NÚMERO 4 GTracism o · Assessoria Militar do MPPE e 8 representantes do Movimento Negro. 2 - GT...

4
>> GT racismo Publicação trimestral do Ministério Público de Pernambuco Tramita no Congresso Nacional Projeto de Lei (PLS) nº 225/2004 objetivando a alteração da lei que define os crimes de racismo. A inicia- tiva é do Senador Paulo Paim (PT-RS) e tem a finalidade, dentre outras, de dirimir as contro- vérsias relacionadas ao delito quando praticadas através de ofensa verbal. É que ainda é forte o entendimento de que as agressões orais do tipo “negro safado” configuram injúria qualificada e não racismo, apesar da visível inconstitucionali- dade e incompatibilidade lógica do art. 140, § 3º, do Código Penal com o restante do ordena- mento jurídico nacional, sem falar da incompre- ensão e perplexidade que causa à sociedade ver uma ofensa gravíssima como essa ser considerada crime de ação privada, sujeito à decadência e prescrição. Na proposta defendida pelo referido parlamentar, toda ofensa à honra que consistir na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem configurará racismo, delito imprescritível e que, segundo o projeto, será processado através de ação penal pública condicionada à representação da vítima. Signi- fica dizer que independentemente da discussão jurídica até agora travada, com a aprovação da proposição, o Ministério Público estará indiscu- tivelmente legitimado a promover a persecução penal dessa espécie de manifestação do racismo. O GT Racismo apóia a iniciativa e, em decor- rência de deliberação adotada na última reunião, enviará ao ilustre Senador e outros parlamentares comprometidos com a causa sugestão para a su- pressão do dispositivo que exige a representação do ofendido. É fácil verificar que o dano causado pelo racismo, ainda que direcionado a uma única pessoa, atinge toda a coletividade. Não é razoável deixar a repressão e a prevenção criminal à mercê da vontade ou disposição de uma pessoa apenas. Essa é a razão da defesa da ação penal pública incondicionada em casos tais. Breve o Projeto de Lei e sua justificativa estarão disponíveis no site do GT Racismo. Comentários e críticas sobre o tema e o trabalho do GT serão muito bem rece- bidos. Envie o seu para [email protected]. LEI QUE DEFINE CRIMES DE RACISMO DEVE MUDAR NÚMERO 4 MARÇO 2006 EDITORIAL O 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, nos remete à reflexão sobre a discriminação de gênero e racial ainda tão presente na sociedade brasileira. A violência doméstica, mais especificamente a violência contra a mulher, atingiu o alar- mante número de 76 de mulheres assassinadas, somente neste ano, em Pernambuco. Nestes registros não estão incluidas outras formas de violência ‘‘menos visíveis’’, como a sexual e a psicológica, além daquelas não denunciadas por serem, historicamente, herança de uma sociedade machista, onde a mulher foi relegada a um papel secundário. A permanência dessa situação configura uma grave violação dos direitos humanos e contribui para o desequilíbrio da sociedade. Revela, ainda, o grau de descompasso entre as leis e a sua concretização. Fica assim evidente o descaso dos Governos e das instituições de nosso País com os compromissos assumidos em conferências mundiais com foco nos direitos econômicos e sociais, sobretudo os da década de 90 e no início deste século. As conseqüências dessa omissão são devastadoras e têm um efeito profundamente danoso à medida em que a violência repercute na desestruturação das famílias, alte- rando o destino de crianças e adolescentes, subitamente atirados ao abandono afetivo e, na maioria das vezes, também material, caminho quase irreversível para a multipli- cação do fenômeno da violência. Nessa perspectiva, é necessário que se contextualizem as iniqüidades raciais a que se acham especialmente submetidas as mulheres negras. Números recentemente pro- cessados escancaram o fosso que separa esse segmento de outras camadas sociais, em relação ao acesso a serviços básicos, como saúde, educação e habitação. (Leia à página 3, pesquisa realizada pela UNIFEM - Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher). O Estado Democrático de Direito pressupõe o funcionamento das instituições e a participação da sociedade como forma de superar as barreiras que impedem os indivíduos de desenvolver plenamente suas potencialidades nos vários aspectos da vida, possibilitando o rompimento das relações de poder que geram a discriminação. Os que fazem o GT Racismo do Ministério Público de Pernambuc co sentem-se profundamente identificados com essas necessidade e comprometidos com m uma atu- ação institucional que leve em conta as diferenças e os interesses das mu ulheres e dos demais segmentos discriminados, promovendo seus direitos como forma de concreti- de concreti- zar a promessa constitucional de justiça com equidade social. Ref letir sobre a condiç ã ç ç o ã ã da mulher É necessário que se É É contextualizem as iniqüidades raciais a que se acham especialmente submetidas as mulheres negras. 8 - GT RACISMO - NÚMERO 4 - MARÇO 2006 Dando início às comemorações da Semana do Ministério Público em Pernambuco, o Exmo. Sr. Procurador Geral da Justiça, Sales de Albuquerque, realizou a 1ª Audiência Pública nas Comunidades Quilombolas “Pé de Serra” e “Furnas”, distante 18 quilômetros da sede do município de Agrestina (foto ao lado). Acompanharam o Procurador Geral, os membros do GT-Racismo Maria Bernardete Martins de Azevedo Figueiroa, Gilson Roberto de Melo Barbosa, Roberto Brayner, Helena Capela e os promotores de Justiça da Comarca de Agrestina, Fernando Tenório, e de Caruaru, Frederico José dos Santos Oliveira, além da representante do Movimento Negro, Inaldete Pinheiro. A equipe foi recebida na única escola da comunidade “Pé de Serra” por lideranças quilombolas locais, moradores, alunos, professores, e os secretários de administração e de educação do município de Agrestina. A comunidade foi ouvida atentamente pelo comunidade foi ouvida atentamente pelo Procurador Geral e demais integrantes do GT, tendo denunciado a falta de condições básicas de vida e fazendo diversas reivindicações, como a falta de posto de atendimento médico regular, assistência odontológica, salas de regular, assistência odontológica, salas de aulas adequadas, capacitação dos professores VISITA ÀS COMUNIDADES QUILOMBOLAS e questões ambientais com repercussão no e que ecimento de água para a população. forne ocurador Geral repassou as reivindicações O Pro omunidade aos secretários municipais da co entes e ao promotor da comarca. Eles prese ficaram responsáveis pela implementação e ficara encaminhamento das providências solicitadas. Senador Paulo Paim (PT-RS)

