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R. Periodontia - Junho 2009 - Volume 19 - Número 02
1.0 INTRODUÇÃO
A utilização de implantes de titânio tem sido
considerado um método previsível para reabilitação
oral com taxas de sucesso superiores a 95%. Para
que esses implantes tenham sucesso, é de suma
importância que haja uma osseointegração. Esse
processo define-se como a união anatômica e funci-
onal direta entre o osso vivo remodelado e a superfí-
cie do implante em função. Em sua primeira publica-
ção a respeito da osseointegração, Branemark (1965),
enfatizou a importância da morfologia e da densi-
dade óssea como preditores do sucesso dos implan-
tes. Diversos fatores tais como o fumo, baixo peso,
deficiência de estrógeno, raça caucasiana, alcoolis-
mo e saúde geral deficiente influenciam na qualida-
de óssea (Esposito et al., 1998). Estudos clínicos re-
latam que fumantes apresentam redução do suces-
so com implantes provavelmente devido aos efeitos
deletérios desta substância ao redor de implantes
osseointegrados (Jaffin & Berman, 1991; Puleo,
1999).
Evidências sugerem que o fumo pode influenci-
ar negativamente no resultado da cicatrização ós-
sea pós-cirúrgica (Grossi et al., 1994). Em pesquisa
realizada por Gorman et al. (1994) foram obtidos re-
sultados claros quanto a perda de implantes, no qual
AVALIAÇÃO HISTOMÉTRICA EM RATOS DO EFEITO DAFUMAÇA DA CANNABIS SATIVA (MACONHA) NOREPARO ÓSSEO AO REDOR DE IMPLANTES DE TITÂNIOA histometric study in rats about the effects of Cannabis sativa (marijuana) in bone filling around
titanium implants
Andrea Torres de Brito1, Bruno Trevisan Rosa1, Getúlio da Rocha Nogueira-Filho1, Sylvia Maria Correia Todescan1
1 Departamento de Periodontia da Faculdade de Odontologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública,
Salvador, Bahia, Brasil
Recebimento: 19/09/08 - Correção: 05/02/09 - Aceite: 15/06/09
RESUMO
[Objetivos] Este estudo visa fazer uma revisão de litera-
tura sobre os principais aspectos relacionados à ação da
fumaça da Cannabis sativa (maconha) no reparo ósseo.
[Material e métodos] Após anestesia geral, um implante de
titânio com superfície usinada (2,2mm x 4,0mm) foi
posicionado em uma das tíbias de 30 ratos machos e adul-
tos da raça Wistar. Os animais foram aleatoriamente e igual-
mente divididos em 2 grupos experimentais. O Grupo A foi
utilizado como controle e os ratos receberam apenas a co-
locação dos implantes. O Grupo B foi submetido ao mes-
mo procedimento, contudo sofreu também exposição à
fumaça da Cannabis sativa durante três períodos diários de
8 minutos durante 60 dias. Os animais foram mortos 60
dias após a colocação dos implantes. As secções não
descalcificadas da tíbia foram dissecadas e avaliadas
histometricamente quanto ao preenchimento ósseo nos
limites das roscas de cada implante; à extensão de contato
direto osso-implante e em relação à densidade óssea a
500µm do implante. Médias representativas de cada gru-
po foram obtidas e comparadas estatisticamente pelo tes-
te T Student (α=0,05). [Resultados] Os achados demons-
traram um efeito deletério significante da fumaça da ma-
conha no reparo ósseo ao redor de implantes, levando a
uma diminuição na quantidade de tecido ósseo em conta-
to direto com o implante, assim como na área óssea den-
tro dos limites das roscas dos implantes e na área de tecido
ósseo a 500µm do implante. [Conclusões] Considerando
as limitações do presente estudo, a inalação da fumaça de
Cannabis sativa tem uma repercussão deletéria no reparo
ósseo ao redor de implantes de titânio colocados em tíbias
de ratos. Esses efeitos podem ser considerados durante a
avaliação dos resultados sucesso/fracasso dos implantes.
UNITERMOS: Cannabis sativa; implantes dentários;
densidade óssea. R Periodontia 2009; 19:100-108.
