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Questões emergentes na análise demográfica: o caso brasileiro * * O autor gostaria de creditar o apoio recebido como bolsista de produtividade do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Agradeço também o apoio das pesquisadoras Juliana Ruas Riani e Vânia Cristina Liberato. ** Professor titular do Departamento de Demografia e do Cedeplar, UFMG. Introdução O objetivo deste artigo é levantar questões emergentes para a análise demográfica, considerando tanto seu interesse analítico quanto suas implicações de políticas públicas para o caso brasileiro. Dois alertas devem ser imediatamente explicitados. Em primeiro lugar, a escolha das questões emergentes reflete as preferências temáticas, assim como a formação do autor. Portanto, por maior que seja a abrangência pretendida neste ensaio, as abordagens serão sempre condicionadas às possibilidades do autor. Em segundo lugar, o tratamento das questões obedece a um certo nível de superficialidade, uma vez que há um limite de espaço e vários dos temas contemplados são independentes. A primeira parte deste ensaio faz uma breve menção sobre a dinâmica demo- gráfica brasileira recente, no que tange aos seus componentes, enfatizando as princi- pais incertezas futuras em cenários de projeções, e às implicações para a estrutura etária da população futura. A dinâmica demográfica futura, principalmente no que diz respeito à estrutura etária, introduz o debate das implicações no nível macro. A segunda parte trata deste nível macro, em Eduardo Luiz Gonçalvez Rios-Neto ** Este artigo levanta questões emergentes para a análise demográfica brasileira. O trabalho começa com uma análise dos três componentes da dinâmica demográfica, enfatizando a questão sobre o declínio da fecundidade e a possibilidade de a mesma atingir níveis abaixo da reposição. As tendências futuras de emigração internacional também são discutidas. Passando para as conseqüências demográficas desta dinâmica, o texto aborda, ainda, a demografia dos efeitos de composição, ressaltando as conseqüências demográficas do diferencial de fecundidade por educação materna e mostrando que a dinâmica de melhoria educacional das mães mais que compensa este diferencial. O dividendo demográfico é discutido tanto conceitualmente quanto empiricamente, ficando indicada uma agenda para estudos futuros. Finalmente, uma discussão mais conceitual sobre transferências intergeracionais tenta colocar o debate na perspectiva do gasto público brasileiro, enfatizando trabalhos relevantes que começam a ser desenvolvidos. Palavras-chave: Fecundidade abaixo da reposição. Dividendo demográfico. Transferências intergeracionais. Educação. Seguridade social. R. bras. Est. Pop., São Paulo, v. 22, n. 2, p. 371-408, jul./dez. 2005

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Questões emergentes na análise demográfica:o caso brasileiro*

* O autor gostaria de creditar o apoio recebido como bolsista de produtividade do CNPq, Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico. Agradeço também o apoio das pesquisadoras Juliana Ruas Riani e Vânia Cristina Liberato.** Professor titular do Departamento de Demografia e do Cedeplar, UFMG.

Introdução

O objetivo deste artigo é levantarquestões emergentes para a análisedemográfica, considerando tanto seuinteresse analítico quanto suas implicaçõesde políticas públicas para o caso brasileiro.Dois alertas devem ser imediatamenteexplicitados. Em primeiro lugar, a escolhadas questões emergentes reflete aspreferências temáticas, assim como aformação do autor. Portanto, por maior queseja a abrangência pretendida neste ensaio,as abordagens serão sempre condicionadasàs possibilidades do autor. Em segundo

lugar, o tratamento das questões obedecea um certo nível de superficialidade, umavez que há um limite de espaço e váriosdos temas contemplados são independentes.

A primeira parte deste ensaio faz umabreve menção sobre a dinâmica demo-gráfica brasileira recente, no que tange aosseus componentes, enfatizando as princi-pais incertezas futuras em cenários deprojeções, e às implicações para a estruturaetária da população futura. A dinâmicademográfica futura, principalmente no quediz respeito à estrutura etária, introduz odebate das implicações no nível macro. Asegunda parte trata deste nível macro, em

Eduardo Luiz Gonçalvez Rios-Neto**

Este artigo levanta questões emergentes para a análise demográfica brasileira.O trabalho começa com uma análise dos três componentes da dinâmicademográfica, enfatizando a questão sobre o declínio da fecundidade e apossibilidade de a mesma atingir níveis abaixo da reposição. As tendências futurasde emigração internacional também são discutidas. Passando para asconseqüências demográficas desta dinâmica, o texto aborda, ainda, a demografiados efeitos de composição, ressaltando as conseqüências demográficas dodiferencial de fecundidade por educação materna e mostrando que a dinâmicade melhoria educacional das mães mais que compensa este diferencial. Odividendo demográfico é discutido tanto conceitualmente quanto empiricamente,ficando indicada uma agenda para estudos futuros. Finalmente, uma discussãomais conceitual sobre transferências intergeracionais tenta colocar o debate naperspectiva do gasto público brasileiro, enfatizando trabalhos relevantes quecomeçam a ser desenvolvidos.

Palavras-chave: Fecundidade abaixo da reposição. Dividendo demográfico.Transferências intergeracionais. Educação. Seguridade social.

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que três temas serão abordados: a de-mografia dos efeitos de composição; odividendo demográfico e seu debate; e astransferências intergeracionais. A terceiraparte, à guisa de conclusão, menciona arelação dos temas anteriormente discutidoscom tópicos igualmente relevantes, masque ficaram fora da discussão por falta deespaço, constituindo-se, também, em agen-da para estudos futuros.

A dinâmica demográfica brasileira e aestrutura etária

A dinâmica demográfica brasileira serábrevemente revisada aqui, a partir da aná-lise da fecundidade, da mortalidade e damigração – mais especificamente, da mi-gração internacional. A discussão acercadestes componentes estará mais focada nosdesafios futuros do que numa descriçãodetalhada das tendências e seus deter-minantes, amplamente conhecidos pelosdemógrafos brasileiros.

Fecundidade

O componente demográfico maisimportante, em termos das implicaçõesfuturas imediatas na estrutura etária dapopulação brasileira, é, sem dúvida, afecundidade, considerada tanto em termosda sua trajetória passada quanto da suatendência nas próximas décadas. Afecundidade passada causa impacto nasflutuações da estrutura etária, associando-se à chamada inércia populacional,enquanto a fecundidade futura determinaas mudanças mais imediatas na base dapirâmide, ou seja, na participação dosgrupos etários mais jovens.

O Brasil chegou ao final do século XXtendo praticamente completado a chamadatransição da fecundidade. A Taxa deFecundidade Total (TFT), definida como onúmero total de filhos que uma mulher teriaao final do período reprodutivo, passou de6,3 filhos por mulher, em 1960, para 2,9 em1991 e diminuiu para 2,3 em 2000. Os re-sultados da PNAD de 2003 apontam umataxa de fecundidade total de 2,1 filhos pormulher, o que representa o chamado nível

de reposição. Isto quer dizer que, se estataxa perdurar por um período de cerca de25 anos, o crescimento populacionalbrasileiro convergirá para zero. O pontomais relevante é que não há evidênciasclaras de que a taxa de fecundidade totalbrasileira pararia em 2,1 filhos por mulher,fazendo com que se espere um padrão defecundidade brasileira abaixo do nível dereposição nas primeiras décadas do séculoXXI, um resultado que poderá seguir aqueleencontrado em países europeus, princi-palmente Espanha, Portugal, Itália e Grécia.Foge aos propósitos deste artigo discutir ascausas deste rápido declínio da fecun-didade, cabendo abordar as possibilidadesde estabilização ou não da fecundidade nonível de reposição.

