Noctúria - Associação Portuguesa de Urologia · ingestªo de líquidos. Em todos os casos Ø...

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  • O termo noctria s em 2002 foi reconhecido

    como uma entidade clnica e no como sintoma de

    qualquer doena. Assim surgiu a necessidade de

    estabelecer a sua definio, o que foi realizado em

    2002 pela International Continence Society (

    ).

    definida pela necessidade de acordar duran-

    te a noite para urinar. Cada mico precedida e

    seguida de um perodo de sono.

    A noctria, aplica-se a todos os que acordam

    para urinar no estabelecendo um nmero espec-

    fico de vezes.

    Ao avaliarmos a histria dos doentes, impor-

    tante saber que a primeira mico da manh no

    abrangida neste conceito, e a mico nocturna

    sem acordar (enurese nocturna) tambm no.

    Alguns indivduos no acordam pela necessi-

    dade de urinar, mas urinam de noite porque esto

    acordados e tambm estes devem ser englobados

    no conceito de noctria.

    A noctria tem essencialmente trs grupos de

    causas. (Tabela 1)

    A poliria definida como a produo de urina

    > 40 ml/kg de peso nas 24 h (ICS) e constitui a cau-

    sa mais frequente de noctria. A poliria nocturna

    ocorre quando pelo menos 20% da diurese das 24

    horas produzida durante a noite.

    Pode dever-se a uma doena metablica como

    a diabetes mellitus ou a diabetes inspida, e nestas

    doenas, quer por diurese osmtica ou por diminui-

    o da hormona anti-diurtica, existe uma poliria

    ICS

    Definition from the ICS Standardization of termino-

    logy report 2002

    Poliria nocturna

    NoctriaEtiopatogenia e teraputicaJos Garo Nunes

    Assistente Hospitalar Graduado Servio de Urologia Hospital Curry Cabral Lisboa

    Associao

    Portuguesa

    de Urologia

    Tabela 1 Causas de noctria

    Adapted from Resnick NM: Noninvasive diagnosis of the patient with

    complex incontinence. Gerontology 1990; 36 (Suppl 2): 8-18

    Relacionadas com volume miccional

    Relacionadas com o aparelho urinrio inferior

    Relacionadas com o sono

    Relacionadas com a idade

    Ingesto excessiva de lquidos / lcool

    Diurticos, cafena, teofilina, ltio

    Doenas endcrinas / metablicas

    Diabetes mellitus / inspida

    Hipercalcmia

    Edemas perifricos

    Insuficincia cardaca congestiva

    Hipoalbuminmia

    Doena vascular perifrica

    Insuficincia venosa

    Drogas (AINS, nifedipina)

    Bexiga de baixa capacidade funcional

    Hiperactividade do detrusor

    Obstruo urinria baixa com resduos ps-miccionais

    Incontinncia por regurgitao

    Baixa compliance vesical

    Urgncia sensitiva

    Insnia

    Apneia do sono

    Dor

    Dispneia

    Depresso

    diurna e nocturna. A histria e os testes laborato-

    riais permitem facilmente a sua identificao.

    Na poliria nocturna h um excesso de volume

    urinado de noite, que pode dever-se a uma grande

  • ingesto de lquidos. Em todos os casos funda-

    mental a elaborao de um mapa miccional, onde

    constem os volumes miccionais, o intervalo de

    tempo entre as mices e tambm o registo das

    ingestes de lquidos. Parece-nos ser a melhor e a

    primeira arma diagnstica para a percepo do

    tipo de situao.

    A diurese das 24 horas pode estar mantida,

    mas existir uma alterao dos volumes urinados de

    dia e de noite, por alterao do ritmo circadiano.

    O excesso de volume urinado por noite, pode

    no entanto dever-se a uma maior mobilizao dos

    lquidos com aumento do volume intra-vascular, o

    que acontece nos idosos com a posio de dec-

    bito. Neste grupo etrio a capacidade de concen-

    trao urinria est diminuda, o que tambm favo-

    rece a poliria.

    Os edemas perifricos por insuficincia carda-

    ca congestiva, hipoalbuminmia, doena vascular

    perifrica ou insuficincia venosa so situaes

    que na posio de decbito permitem tambm uma

    maior mobilizao dos lquidos, com consequente

    aumento do dbito nocturno.

    Agrande ingesto de lquidos noite, e a inges-

    to de lcool ou caf, aumentam o dbito nocturno.

    O ltio e a teofilina tm o mesmo efeito.