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foram estatisticamente significativas as diferenças entre o
grupo de fumantes e o de não fumantes com insucesso dos
implantes colocados representando o dobro para o grupo
de fumantes.
Em estudo realizado por Schwartz-Arad et al. (2002)
comparou-se a incidência de complicações e taxa de sobre-
vivência dos implantes dentários entre fumantes e não fu-
mantes. Foram colocados 959 implantes em 261 pessoas
no período de 1995 a 1998. Os pacientes foram divididos
em três grupos: a) não fumantes; b) fumantes leves (até dez
cigarros por dia); c) fumantes pesados (mais de dez cigarros
por dia); entre os fumantes obtiveram-se dois subgrupos de
acordo com a duração, expressa em anos, de que o pacien-
te fuma. As complicações foram classificadas como: menor
(exposição espontânea do implante), maior (exposição es-
pontânea do implante com necessidade de intervenção ci-
rúrgica) e perda do implante. Complicações menores e mai-
ores concentraram-se em fumantes (46%) do que em não
fumantes (31%). Concluiu-se a partir daí que há uma rela-
ção entre complicações dos implantes e o hábito de fumar,
devido a uma alta incidência de complicações encontrada
no grupo fumante. Da mesma forma, a inalação da maco-
nha parece interferir neste fenômeno.
Cannabis sativa é uma planta herbácea cultivada em di-
versas partes do mundo e seu principal produto
comercializado é a maconha. Em 1964, foi isolada uma subs-
tância chamada “∆-9-tetrahidrocanabinóide (THC) e em 1970
chegou-se à conclusão de que este era o principal compo-
nente psicoativo da maconha (Iversen, 2003). A maconha é
constituída por mais de 400 substâncias químicas e dessas,
mais de 60, incluindo o THC, são cannabinóides. Em uma
descoberta relativamente recente (1980), foram descritos os
receptores para o THC, ditos CB1 e CB2. Sua presença está
confirmada em mamíferos, aves, peixes e répteis. Os recep-
tores CB1 são encontrados principalmente no cérebro, ao
nível dos gânglios basais e no sistema límbico, exercendo
efeitos eufóricos e anticonvulsivantes (Iversen, 2003). Já os
receptores CB2 são encontrados no sistema imune e a estes
é atribuída atividade antiinflamatória e outros possíveis efei-
tos terapêuticos da maconha. Suas indicações medicinais
mais frequentes são como estimulante do apetite, aliviadora
da dor e bloqueadora das náuseas para pacientes terminais
de câncer, AIDS (Honório, 2006).
Porém, o uso da maconha também tem sido associado
a efeitos indesejáveis tais como maior susceptibilidade às in-
fecções, aumento na incidência de câncer de cabeça e pes-
coço, dentre outros. O THC possui propriedades
imunomodulatórias reduzindo a capacidade dos macrófagos
de produzir citocinas, limitando sua capacidade apresenta-
dora de antígenos, diminuindo as respostas citolítica e
proliferativa dos linfócitos T e a produção de anticorpos pe-
los linfócitos B (Klein et al., 2000).
A inibição do THC sobre a expressão do CB2 nos
osteoblastos parece estar associada a redução da formação
óssea (Klein et al., 2005). Foi observado que o sistema
endocanabinóide parece participar da fisiologia óssea atra-
vés da regulação de sua massa e da atividade osteoclástica
pela sinalização do CB2. A ativação deste receptor, por sua
vez, reduz a cicatrização óssea ao redor de implantes. Quan-
do a expressão do CB2 nos osteoblastos é inativada, perce-
bemos o efeito contrário, ou seja, um aumento na repara-
ção óssea ao redor de implantes (Idris et al., 2005).
Em vista da ausência de pesquisas que avaliem o efeito
do consumo da Cannabis sativa sobre a perda óssea ao re-
dor de implantes, o presente trabalho tem como objetivo
avaliar histometricamente a influência da fumaça desta dro-
ga sobre o reparo ósseo ao redor de implantes em tíbias de
ratos comparando, entre os grupos expostos ou não à ina-
lação da fumaça da maconha, a área óssea dentro dos limi-
tes das roscas de implantes osseointegrados; o tecido ósseo
em contato direto com o implante; e a área de tecido ósseo
a 500µm do implante.