Dois pontos característicos da fe-cundidade brasileira corrente merecemdestaque e foram discutidos por Berquó eCavenaghi (2004): o rejuvenescimento dafecundidade brasileira; e os segmentos depobreza com alta fecundidade. O primeiroponto será discutido aqui e o segundo aofinal deste item.

O rejuvenescimento da fecundidadebrasileira é mostrado pelo fato de as taxasespecíficas de fecundidade de todos osgrupos etários terem diminuído entre 1980e 2000, exceto no grupo de mulheres de 15a 19 anos. Além disso, a redução é maispronunciada entre a mulheres de 25 a 44anos. Já o grupo de 15 a 19 anos repre-sentava 9,2% da taxa de fecundidade total,em 1980, passando para 13,9%, em 1991,e para 19,9%, em 2000. Isto quer dizer quecerca 20% da fecundidade total de 2000 égerada por mães adolescentes, unidas ounão.

Uma grave conseqüência desta si-tuação é que, mantendo-se tudo o maisconstante, uma política de informação eprovisão de serviços de planejamentofamiliar que possa favorecer a postergaçãoda maternidade e da união, perfeitamentecompatível com políticas universais decombate à pobreza e com os cânones depolíticas de saúde reprodutiva da mulher,tem grandes chances de favorecer ummaior declínio da taxa de fecundidade. Ocorolário seria uma queda desta taxa em

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níveis abaixo da reposição. Caso istoocorra, será um claro problema de exter-nalidade negativa, na acepção econômicado termo, que decorre do fato de que umcomportamento de adiamento da união eda primeira gravidez, por parte dasmulheres jovens, aumentaria seu bem-estarno nível micro, ao mesmo tempo em queagravaria potencialmente o contexto macro,ao causar redução exagerada da populaçãojovem brasileira no futuro imediato. Comosempre ocorre nos problemas de exter-nalidade, não se trata de tentar manter afecundidade das jovens brasileiras nopatamar corrente, para se evitar uma grandequeda da fecundidade abaixo da reposição.Há que se pensar em estratégias alter-nativas de longuíssimo prazo. Este é umdos problemas mais complexos que desa-fiam a análise e a formulação de políticasno Brasil.

Esse debate indica que já é totalmentepertinente discutir a relação entre o quantume o tempo da fecundidade brasileira, emuma perspectiva temporal. O quantum dafecundidade é dado pelo número de filhosda coorte sintética, independente do espa-çamento e do efeito de composição porparturição. O tempo da fecundidade refleteo impacto do espaçamento decorrente damudança na idade das progressões porparturição, sem afetar o seu quantum.

Os dados convencionais apontamrejuvenescimento da fecundidade, o queseria indicativo de um efeito tempo negativo– precisamente o contrário do encontradona literatura européia sobre fecundidadeabaixo do nível de reposição. Em outraspalavras, uma correção do efeito tempolevaria a um índice de quantum abaixoda TFT observada, enquanto, na Europa,o que se observa é um efeito tempo positivo,que reduz a fecundidade, sugerindo umíndice de quantum acima da TFT observada.A grande dificuldade de cálculo destesíndices, para o Brasil, decorre da ausên-cia de histórias de nascimento confiáveis,principalmente num longo período, em-

bora as mesmas estivessem disponíveisnas pesquisas DHS-Bemfam de 1986 e1996.

Um trabalho pioneiro que trata do tema,digno de menção, é o de Berquó (1980),publicado nos Anais do II Encontro Nacionalde Estudos Populacionais da Abep. A autorabaseia-se na formulação pioneira deNorman Ryder e nos trabalhos técnicos deGerman Rodriguez e John Hobcraft, nocontexto do World Fertility Survey, paraconduzir sua análise da Pesquisa Nacionalde Reprodução Humana, do Cebrap. Atábua de fecundidade estimada por Berquóé um instrumento muito parecido com aestimativa do índice puro de fecundidade,construído a partir da progressão porparturição. A tábua permite, também, aestimativa da idade média na transição decada parturição. Atualmente, há um grupono Cedeplar1 que está desenvolvendo ummétodo para gerar histórias de nascimentoa partir da estrutura domiciliar dos censosdemográficos. Uma primeira tentativa deaplicação do método foi apresentada naConferência da International Union forScientific Study of Population (Iussp), emTours (Silva; Miranda-Ribeiro; Rios-Neto,2005).

Os resultados ainda não são ple-namente confiáveis, uma vez que omecanismo de reconstrução da história denascimentos pode ser bastante melhorado.De qualquer forma, os resultados preli-minares mostraram que dois efeitos fazemcom que a TFT observada no Brasil sejamaior do que o índice puro de fecundidade(quantum). Em primeiro lugar, o efeito tempoé negativo, embora nas estimativas sejainferior a 10%. Em segundo lugar, há umforte efeito positivo de composição porparturição, ou seja, a mudança na com-posição por parturição, ao longo do tempo,favorece um efeito de composição na TFT,que a coloca em níveis de fecundidade maisaltos do que aqueles que serão observadosno índice puro de fecundidade. Este efeitoé substancial – em torno de 30%. É possível

1 Eduardo Rios-Neto, José Alberto Magno de Carvalho, Adriana Miranda-Ribeiro, Vânia Candida da Silva e José Antonio Ortega,este último professor da Universidad Salamanca, na Espanha.

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que a aplicação do algoritmo de Kohler-Ortega, que corrige o efeito tempo atravésda incorporação de um componente devariância na curva de fecundidade, estejareduzindo o efeito tempo (em termos abso-lutos) e aumentando o efeito parturição. Dequalquer forma, este primeiro exercíciomostra que o índice puro de fecundidade(quantum) já estava abaixo dos níveis dereposição em 1987, quando encontrava-seem 2 filhos por mulher, tendo diminuído para1,7 em 2000. Estes resultados devem serconsiderados com reserva, uma vez queserão replicados com melhores recons-truções das histórias de nascimentos evariações nos algoritmos de cálculo dosefeitos tempo, parturição e do índice purode fecundidade.

Um corte destes efeitos para grupos demulheres, divididos em três níveis deescolaridade (0 a 3 anos de estudo, 4 a 8 e9 ou mais), indica, para 2000, um índicepuro de fecundidade praticamente igual –em torno de 2 filhos – para os dois primeirosgrupos, caindo para 1,4 naquele compostopor mulheres com 9 ou mais anos deestudo. Isto quer dizer que o diferencial deTFT observado entre os três grupos (3,3;2,6 e 1,6, respectivamente) deve-se con-juntamente aos efeitos tempo negativo eparturição positivo. Estas distorções entrea TFT e o índice puro são bem menores nocaso das mulheres mais escolarizadas. Talfato reflete, provavelmente, diferençasquanto ao momento em que o declínio noquantum e a mudança na estrutura ocor-reram no tempo.