Transcript of NÚMERO 4 GTracism o · Assessoria Militar do MPPE e 8 representantes do Movimento Negro. 2 - GT...

Page 1: NÚMERO 4 GTracism o · Assessoria Militar do MPPE e 8 representantes do Movimento Negro. 2 - GT RACISMO - NÚMERO 3 -DEZEMBRO 2005 MP EM AÇÃO Nessa coluna o GT Racismo reserva

1 9 8 2 - 1 9 8 4 L a y i n g t h e F o u n d a t i o n 1931 9 9 9 - 2 0 0 1

>>

GTracismo Publicação trimestral do Ministério Público de Pernambuco

Tramita no Congresso Nacional Projeto de Lei (PLS) nº 225/2004 objetivando a alteração da lei que defi ne os crimes de racismo. A inicia-tiva é do Senador Paulo Paim (PT-RS) e tem a fi nalidade, dentre outras, de dirimir as contro-vérsias relacionadas ao delito quando praticadas através de ofensa verbal. É que ainda é forte o vérsias relacionadas ao delito quando praticadas através de ofensa verbal. É que ainda é forte o vérsias relacionadas ao delito quando praticadas

entendimento de que as agressões orais do tipo “negro safado” confi guram injúria qualifi cada e não racismo, apesar da visível inconstitucionali-dade e incompatibilidade lógica do art. 140, § 3º, do Código Penal com o restante do ordena-mento jurídico nacional, sem falar da incompre-ensão e perplexidade que causa à sociedade ver uma ofensa gravíssima como essa ser considerada crime de ação privada, sujeito à decadência e prescrição. Na proposta defendida pelo referido parlamentar, toda ofensa à honra que consistir na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem confi gurará racismo, delito imprescritível e que, segundo o projeto, será processado através de ação penal pública

condicionada à representação da vítima. Signi-fi ca dizer que independentemente da discussão jurídica até agora travada, com a aprovação da proposição, o Ministério Público estará indiscu-tivelmente legitimado a promover a persecução penal dessa espécie de manifestação do racismo. O GT Racismo apóia a iniciativa e, em decor-rência de deliberação adotada na última reunião, enviará ao ilustre Senador e outros parlamentares comprometidos com a causa sugestão para a su-pressão do dispositivo que exige a representação do ofendido. É fácil verifi car que o dano causado pressão do dispositivo que exige a representação do ofendido. É fácil verifi car que o dano causado pressão do dispositivo que exige a representação

pelo racismo, ainda que direcionado a uma única pessoa, atinge toda a coletividade. Não é razoável deixar a repressão e a prevenção criminal à mercê da vontade ou disposição de uma pessoa apenas. Essa é a razão da defesa da ação penal pública incondicionada em casos tais. Breve o Projeto de Lei e sua justifi cativa estarão disponíveis no site do GT Racismo. Comentários e críticas sobre o tema e o trabalho do GT serão muito bem rece-bidos. Envie o seu para [email protected].