2.0 MATERIAS E MÉTODOS
2.1) Características da amostra
Foram utilizados 30 ratos adultos, machos, da raça Wistar,
pesando entre 300 e 400g. Os animais foram mantidos em
gaiolas plásticas com acesso a comida e água ad libitum.
Antes do experimento os animais passaram por um período
de cinco dias para a aclimatação ao ambiente do laborató-
rio.
2.2) Colocação do implanteTodos os animais foram submetidos à colocação de im-
plantes de titânio comercialmente puro do tipo
osseointegrável, rosqueável, de superfície usinada, com as
seguintes dimensões: 4,0 mm de comprimento e 2,2 mm
de diâmetro (Titanium Fix®, AS Technology, SP, Brasil). Antes
da cirurgia, os animais foram pesados e foram anestesiados
com solução de ketamina (100mg/Kg/IM) (Francotar®; Virbac
do Brasil Industria e Comércio LTDA, Roseira, S.P., Brasil) e
cloridrato de xylazina (10mg/kg/IM) (Virbaxil®; Virbac do Bra-
sil Industria e Comércio LTDA, Roseira, S.P., Brasil).
Após a escolha aleatória da tíbia a ser operada era feita
a tricotomia do local e uma solução de álcool iodado foi uti-
lizada para a antissepsia do campo operatório. Com uma
lâmina de bisturi número 15 (Surgi-Blade®, Índia), realizou-
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se uma incisão de aproximadamente 1,5 cm, proporcionan-
do a exposição do tecido muscular, que foi divulsionado,
permitindo o acesso à tíbia do animal.
Utilizando-se um motor elétrico e um contra-ângulo re-
dutor 16:1, leitos bi-corticais com a dimensão final de 2 mm
de diâmetro foram preparados para a colocação dos implan-
tes de acordo com um protocolo pré-estabelecido (Cesar-
Neto et al., 2003). Os leitos foram irrigados com solução
salina fisiológica para a remoção de fragmentos que pudes-
sem prejudicar a adaptação do implante.
Os implantes foram manualmente rosqueados até que
estivessem estabilizados nas duas corticais ósseas. O tecido
muscular foi reposicionado e suturado em massa com fio
absorvível e o tecido superficial com fio de náilon (5.0 Ethicon
- Johnson & Johnson®, Medical Devices & Diagnostics, Bra-
sil). Uma solução de álcool iodado foi novamente aplicada
sobre a área operada.
Após a cirurgia, os animais receberam uma dose única
de antibiótico via intramuscular (0,1 ml/Kg/IM) (Pentabiótico;
Whitehall LTDA, São Paulo, Brasil). Nenhuma restrição de
movimentação ou alimentação foi feita aos animais após a
cirurgia, os quais foram mantidos em gaiolas durante todo o
período experimental.
2.3) Aspectos Éticos e Legais da Pesquisa
A amostra de Cannabis sativa (820g) foi solicitada e libe-
rada (anexo 1) pelo Departamento de Tóxicos e Entorpe-
centes da Secretaria de Segurança Pública de Salvador (BA)
para emprego oficial em uso experimental. Além disso, o
projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em
Animais da Fundação Bahiana para Desenvolvimento das
Ciências sob protocolo n° 004/2008 (anexo 2).
2.4) Delineamento do estudo
Os animais foram aleatoriamente divididos em 2 grupos
experimentais: Grupo A - 15 ratos que não foram expostos
a fumaça da maconha sendo considerados o grupo contro-
le, e Grupo B - 15 ratos que foram expostos a fumaça da
Cannabis sativa por três períodos diários de 8 minutos cada
durante 60 dias.
Os animais foram sacrificados 60 dias após a colocação
dos implantes. Os animais do grupo controle foram subme-
tidos ao mesmo processo de acondicionamento na caixa de
exposição à fumaça com intuito de simular o estresse passa-
do pelo grupo B.