Estes resultados, associados ao índicepuro de fecundidade, parecem ser consis-tentes com a taxa de fecundidade totaldesejada. Os dois conceitos, embora sejamcalculados em bases totalmente distintas,parecem captar um efeito similar, ou seja, oquantum da fecundidade. De fato, com basena pesquisa DHS-Bemfam de 1996, Wong(1998) calculou a taxa de fecundidade total,a desejada e a indesejada, para o Brasil:2,42, 1,64 e 0,79, respectivamente. Miranda-Ribeiro (2004) calculou as duas primeiras

taxas para Belo Horizonte e Recife,baseando-se no survey SRSR,2 realizadoem 2002. A TFT girava em torno de 1,8 filhonas duas capitais, sendo que a TFTdesejada era de 1,44 em Belo Horizonte e1,36 em Recife. Controlando-se pelaescolaridade da mãe, a TFT desejada sóficou acima do nível de reposição entre asmulheres com 0 a 4 anos de estudo em BeloHorizonte (2,23 filhos). Em todos os outroscasos, ela estava bem abaixo do nível dereposição.

Voltando aos resultados de Silva,Miranda-Ribeiro e Rios-Neto (2005), veri-fica-se uma menor diferença nas idadesmédias à parturição das mulheres combaixa e média escolaridade, diferença quese acentua para o caso das mulheres comalta escolaridade (9 anos ou mais de estu-do). Se estes resultados forem confirmadoscom histórias de nascimento mais bemcorrigidas, isto indicaria uma diferença depouco mais de cinco anos entre o grupo demulheres com menor escolaridade (0 a 3anos de estudo) e aquele com maior es-colaridade. No caso da confirmação dosdiferenciais acima, uma transição para oefeito tempo positivo fatalmente ocorreráquando houver um substancial aumento naprevalência de mulheres com maiorescolaridade na população. Este seria ummomento de transição para os moldeseuropeus da fecundidade abaixo do nívelde reposição, fato que, no presente momen-to, é apenas uma possibilidade.

Os dados apresentados por Berquó eCavenaghi (2004) também são ilustrativosda alta fecundidade nos segmentos de ex-trema carência. As mulheres sem instruçãoe aquelas com 1 a 3 anos de estudoapresentam fecundidade total de 4,1 filhose 3,6 filhos, respectivamente, enquanto asmulheres com 9 anos de estudo ou maisregistram TFT abaixo do nível de reposição.Resultado similar é obtido quando seconsidera o rendimento domiciliar percapita. As mulheres residentes em domicílioscom rendimento per capita abaixo de umquarto do salário mínimo apresentam taxa

2 SRSR – Saúde Reprodutiva, Sexualidade e Raça.

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de fecundidade total de 4,6 filhos, enquantoaquelas em domicílios com renda per capitaacima de um salário mínimo já estão com aTFT abaixo do nível de reposição.

Em suma, a despeito da baixa fecun-didade total em 2000, os segmentos deextrema pobreza e carência educacionalainda mostram altos níveis de fecundidade.Por causa disso, grande parte da opiniãopública ainda considera que a alta fecun-didade corrente, fruto da carência de opçõesefetivas de controle da fecundidade, é acausa fundamental da pobreza e da vio-lência urbana. Este tipo de visão confundecorrelação com causalidade. Não hádúvidas de que a presença excessiva decrianças num domicílio reduz sua rendaper capita, mas os dois fenômenos sãogerados pelo mesmo processo, sendo difícilinferir uma relação de causa e efeito.

A provisão de políticas atenuantes àpobreza, através de programas detransferência de renda, como o BolsaFamília, deve causar impactos nestesegmento. Idealmente, estes programasdeveriam ser acompanhados pela oferta deinformações e serviços contraceptivos, nocontexto da atenção à saúde reprodutivadas mulheres. Ao mesmo tempo em queeste componente de planejamento familiar,no espírito de Cairo, é altamente desejável,fatalmente o corolário desta políticaintegrada é o aumento cada vez maior dodeclínio da fecundidade para níveis abaixodo de reposição.

É claro que o efeito da transferênciadireta de renda pode também gerar um in-centivo adverso, indutor do aumento nafecundidade – possibilidade teórica que nãopode ser descartada, mas que é pouco plau-sível, caso haja um aumento na escola-ridade dos filhos destas famílias pobres,além da provisão dos serviços de planeja-mento familiar.

A agenda para os estudos sobre fecun-didade consiste em saber quão rápido, eaté que nível, a fecundidade cairá abaixodo nível de reposição. No contexto destedebate, cabe discutir as chances de o paíspassar por uma segunda transição demo-gráfica, com elevação na idade da primeiraunião e do primeiro filho. Cabe também

discutir o ritmo de queda na fecundidadedos segmentos mais pobres e menos esco-larizados, inclusive avaliando o impacto dosprogramas de transferência de renda.

Mortalidade

A população brasileira experimentouuma queda na mortalidade antes da re-dução na fecundidade, conforme indica oaumento da esperança de vida ao nascer,que passou de 43,6 anos, na década de40, para 53,7, na de 60. A mortalidadecontinuou sua tendência de declínio nosanos 70, com a esperança de vida passandopara 59,9 anos – um ganho de 6,2 anosapenas nesta década. Em 1980, aesperança de vida ao nascer chegou a 62,4anos (Carvalho, 1988). Estimativas do AtlasRacial Brasileiro (2004) apontam para umaesperança de vida equivalente a 64,7 anosem 1990 e a 68,6 anos em 2000.

De acordo com estudo do IBGE (Tábuade Vida 2001), o diferencial de esperançade vida por sexo vem aumentando, em partedevido ao peso das mortes por causasexternas. A esperança de vida das mu-lheres, em 1980, era de 66 anos, contra 59,6anos dos homens, ou seja, 6,4 anos a maispara as mulheres. Em 2001, a esperançade vida feminina já era 7,8 anos superior àdos homens – 72,9 anos e 65,1 anos,respectivamente.

A sobremortalidade masculina nasidades jovens e adultas, principalmente nafaixa de 20 a 29 anos, é um dos fatoresprincipais para o aumento da diferença naesperança de vida por sexo. Isto se deve,principalmente, ao impacto das mortes porcausas externas (homicídios, acidentes detrânsito, suicídios, quedas acidentais,afogamentos, etc.). O efeito diferenciado dascausas externas por sexo indica que suaretirada acarretaria um aumento de 2,5anos na esperança de vida masculina e deapenas meio ano na feminina.

O diferencial de mortalidade masculinaé uma questão de gênero pouco enfatizadapela literatura como tal. Não se trata desubestimar os demais diferenciais porgênero, mas sim de destacar este fato naperspectiva de gênero, e não apenas como

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uma curiosidade dos estudos de morta-lidade. Várias questões socioeconômicasestariam associadas a este diferencial.

Um ponto importante para estudosfuturos refere-se à hipótese de que odiferencial de mortalidade entre os jovensdo sexo masculino e feminino afeta oaumento no hiato de gênero, positivo paraas mulheres, medido em termos de anoscompletos de estudo. Soares (2005)apresenta os fundamentos econômicospara a relação entre reduções namortalidade e ganhos de escolaridade. Odesempenho educacional associa-se aganhos de esperança de vida, entre outros,porque um aumento exógeno na espe-rança de vida permite um maior períodode tempo para as pessoas auferirem oretorno de seu investimento, afetando,portanto, sua estratégia de investimentoem escolaridade.