LEI QUE DEFINE CRIMES DE RACISMO DEVE MUDAR

NÚMERO 4MARÇO 2006

EDITORIAL DITORIAL DITORIAL O 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, nos remete à reflexão sobre a discriminação de gênero e racial ainda tão presente na sociedade brasileira. A violência doméstica, mais especificamente a violência contra a mulher, atingiu o alar-mante número de 76 de mulheres assassinadas, somente neste ano, em Pernambuco. Nestes registros não estão incluidas outras formas de violência ‘‘menos visíveis’’, como a sexual e a psicológica, além daquelas não denunciadas por serem, historicamente, herança de uma sociedade machista, onde a mulher foi relegada a um papel secundário. A permanência dessa situação configura uma grave violação dos direitos humanos e contribui para o desequilíbrio da sociedade. Revela, ainda, o grau de descompasso entre as leis e a sua concretização. Fica assim evidente o descaso dos Governos e das instituições de nosso País com os compromissos assumidos em conferências mundiais com foco nos direitos econômicos e sociais, sobretudo os da década de 90 e no início deste século.

As conseqüências dessa omissão são devastadoras e têm um efeito profundamente danoso à medida em que a violência repercute na desestruturação das famílias, alte-rando o destino de crianças e adolescentes, subitamente atirados ao abandono afetivo e, na maioria das vezes, também material, caminho quase irreversível para a multipli-cação do fenômeno da violência.

Nessa perspectiva, é necessário que se contextualizem as iniqüidades raciais a que se acham especialmente submetidas as mulheres negras. Números recentemente pro-cessados escancaram o fosso que separa esse segmento de outras camadas sociais, em relação ao acesso a serviços básicos, como saúde, educação e habitação. (Leia à página 3, pesquisa realizada pela UNIFEM - Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher).

O Estado Democrático de Direito pressupõe o funcionamento das instituições e a participação da sociedade como forma de superar as barreiras que impedem os indivíduos de desenvolver plenamente suas potencialidades nos vários aspectos da vida, possibilitando o rompimento das relações de poder que geram a discriminação.

Os que fazem o GT Racismo do Ministério Público de Pernambuco sentem-se que fazem o GT Racismo do Ministério Público de Pernambuco sentem-se profundamente identificados com essas necessidade e comprometidos com uma atu-profundamente identificados com essas necessidade e comprometidos com uma atu-ação institucional que leve em conta as diferenças e os interesses das mulheres e dos ação institucional que leve em conta as diferenças e os interesses das mulheres e dos demais segmentos discriminados, promovendo seus direitos como forma de concreti-demais segmentos discriminados, promovendo seus direitos como forma de concreti-zar a promessa constitucional de justiça com equidade social.

Refletirfletirf sobre a condiçãcondiçãcondiç o ão ã da mulher

É necessário que se É necessário que se Écontextualizem as iniqüidades raciais a que se acham especialmente submetidas as mulheres negras.mulheres negras.

8 - GT RACISMO - NÚMERO 4 - MARÇO 2006

Dando início às comemorações da Semana do Ministério Público em Pernambuco, o Exmo. Sr. Procurador Geral da Justiça, Sales de Albuquerque, realizou a 1ª Audiência Pública nas Comunidades Quilombolas “Pé de Serra” e “Furnas”, distante 18 quilômetros da sede do município de Agrestina (foto ao lado).Acompanharam o Procurador Geral, os membros do GT-Racismo Maria Bernardete Martins de Azevedo Figueiroa, Gilson Roberto de Melo Barbosa, Roberto Brayner, Helena Capela e os promotores de Justiça da Comarca de Agrestina, Fernando Tenório, e de Caruaru, Frederico José dos Santos Oliveira, além da representante do Movimento Negro, Inaldete Pinheiro. A equipe foi recebida na única escola da comunidade “Pé de Serra” por lideranças quilombolas locais, moradores, alunos, professores, e os secretários de administração e de educação do município de Agrestina. A comunidade foi ouvida atentamente pelo comunidade foi ouvida atentamente pelo Procurador Geral e demais integrantes do GT, tendo denunciado a falta de condições básicas de vida e fazendo diversas reivindicações, como a falta de posto de atendimento médico regular, assistência odontológica, salas de regular, assistência odontológica, salas de aulas adequadas, capacitação dos professores

VISITA ÀS COMUNIDADES QUILOMBOLAS

e questões ambientais com repercussão no e questões ambientais com repercussão no fornecimento de água para a população.fornecimento de água para a população.O Procurador Geral repassou as reivindicações O Procurador Geral repassou as reivindicações da comunidade aos secretários municipais da comunidade aos secretários municipais presentes e ao promotor da comarca. Eles presentes e ao promotor da comarca. Eles fi caram responsáveis pela implementação e fi caram responsáveis pela implementação e encaminhamento das providências solicitadas.