I) Exposição à Fumaça da Cannabis sativa
Os animais do grupo experimental B (cinco ratos por
vez) foram expostos durante 60 dias à fumaça da Cannabis
sativa seguindo o protocolo descrito por Davies e colabora-
dores (1979). Esse protocolo estabelece que os animais de-
veriam ser expostos à fumaça proveniente da queima de 1g
de maconha, por três períodos diários de oito minutos (Leite
et al., 2001). Inicialmente os animais passaram por um perí-
odo de adaptação (Nociti et al., 2002) que foi constituído de
2 dias, onde no primeiro dia estes ficaram expostos por perí-
odos de 5 minutos, no segundo dia 7 minutos e a partir do
terceiro dia os animais foram expostos em três períodos diá-
rios de 8 minutos. O objetivo deste período de adaptação
Anexo 1
Anexo 2
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era condicionar os ratos à fumaça da maconha evitando a
morte súbita.
Detalhamento Metodológico
A metodologia utilizada para a exposição dos animais a
fumaça foi descrita inicialmente por Le Mesurier et al. (1981)
e modificada no laboratório de Pneumologia da Escola
Paulista de Medicina (Cendon-Filha, 1993). Trata-se de um
recipiente composto por duas câmaras interligadas por um
orifício. Na primeira fica armazenado o cachimbo de maco-
nha aceso. Nesta parte há também uma entrada onde é
bombeado o ar, formando uma corrente que leva a fumaça
para a segunda câmara, onde ficam os animais. Na segun-
da câmara há outro orifício que dá vazão ao ar bombeado
(Figura 1).
II) Processamento histológico das tíbias
Os animais foram sacrificados através de uma dose letal
de anestésico após os 60 dias experimentais. Os espécimes
foram removidos em blocos (implante/osso) e colocados em
frascos codificados contendo formalina neutra tamponada
a 4%. As peças foram enviadas para o Laboratório
de Periodontia da Faculdade de Odontologia de
Piracicaba (UNICAMP) onde foram confeccionadas as
lâminas do estudo.
Detalhamento metodológico
Após a fixação com azul de toluidina e lavagem em água,
os blocos foram desidratados em solução de álcool etílico
absoluto, sob constante agitação. Foi realizada uma infiltra-
ção plástica com misturas de glicolmetacrilato (Technovit 7200
VLC – Kulzer, Wehrheim, Alemanha) e álcool etílico seguindo
variações gradativas, finalizando com infiltrações de
glicolmetacrilato puro, sob agitação constante. Após a infil-
tração os blocos foram incluídos em metilmetacrilato puro e
Figura 5: Fotomicrografia ilustrando o parâmetro área óssea dentro dos limites das roscas.
Figura 4: Fotomicrografia ilustrando o parâmetro tecido ósseo em contato direto com oimplante.
Figura 3: Fotomicrografia representando o parâmetro área de tecido ósseo a 500µm doimplante.
Figura 2: Desenho esquemático representando os parâmetros histológicos avaliados.
Figura 1: Desenho esquemático representando o mecanismo de exposição à fumaça damaconha.
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foi realizada a polimerização (Nociti et al., 2002).
Os blocos foram removidos do molde e montados em
uma lâmina acrílica (Technovit 4000 - Kulzer, Wehrheim, Ale-
manha). Através de um sistema especial de corte (Exakt –
Cutting and Grinding System, Apparatebau Gmbh, Ham-
burgo, Alemanha) foi realizado o corte preliminar (300–500
µm). Esta secção foi submetida a um micro-desgaste, que
resultou em uma secção de aproximadamente 20 a 30 µm
de espessura.
2.5) Análise HistométricaCom o auxílio de um programa para análise de imagens
(Motic® Image 3.2 Motic Inc.,Toronto, Canadá) três
parâmetros histológicos foram avaliados: (AO) área óssea
dentro dos limites das roscas de cada implante; (CO) tecido
ósseo em contato direto com o osso; (ATO) área de tecido
ósseo a 500µm do implante como pode ser observado na
figura 2.
Para análise do parâmetro ATO, como mostra a
fotomicrografia na figura 3, inicialmente foi traçada uma reta
perpendicular ao longo eixo do implante com comprimento
de 500µm. A essa distância foi selecionada uma área com
aproximadamente 1mm2 e nesse espaço foi mensurada a
área de tecido ósseo a 500µm do implante. O programa
Motic® Image possui um comando que possibilita o contor-
no das áreas com osso permitindo o cálculo do percentual
de osso presente na área de 1mm2.