Outro ponto importante, associado aodiferencial de mortalidade por sexo epolíticas públicas, refere-se ao complexodebate sobre o limite de idade para obten-ção de aposentadoria, que é menor paraas mulheres, enquanto sua esperança devida é maior. O tema é controverso, umavez que a concepção do que venha ser acontribuição das mulheres fora da esferade trabalho, principalmente no âmbito do-méstico, pode justificar tal limite. Umadiscussão ponderada sobre esta questãodeve considerar os aspectos securitários eos de política social. Para os primeiros, inclu-sive no caso de benefícios previdenciáriosprivados, este diferencial por sexo deve serlevado em conta seriamente no desenhodo equilíbrio atuarial. Este é um tema quecertamente entrará na pauta futura.

Uma nova dimensão que vem sendoincorporada ao estudo sobre a esperançade vida é a análise acerca da incapacidade.O aumento da esperança de vida faz comque uma porcentagem maior de pessoasviva parte de sua vida em estado deincapacidade física ou mental. Interessasaber quantos anos de vida ativa, quer dizer,sem incapacidade, uma pessoa terá. Osdados do Censo Demográfico de 2000apresentam medidas limitadas de capa-cidade – por exemplo, a incapacidade de

enxergar, ouvir e se locomover (caminhar esubir escadas), além das deficiênciaspermanentes (física e mental). A esperançade vida de 68,6 anos do brasileiro corres-ponde a 54 anos de vida ativa (78,7%). Aesperança de vida ativa dos homens é de52,1 anos, equivalendo a 80,4% de suaesperança de vida, enquanto as mulheresapresentam uma esperança de vida ativade 55,9 anos, ou seja, 77% de suaesperança de vida (Baptista, 2003).

A pesquisa Saúde, Bem-Estar eEnvelhecimento na América Latina e noCaribe (Sabe), coordenada pela Organi-zação Pan-Americana de Saúde (Opas) eaplicada em um conjunto de grandescidades da América Latina e do Caribe, incluium levantamento de dados sobre omunicípio de São Paulo, em 1999.

Baptista (2003) calculou uma tábua devida ativa para os idosos daquela cidade epercebeu que as mulheres que chegam aos60 anos de idade esperam viver mais 21,8anos, dos quais 12,7 anos serão vividoscom algum tipo de incapacidade (58,2%) e9,1 anos em estado de plena capacidade.Dos anos vividos em incapacidade pelasmulheres, 5,3 anos serão de incapacidademoderada e 7,4 anos em estados severosde incapacidade. Já os homens que che-gam aos 60 anos de idade possuem umaesperança de vida de 17,2 anos, menor doque a das mulheres, mas vivem 9,5 anossem qualquer tipo de incapacidade e 7,8anos com alguma incapacidade (45,1% daesperança de vida aos 60 anos). Destes, 4anos serão passados em estados mo-derados de incapacidade e 3,8 anos emestados severos de incapacidade.

Aos 85 anos de idade, 88,7% e 77,6%do tempo de vida restante para mulheres ehomens, respectivamente, serão vividos napresença de incapacidade. As mulheresnão só passam uma maior proporção deseu tempo de vida em estado de incapa-cidade, comparativamente aos homens,mas também apresentam maior proporçãode tempo de vida vivido estando no estadode incapacidade severa – 50% superior aodos homens (Baptista, 2003).

A temática da incapacidade soma-se avários pontos relacionados à questão do

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envelhecimento, área totalmente inter-disciplinar e que tem a demografia comoum de seus pilares. Será cada vez maior ainterface entre a demografia, a economiado seguro, a economia da saúde e a áreada saúde. Vários temas são emergentes apartir desta ênfase no envelhecimento: osarranjos familiares para o cuidado do idoso;a organização do cuidado médico; oslimites da sobrevivência e da longevidade;os marcadores biológicos na pesquisasocial; a epidemiologia do envelhecimento;o desenvolvimento da gerontologia; etc.

Migração3

A questão da migração internacional ébastante complexa, englobando uma sériede dimensões extremamente relevantes.Esta questão envolve fator regional interna-cional, regulação governamental, emigra-ção, imigração e sistema de informações.4

Em que pese a importância históricados fluxos imigratórios para o Brasil, apresente análise estará voltada para aquestão da emigração de brasileiros parao exterior e seus desdobramentos, inclu-sive a possibilidade de retorno. Esta ênfasedecorre não só de sua importância nosúltimos 30 anos do século XX, mas tambémpor suas implicações econômicas corren-tes – por exemplo, por causa das remessasfinanceiras do exterior para o Brasil e porpossíveis implicações futuras, num cenárioem que pode ocorrer relativa perda dequadros qualificados de jovens brasileirosnas próximas décadas (brain drain).

A estimativa dos fluxos migratóriospara e do Brasil é muito complexa devidoa limitações de dados. Carvalho (1996)estimou o fluxo migratório líquido daspessoas com mais de dez anos de idade,mostrando que este era negativo – emtorno de 1,8 milhão – nos anos 80. Infeliz-mente, o autor afirma que problemas decobertura entre os censos demográficos de1991 e 2000 impedem uma estimativa

3 A migração interna possui sua importância própria, mas conforma mais ao debate sobre a distribuição espacial da populaçãobrasileira, que, por estratégia deste trabalho, será um tema omitido da análise.4 O livro da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD), denominado Migrações internacionais – contribuiçõespara políticas, de agosto de 2001, demonstra toda esta complexidade.

acurada mais recente deste fluxo mi-gratório líquido (Carvalho, 2004). Azevedo(2004) util iza dados dos consuladosbrasileiros no exterior para sugerir que onúmero de brasileiros vivendo no exteriorteria passado de 1,5 milhão, em 1997, paracerca de 2 milhões, em 2002. A Tabela 1foi gerada no âmbito da CNPD, para finsinformativos em seminários internacionais.Com todos os problemas de qualidade dosdados, que podem levar a uma subnu-meração dos brasileiros vivendo noexterior, os mesmos mostram maiorprevalência de brasileiros residindo nosEstados Unidos, no Paraguai e no Japão.Os emigrantes para a Europa ainda nãosão tão significativos, embora hajainformações de que o fluxo dirigidos paraPortugal, Espanha e Inglaterra tem au-mentado muito.

As limitações destes dados não in-validam a conclusão de que a emigraçãode brasileiros para o exterior está setornando um fenômeno cada vez maisimportante, ainda que numericamente limi-tado no que se refere ao peso proporcionalna população brasileira total. A discussãoacerca dos números de brasileiros noexterior e do saldo migratório líquido éimportante e deve ser perseguida.

