NOLL, João Gilberto. Entrevista - Alexandre Gaioto

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Entrevista: “Nunca fiquei curioso para saber se eu tinha influenciado o Chico Buarque”, revela João Gilberto Noll. Autor: Alexandre Gaioto Data: 13 de maio de 2015. Veículo: Viva Maringá Disponível em: http://vivamaringa.odiario.com/arteeespetaculos/2015/05/nunca-fiquei- curioso-para-saber-se-eu-tinha-influenciado-o-chico-buarque-revela-joao-gilberto- noll/1249681/ Nunca fiquei curioso para saber se eu tinha influenciado o Chico Buarque, revela João Gilberto Noll Alexandre Gaioto 13/05/2015 às 15:51 - Atualizado em 13/05/2015 às 17:22 João Gilberto Noll não precisa mais de Bach. Aos 68 anos, o autor gaúcho também não precisa mais de lugares inusitados para escrever seus romances. Nada de praias desertas com pinguins intoxicados ou bares clandestinos, com empresários seduzindo suas secretárias, à beira do rio Guaíba. As histórias, agora, surgem em casa, sem música, de uma forma natural: reflexo do amadurecimento literário. Com 19 obras publicadas, entre contos e romances, Noll ainda não abandonou o seu personagem: é o mesmo sujeito sem nome, pós-moderno, sem passado nem futuro, metido em epopeias sexuais líricas e vulgares. Enquanto se dedica ao novo romance, Noll vem observando que a escrita o conduz, junto ao seu personagem, a rumos ainda desconhecidos. "Sinto que algo está mudando, algo está se movendo aí. Mas não sei dizer o que é", comenta o autor, em entrevista concedida por telefone. Durante a conversa, Noll fala sobre seu fazer literário, comenta a crítica de Wilson Martins, que o chamou de "amador", relembra o dia em que entrevistou Tom Jobim e revela nunca ter tido a mínima curiosidade em ler "Estorvo" (1991), do Chico Buarque, obra que alguns críticos afirmam ter sido influenciada pelos livros de Noll. Confira abaixo o papo com o escritor. "Lorde" (2004) foi reeditado neste ano pela Record. Já assisti a duas mesas-redondas contigo, em Curitiba (2008) e Maringá (2012), e você estava com o "Lorde", fazendo a leitura de alguns trechos. Foi apenas coincidência? Não foi coincidência, não. Acho que Lorde é um livro redondo, não tem nada sobrando. Nos eventos, gosto de ler os trechos dele. Foi uma das escritas que mais me deram paixão. Como você o escreveu? "Lorde" foi escrito com uma bolsa que eu ganhava como escritor-residente na King's College,

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Entrevista com o escritor

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Entrevista: “Nunca fiquei curioso para saber se eu tinha influenciado o Chico Buarque”,

revela João Gilberto Noll.

Autor: Alexandre Gaioto

Data: 13 de maio de 2015.

Veículo: Viva Maringá

Disponível em: http://vivamaringa.odiario.com/arteeespetaculos/2015/05/nunca-fiquei-

curioso-para-saber-se-eu-tinha-influenciado-o-chico-buarque-revela-joao-gilberto-

noll/1249681/

“Nunca fiquei curioso para saber se eu tinha influenciado o Chico Buarque”,

revela João Gilberto Noll

Alexandre Gaioto

13/05/2015 às 15:51 - Atualizado em 13/05/2015 às 17:22

João Gilberto Noll não precisa mais de Bach. Aos 68 anos, o autor gaúcho também não precisa

mais de lugares inusitados para escrever seus romances. Nada de praias desertas com pinguins

intoxicados ou bares clandestinos, com empresários seduzindo suas secretárias, à beira do rio

Guaíba. As histórias, agora, surgem em casa, sem música, de uma forma natural: reflexo do

amadurecimento literário.

Com 19 obras publicadas, entre contos e romances, Noll ainda não abandonou o seu

personagem: é o mesmo sujeito sem nome, pós-moderno, sem passado nem futuro, metido em

epopeias sexuais líricas e vulgares. Enquanto se dedica ao novo romance, Noll vem

observando que a escrita o conduz, junto ao seu personagem, a rumos ainda desconhecidos.

"Sinto que algo está mudando, algo está se movendo aí. Mas não sei dizer o que é", comenta o

autor, em entrevista concedida por telefone.

Durante a conversa, Noll fala sobre seu fazer literário, comenta a crítica de Wilson Martins,

que o chamou de "amador", relembra o dia em que entrevistou Tom Jobim e revela nunca ter

tido a mínima curiosidade em ler "Estorvo" (1991), do Chico Buarque, obra que alguns críticos

afirmam ter sido influenciada pelos livros de Noll. Confira abaixo o papo com o escritor.