Para mensurar o tecido ósseo em contato direto com o
implante foi utilizada uma medida linear (perímetro). Só fo-
ram computados os locais onde havia um íntimo contato
osso-implante como mostra a fotomicrografia na figura 4.
Para calcular a área óssea dentro dos limites das roscas,
inicialmente delimitou-se essa área através de linhas unindo
os pontos mais externos das roscas. Posteriormente era
contabilizada a quantidade de osso no interior dessa área.
Vale ressaltar que foi estabelecido como padrão que somen-
te as medidas das três primeiras roscas no sentido corono-
apical foram contabilizadas (Figura 5).
2.6) Análise dos Dados
O banco de dados foi criado no Excel® versão 2007
(Microsoft Office Excel 2007, Microsoft Corporation, USA) e
analisado no software SPSS versão 13.0 (SPSS Brasil, São Pau-
lo), onde foi realizada a correção dos dados digitados com o
objetivo de eliminar possíveis erros ou inconsistências. Reali-
zou-se uma análise descritiva (média, desvio padrão) com o
objetivo de verificar as características da amostra estudada.
Foram utilizadas as 11 médias do grupo A e as 8 médias do
grupo B.
O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para verificar a nor-
malidade dos dados. Para verificar a existência de diferenças
significativas entre as medidas de tecido ósseo em contato
direto com o osso, área óssea dentro dos limites das roscas
e área de tecido ósseo a 500µm do implante, entre os gru-
pos controle e o Cannabis sativa, utilizou-se o teste
paramétrico T student.
Foram consideradas como estatisticamente significantes
associações com valores de p< 0,05. As informações serão
apresentadas em forma de tabelas de modo a permitir uma
melhor visualização e interpretação dos dados encontrados
no estudo.
Figura 6.3: Fotomicrografias ilustrando a cicatrização óssea ao redor de implantes nos gruposcontrole (A) e cannabis (B). Azul de toluidina / Aumento 1000X.
Figura 6.2: Fotomicrografias ilustrando a cicatrização óssea ao redor de implantes nos gruposcontrole (A) e cannabis (B). Azul de toluidina / Aumento 400X.
Figura 6.1: Fotomicrografias ilustrando a cicatrização óssea ao redor de implantes nos gruposcontrole (A) e cannabis (B). Azul de toluidina / Aumento 100X.
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3.0 RESULTADOS
Após 60 dias somente 19 dos 30 animais sobreviveram
(Cannabis sativa = 8 e controle= 11). Sete ratos do grupo B
(Cannabis sativa) e quatro do grupo controle morreram
durante o experimento.
No dia anterior ao início do experimento, a urina de to-
dos os animais e dos pesquisadores envolvidos na pesquisa
foi coletada e analisada laboratorialmente pelo teste SYVA
RAPID TEST (Roche, Brasil) com intuito de verificar a presen-
ça de THC. Os resultados foram negativos para todas as
amostras como mostra a tabela 1.
No dia 60 do período experimental, após todas as expo-
sições, foi feita uma nova coleta e análise da urina dos ratos
e dos pesquisadores. Como pode ser observado na tabela
2, os resultados mostram que os 8 ratos do grupo B apre-
sentam presença de THC na urina, comprovando a exposi-
ção à droga. As urinas coletadas dos grupos A e dos pesqui-
sadores apresentaram ausência de THC.
Como demonstrado na tabela 3, existe uma diferença
estatisticamente significante entre os parâmetros ósseos na
tíbia dos ratos expostos à fumaça da Cannabis sativa quan-
do comparados àqueles do grupo controle.
A figura 6 ilustra os cortes histológicos representando a
cicatrização óssea ao redor de implantes em tíbias de ratos
no grupo controle e Cannabis sativa.