O tema das remessas financeiras dosbrasileiros residentes no exterior é emer-gente, atraindo interesses do sistemafinanceiro internacional. Na ocasião doEncontro de Governadores do BID (BancoInter-Americano de Desenvolvimento),ocorrido em Okinawa, Japão, em 2005, opresidente do BID, Enrique Iglésias, afirmouque o tema das remessas decorrentes dosfluxos migratórios internacionais era a “BelaAdormecida” do mercado financeirointernacional. Um estudo do BID, realizadopela empresa de pesquisa Bendixen &Associates, estima que os brasileirosresidentes no Brasil recebem, anualmente,cerca de 5,4 bilhões de dólares emremessas de brasileiros residentes no

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exterior. O destinatário recebe cerca de dezremessas por ano, com um valor médio de428 dólares. Cerca de metade das remes-sas é originária dos EUA, enquanto oconjunto dos países europeus e o Japãosão os dois outros grupos mais importantes.Os brasileiros residentes no Japão(dekaseguis) não só enviam remessasfinanceiras, mas também retornam comuma substancial poupança para investi-mento no Brasil, conforme indica a literatura.Martes (2005) estima, a partir de umaamostra de 235 entrevistados, uma médiade 6.535 dólares enviados por entrevis-tado/ano, com uma periodicidade média de10,1 remessas por ano e um valor médiode 646,10 dólares por remessa. Os dadosdo FMI (Fundo Monetário Internacional),apresentados por Lozano-Ascencio (2005),mostram uma relativa flutuação nas remes-

TABELA 1Brasileiros emigrantes, segundo local de residência atual

Postos Consulares – 2001

Fonte: Ministério das Relações Exteriores, 2002.

sas computadas pelo sistema oficial, entre1995 e 2003. De qualquer forma, o valordas remessas para o Brasil, em 2003, é decerca de 2 bilhões de dólares, colocando opaís em sexto lugar, na América Latina, noque se refere a esses recebimentos. Taisnúmeros são relevantes ao se considerarque as remessas variaram entre 3% e 6%da pauta de exportações brasileiras e,principalmente, levando-se em conta apequena proporção da população brasi-leira que reside no exterior.

A temática das remessas e a análisede seus efeitos para as comunidades locais– por exemplo, a cidade de GovernadorValadares –, além das suas implicações ma-croeconômicas, devem continuar sendoagenda importante de pesquisa. Igualmenterelevante é a mensuração destas remessas,distinguindo-se o montante que vem

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registrado oficialmente daquele que entrano país informalmente. O papel das redesmigratórias no envio das remessas deve serestudado, assim como o de agentes infor-mais e/ou institucionalizados, que organi-zam o fluxo de migração não documentadae, possivelmente, ganham também com asremessas. Outro tópico que merece ser maisestudado é a migração de retorno internacio-nal e a subseqüente inserção do retornadona comunidade e no mercado de trabalho,seja como assalariado, seja nas atividadesde negócio, como empreendedor.

Em termos de agenda futura, um temade potencial relevância é o papel da emi-gração na inserção do jovem brasileiro naeconomia global, nos próximos vinte anos.

Historicamente, desde os anos 80, ofenômeno da emigração está presente narealidade brasileira. Alguém poderia espe-cular que, se não houve fugas de cérebros(brain drain) significativas nas duas décadaspassadas, um período de estagnação eco-nômica, então não pareceria razoáveldesenhar um quadro sombrio para o futuro.Este ponto pode ser questionado em doisaspectos. Em primeiro lugar, cada vez maisos jovens de classe média contam comalguma experiência internacional, via inter-câmbio ou turismo, uma vez que a barreirada língua é cada vez menor. Em segundolugar, a demanda por mão-de-obra nospaíses europeus deve aumentar substan-cialmente nas próximas décadas, comoresultado da fecundidade abaixo do nívelde reposição e do envelhecimento popula-cional. O recurso aos imigrantes africanosfica, lamentavelmente, atenuado com acrescente barreira de discriminação raciale religiosa, além dos problemas de con-tingente populacional que o continenteenfrentará, num futuro próximo, devido àmortalidade por Aids.

Neste contexto, do ponto de vista dospaíses europeus, o perfil do imigrante latino-americano é bastante atrativo. Se isto forverdadeiro, então a possibilidade de seperder um segmento dos jovens qualifi-cados brasileiros (ensino médio ou mais)para o mercado de trabalho internacional éalgo bastante concreto, o que coloca o braindrain na pauta de estudos futuros.

A dinâmica demográfica e a estrutura etária

O crescimento da população e asmudanças em sua estrutura etária sãoprimordialmente afetados pelas tendênciasda fecundidade e da mortalidade e, emalguma medida, pelo saldo migratório inter-nacional. A queda na mortalidade e osganhos de esperança de vida pouco afetama estrutura etária, num país que apresentaaltas taxas de crescimento populacional.Sendo assim, durante um longo período,os ganhos de esperança de vida aumen-taram a longevidade das gerações denascimento, mas não envelheceram apopulação brasileira. Por outro lado, aqueda na taxa de fecundidade total afetabruscamente a estrutura etária da popu-lação, levando a uma redução na proporçãode dependentes (crianças de 0 a 14 anos)e a um crescente envelhecimento da po-pulação (idosos de 60 anos e mais).

Um ponto importante para a relaçãoentre estrutura etária e projeção popu-lacional, a ser discutido a seguir, refere-seao fato de que os ganhos futuros de es-perança de vida ainda terão impactorelativamente pequeno sobre a estruturaetária populacional. Por outro lado, o im-pacto da fecundidade futura tenderá a sermais diluído, dada a baixa fecundidade jáalcançada. Dessa forma, grande parte damudança na estrutura etária futura seráafetada pela inércia populacional, quepossui grande componente alicerçado nafecundidade passada.

A projeção populacional do IBGE e aestrutura etária

O documento base deste item é umarevisão da projeção populacional do IBGEaté 2050, divulgada por meio eletrônico nosite do IBGE, em outubro de 2004. Não sepretende discutir a metodologia de projeçãodo IBGE, nem mesmo sua precisão. O obje-tivo é tomar uma fonte oficial para discutir atendência futura da estrutura etária. De qual-quer forma, alguns alertas sobre os pressu-postos desta projeção devem ser emitidos.

A projeção toma por base a popu-lação enumerada no Censo Demográfico

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de 1980, assumindo que a cobertura doCenso Demográfico de 2000 é a ideal. Odocumento argumenta que a base em1980 permite uma projeção ligeiramentesuperior à população do censo de 1991e à contagem de 1996, mas uma proje-ção bastante mais próxima da populaçãototal e por idade do censo de 2000.

Sem entrar em maiores detalhes sobreas estimativas de mortalidade da projeçãopopulacional, cumpre destacar que a tábuade mortalidade utilizada para 2000pressupõe uma esperança de vida aonascer de 70,4 anos para ambos os sexos,um pouco acima dos 68,6 anos apresen-tados pela estimativa PNUD/Cedeplarmostrada anteriormente. De qualquerforma, diferenças na esperança de vida ena tábua de mortalidade devem afetar aestrutura etária da população projetada emmenor proporção do que diferenças nasprojeções da taxa de fecundidade total.

Uma questão cada vez mais importantenos próximos anos será a confiabilidade nasestimativas de mortalidade, principalmenteno que tange às estimativas de mortalidadeadulta. Mais importante do que o papeldestas estimativas nas projeções popula-cionais é o seu papel nos cálculos atuariaisdos fundos de pensão e dos seguros, tantopara o setor público quanto o privado.Fontes de dados e metodologias alterna-tivas devem ser cada vez mais incentivadas.