    H dois mecanismos importantes para a con-

    centrao urinria. O principal envolve o equilbrio

    na excreo do sdio e o segundo tem relao com

    o equilbrio osmtico das aquaporins. (As aqua-

    porins no so mais que protenas de membrana

    que existem a vrios nveis dos tubulos renais e

    que parecem ter um papel importante na absoro

    de gua Existem pelo menos 7 aquaporins identi-

    ficadas no rim) (1)

    No caso particular do ltio, a poliria provoca-

    da por uma alterao da regulao da aquapori-

    na-2 e no pela absoro de sdio (2).

    As drogas que podem favorecer os edemas

    perifricos como AINS, (indometacina, inibidores

    da cyclooxygenase-2) e nifedipina, so causado-

    res de aumento do dbito urinrio nocturno.

    Se nos doentes com noctria excluirmos a

    poliria nocturna, e as alteraes do sono ento a

    causa ser por alteraes do aparelho urinrio

    inferior. O principal factor responsvel parece ser a

    sensibilidade individual para diferentes volumes

    .

    Relacionada com o aparelho

    urinrio inferior

    vesicais, ou seja, a que volume de urina se esti-

    mula o desejo miccional. A hiperactividade vesical

    manifesta-se nas 24 horas e o diagnstico efec-

    tuado baseado nas queixas e no exame urodin-

    mico.

    Quanto aos doentes com obstruo urinria

    baixa, so o grupo que mais frequentemente ava-

    liamos, e nestes casos o resduo elevado e a pr-

    pria obstruo so responsveis pelas queixas.

    A noctria raramente apenas devido a uma

    nica causa, e as causas mistas constituem a

    maioria. Sabemos que 74% das mulheres e 75 %

    dos homens com bexiga hiperactiva tm poliria

    nocturna. Na globalidade dos doentes com hiper-

    actividade vesical, 62 % tm poliria nocturna (3,

    4).

    Nos doentes com obstruo urinria baixa,

    tambm constatamos que a frequncia miccional

    nocturna, no diminui significativamente com a

    resoluo da obstruo, o que refora o compo-

    nente da poliria nocturna (5).

    Os doentes com insnias, depresso, apneia

    do sono, ou patologia dolorosa que os acordem,

    podem urinar de noite apenas pelo facto de esta-

    rem acordados, constituindo assim uma causa de

    noctria. No entanto as alteraes do sono devem

    ser avaliadas essencialmente como uma conse-

    quncia da noctria e no como causa.

    Sabemos que o sono essencial para o normal

    funcionamento das actividades fsicas e mentais, e

    a sua privao ocasiona alteraes do ritmo biol-

    gico.

    Os padres normais de sono variam entre

    NREM (non-rapid eyes movement) e REM (rapid

    eyes movement), em geral com um ritmo de 90-

    -100 minutos. Os estadios profundos de sono,

    NREM estadio 3 e 4, tambm chamados SWS

    (slow wave sleep) dominam as primeiras horas da

    noite, enquanto que o sono leve (NREM estadio

    2) e REM dominam a ltima parte da noite. (Fig. 1)

    Sabemos que o 1 episdio de noctria aconte-

    ce em regra nas primeiras 2 a 3 horas do sono,

    interrompendo importantes fases de SWS (6).

    A interrupo do sono, causa sonolncia diur-

    na, cansao, alteraes do humor, perda de con-

    centrao e baixa performance. Nestes doentes h

    uma maior incidncia de acidentes de trfico,

    As alteraes do sono

    e a noctria

    2

  • assim como h maior risco de doenas cardiovas-

    culares e de diabetes.

    Como j foi referido o mapa miccional, com os

    registos das horas e dos volumes miccionais, per-

    mite definir o tipo de causa que est na origem

    desta situao e consideramos o melhor meio de

    investigao. A excluso das doenas metabli-

    cas, das alteraes do aparelho urinrio baixo e

    das alteraes do sono so a etapa seguinte.

    Devemos tratar essencialmente os doentes

    que se sentem incomodados com esta situao e

    para isso usamos um algoritmo elaborado pelo

    (Fig. 2)

    A obstruo urinria baixa e a bexiga hiperacti-

    va so as causas melhor conhecidas de noctria,

    mas a mais prevalente sem dvida a poliria

    nocturna (60-80% dos doentes) (7).

    Nos doentes mais jovens com bexiga hiperacti-

    va, a diminuio da capacidade funcional vesical

    tem um papel muito importante na etiopatognese

    da noctria enquanto que nos mais idosos a poli-

    ria nocturna tem um papel mais preponderante.

    So tambm os doentes mais novos os que se

    sentem mais incomodados com a noctria, porque

    ainda trabalham e para os quais as alteraes do

    sono pode trazer grandes alteraes da Qualidade

    de vida. Por outro lado nos idosos que so mais

    frequentes os acidentes e as fracturas devido a

    estas situaes (8)

    Subcommittee of the International Continence So-

    ciety.