"Lorde" (2004) foi reeditado neste ano pela Record. Já assisti a duas mesas-redondas

contigo, em Curitiba (2008) e Maringá (2012), e você estava com o "Lorde", fazendo a

leitura de alguns trechos. Foi apenas coincidência?

Não foi coincidência, não. Acho que Lorde é um livro redondo, não tem nada sobrando. Nos

eventos, gosto de ler os trechos dele. Foi uma das escritas que mais me deram paixão.

Como você o escreveu?

"Lorde" foi escrito com uma bolsa que eu ganhava como escritor-residente na King's College,

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em Londres. Passei três meses escrevendo o livro. Escrevia sempre de manhã. Saía para comer

às 13h e andava a esmo, sem saber em qual local eu iria ancorar. Eu me abastecia caminhando

pelas ruas de Londres. Passava pelas casas de grandes escritores, sinalizadas com aquelas

plaquinhas com os nomes deles, e imaginava os personagens ali, caminhando, também.

Lembro do cômodo em que eu escrevia, lembro do que eu via pela janela: tinha uma máquina,

um jardim que eu não sabia para o que servia. Foram dias inesquecíveis. Talvez, os dois dias

mais felizes da minha vida.

Você não costuma modificar seus romances para as novas edições. Por quê?

Quando eu mando o livro para a editora, ele já é uma pedra: não há o que mexer, o que

esculpir. Ele é definitivo e gosto de lê-lo assim.

"Harmada" (1993) foi todo escrito na mesa do bar. Você ainda consegue escrever dessa

forma?

Não consigo mais. Escrevi o "Harmada" todo num bar de encontros clandestinos, com aqueles

chefes e suas secretárias. Minha escrita era silenciosa e discreta. Achei que era um ambiente

excelente para a escrita. Era um lugar que ficava à beira do rio Guaíba, e eu via aquela

amplitude toda. Eu não conseguiria escrever o "Harmada" em casa, olhando para as paredes. Já

"O Cego E A Dançarina" (1980) foi o contrário. Escrevi num ambiente mais fechado. Precisei

ficar concentrado, em casa, sempre com luz artificial, com as venezianas fechadas. Era uma

maneira quase uterina que ajudava a me concentrar. "O Hotel Atlântico" (1986) foi todo escrito

em Pinhal, uma praia deserta que até pinguim tinha. Pinguins que estavam morrendo por

alguma intoxicação. Naquela praia, eu estava tão isolado que, às vezes, sentia necessidade de

sair de casa e comprar alguma coisa só para poder ouvir a minha voz dialogando com outra

pessoa.

E agora, como você está escrevendo?

Além da ausência da música, hoje não tem nada de diferente. Antes, eu gostava de escrever

ouvindo compositores clássicos. Bach. Agora, nem a música me acompanha mais. Escrevo em

casa, ao lado de uma janela, vejo algumas poucas árvores. Atualmente, sou menos exigente

com a escolha de ambientes específicos.

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O escritor gaúcho João Gilberto Noll

É reflexo de um amadurecimento literário?

Acho que é um amadurecimento, sim. Sinto que sai mais naturalmente, a ficção.

Como se chega à técnica do romance?

Eu vou bastante esvaziado para o romance, não escrevo com a sensação de domínio de alguma

coisa. Nunca tenho um programa pré-estabelecido. Sou ligado ao inconsciente: nunca sei como

vou terminar uma história. Deixo meus personagens à vontade. Mas há um ritmo interior que

tem a ver com a música. Para mim, o ato da escrita é o que move a trilha que eu mesmo não sei

qual será. O que há é realmente um ritmo. Você nasce com um ritmo. Talvez, você nem tenha

consciência desse ritmo, talvez até abdique, sufoque o ritmo nas conversas do cotidiano. E, no

momento de escrever, então, você dá vazão a ele. A técnica é isso: é obedecer a esse ritmo.

Qual a importância da inspiração no processo de escrita e qual seu nível de dependência

dela?

Às vezes, há, sim, inspiração, mas não dá para esperar que ela baixe. É algo que passa pelo seu

coração, pela sua cabeça, e que você aproveita e a transmite à tela em branco. Não é nada

transcendental. É um jeitinho que você pega. Os sentimentos também levam à escrita. Muitas

vezes, escrevo com raiva: ela é um elemento importante. Mas também escrevo com ternura,

com afeto.

Você domina a técnica do romance desde os seus primeiros textos. Há algo que te

atrapalhou a atingir essa técnica?

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A questão do desvio existe no começo. Querer se distrair do ritmo próprio, imitando o estilo de

outros autores, atrapalha um pouco. Escrever pressupõe uma concentração cavalar. Você não

pode se distrair com o que está além do universo que você está compondo. Às vezes, escrever

é até doloroso. Porque, na literatura, você diz coisas que não se dizem num ambiente social.