Senador Paulo Paim (PT-RS)

Page 2: NÚMERO 4 GTracism o · Assessoria Militar do MPPE e 8 representantes do Movimento Negro. 2 - GT RACISMO - NÚMERO 3 -DEZEMBRO 2005 MP EM AÇÃO Nessa coluna o GT Racismo reserva

1999 2000

$

2001

$

20021999 2000 2001 2002

Dentro das metas do Plano de Atu-ação elaborado pelo GT Racismo, foi assinado pelo Ministério Público de Per-nambuco, através do Promotor de Justiça da Comarca de Nazaré da Mata, Paulo Henrique Queiroz Figueiredo, termo de ajustamento de conduta (TAC) para im-plantação, a partir de julho de 2006, do ensino da História e Cultura Afro-Bra-sileira nos currículos escolares do ensino fundamental e médio na rede municipal de ensino, em cumprimento ao que de-termina a Lei Federal 10.639, de 09 de janeiro de 2003.

O evento, que contou com a presen-ça da Corregedora Geral do Ministério Público, Janeide Oliveira de Lima, foi realizado no auditório do Colégio Santa Cristina, na Cidade de Nazaré da Mata. O TAC foi fi rmado pelos Prefeitos de Nazaré da Mata, Inácio Manoel do Nas-cimento, do Município de Tracunhaém, Maria Tereza Barbosa e do Município de Buenos Aires, Divaldo Melo, com o Promotor da Comarca e os membros do GT Racismo, Maria Bernadete de Aze-vedo Figueiroa, Gilson Roberto de Melo Barbosa, Helena Capela, Judite Pinheiro

III OFICINA DE CAPACITAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO

Como parte de execução do Plano de Atuação do GT Racismo, realizou-se nos dias 1 e 2 de dezembro último, em Gravatá, a III Ofi cina de Capacitação e Sensibilização de membros e servidores do Ministério Público de Pernambuco, com o apoio do PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

A Ofi cina foi aberta pelo Procurador Geral da Justiça, Sales de Albuquerque, com a participação da Coordenadora do GT-Racismo, Maria Bernardete, do PNUD, através de Luiza Bairros, e teve como objetivo “identifi car formas de atuação profi ssional que possam favorecer e/ou impedir a prevenção e o combate ao Racismo Institucional”, com uma abordagem teórica e vivencial, desenvolvida pelas facilitadoras Maria Lúcia, Doutora em Psicologia e Diretora do Instituto Psique e Negritude, de São Paulo, e Mônica Oliveira, Coordenadora local do Programa de Combate ao Racismo Institucional do PNUD.

Participaram da Ofi cina 21 promotores de justiça das comarcas de comunidades quilombolas, coordenadores de circunscrição, promotores recém nomeados, 6 procuradores de justiça, 12 servidores, 2 integrantes da Assessoria Militar do MPPE e 8 representantes do Movimento Negro.

2 - GT RACISMO - NÚMERO 3 - DEZEMBRO 2005

MP EM AÇÃONessa coluna o GT Racismo reserva espaço para publicação de notícias de ações, inquéritos e procedimentos de investigação relacionados à atuação dos Promotores e Procuradores de Justiça no combate ao racismo. Envie seu material e participe das discussões sobre discriminação e promoção da igualdade racial.

>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

Ana Paula Maravalho

Com o objetivo de fornecer subsí-dios para o cumprimento do Objetivo Estratégico-5 do Plano de Atuação do GT Racismo do MPPE, notadamente no que se refere à atenção às populações quilombolas, o Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI) pro-move, com recursos do PNUD, um levantamento da situação atual das co-munidades quilombolas de Pernambuco no que se refere às políticas públicas. Re-alizado por integrantes do Observatório Negro, ONG de direitos humanos com foco nas relações raciais, as informações são coletadas em visitas às comunidades quilombolas, com entrevistas a seus membros, bem como em documentos governamentais que anunciam as políti-cas públicas voltadas às comunidades. Ao fi nal, será produzido um relatório a ser apresentado ao GT Racismo.