    .

    Como devemos investigar ?

    Que doentes devemos tratar?

    3

    Teraputica da noctria

    Deixando de parte os casos de diabetes melli-

    tus e diabetes inspida que so tratados pelos en-

    docrinologistas, sabemos que em geral a noctria

    pode ser devida a poliria nocturna, a uma diminu-

    da capacidade vesical nocturna ou combinao

    destas duas.

    A primeira medida no tratamento o aconse-

    lhamento comportamental, que se refere menor

    ingesto de lquidos na parte final do dia, admi-

    nistrao dos diurticos de manh (quando neces-

    Figura 1

    Non-REM (NREM) (7580%)

    REM (2025%)

    Estadio 1: transio do acordado para o

    sono (15%)

    Estadio 2: verdadeiro sono (4550%)

    Estadio 3: sono profundo, slow wave sleep

    (SWS: 2527%)

    SWS caracterizado por respirao lenta,

    baixa frequncia cardaca, baixa irrigao

    cerebral

    Estadio 4: sono profundo

    Respirao irregular e frequncia cardaca

    aumentada

    Tonicidade muscular muito baixa. Os homens

    podem ter ereces e as mulheres

    tumescncia clitoriana.

    Processamento de emoes, activao das

    memrias e alvio do stress

    Estadios do Sono

    Figura 2

  • srios), mas em geral estas medidas no tm o

    efeito suficiente.

    Os doentes com bexigas hiperactivas devem

    ser medicados com anti-colinrgicos que ao dimi-

    nuir as contraces no inibidas vo reduzir a fre-

    quncia miccional.

    Nos homens a maior frequncia miccional noc-

    turna pode fazer suspeitar de obstruo com

    dificuldade de esvaziamento ou de hiperactividade

    vesical. Nestes casos a teraputica com alfa-blo-

    queantes pode ser til e resolver a situao.

    Nas mulheres deve-se ainda despistar as defi-

    cincias de estrognios e consequente correco.

    Depois do diagnstico devidamente esclare-

    cido, os doentes com poliria nocturna pura devem

    ser tratados com desmopressina oral.

    Mas como j referido estas situaes no apa-

    recem isoladas na maior parte dos casos, tendo a

    poliria nocturna uma prevalncia de cerca de 60

    %, pelo que existe uma tendncia para associar a

    desmopressina no tratamento da noctria.

    A desmopressina o nico anlogo da hor-

    mona anti-diurtica (vasopressina) recomendada

    pela sua eficcia comprovada na teraputica des-

    tes casos (9), e ao contrrio da vasopressina no

    afecta o sistema cardiovascular.

    Em estudos realizados com desmopressina,

    verificou-se que alguns indivduos podem ter hipo-

    natrmia, sendo este praticamente o nico efeito

    secundrio importante. Verificou-se tambm que

    este risco de hiponatrmia superior em indiv-

    duos com mais de 65 anos (10).

    O maior risco de hiponatrmia parece estar

    relacionado com um maior volume miccional nas

    24 horas. H portanto variveis que so importan-

    tes a ter em conta quando se vai efectuar terapu-

    tica com desmopressina oral.

    So elas a idade, o valor do sdio pr-terapu-

    tica, o volume de lquidos ingeridos/diurese.

    A grande maioria de doentes pode ser tratada

    com segurana, com desmopressina oral, e nos

    poucos em que aparece hiponatrmia, esta apare-

    ce invariavelmente na primeira semana de trata-

    mento.

    Deve haver um controlo com ionograma nos

    indivduos > 65 anos de idade, na primeira fase da

    teraputica ou quando h reajuste de dose.

    Os doentes > 65 anos, alem dos cuidados j

    referidos, devem ser avisados dos sintomas da

    hiponatrmia (cefaleia, nuseas, vmitos, fadiga),

    para que reconheam facilmente a situao.

    (1) Renal aquaporins: an overview. S. Nielsen BJU

    International (2002), 90 (Supll. 3) 1-6

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    Bibliografia

    4

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    Associao

    Portuguesa

    de Urologia

    Urologia

    Data:

    Noctria Etiopatogenia e teraputica (Tema 1)

    Janeiro 2010

    Produo: Associao Portuguesa de Urologia

    Conselho Directivo

    Tom Lopes

    Arnaldo Figueiredo

    Abranches Monteiro

    Carlos Silva

    Miguel Ramos; Paulo Temido; Joo Varregoso

    Presidente:

    Vice-Presidente:

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