Escrever é tentar revelar o calado, aquilo que foi sabotado pelas convenções sociais. Ao revelar

isso, há dor.

Em "Solidão continental" (2012), seu último livro, há uma mudança radical de seu

personagem, que, pela primeira vez, parece ter um desfecho otimista. Já dá para

adiantar algo sobre o que virá no próximo romance?

Ainda estou numa aventura muito difusa. Sinto que alguma coisa está diferente nesse livro:

algo está mudando, algo está se movendo aí. Mas não sei dizer o que é.

Em 1989, Wilson Martins fez uma crítica severa ao seu "Hotel Atlântico", num texto

intitulado "Amadorismo". Martins falou mal do que chamou de "sintaxe escolar",

"numerosos solecismos", "arbitrariedades episódicas, sem qualquer verossimilhança" e

afirmou que você "escreveu como amador". Qual foi sua reação ao ler esse texto?

Eu não conheço esse texto. Saiu onde?

Está reunido na série de livros dele, "Pontos de Vista". É uma crítica bem forte...

Eu sabia de um elogio que ele fez a "O Cego E A Dançarina". Coloquei, inclusive, na orelha

da "Fúria do Corpo" (1981), meu segundo livro. Sobre a "sintaxe escolar", bom, "Harmada" é

um livro oralizante. Não resta dúvida: lá, escrevo como se fala.

Na mesma crítica, Wilson Martins aponta para as "invejáveis proezas" sexuais que há

em "Hotel Atlântico" e insinua que você faz parte dos autores "que se compensam,

através das criações imaginárias, de todas as suas deficiências e frustrações na vida real".

O que você acha da provocação de Martins?

Olha, acho que não tem nada a ver. Imaginar a vida sexual do autor foge da questão estética e

literária.

Receber críticas negativas te deixa mal?

A crítica negativa te deixa mal porque não é nada agradável.

Elas chegam a te bloquear?

Não, nunca chegaram a esse ponto. Quando escrevo um próximo livro, já esqueci a crítica

anterior. A crítica mais pesada que recebi foi sobre o livro "Canoas e Marolas" (1999). Li a

crítica e não respondi ao autor. Só respondi a alguém que me criticou pelo "A Céu Aberto"

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(1996). E me arrependo: aquilo foi um equívoco absoluto. Total. O escritor não tem que

responder a uma crítica negativa.

Você tem alguma curiosidade para saber o que o Wilson Martins escreveu sobre você?

Quer que eu te envie o texto?

Não precisa, não. Eu não quero.

Como jornalista, você trabalhou na Última Hora, no Correio da Manhã e chegou a

entrevistar o Tom Jobim. O que você lembra desse encontro com o Tom?

Atuei pouco como jornalista. Foram dois ou três anos. Na época, morava no Rio de Janeiro.

Lembro que minha entrevista com o Tom Jobim foi no bar Garota de Ipanema. Não sei se foi

para divulgar algum CD, show. E lembro que disse ao Tom que eu achava que ele tinha uma

pegada dos compositores impressionistas, principalmente do Debussy. O Tom concordou

plenamente comigo.

O jornalismo, no final das contas, serviu de alguma forma para a sua literatura?

Acho que serviu para eu aprender a não ser perdulário com a palavra. Com o jornalismo,

aprendi o rigor da palavra.

Quando Chico Buarque publicou o primeiro romance, "Estorvo" (1991), alguns críticos

notaram uma grande semelhança com o seu estilo. Você, em algum momento, ficou

curioso para dar uma folheada no "Estorvo" e ver se, de fato, havia influenciado o texto

do Chico Buarque?

Na época, vários críticos e até amigos me disseram que eu havia influenciado a escrita do

Chico. Gosto muito das músicas do Chico, mas nunca li um livro dele. Nunca fiquei curioso

para saber se eu tinha influenciado ele ou não.

Você se transforma ao fazer uma leitura em público de trechos de seus livros: surge,

então, uma voz sofrida, arrastando lentamente as palavras, numa leitura repleta de

silêncios. Quando você está sozinho, em casa, debruçado sobre a obra de outro autor,

também lê dessa forma?

Não. Isso é uma coisa muito pessoal, diante de meu próprio texto. É uma forma de tentar

transmitir a dificuldade que é, realmente, o engenho desse texto. Além do mais, meus

personagens são infra-humanos, eles pedem essa voz. Eu sou um escritor de voz. O que me

interessa não são os acontecimentos, mas a especulação dos personagens com o que está

acontecendo. Essa voz monocórdica, arrastada, tem um lado do canto gregoriano, é algo

hipnótico. Repetitivo. Ladainha.