Não é surpresa verifi car que nas co-munidades quilombolas estão presentes em escala maior as formas históricas de exclusão social que, ao longo de sécu-los, vêm produzindo e reproduzindo a pobreza da população negra: a ausência total ou a presença insufi ciente de edu-cação, saúde, saneamento básico. E se estas condições são impostas à população quilombola como um todo, sem dúvida

são as mulheres que pagam o preço mais alto. Afi nal, estudos mostram que, se as mulheres brancas precisam de cinco anos a mais de escolaridade para alcançarem o patamar reservado aos homens (brancos) no mercado de trabalho, para as mulheres negras esta diferença é de oito a onze anos de escolaridade a mais. Também resta sobejamente comprovado que o racismo institucional penaliza desigualmente as mulheres negras, que morrem mais cedo, vítimas da desatenção da saúde pública à alta incidência da diabetes e pressão alta entre a população negra.

Tais dados revestem de especial signifi cado um traço comum às comu-nidades já visitadas neste trabalho: a indispensável ação das mulheres na luta por melhores condições de vida, quer no papel de liderança política – em que superam todas as difi culdades para dotar suas comunidades de escola, transporte, atendimento médico; quer no papel de liderança familiar – em que, não raro, provêm ao sustento dos seus através do trabalho como agricultoras, acumulado aos de donas de casa e mães. Ou ainda desempenhando as funções de parteira e rezadeira, fundamentais em locais onde o acesso é difícil e o recurso a postos de saúde (onde o atendimento médico é limitado a um ou dois dias na semana)

ou hospitais está a quilômetros de dis-tância.

Neste contexto, compreendemos que o levantamento de dados sobre a situação das comunidades quilombolas não pode prescindir da fala das mulheres, conside-rando que “nós, mulheres negras, não so-mos apenas fonte de conhecimento sobre nossa condição: somos agentes de conhe-cimento” (Petronilha Gonçalves, grifos nossos). E, sobretudo, por entender que as mulheres negras quilombolas, como sujeito político que são, devem ocupar lugar de destaque no planejamento de ações que visem ao respeito e à inclusão social da população quilombola.

Ana Paula Maravalho, advogada, integra o Observatório Negro e realiza trabalho de consultoria sobre as comunidades quilombolas e políticas públicas.

MULHERES NEGRAS E QUILOMBOLAS

GT RACISMO - NÚMERO4 - MARÇO 2006 - 7

INTEGRAÇÃO COM ESTAGIÁRIOS

O GT Racismo participou no último dia 10 de janeiro do treinamento de integração dos novos estagiários de direito (106), realizado pela Escola Superior do Ministério Público. Na oportunidade, a Coordenadora do GT Racismo, Maria Bernardete, falou sobre a Discriminação Racial e o Racismo Institucional, apresentando o Plano de Ação 2004/2007 do MPPE para o enfrentamento dessa questão, enquanto que Judite Borba, Promotora dos Direitos Humanos e membro do GT, falou sobre o a concepção atual de Direitos Humanos e o racismo como forma de violação desses direitos. O Diretor da ESMP, Procurador de Justiça Ivan Wilson Porto, participou ativamente das discussões com os estagiários de direito e sugeriu que fosse organizado outro momento com a mesma turma para dar continuidade ao tema, antes do fi m do estágio, que termina em dezembro deste ano.

HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA

Silveira Borba, representantes do Ob-servatório Negro, Ana Paula Marava-lho, e do Núcleo de Pesquisa Étnico-servatório Negro, Ana Paula Marava-lho, e do Núcleo de Pesquisa Étnico-servatório Negro, Ana Paula Marava-

Racial, Prof. Jorge Arruda. Participaram também os Secretários

de Educação dos municípios referidos, vários professores, alunos, servidores da Justiça e do MP e lideranças co-munitárias locais.

No compromisso fi rmado entre o Ministério Público e os Prefeitos dos três municípios fi cou estabelecido pra-zo de 6 meses para a capacitação dos professores.

Após a solenidade de assinatura, que foi muito prestigiada, os anfi triões ofereceram coquetel aos participantes do evento.