A projeção da taxa de fecundidade totalé bastante conservadora, quando se temconta que a estimativa da mesma em 2000era de 2,4 filhos por mulher, com base nocenso demográfico, sendo que esta taxachega a 2,1 filhos por mulher (nível dereposição) na PNAD de 2003. A projeçãode fecundidade utilizada pelo IBGE assumeque o nível de reposição só será alcançadoentre 2015 e 2020. A reflexão acerca dafecundidade futura, realizada anteriormen-te, mostra claramente que a fecundidadebem abaixo do nível de reposição não estáfora de questão. Uma estimativa mais altada fecundidade tem implicações tanto naestrutura etária quanto no tamanho dapopulação total no século XXI. A despeitodas questões anteriormente mencionadas,conclama-se a necessidade do desenho de

projeções com cenários alternativos para ocomportamento da taxa de fecundidadetotal, entre 2005 e 2030, mas opta-se porutilizar estas projeções oficiais disponíveisapenas para realçar as tendências básicasde mudanças na estrutura etária.

Um outro pressuposto delicado nareferida revisão de projeção é o depopulação fechada. O saldo migratóriolíquido negativo, indicado pela literaturaespecífica, dificilmente cairia a zero nosanos 90. O pressuposto de um saldomigratório nulo ou de uma populaçãofechada pode se justificar na argumentaçãode ajustes da projeção ad hoc para aestrutura etária entre os períodos censitá-rios, mas provavelmente reflete problemasna qualidade das estimativas de mortali-dade adulta (eventualmente subestimadas).O ajuste, sem o devido realismo dos compo-nentes, pode gerar conseqüências nasestimativas da população total futura.

O Gráfico 1 mostra a descrição clássicada razão de dependência total (jovens maisidosos), jovens (0-14/15-64) e idosos (65 emais/15-64) entre 1980 e 2050. A razão dedependência de jovens refere-se, maisapropriadamente, à participação dosegmento infantil na população ativa, quedeclina durante quase todo o períododescrito, mas com maior queda precisa-mente nos anos 90. O crescimento maisacentuado da razão de dependência dosidosos se dará a partir de 2010. A razão dedependência total apresenta maior quedaentre 1980 e 2000 e menor declínio até2025, ponto a partir do qual esta razãocomeça a aumentar, como resultado dopeso da razão de dependência dos idosos.Esta descrição clássica da projeção darazão de dependência já foi por demaisdescrita pela literatura que trata dasimplicações da dinâmica demográficasobre a estrutura etária. Um refinamento daparticipação de segmentos da populaçãoem idade ativa sobre a população total podeser esclarecedor.

A Tabela 2 mostra o aumento daparticipação da PIA sobre a população total,entre 1980 e 2025. O crescimento ésubstancial entre 1980 e 2000, sendo bemmenor até 2025. O chamado segmento

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GRÁFICO 1Projeção da razão de dependência

Brasil – 1980-2050

jovem da PIA, definido pela população de15 a 24 anos, apresenta ligeiro declínio daparticipação na população total entre 1980e 2000, diminuindo mais intensamente até2015 e de forma mais leve até 2050. Osegmento adulto da PIA, que compreendeo grupo etário de 25 a 44 anos, é compostopelas pessoas que auferem os ganhos de

experiência nos seus rendimentos, além depassarem pela fase do ciclo de vidaassociada à constituição da família e criaçãodos filhos. Este segmento cresce entre 1980e 2000, aumentando ligeiramente suaparticipação na população total até 2010 edeclinando um pouco a partir deste período.O segmento que mais cresce entre 2000 e

TABELA 2Projeção da participação da PIA na população total, por faixa etária

Brasil – 1980-2050

Fonte: Oliveira, Albuquerque e Lins (outubro de 2004); IBGE. Projeção da População do Brasil por Sexo e Idade para o Período1980-2050 – Revisão 2004.

Fonte: Oliveira, Albuquerque e Lins (outubro de 2004); IBGE. Projeção da População do Brasil por Sexo e Idade para o Período1980-2050 – Revisão 2004.

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2020 é o da PIA madura, compreendendoaqueles com 45 a 64 anos de idade. Emtermos gerais, esta PIA madura já apresentadecréscimo de rendimento médio, secomparada ao grupo etário anterior. O picoda curva de rendimento por idade tende aser atingido entre os 40 e 50 anos de idade.Há, hoje, um amplo debate sobre o po-tencial de produtividade da PIA madura nomundo desenvolvido de baixa fecundidadee envelhecimento populacional, tema cadavez mais relevante para o país. O de-créscimo da participação da PIA jovem e ocrescimento da participação da PIA madurasão os fatos novos ditados pela dinâmicademográfica na primeira metade do séculoXXI, com uma relativa constância (sanduí-che) do segmento da PIA adulta.

Um outro ponto relacionado com a es-trutura etária refere-se à dinâmica da razãode sexos nos segmentos etários relevantespara o mercado de casamento, que tem onúmero de homens de 20 a 29 anos deidade no numerador e o de mulheres de 15a 24 anos no denominador. Esta razãoapresenta uma defasagem de cinco anos

entre o intervalo masculino e feminino paraindicar a demanda média por casamentos/uniões, na qual, geralmente, o parceiro dosexo masculino é mais velho. Por causadesta defasagem etária, espera-se que asflutuações demográficas de curto prazo,ditadas pela existência de uma grandecoorte de jovens nos anos 90 e de umdeclínio da mesma nas duas primeirasdécadas do século XXI, imporão umaflutuação no mercado de casamento. OGráfico 2 indica que esta razão era próximaa 80% em 1980, aumentou para 95% em1990, se estabilizou com um ligeiro declínioentre 1990 e 2000, voltando a subir para96% em 2005 e para 105% em 2010.Haverá um ligeiro decréscimo entre 2010 e2020, mas a razão de sexo voltará a subiracima de 100% entre 2030 e 2050. Estemaior aquecimento no mercado de casa-mento não corresponde ao padrão históricobrasileiro, com razão de sexos paracasamento abaixo de 100%. A experiênciado qüinqüênio 2005-2010 deve ser obser-vada com atenção, pois mostra um grandeaquecimento neste mercado.

GRÁFICO 2Projeção da razão sexo, por faixa etária

Brasil – 1980-2050

Fonte: Oliveira, Albuquerque e Lins (outubro de 2004); IBGE. Projeção da População do Brasil por Sexo e Idade para o Período1980-2050 – Revisão 2004.

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Um tópico bastante importante parainvestigação será relacionar este aque-cimento no mercado de casamento com aidade mediana de formação da união, aqual tem se mantido praticamente constanteao longo das gerações de mulheresbrasileiras – em torno de 21 anos. Estudofeito para Belo Horizonte, comparando duascoortes de mulheres – 20 a 29 anos e 50 a59 anos –, sugere que não há diferençasna idade por ocasião da primeira união dasmulheres das duas gerações. Ao longo dos20 a 30 anos que separam estas coortes, aidade mediana na primeira união, naquelacapital, permaneceu em torno de 23 anos(Simão et al., no prelo).

O debate sobre a eventual operaçãode um efeito tempo positivo na fecundidadebrasileira, causando queda ainda maiorabaixo do nível de reposição, trata dapossibilidade de emergência do chamadopadrão europeu, marcado pelo aumento daidade de casamento ou de primeira união,além do adiamento do nascimento doprimeiro filho. Se a razão de sexo aquecero mercado de casamento nos próximosanos, então as chances de a idade na pri-meira união aumentar são reduzidas. É pos-sível que até mulheres com mais de 30 anosde idade, ainda solteiras, sejam atraídaspara o mercado de casamento com homensmais jovens, em decorrência do “marriagesqueeze”5 previsto pela razão de sexo.

