recuadas até ao confronto violento, iniciando a luta

armada contra a ditadura, protagonizada por pequenos focos de guerrilha provenientes e

ligados aos movimentos de massas, embrião e preparação da futura insurreição popular.

Ao caracterizar a ditadura como um sofisticado e extenso aparelho de repressão e

vigilância do movimento operário e popular, considerava que esta se esforçara “por não

 precipitar de modo nenhum a passagem às formas extremas de luta, por manter a luta declasses em limites controláveis”, tornando-se “mestre na arte das falsas concessões, na

capacidade de manobra, no avanço e recuo conforme as circunstâncias.” 

Resultando “da extrema agudização atingida pela luta de classes em Portugal, da

radicalização revolucionária do proletariado e das grandes massas oprimidas quedefrontam um aparelho repressivo gigantesco”, a questão da violência era considerada o

definitivo separador das águas entre reformistas e revolucionários. A sua recusa seria a

renúncia da hegemonia do proletariado na luta contra a ditadura, cuja queda ficaria

dependente de um levantamento militar, do qual resultaria uma mera recomposição liberal

do estado burguês.

Ao reivindicar para o proletariado uma independência política e uma estratégia própriacorrespondente à sua centralidade na luta contra o regime, as formulações teóricas

de «Revolução Popular»  abriam um novo horizonte estratégico - implicando uma

releitura da história portuguesa e um esforço de interpretação sociológica capaz de

caracterizar o papel histórico do Estado Novo inscrevendo o seu funcionamento na

formação social portuguesa e nos conflitos sociais que a atravessavam.

Desse ponto de vista, o salazarismo não era um retrocesso face ao período republicano,

mas uma necessidade histórica da burguesia portuguesa, na consolidação de um processo

de acumulação às custas da classe operária e do proletariado rural, assente num mercado

 protegido e na sobre-exploração dos recursos e mão-de-obra das colónias.

7/17/2019 NORONHA, Ricardo - Lenine Em Portugal. a Corrente Marxista-leninista e Os Escritos Do “Camarada Campos”

http://slidepdf.com/reader/full/noronha-ricardo-lenine-em-portugal-a-corrente-marxista-leninista-e-os-escritos 4/6

 

O Salazarismo não era um parêntesis histórico, uma anomalia, ou um regresso ao antigo

regime, mas uma articulação de múltiplos interesses de classe, hierarquizados desde o

sector financeiro e industrial até à burguesia liberal, no seio da qual existiam contradições

mas, de modo algum, antagonismos fundamentais (como os que opunham o capital ao

trabalho). Numa fórmula lapidar:“«Salazarismo» quer dizer simplesmente capitalismo

 português.”(1)

As suas explosivas contradições seriam as de um capitalismo desenvolvido, ainda que

semi-periférico e subordinado ao capital imperialista, e não as de um país submerso por

uma escura noite fascista. Desvendava-se deste modo a roupagem ideológica com que se

cobria o salazarismo e que a restante oposição aceitava e incorporava como os elementos

estruturantes do combate político - fazendo-o girar à volta do épico confronto entre

 progresso e conservadorismo, entre verdadeiros patriotas e vendidos aos interesses

estrangeiros, entre oposição e situação.

O CMLP pelo contrário, formulava a sua estratégia a partir do conjunto das contradições

contidas na formação social portuguesa: a alta concentração operária nas cinturas

industriais de Lisboa e Porto, a combatividade e número do proletariado rural nos campos

do sul, a extrema pobreza dos camponeses pobres do centro e norte do país, a amplitude

da revolta dos povos colonizados e o impacto da luta armada dos movimentos de

libertação nacional.

Contra o que chamava a “modernização do poder da burguesia” e a passagem a “um

capitalismo moderno”, o CMLP antecipa uma revolução popular assente na subversão da

ordem burguesa.

O desenvolvimento capitalista em Portugal havia feito da cintura industrial de Lisboa um

elo fraco da cadeia imperialista, devido à grande concentração industrial, baixos salários

e uma aristocracia operária quase inexistente. A ditadura fazia de todas as reivindicações

um crime e de cada protesto um confronto, politizando inevitavelmente todas as lutas

económicas e fortalecendo o ódio da classe operária, tornando-a favorável à insurreição.

O espaço para a intervenção e planeamento legal das lutas tornava-se uma luta

 permanente pela legalidade que paralisava frequentemente as massas e expunhainutilmente a sua vanguarda: “O SN é uma repartição pública como outra qualquer (pior

ainda que as outras, porque emprega bufos da PIDE, está geralmente encerrada e osdesfalques se sucedem). O operário fala do “sindicato” como fala do bordel ou da

esquadra da polícia.” (“Isolar e aniquilar os «sindicatos» fascistas”, nº6, Dezembro

1965).

A única via verdadeiramente revolucionária, perante a ausência de qualquer liberdade real

de organização e luta da classe operária, seria a formação de comités sindicais clandestino

à margem da estrutura corporativa, única maneira da classe operária se organizar de forma

autónoma e protegida da repressão para tornar a sua luta económica numa luta política,

7/17/2019 NORONHA, Ricardo - Lenine Em Portugal. a Corrente Marxista-leninista e Os Escritos Do “Camarada Campos”

http://slidepdf.com/reader/full/noronha-ricardo-lenine-em-portugal-a-corrente-marxista-leninista-e-os-escritos 5/6

insurrecional.