>>

Page 3: NÚMERO 4 GTracism o · Assessoria Militar do MPPE e 8 representantes do Movimento Negro. 2 - GT RACISMO - NÚMERO 3 -DEZEMBRO 2005 MP EM AÇÃO Nessa coluna o GT Racismo reserva

Igualdade Racial e de Gênero.Almejamos, também, maior agilidade nos processos administrativos policiais e judiciais para apuração e punição dos assassinos de mulheres.Gostaríamos, ainda, que o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher fosse revisado a fi m de se incluírem as especifi cidades das mulheres negras e que houvesse campanhas na mídia de afi rmação dos Direitos Humanos das mulheres negras e desbanalização da vida das mesmas para desestímulo à violência, bem como campanhas de combate à intolerância religiosa dos cultos de matriz africana – guardiões da ancestralidade dos negros brasileiros.Por fi m, queríamos a abertura, por tempo determinado, de cotas para acesso de mulheres negras às Universidades Públicas do Estado.

Há no Estado de Pernambuco políticas públicas que atendam às mulheres negras?

No Estado NÃO. Nas Prefeituras de Recife e Olinda, no campo da saúde e da educação um grande esforço tem sido feito por meio de ações e programas para que em futuro próximo sejam transformadas em políticas públicas reparatórias para

eliminação da exclusão social, econômica e política das mulheres negras no desenvolvimento do país. Esse é o compromisso do Estado Brasileiro assumido solenemente em diversos fóruns internacionais.

A senhora tem conhecimento do percentual de mulheres negras vítimas de assassinatos ocorridos este ano em Pernambuco?

Como integrante do Movimento Feminista, historicamente temos lutado para buscar informação junto aos órgão públicos, especialmente junto a Secretaria de Desenvolvimento Social, com todo o detalhamento que temos direito como cidadãs. Acreditamos inclusive que tais informações deveriam estar disponíveis para qualquer cidadão. Fazemos o acompanhamento das informações disponíveis na imprensa e mais recentemente o SOS CORPO criou o Observatório da Violência Contra a Mulher que faz o monitoramento científi co da violência contra a mulher nela incluída os homicídios.

Em Pernambuco, as mulheres negras são as maiores vítimas da violência, na sua mais extrema fase – os assassinatos. Os dados de 2006 ainda estão sendo incluídos no Sistema de Informação de Mortalidade da Secretaria Estadual

de Saúde.Assim constatamos que há

uma progressão crescente de vitimização da mulher negra a cada ano que passa, demonstrado a partir de dados ofi ciais da Secretaria Estadual de Saúde do Estado de Pernambuco: Em 2003, 67,76% das mulheres assassinadas em Pernambuco eram negras. Em 2004, o percentual pulou para 74,45% e, em 2005, subiu para 78,625. Se considerarmos os óbitos de homens por assassinato, este mesmo quadro se repete. Ressalto que considero que negra é a soma de pretas e pardas. Será que estamos diante do extermínio do povo negro do Estado? E pior: sob os olhos omissos do Poder Público, como se fora cúmplice, demonstrando cabalmente a violação mais dramática dos Direitos Humanos das mulheres negras e de instrumentos internacionais e nacionais de garantia de Diretos, como a Convenção Americana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra as Mulheres de 1985, conhecida como Convenção de Belém do Pará.

Diante deste quadro, convocamos o Ministério Público de Pernambuco a dar efetividade ao artigo 127 da Constituição Federal, garantindo os direitos humanos e a vida das mulheres negras.

GT RACISMO - NÚMERO 4 - MARÇO 2006 - 54 - GT RACISMO - NÚMERO A - MARÇO 2006

ENTREVISTA

Existe preconceito ou discriminação às mulheres negras e como ela se manifesta?

Sim. O preconceito, a discriminação racial e de gênero aliadas ao racismo são 3 (três) realidades cotidianas na vida das mulheres negras. Todas já experimentaram em algum momento de suas vidas este sofrimento.

É bem verdade que historicamente foi alimentado o mito da democracia racial brasileira, na tentativa de demonstrar a diferença entre o Brasil, os EUA e África do SUL, onde se praticava a segregação racial e o apartheid. Queriam nos fazer crer que no Brasil não existe racismo. Esse mito ruiu por terra. Hoje sabemos que o racismo, preconceito e a discriminação racial e de gênero não só estão vivos nas relações sociais, familiares e institucionais, mas também são estruturantes das desigualdades e assimetrias raciais brasileiras.

Um exemplo de discriminação das mulheres negras é referente à estética: de uma maneira geral, nosso cabelo é considerado “ruim”, nosso semblante feio, nossos lábios são beiço e nosso ferormônios “catinga de nego”. O padrão de beleza dominante desconhece a composição plural do povo brasileiro. A bela é a branca de olhos azuis, preferencialmente magra e loira. O preconceito não reconhece que negras são também capazes de produzir conhecimento. Pensam que só somos “boas” na cozinha e na cama. Desconhecem que sofremos muito em nossa dignidade quando são praticados

a discriminação e o preconceito de forma sutil ou escancarado e incorporado à cultura nacional vigente.

