Newton Carneiro. Introdução (pintores da paisagem paranaense)

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INTRODUÇÃO Newton Carneiro’" A qualquer território extenso seria impraticável a sintetização de sua paisagem em modelo pa- drão. Para mostrar o Paraná através da paleta dos pintores que nele se inspiraram, sugerimos o agru- pamento da projeçâo artística do Estado em função das suas características fisiográficas. Temos uma paisagem litorânea e outra de elevação, em tudo distintas. A primeira é comum à maior parte da costa brasileira, onde a Serra do Mar impõe sua presença dominadora. É no planalto que a marca telúrica adquire tipicidade indiscutível. São os Campos Gerais semeados de tufos de arau- cárias, que constituem o ângulo efetivamente característico da terra. Há que admitir-se, como o fazem os dendrólogos, a faixa intermediária do degrau serrano, que tanto apavorava os antigos povoadores quando o viam de baixo... E os rios, de que é prodigamente dotada toda a superfície estadual e que tanto influem no seu rele- vo e manto florístico, modelando-lhe a imagem. Por fim é o próprio homem que se embute no cenário. Tanto o primitivo moreno, primeiro dono do chão e que o mantém na sua agressiva virgindade, como o ádvena alourado que impõe ao quadro colo- ridos novos, subordinados à simetria dos riscos da aiveca e das casas verticalizadas, na forma de sua tradição de origem. Tbdos os escritores, poetas e artistas - desde o final do século passado - são unânimes no destaque à araucária como elemento específico por excelência da paisagem paranaense .Aliás, tal reconhecimen- to valeu-lhe ser introduzida nos símbolos heráldicos do Estado e de sua capital. Já Saint-Hilaire se deixara impressionar profundamente pela majestosa conífera e lhe dedicava longos comentários. Também os Campos Gerais o comovem, evocando-lhe as planíceis do seu país, que considera menos pitorescas que as pradarias naturais do Paraná. Infelizmente, porém, o sábio de Orléans não era pintor e seus precários conhecimentos de desenho mal lhe bastavam para os esboços taxionômicos. Estranhamente, os ilustradores viajantes de meados do século e do período imigratório (Elliot, Pallière, Calgane outros) não dedicaram a mesma atenção à rainha das nossas florestas. Alguns ob- * Autor do presente capítulo e do texto sobre a fase itinerante, para o qual seleclonou as reproduções ligadas ao período. 11

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INTRODUÇÃONewton Carneiro’"

A qualquer território extenso seria impraticável a sintetização de sua paisagem em modelo pa­drão. Para mostrar o Paraná através da paleta dos pintores que nele se inspiraram, sugerimos o agru­pamento da projeçâo artística do Estado em função das suas características fisiográficas.Temos uma paisagem litorânea e outra de elevação, em tudo distintas. A primeira é comum à maior parte da costa brasileira, onde a Serra do Mar impõe sua presença dominadora. É no planalto que a marca telúrica adquire tipicidade indiscutível. São os Campos Gerais semeados de tufos de arau­cárias, que constituem o ângulo efetivamente característico da terra.Há que admitir-se, como o fazem os dendrólogos, a faixa intermediária do degrau serrano, que tanto apavorava os antigos povoadores quando o viam de baixo...E os rios, de que é prodigamente dotada toda a superfície estadual e que tanto influem no seu rele­vo e manto florístico, modelando-lhe a imagem.Por fim é o próprio homem que se embute no cenário. Tanto o primitivo moreno, primeiro dono do chão e que o mantém na sua agressiva virgindade, como o ádvena alourado que impõe ao quadro colo­ridos novos, subordinados à simetria dos riscos da aiveca e das casas verticalizadas, na forma de sua tradição de origem.Tbdos os escritores, poetas e artistas - desde o final do século passado - são unânimes no destaque à araucária como elemento específico por excelência da paisagem paranaense .Aliás, tal reconhecimen­to valeu-lhe ser introduzida nos símbolos heráldicos do Estado e de sua capital.Já Saint-Hilaire se deixara impressionar profundamente pela majestosa conífera e lhe dedicava longos comentários. Também os Campos Gerais o comovem, evocando-lhe as planíceis do seu país, que considera menos pitorescas que as pradarias naturais do Paraná. Infelizmente, porém, o sábio de Orléans não era pintor e seus precários conhecimentos de desenho mal lhe bastavam para os esboços taxionômicos.Estranhamente, os ilustradores viajantes de meados do século e do período imigratório (Elliot, Pallière, Calgane outros) não dedicaram a mesma atenção à rainha das nossas florestas. Alguns ob-

* Autor do presente capítulo e do texto sobre a fase itinerante, para o qual seleclonou as reproduções ligadas ao período.

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servadores chegam até a lamentar o desapreço que lhe dedicava o público, abatendo majestosos exem­plares para a extração de algumas dúzias de rachões...A consagração da soberba plnácea ocorre quando a expansão ferroviária a situa na vanguarda da economia paranaense. Esse período já é o de Andersen e da Escola de Marlano de Lima, que assinalam o surto do nativismo artístico paranaense.Curioso é que Paranaguá teve ensino de desenho ainda ao tempo da colónia, e esse sumário apren­dizado teria produzido a estranha e misteriosa figura do mulato João Pedro, cronologicamente o pri­meiro dos pintores satíricos brasileiros.Mas nem o mordaz caricaturista ou a parnanguara talentosa que - no segundo terço do século - retratava os conterrâneos com discreção e honestidade, ela própria proveniente de outra escola de de­senho e pintura de meados da centúria, nenhum dos dois se sentiu suficientemente lastreado de esco­laridade para uma incursão no âmbito da paisagem.Por que Frederico Virmond, que viveu na Lapa de 1828 a 1876, e tinha consumada preparação artística, também não se deixou inspirar pelos cenários locais ou não se animou a reproduzi-los, nin­guém saberia responder.