Na figura 6.1, com um aumento de 100x, pode-se ob-
servar claramente que o osso ao redor do implante de ani-
mais do grupo A (controle) apresenta-se mais compacto e
denso que o do grupo B (Cannabis sativa). Na figura 6.2,
agora com um aumento de 400x, fica evidente que o preen-
chimento ósseo no limite das roscas é maior no grupo con-
trole. As roscas dos implantes do grupo Cannabis sativa apre-
sentam várias lacunas sem osso derivadas do prejuízo cau-
Tabela 1
ANÁLISE DA PRESENÇA DE THC NA URINA DOS ANIMAIS DOS GRUPOS CONTROLE E CANNABIS
E DOS 04 PESQUISADORES ENVOLVIDOS NA EXPOSIÇÃO À MACONHA NO DIA ANTERIOR AO INÍCIO DO EXPERIMENTO
Médias
Variáveis N AO (µm2) CO (µm) ATO (µm2)
Grupo
Controle 11 48,84 ± 18,38* 387,20 ± 176,30* 23,30± 9,10*
Cannabis 8 32,81 ± 13,01* 193,40 ± 84,40* 15,60± 7,30*
Tabela 3
MÉDIAS ENCONTRADAS PARA AS MEDIDAS DE ÁREA ÓSSEA DENTRO DOS LIMITES DAS ROSCAS (AO/µM2), TECIDO ÓSSEO EM CONTATO DIRETO COM O OSSO (CO/µM) E
ÁREA DE TECIDO ÓSSEO À 500µM DO IMPLANTE (ATO/µM2) DE ACORDO COM CADA GRUPO EXPERIMENTAL
* Significância estatística (p<0,05 – T Student)
Tabela 2
ANÁLISE DA PRESENÇA DE THC NA URINA DOS ANIMAIS DOS GRUPOS CONTROLE E CANNABIS
E DOS 04 PESQUISADORES ENVOLVIDOS NA EXPOSIÇÃO À MACONHA 60 DIAS APÓS A EXPOSIÇÃO À FUMAÇA DA CANNABIS SATIVA.
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sado pelo efeito da maconha. Na figura 6.3 pode-se confir-
mar o efeito deletério desta droga na osseointegração de
implantes na tíbia de ratos expostos à fumaça da maconha,
pois o contato direto osso-implante mostra-se bastante re-
duzido no grupo B, aumento de 1000x.
4.0 DISCUSSÃO
Na literatura atual, todos os trabalhos associados à re-
paração óssea com inalação de fumaça estão relacionados
ao fumo de cigarro de nicotina. O fumo é um dos fatores de
risco significativo no desenvolvimento e na progressão da
perda óssea (Grossi et al., 1994). Apesar das limitações do
estudo, sugere-se a atuação da Cannabis sativa como fator
contribuinte na perda óssea ao redor de implantes.
Estudos demonstram que a ação do THC sobre células
indiferenciadas da medula óssea parece apresentar um fator
deletério na resposta imune, danificando a defesa do hos-
pedeiro no reparo ósseo pós-operatório. No decorrer deste
estudo, sete ratos do grupo Cannabis sativa morreram en-
quanto no grupo controle essa incidência foi menor, de qua-
tro ratos. Apesar da causa da morte não ter sido avaliada, o
maior índice de morte observado no grupo experimental é
sugestivo de que estes animais foram mais debilitados em
virtude da inalação da fumaça da Cannabis sativa. Essa sus-
peita é embasada pelos estudos (Klein et al., 2000) que com-
provam o efeito imunossupressor desta droga. Sugere-se ain-
da que o alto índice de morte no grupo Cannabis possa ser
devido a uma superdosagem da droga. Por se tratar de um
estudo inédito, ainda não foi estabelecida uma dose padrão
de exposição. Estudos controlados devem ser realizados com
objetivo de modular essa dosagem.
Nos resultados deste estudo, as análises histométricas
dos valores de área de tecido ósseo a 500µm do implante,
tecido ósseo em contato direto com o implante e área óssea
dentro dos limites das roscas apresentaram-se maiores no
grupo controle, com diferença estatisticamente significante,
demonstrando que a inalação da fumaça de maconha con-
tribui para a perda óssea e para o prejuízo da cicatrização
adjacente ao implante. Esses achados corroboram com os
achados de estudos prévios com fumaça de cigarro (Cesar-
Neto et al., 2005; Nociti et al., 2002) no que diz respeito à
influência desta no suporte ósseo. Além disso, também es-
tão em acordo com outros estudos que observaram a inter-
ferência da inalação da maconha na cicatrização óssea, pro-
vavelmente devido ao efeito inibitório do THC sobre a ex-
pressão do CB2 nos osteoblastos, reduzindo
consequentemente a formação óssea (Klein et al., 2005; Idris
et al., 2005).
