Nome de domínio e marca

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10ª Câmara Cível – APELAÇÃO CÍVEL N.º 0108351-21.2007.8.19.0001- Fls.1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DÉCIMA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL N.º 0108351-21.2007.8.19.0001. Apelante : RAQUEL DE ANDRADE DANTAS FIGUEIROA - ME. Apelada : GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S.A.. Relator : Desembargador BERNARDO MOREIRA GARCEZ NETO (12.326) CLASSIFICAÇÃO REGIMENTAL: 1 Empresarial. Propriedade industrial. Marca. Colidência com domínio de página na Internete. Atividades semelhantes de ensino à distância. Possibilidade de confusão. Uso indevido. O titular da marca regularmente registrada, nos termos da Lei Federal 9279, tem exclusividade da propriedade e uso da mesma. A existência do dano material – an debeatur – não se presume, deve ser provada na fase instrutória. A liquidação limita-se à apuração do valor dos danos (quantum debeatur). Dano moral configurado. Teoria do dano presumido. Indenização adequada: R$10.000,00. Precedentes do STJ. Inexistência de litigância de má-fé da autora. Competência territorial que, por ser relativa, deveria ser argüida através de exceção. Prorrogação da competência. Incidência dos artigos 112 e 114 do CPC. A autora é parte legítima para figurar no pólo ativo desta lide. Inexistência de cerceamento de defesa. Honorários adequadamente fixados em três mil reais. Preliminares rejeitadas. Recurso parcialmente provido.

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10ª Câmara Cível – APELAÇÃO CÍVEL N.º 0108351-21.2007.8.19.0001- Fls.1

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DÉCIMA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL N.º 0108351-21.2007.8.19.0001.

Apelante: RAQUEL DE ANDRADE DANTAS FIGUEIROA - ME.

Apelada: GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S.A..

Relator: Desembargador BERNARDO MOREIRA GARCEZ NETO (12.326) CLASSIFICAÇÃO REGIMENTAL: 1

Empresarial. Propriedade industrial. Marca.

Colidência com domínio de página na Internete.

Atividades semelhantes de ensino à distância.

Possibilidade de confusão. Uso indevido. O titular

da marca regularmente registrada, nos termos da

Lei Federal 9279, tem exclusividade da

propriedade e uso da mesma. A existência do

dano material – an debeatur – não se presume,

deve ser provada na fase instrutória. A liquidação

limita-se à apuração do valor dos danos

(quantum debeatur). Dano moral configurado.

Teoria do dano presumido. Indenização

adequada: R$10.000,00. Precedentes do STJ.

Inexistência de litigância de má-fé da autora.

Competência territorial que, por ser relativa,

deveria ser argüida através de exceção.

Prorrogação da competência. Incidência dos

artigos 112 e 114 do CPC. A autora é parte

legítima para figurar no pólo ativo desta lide.

Inexistência de cerceamento de defesa.

Honorários adequadamente fixados em três mil

reais. Preliminares rejeitadas. Recurso

parcialmente provido.

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A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de

Apelação de n.º 0108351-21.2007.8.19.0001, contra a sentença de

fls.602/611, oriunda da 6ª Vara Empresarial da comarca da Capital,

em que é apelante Raquel de Andrade Dantas Figueiroa ME e

apelada Globo Comunicação e Participação S.A..

A C O R D A M, os Desembargadores da

Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro, em votação unânime, REJEITAR AS PRELIMINARES e, no

mérito, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, nos termos do voto do

Relator.

R E L A T Ó R I O

Recorre, tempestivamente, Raquel de

Andrade Dantas Figueiroa - ME. da sentença de fls.602/611, oriunda

da 6ª Vara Empresarial da comarca da Capital, a qual, em ação

ordinária de abstenção de ato cumulada com indenizatória, julgou

procedentes os pedidos e determinou, confirmando a antecipação

de tutela concedia através das decisões de fls.258/262, 277/278 e 297,

que a apelante se abstivesse de usar a marca “Globo”, sob pena de

multa diária de R$10.000,00, cancelou os domínios

“globoaula.com.br” e “mundoaula.com.br”, além de condená-la à

reparação dos danos materiais a serem apurados em liquidação de

sentença, e danos morais com R$10.000,00, acrescidos de correção

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monetária a partir da sentença e juros legais da data da citação.

Condenou, ainda, a apelante a pagar custas e honorários

advocatícios fixados em R$3.000,00.