Quais são as associações de apoio às mulheres negras?

Em Pernambuco, a Uiala Mukaji – Sociedade das Mulheres Negras de Pernambuco, ONG feminista criada em fevereiro de 2003, e que vem atuando para que o protagonismo das mulheres negras seja visibilizado ao mesmo tempo em que promove a auto-estima, o empoderamento, a defesa e a ampliação dos Direitos Humanos das mulheres negras.Sua autuação se faz em parceria com o Movimento Feminista e o Fórum de Mulheres de Pernambuco, particularmente com apoio do SOS CORPO Instituto Feminista para a Democracia, a Troupe Teatral Loucas de Pedra Lilás e o Movimento Nacional de Direitos Humanos do Nordeste, entre outros.

Quais são as principais reivindicações do movimento com relação a políticas públicas para reduzir a violência e a discriminação às mulheres negras?

Efetivo reconhecimento e respeito de nossa identidade de mulheres negras, sem necessidade de termos de nos transformar para sermos aceitas na sociedade e que todos os Poderes do Estado, Executivo, Legislativo, Judiciário e o Ministério Público assumam suas responsabilidades na redução, controle e punição da violência contra a mulher para a construção da Promoção da

>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

Vera Regina Paula Baroni é advogada e presta assessoria política e jurídica a entidades civis: sindicais, comunitárias e aos Movimento negro e de mulheres

VERA REGINA PAULA BARONI

>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

“O preconceito não reconhece que negras são também “O preconceito não reconhece que negras são também “capazes de produzir conhecimento. Pensam que só O preconceito não reconhece que negras são também capazes de produzir conhecimento. Pensam que só O preconceito não reconhece que negras são também

somos “boas” na cozinha e na camacapazes de produzir conhecimento. Pensam que só

somos “boas” na cozinha e na camacapazes de produzir conhecimento. Pensam que só

” .

>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

“H“H“ á uma progressão crescente de vitimização da Há uma progressão crescente de vitimização da Hmulher negra a cada ano que passa, demonstrado a partir de dados da Secretaria Estadual de Saúdemulher negra a cada ano que passa, demonstrado a partir de dados da Secretaria Estadual de Saúdemulher negra a cada ano que passa, demonstrado a

” .

Page 4: NÚMERO 4 GTracism o · Assessoria Militar do MPPE e 8 representantes do Movimento Negro. 2 - GT RACISMO - NÚMERO 3 -DEZEMBRO 2005 MP EM AÇÃO Nessa coluna o GT Racismo reserva

DICA DE LEITURA

CAETANA DIZ NÃOHistória de mulheres da sociedade escravista brasileira

Autora: Sandra Lauderdale Graham, Editora Cia das Letras – 2005, 270 páginas.

Caetana é uma jovem escrava protagonista de uma história real, que foi obrigada a casar com um escravo do qual não gostava. Apesar de casada, Caetana recusa-se terminantemente a “deitar-se” com o marido. Essa recusa torna-se tão obstinada que o seu dono resolve pedir a anulação do casamento no tribunal eclesiástico. Já Dona Inácia Delfi na, senhora solteira da ilustre família dos Souza Werneck, deixa em testamento parte de seus bens, inclusive escravos, para uma família de ex-escravos de sua propriedade. Ao longo dos relatos dessas duas histórias, a autora revela facetas desconhecidas e inesperadas do funcionamento da sociedade e da cultura escravista brasileira do século XIX, descortinando importantes aspectos da vida privada de escravos, como também demonstrando que é um equívoco considerar que as mulheres daquele século eram passivas e não tinham voz.

6 - GT RACISMO - NÚMERO 4 - MARÇO 2006

EXPEDIENTE

GT-RACISMO - MPPE

Sales de Albuquerque, Procurador Geral de Justiça

Maria Bernadete Martins Azevedo (Coordenadora), Gilson Roberto de Melo Barbosa (Sub-coordenador), Judith Pinheiro Silveira Borba, Roberto Brayner Sampaio, Maria Ivana Botelho Vieira da Silva, Helena Capela Gomes Carneiro Lima, Taciana Alves de Paula Rocha Almeida, Maria Betânia Silva e Janeide de Oliveira Lima.www.mp.pe.gov.brE-mail: [email protected]. Promotor de Justiça Roberto LyraRua do Imperador, 473 - S tº Antônio Recife/PE Fone: 3419-7000Jornalista Responsável: Ricardo Melo Registro Profi ssional: 2.204 - MG