Uma possibilidade de se observar aoperação do efeito tempo decorreria daeventualidade de um adiamento do nasci-mento do primeiro filho, mesmo que dentrode uma união já formada. Esta possibilidadenão é plausível até o presente, uma vez quea concentração da fecundidade se dá nasidades mais jovens, entre 15 e 24 anos,precedida ou não pela primeira união.

Um tema da maior relevância parao futuro imediato será cotejar a relaçãoentre a tendência de adiamento do casa-mento e do primeiro filho, como decor-rência do prolongamento do períododevotado à freqüência escolar, visandoo aumento da escolaridade, e a

tendência de casamento imediato, comoresultado do aquecimento no mercado decasamentos.

Implicações da dinâmica demográficano nível macro

Nesta segunda parte, faz-se a ligaçãoentre a dinâmica demográfica recente esuas perspectivas, neste início de século,com três conjuntos de questões: ademografia dos efeitos de composição; odividendo demográfico; e as transferênciasintergeracionais.

A demografia dos efeitos de composição

Os efeitos de composição podem serafetados pela dinâmica demográfica, comimplicações claras para as políticas públi-cas. Os níveis de fecundidade discutidosanteriormente mostram altos diferenciaispor escolaridade materna e renda per capitadomiciliar. Não há dúvidas de que a altafecundidade observada nas famílias commães menos escolarizadas e com renda percapita domiciliar baixa afeta o bem-estardestas famílias. Não há nada de “neomal-thusiano” nesta constatação. Existe, sim-plesmente, a diluição dos parcos recursosdisponíveis para estas famílias numerosas.

Se, por um lado, o declínio generali-zado da fecundidade no Brasil, apresentadoanteriormente, implica um maior grau deflexibilidade das famílias para se adaptaremàs pressões de recursos, por outro, odiferencial de fecundidade observado indi-ca segmentos de famílias menos dotadas(em educação e/ou renda), provavelmenteenfrentando dificuldades de ajustes àspressões por recursos. É possível imaginaruma crescente participação relativa dosnascimentos de filhos de mães menosescolarizadas e de famílias mais pobres nototal de nascimentos. Isto significa que ascoortes de nascimento, ao serem obser-vadas num futuro de 15 a 20 anos, poderiamapresentar maior participação de jovensoriundos de famílias menos dotadas em

5 Termo geralmente utilizado para definir uma escassez relativa de mulheres no mercado de casamento.

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escolaridade e renda domiciliar per capita.Se isto ocorresse, teríamos, claramente, umproblema social marcado pelo aumento dacarência de background das coortes futurasbrasileiras. Este tipo de cenário demandariapolíticas sociais ativas para compensar adeficiência de background familiar.

Há um problema de raciocínio naextrapolação acima. O diferencial de taxasde fecundidade por atributos de escola-ridade materna e renda domiciliar per capitaseria determinante da composição socialde uma coorte no período futuro, mas istosó ocorreria se a composição das mães porescolaridade e renda ficasse inalterada.

Uma análise da coorte de 0 a 4 anosem diferentes períodos (captada porpesquisa domiciliar) refletirá, grosso modo,os nascimentos no período de análise. Acomposição social desta coorte de 0 a 4anos, nos vários períodos, representa ainteração entre o diferencial de fecundidadepor atributos e o número de mães porescolaridade ou renda familiar per capita.Além disso, na ausência de mobilidade,essa coorte representará a composição dejovens de 15 a 19 anos de idade, 15 anosmais tarde. Em outras palavras, a análisedas crianças de 0 a 4 anos por backgroundfamiliar simula a população de jovens de15 a 19 anos, 15 anos depois, controladapelo background familiar quando nomomento do nascimento, o qual, porsuposição, permanece constante.

Os dados do Gráfico 3 indicam que apersistência do diferencial de fecundidadepor escolaridade materna, discutida ante-riormente, não causou concentração denascimentos originados por mães de baixaescolaridade, pois houve um efeito de com-posição compensador. A porcentagem decrianças de 0 a 4 anos de idade, geradaspor mães que tinham de 0 a 3 anos deestudo completos, representava cerca de48% do total de nascimentos em 1983. Em2003, após uma queda monotônica, aparticipação chega a cerca de 21%.

Os dados do Gráfico 4 confirmam queeste resultado decorre de um efeito decomposição, marcado tanto pelo notáveldeclínio no número de mães com baixaescolaridade (0 a 3 anos de estudo) quantopelo aumento no número de mães com maisalta escolaridade (9 anos ou mais deestudo). Este resultado sugere que a dinâ-mica demográfica recente favorecerá amelhoria no desempenho escolar dosjovens de 15 a 19 anos, no futuro. Enquanto47,9% das crianças de 0 a 4 anos, em 1983,eram filhos de mães com baixa escolari-dade, representando as condições dosjovens de 15 a 19 anos em 1998, esta por-centagem passa para 34,3% dos jovens de15 a 19 anos, em 2008, e para 21% em2018. Aceitando-se a proposição de quefilhos de mãe com escolaridade mais altatêm um melhor desempenho escolar, estesdados mostram que, do ponto de vista do

GRÁFICO 3Distribuição das crianças de 0 a 4 anos, segundo anos de estudo da mãe

Brasil – 1983-2003

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD (tabulação do autor a partir dos microdados).

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GRÁFICO 4Distribuição das mães de filhos de 0 a 4 anos, segundo anos de estudo

Brasil – 1983-2003

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD (tabulação do autor a partir dos microdados).

desempenho educacional dos jovens nosníveis educacionais mais elevados (ensinomédio e superior), as condições demográ-ficas futuras favorecem a política educacio-nal. Sendo assim, uma política governamen-tal de transferências de recursos, voltadapara os objetivos de desempenho educa-cional dos jovens, deveria ser focalizadanaquele segmento de filhos de mães combaixa escolaridade. Um exemplo de políticanesta área seria a provisão de ensino emtempo integral para os filhos de mães combaixa escolaridade.

Os dados do Gráfico 5 mostram que adistribuição das crianças de 0 a 4 anos, por

renda familiar per capita, se alterou entre1983 e 2003. Tais mudanças, no entanto,não foram de uma forma tão radical quantoas observadas nas características educa-cionais das mães. Houve um declínio noporcentual de filhos nas famílias com rendaper capita de até ¼ de salário mínimo, quefoi compensado pelo aumento no númerode filhos em famílias com esse rendimentoentre ½ e 1 salário mínimo, mais do queproporcionalmente ao aumento nos demaisestratos de renda familiar per capita,superiores a um salário mínimo.

O contraste do dinamismo entre ocrescimento da porcentagem de jovens

GRÁFICO 5Distribuição das crianças de 0 a 4 anos, segundo classes de renda familiar per capita (1)

Brasil – 1983-2003

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD (tabulação do autor a partir dos microdados).(1) Em salários mínimos. Os rendimentos foram deflacionados para 1º de janeiro de 2003 e classificados segundo o salário mínimovigente na época (R$ 200,00).

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nascidos de mães com maior escolaridadee a relativa estabilidade da proporção defilhos nascidos por estratos de renda familiarper capita coloca um claro efeito na estruturade composição, que pode afetar o pla-nejamento de políticas futuras para osjovens, principalmente no foco de políticaseducacionais.