2. Alega, em síntese, a recorrente que a autora-

apelada não é parte legítima, pois ela não tem o registro ou o

domínio “de página de internet” da marca “globoaula”. Argüi a

incompetência territorial. No mérito, insiste que a autora-apelada não

tem registro da marca “globoaula” junto ao INPI. Sustenta que utiliza

o mencionado domínio desde 11 de agosto de 2006 e foi a primeira

pessoa a solicitar seu registro. Menciona o artigo 1º da Resolução

1/98. Aduz que tem direito adquirido ao domínio. Informa que “existe

o Domínio Globoaula.com (...) criado nos Estados Unidos, por outra

pessoa, inclusive colocando dito domínio à venda” (fls.653). Descreve

o procedimento para registro de marca junto ao INPI. Impugna o

bloqueio do domínio “mundoaula.com”. Argumenta que a palavra

“globo” é utilizada por outras pessoas em várias atividades. Rechaça

a condenação à reparação dos danos morais e materiais. Afirma

que não praticou concorrência desleal. Diz que não fez menção à

Rede Globo em seu sítio. Pleiteia a condenação da apelada nas

sanções da litigância de má-fé. Persiste que a autora não provou que

é titular do domínio “globoaula.com” e, por isso, houve cerceamento

de defesa. Diz que é hipossuficiente “frente à gigante Rede Globo”

(fls.663). Alega que são excessivos os R$3.000,00 de honorários.

Destaca que decisão recorrida violou os artigos 195, V, e 209 da Lei

Federal 9279, artigo 1º da Resolução 1/98, artigos 94, 100, 273, 267, VI,

333, parágrafo único c/c II, e 334, II, do CPC, artigos 186, 402 e 927 do

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NCC, artigos 6º, VIII, do CDC e artigos 5º, II, XXXVI, LIV e LV, 170 e 173

da CRFB/88. Pede reforma do decisum (fls.643/666).

3. Contra-razões a fls.671/700.

4. Os autos vieram conclusos em 06 de outubro

de 2010, sendo devolvidos no mesmo dia com este relatório e seu

encaminhamento ao revisor (fls704).

V O T O

5. Controvérsia entre sociedades em razão da

utilização da marca “Globo” no sítio da rede de computadores

“globoaula.com.br”, onde são oferecidos cursos de Jornalismo. A

sentença reconheceu que a utilização da mencionada marca pela

apelante causa confusão no mercado, determinando, além da

reparação dos danos materiais e morais, a abstenção da palavra

“Globo” e o cancelamento dos registros dos domínios

“globoaula.com.br” e “mundoaula.com.br”. Daí o recurso.

6. De saída, rejeita-se a preliminar de

incompetência territorial. Isso porque ela, por ser relativa, deveria ter

sido argüida por meio de exceção (artigo 112 do CPC). In casu, a

apelante aduziu a prejudicial no corpo da contestação. A

conseqüência processual disso é a prorrogação da competência,

nos termos do artigo 114 do CPC.

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7. Também não é acolhida a preliminar de

ilegitimidade ativa. Conforme a narrativa feita na inicial, a ré utiliza a

marca “Globo”, que tem registro no INPI, o que causa confusão no

mercado. A questão referente ao uso do domínio

“globoaula.com.br” é matéria de mérito.

8. Não ocorreu cerceamento de defesa. Não

há que se falar em hipossuficiência da apelada, uma vez que a

relação objeto da lide não é de consumo. A distribuição do encargo

probatório foi corretamente observada na sentença.

9. Desse modo, rejeitam-se as preliminares e

passa-se à análise do mérito da apelação:

10. A autora é incorporadora da antiga TV Globo

Ltda. constituída em 29 de agosto de 1968. Há vários registros da

marca Globo no INPI (fls.63/151). Isso desde 1984 (fls.63). Dentre suas

atividades, ela oferece cursos à distância na área de jornalismo

através do sítio “uniglobo.globo.com” (fls.197/200).

11. A sociedade-ré, Raquel de Andrade

Figueroa-ME, foi constituída em 03 de outubro de 2005 (fls.453) e

registrou o domínio “globoaula.com.br” no Registro.com, em 11 de

agosto de 2006 (fls.475). Nesta página da web ela também oferece

cursos à distância de jornalismo (fls.498/503).

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12. A ré-apelante vale-se, também, do nome de

domínio “globoaula.com.br” para oferecer cursos, tal como “Globo

Aula – News” (fls.503). Isso colide com as normas do artigo 124, inciso

V, XIX e XXIII, da Lei Federal 9279.