Apoio: PNUD/DFIDPrograma das Nações Unidas para Desenvolvimento Ministério para Desenvolvimento Internacional do Reino Unido

GT RACISMO - NÚMERO 4 - MARÇO 2006 - 3

A Organização das Nações Unidas – ONU – instituiu o dia 21 de março como o Dia Internacional da Luta pela Discri-minação Racial, para lembrar o massacre de Shaperville, na África do Sul, em 1960. minação Racial, para lembrar o massacre de Shaperville, na África do Sul, em 1960. minação Racial, para lembrar o massacre

Naquele dia, 69 manifestantes foram mortos e 186 fi caram feridos durante um protesto pacífi co contra o Apharteid, política de se-gregação racial imposta pela maioria branca que governava o país.

O Secretário-Geral da ONU, Kofi An-nan, ao falar sobre a importância da data, lembrou que “comemoramos o aniversário do massacre não só para relembrar as pessoas que pereceram, mas também para chamar a atenção para o enorme sofrimento causado pela discriminação racial em todo o mundo. O tema deste ano, ‘Combater a discrimina-ção cotidiana’, desafi a-nos a tomar medidas signifi cativas para lutar contra estas práticas discriminatórias, habituais nas nossas so-ciedades. Todos temos consciência de que muitas das maiores atrocidades do homem tiveram uma motivação racial, mas esquece-mos, com frequência, o sofrimento coletivo provocado pelo racismo cotidiano.”

Concluiu afi rmando que “a ONU, atra-vés dos seus programas de sensibilização, da elaboração de legislação internacional e da sua função de vigilância dos direitos, tem um papel importante a desempenhar, mas todos temos de nos unir nesta luta”.

PARA LEMBRAR O 21 DE MARÇOPesquisa realizada pela UNIFEM - Fundo de Desenvolvimento

das Nações Unidas para a Mulher - publicada no final do ano de 2005, revela que 46,27% das mulheres negras do Brasil nunca pas-saram por um exame clínico de mama. No Nordeste, esse número sobe para 57% das mulheres negras contra 46% das brancas.

Segundo dados do IBGE, do IPEA e do Ministério da Saúde, a maioria das mulheres negras encontra-se abaixo da linha de pobreza, é majoritariamente chefe de família sem cônjuge e com filhos, tem menor acesso aos serviços de saúde e apresenta taxa de mortalidade materna seis vezes superior a das mulheres brancas. Em 2000, a taxa de mortalidade por HIV/Aids foi de 10,61% para as mulheres brancas e de 21,49% para as negras. A esperança de vida das mulheres negras é de 66 anos, enquanto para as mulheres brancas é de 71 anos.

As razões para tanta disparidades vão desde a discriminação na hora do atendimento, até a predisposição biológica a doen-ças geneticamente determinadas, como a anemia falciforme e a hipertensão arterial, resultando no agravamento dessas doenças em face da falta de atenção aos riscos específicos aos quais estão expostas as mulheres negras.

No quesito Educação, considerado uma das principais vias de acesso à melhoria das condições de vida, a pesquisa revela que enquanto 18,9% das mulheres brancas possuem diploma de nível superior, apenas 5,2% das negras estão na mesma situação e a taxa de analfabetismo das negras é o dobro do das mulheres brancas. No setor trabalho, 21% das mulheres negras do Brasil são empregadas domésticas, enquanto apenas 23% delas têm carteira assinada. Nesse segmento, 12,5% das mulheres brancas são empregadas domésticas, e 30% delas têm carteira de trabalho assinada.

PESQUISA REVELA CONDIÇÃO DA MULHER NEGRA

DICA DE LEITURA

BRASIL: UM PAÍS DE NEGROS?

Jeferson Bacelar &Carlos Caroso(organizadores).

O livro, que se originou dos debates realizados durante o VCongresso Afro-Brasileiro, contém 18 artigos, organizados em 6 capítulos, em que são expostos temas como as ambiguidades do olhar do estrangeiro sobre nossas relações raciais, a análise do processo de construção da identidade dos afro-descendentes à luz da psicologia e da antropologia e o resagte do discurso do negro escravizado. Também são abordadas as questões quedesvendam as tensões nas relações entre negros e índios, mostram ascontradições que envolvem as políticas públicas relativas aosafro-descendentes, as relações entre a Academia e a Militância Negra e,fi nalmente, a importância que adquirem as representações artísticas eculturais na afi rmação da cultura negra.

Kofi Annan:data para nãoesquecer