Apesar do regime de exposição à fumaça da Cannabis
sativa utilizado neste trabalho ter sido baseada com propor-
ção ao uso diário de um humano, devemos considerar as
diferenças anatômicas e metabólicas entre ratos e huma-
nos. Comparações com os achados do presente estudo com
outros utilizando amostra humana devem ser tratados com
cautela.
Assim, como é bem estabelecido que o sucesso de im-
plantes de titânio é uma realidade, e somente poucas situa-
ções, como o fumo, podem causar o fracasso de implantes,
este trabalho é o primeiro na literatura a levantar o
questionamento a respeito do consumo da Cannabis sativa
como um possível fator de fracasso dos implantes. No en-
tanto, estudos epidemiológicos devem ser realizados para
confirmar tal hipótese.
Assim como observado no estudo de Nociti et al. (2002),
onde os autores encontraram um índice de mortalidade de
50% para o grupo de ratos expostos à fumaça do tabaco,
os achados desse estudo mostraram uma alta taxa de mor-
te dos animais expostos à fumaça da Cannabis sativa, o que
limita as extrapolações dos resultados. Mais estudos devem
ser realizados com uma amostra maior.
Novos estudos devem ser considerados para investigar
se a redução da quantidade de osso ao redor de implantes,
promovidos pela exposição à fumaça da Cannabis sativa, é
clinicamente relevante. Se essa relação for confirmada, reco-
mendações quanto ao consumo de maconha em pacientes
que queiram colocar implantes devem ser consideradas.
Outro aspecto relevante que deve ser levado em consi-
deração em futuros estudos experimentais é a observação
das conseqüências da inalação da fumaça da Cannabis sativa
em diferentes intervalos de tempo. Dessa forma, será possí-
vel avaliar o grau de comprometimento ósseo a curto, mé-
dio e longo prazo, simulando diferentes situações clínicas
com usuários pontuais, reincidentes e viciados nesta droga.
No presente estudo, foram relatados os efeitos do con-
sumo da Cannabis sativa sobre o processo de remodelação
óssea. Torna-se necessário o esclarecimento da atuação desta
droga sobre tal processo de remodelação. Sugere-se análise
mais específica, com marcadores para células envolvidas neste
fenômeno esclarecendo assim o papel específico de cada
uma delas.
5.0 CONCLUSÕES
Considerando as limitações do presente estudo, pode-
se concluir que:
- esta droga tem um efeito deletério no reparo ósseo em
tíbias de ratos, apresentando-se como um fator contribuin-
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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tes de titânio.
ABSTRACT
[Purpose] This study aims to make a review of literature
on the majors aspects related to the action of the smoke of
Cannabis sativa (marijuana) in bone repair. [Materials and
Methods] After general anesthesia, one screw-shaped pure
titanium implant (2,2mm x 4,0mm), was placed in one tibia
of 30 male Wistar rats. The animals were randomly and equally
divided in two experimental groups. Group A was used as
control and the rats received only the placing of implants.
Group B was submitted to the same procedure and also was
exposed to Cannabis sativa’s smoke inhalation for 8 minutes,
three times a day during 60 days. The animals were sacrificed
60 days after implant placement. Undecalcified tibia’s sections
were dissected and appraised histometrically considering
bone filling around each spiral’s limit of every implant,
extension of direct contact between bone and implant and
bone density in a 500µm wide-zone lateral to the implant.
[Results] Representative means of each group were obtained
and compared statistically using Student-t test (α=0,05).
[Results] The findings showed a significant negative impact
of marijuana smoke inhalation on bone filling around
titanium implants leading to a decrease in bone density,as
well as in the extension of bone to implant contact and on
bone area whitin the limits of threads. [Conclusions]
Considering the limitations of the present study, the Cannabis
sativa smoke inhalation may represent a deleterious impact
on bone healing around titanium implants in rats tibiaes.
These effects should be a new concern for implant success/
failure.
UNITERMS: Cannabis sativa; dental implants; bone
density.
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Endereço para correspondência:
Andrea Torres de Brito
Avenida Silveira Martins, 3386 - Cabula
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