13. Além disso, ela destaca o envolvimento de

seus professores com a Globo S.A.. Tais fatos demonstram que, na

verdade, a intenção da ré é causar confusão nos consumidores,

favorecendo-a, indevidamente, com evidente concorrência desleal.

14. Isso é suficiente para que se defira a

proteção à marca da autora GLOBO. Sobre o tema, tranqüila

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Confiram-se os

julgamentos dos RESp.537.756-RS, RESp.198.609-ES, RESp.101.118-PR,

RESp.62.770-RJ, RESp. 510.885-GO e AGRESp.653.609-RJ.

15. Também está correta a sentença ao

determinar o cancelamento do domínio “mundoaula.com.br”. Senão

vejamos:

16. Com fundamento no fato de que a “ré fazia

uso da marca GLOBO AULA, em flagrante imitação” à marca Globo,

foi concedida a antecipação de tutela de fls.258/262, ampliada na

decisão de fls.277/278, onde se determinou a suspensão, com

posterior cancelamento, do domínio “globoaula.com.br” e que a ré-

apelante se abstivesse de usar a expressão Globo.

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17. Com a impossibilidade de acesso ao domínio

“globoaula.com.br”, a ré migrou para o endereço eletrônico

“mundoaula.com.br”, cujo conteúdo era idêntico ao do sítio anterior

(fls.291/292). A ré continuou a usar a marca “Globo” sem autorização

do seu proprietário, o que caracteriza ilícito, passível de ser

cancelado. Por esse motivo, também foi determinado a suspensão

do domínio “mundoaula.com.br” (fls.297) e, com a sentença, o seu

cancelamento.

18. Contudo, tem razão a apelante quanto a

indenização dos danos materiais, pois, para seu deferimento, impõe-

se à autora a prova da sua existência (“an debeatur”). Isso deve ser

providenciado no curso da instrução e não em liquidação, que se

destina à apuração do valor desses danos (“quantum debeatur”). No

caso concreto, trata-se de semelhança fonética e gráfica entre a

marca “Globo” e o domínio “globoaula.com”. Não há nenhum

elemento indiciário que permita concluir pela existência do prejuízo

material.

19. Confira-se, nesse sentido, o decidido no

RESp.316.275-PR, assim ementado, no que importa aqui :

“A prova do dano (lucros cessantes) pelo uso

indevido da marca ou do nome é necessária

para o deferimento da indenização a esse

título, salvo quando do próprio fato surge a

certeza do prejuízo, como ocorre com a

colocação de produto no mercado com a marca

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de outrem. No caso do nome de

estabelecimento de ensino, era necessária a

prova do prejuízo que não foi feita.” (in DJU

19.11.2001).

20. “Tanto o Código Civil quanto a Lei de

Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) e a Constituição Federal

admitem a teoria da presunção do dano moral pelo uso indevido e

desautorizado da marca.” (in Ag 1.262.142, DJ 23/09/2010). Assim,

correta a sentença ao reconhecer a existência do dano imaterial.

21. A indenização foi adequadamente fixada

em dez mil reais, conforme os precedentes do STJ. Confira-se o

seguinte julgado REsp.1.032.014-RS (DJe 04/06/2009, RSTJ vol. 215 p.

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22. Quanto à verba honorária, ela deve

considerar o trabalho do advogado e a praxe do local. Daí ser

adequado o arbitramento da honoraria em três mil reais.

23. Por fim, inexiste litigância de má-fé. A mera

utilização dos meios legais para exercício de direito de ação não

acarreta as sanções do artigo 17 c/c 18 do CPC. Trata-se de regular

exercício de direito. Nesse sentido confira-se a jurisprudência do STJ o

REsp. 1.061.819-SC (DJe 23/09/2008) e os EDcl. no AgRg. no Ag.

919.246-SP (DJe 25/11/2008).

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24. Assim sendo, REJEITAM-SE AS PRELIMINARES e,

no mérito, DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, apenas para

excluir da condenação a indenização por danos materiais.

Rio de Janeiro, 10 de novembro de 2010.

Desembargador BERNARDO MOREIRA GARCEZ NETO P R E S I D E N T E E R E L A T O R

Certificado por DES. BERNARDO MOREIRA GARCEZ NETOA cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br.Data: 11/11/2010 12:36:01 Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: 0108351-21.2007.8.19.0001 - Tot. Pag.: 9