 Na óptica da revolução popular, desempenhava um papel central a formação de uma

aliança entre a classe operária e o campesinato, teorizada no artigo “O abandono da

aliança operário-camponesa” (nº1, Outubro de 1964), onde se procurava elaborar uma

caracterização marxista das classes sociais dos campos e da luta de classes que as opunha

e ligava umas às outras. Distinguindo a existência de 700 000 pequenas explorações

familiares, a par de 500 000 famílias expropriadas de terras que compunham o

«proletariado rural e de cerca de 150 000 famílias de camponeses médios e ricos que

compõem a «pequena-burguesia camponesa», o artigo sublinhava as implicações

 políticas destas diferentes condições sociais, nomeadamente no que respeitava à luta

contra os grandes latifundiártios e rendeiros capitalistas. A aliança operário-camponesa,

assentaria no proletariado rural que, juntamente com os camponeses pobres

(independentes ou jornaleiros sazonais), formava 9/10 da população dos campos. A sua

formação implicava a disputa da influência da burguesia liberal e dos camponeses maisabastados sobre os camponeses pobres, através do seu domínio dos grémios e associações

camponesas e da importância social dos médicos, advogados e outras profissões liberais

no plano local. A tarefa dos militantes comunistas seria contribuir para a mobilização dos

camponeses pobres, para a sua emancipação ideológica e para compreensão dos seus

interesses próprios, formando comités camponeses e criando focos de agitação nos

campos, tendo como eixo central da sua intervenção a propaganda de uma reforma agrária

que expropriasse os grandes proprietários, abolisse as dívidas, todo o tipo de rendas e

obrigações, permitindo a concessão de crédito por um novo estado popular e o

crescimento da produção agrícola.

Defendendo a sabotagem e o boicote do esforço de guerra, a par da deserção organizada

de massas antes do embarque, o CMLP procurou ainda, num artigo intitulado "Oscomunistas e a questão colonial"  (nº6, Dezembro 1965), atacar não apenas o chauvinismo

da propaganda salazarista, como aquele outro chauvinismo latente e subtil, difuso nas

fileiras democráticas: “Ao longo dos séculos, formou-se e sedimentou uma ideologiaimperialista que se recebe na escola, na imprensa, na vida diária, que penetra por todaa parte sem sequer ser notada. A cada passo se podem ouvir a pessoas progressistasconceitos imperialistas. E o facto de Portugal ser um país dependente do imperialismo

estrangeiro ainda mais contribuiu naturalmente para exacerbar esse chauvinismoimperialista , como uma forma de compensação para as humilhações sofridas”.

Dominada pela hegemonia da burguesia liberal, a oposição ao regime seria incapaz de

apoiar os movimentos de libertação colonial de modo consequente. Começando por

demonstrar que os lucros dos bancos portugueses controlados pelos grandes grupos

económicos e a penetração do capital estrangeiro na economia portuguesa haviam

aumentado com a guerra (nalguns casos duplicado ou até triplicado), o artigo sublinhava

que o colonialismo português não era uma invenção recente do regime, mas o resultado

de 500 anos de história. Por via dos seus inúmeros interesses e investimentos nas colónias,

todas as camadas da burguesia eram colonialistas, incluindo as que se agrupavam no

7/17/2019 NORONHA, Ricardo - Lenine Em Portugal. a Corrente Marxista-leninista e Os Escritos Do “Camarada Campos”

http://slidepdf.com/reader/full/noronha-ricardo-lenine-em-portugal-a-corrente-marxista-leninista-e-os-escritos 6/6

campo liberal e anti-fascista sob palavras de ordem democráticas e civilizadoras,

 procurando acautelar os interesses económicos portugueses no processo de independência

das colónias e preparando o terreno para novas formas de colonialismo e subordinação.

A formação de um amplo e combativo movimento anti-colonialista, expressão da

solidariedade e identidade de interesses entre o proletariado metropolitano e os povos

colonizados, dependia pois da velocidade com que mais e mais sectores sociais se

emancipassem desse chauvinismo - último refúgio da tutela burguesa sobre o movimento

operário e popular - e exprimindo a sua oposição, não apenas à guerra colonial, mas ao

 próprio sistema colonial.

A existência e o trabalho do CMLP, influenciou a formação mais tardia de s outros grupos

M-L e inspirou parte da sua actuação. A sua crítica foi a primeira tentativa de elaborar

uma leitura do marxismo-leninismo alternativa à do PCP, adaptada às condições da luta

contra a ditadura, extraindo de cada acontecimento as lições políticas fundamentais,introduzindo uma nova concepção teórica, um olhar diferente sobre a história do

movimento operário português. Debruçando-se sobre as contradições sociais

fundamentais que a ditadura continha e acumulava, identificando nelas uma força

dialéctica capaz de inscrever a questão social no centro da luta política, o CMLP

antecipou alguns aspectos da revolução portuguesa. Ao antecipar a queda da ditadura

como um possível abalo da ordem capitalista em Portugal, uma crise de poder desde a

 produção industrial à propriedade fundiária, desde a escola às instituições políticas, que

o proletariado deveria aproveitar para afirmar a sua linha política independente e os seus

interesses específicos enquanto classe, a corrente «marxista-leninista» contribuiu para a

radicalização do confronto entre a oposição e o regime na fase final da ditadura e rasgou

um horizonte histórico para a revolução que viria a ser “o último palco leninista da

europa”.

(1) «Luta de classes ou “unidade de todos os portugueses honrados”», ibidem, pp.63-85

Ricardo Noronha

Doutorando em História pela FCSH-UNL, Bolseiro de investigação da FCT 

 No intuito de divulgar as comunicações que foram apresentadas aoCongressoI nternacional Karl M arx   temos vindo a publicar aquelas que os autores nos foramentregando. Esperamos que a publicação desta estimule outros intervenientes aenviarem-nos as suas. Estamos gratos ao Ricardo Noronha por nos ter facultado a suacomunicação.