Claramente, as famílias de renda maisbaixa possuem restrições de crédito parainvestir na educação de seus filhos. Amelhoria na escolaridade das mães deslocapara cima a demanda por educação nestessegmentos, mas a menor mobilidade derenda familiar no tempo mantém as res-trições de crédito. As famílias mais pobrespossuem restrições de crédito, que levam aum subinvestimento em capital humano.

Vários estudos de nível micro demons-tram que a renda familiar per capita éimportante determinante da escolaridademédia dos filhos. Sendo assim, a mobili-dade educacional da mãe e a relativaestagnação da renda familiar per capitaconfirmam a necessidade de se continuarcom políticas de transferência de renda,condicionadas ao desempenho escolar.Programas nos moldes do Bolsa Família,ora em vigor no país, devem ser pensadosaté mesmo para níveis maiores de esco-laridade, como o ensino médio, tendo emvista o impacto negativo das restrições decrédito acima discutidas.

Concluindo, esta análise da demografiados efeitos de composição resulta em duasproposições de políticas públicas. Emprimeiro lugar, há uma carência de políticaspúblicas focadas nos filhos de mães combaixa escolaridade, cujo segmento repre-senta um quinto dos nascimentos em 2003e será a população de 15 a 19 anos em2018. Apenas uma política de transferênciade renda, acompanhada pela provisão deatenção integral na escola, permitiria algu-ma melhoria substancial na escolaridadedeste segmento. Em segundo lugar, háaumento na demanda por escolaridadeelevada, ditada pelo aumento de filhos nas-cidos de mães com média e alta escola-ridade; uma parcela relevante destas mãesé composta por pobres, uma vez que a varia-ção da porcentagem de mães por renda é

bem menos clara. Isto significa que o au-mento de escolaridade da mãe, acompa-nhado menos que proporcionalmente peloaumento de renda per capita domiciliarimplica uma potencial restrição de crédito.Apenas políticas que afetem as restriçõesde crédito das famílias pobres permitirãoque esta virtuosidade potencial se materia-lize em maior escolaridade das geraçõesfuturas do país.

O dividendo demográfico

O chamado “dividendo demográfico”,também denominado de “janela de oportu-nidades”, quando discutido por literaturamenos economicista, é um fenômeno bené-fico para a sociedade em termos econômi-cos, associado às conseqüências diretasdo declínio da fecundidade sobre a estruturaetária durante e imediatamente após atransição demográfica. Estas mudanças naestrutura etária, discutidas anteriormentepara o caso brasileiro, trazem conseqüên-cias sobre o crescimento econômico e aestrutura de gastos públicos.

Várias vertentes fazem uso desta noçãode dividendo demográfico, muitas vezes en-tendida como uma mera “apologia contro-lista” de cunho “neomalthusiano” para justi-ficar o planejamento familiar “controlista”.A vertente “neomalthusiana” vê o dividendodemográfico como uma rationale para quese defenda o controle populacional, imple-mentado por intermédio de uma políticadirigida de planejamento familiar, conformeformulado originalmente por Coale eHoover, para o caso da Índia, e seguido poraplicações mais diretas de modelos de cres-cimento econômico, como o de Solow. Ou-tras vertentes identificam o “dividendo de-mográfico”, ou “janela de oportunidades”,como uma potencialidade lógica, decorren-te das conseqüências diretas do declínioda fecundidade sobre a estrutura etária.

Esta potencialidade lógica pode seraproveitada ou não pelos países durante operíodo de transição demográfica. O seuaproveitamento dependerá de vários aspec-tos, tais como as condições econômicas,institucionais de Estado, de operação dosetor financeiro e de comportamento da

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família, entre outras. A coleta deste dividendonão é mecanicamente determinada pelascondições demográficas.

Num caso como o brasileiro, cujo declí-nio da fecundidade no século XX chegoupraticamente à beira do nível de reposição,não faz mais sentido discutir o debate sobreo dividendo demográfico como sendo umarationale para algum tipo de política “con-trolista”. Não há como pensar planejamentofamiliar, hoje, em termos de controle docrescimento populacional, uma vez que eleatende a outras demandas na área desaúde reprodutiva, dentro dos preceitos daConferência de Cairo.

Uma vez desqualificada a discussãosobre o dividendo demográfico como parteda esfera “controlista”, o que resta do deba-te? Resta discutir o dividendo demográfico,tendo em vista o planejamento das políticasde Estado que incorporem o componentepopulacional, visando o desenvolvimentoeconômico e social do país. A agenda so-bre o dividendo demográfico consiste naidentificação de pontos de estrangulamentoe oportunidades geradas pela dinâmicapresente e futura da estrutura etária, poden-do ser analisado na perspectiva macro oumicro. Aqui, apenas os aspectos macroserão considerados.

Um debate macro antigo, associado aoque hoje se denomina dividendo demo-gráfico, mas que tradicionalmente era“neomalthusiano” e, em algum momento,virou “janela de oportunidades”, refere-seao impacto da razão de dependência jovem(ou infantil) sobre o gasto com educação.

Riani (2001) estuda o impacto da razãode dependência sobre a taxa de matrícula,taxa de cobertura, taxa de eficiência e razãoprofessor/aluno, entre outras variáveisdependentes associadas com o gasto públi-co com educação. O tamanho da coorte emidade escolar afeta negativamente indica-dores de quantidade e de qualidade (repe-tência) escolar. Estes resultados confirmama operação de um certo dividendo demo-gráfico na área de educação. Em sua tesede doutoramento, utilizando modeloshierárquicos, Riani (2005) confirma o papelda razão de dependência macro (nomunicípio) sobre o comportamento de

quantidade e qualidade do ensino no nívelmicro ou familiar. É possível concluir que ocrescimento espetacular da matrícula e dacobertura escolar, nos anos 90, deve-se, emparte, ao papel do Fundef (Fundo deDesenvolvimento do Ensino Fundamentale de Valorização do Professor) e às priori-dades governamentais, mas é inegável aimportância da grande queda na razão dedependência para facilitar o estrondosoaumento na cobertura escolar observadono período. Relatórios de projeção condu-zidos pelo autor deste trabalho indicam queo crescimento da matrícula escolar, nofuturo, decorrerá muito mais do crescimentona taxa de matrículas por série e idade doque do aumento da população em idadeescolar. Os grupos etários da população emidade escolar apresentam flutuaçõespositivas e negativas até 2020, mas,do ponto de vista total, não há pressãode crescimento da população em idadeescolar.

Uma identidade básica que define arenda per capita ajuda a explicitar a baseda hipótese macroeconômica do dividendodemográfico. A referida identidade édescrita na equação (1) e norteia a literaturasobre crescimento e renda per capita.

Definindo-se:Y/P=y = renda per capitaY= renda nacionalP= população totalO= número de ocupados

Definindo-se ∆ como a variação notempo para todos os parâmetros de (1), tem-se:

Definindo-se:∆y = crescimento da renda per capita

= crescimento da produtividade∆0 = crescimento dos ocupados∆P = crescimento populacional

A literatura econômica enfatiza o estudosobre a produtividade econômica, principal-mente tendo por base os modelos de cresci-mento, a maioria dos quais considerava ototal de ocupados e a população sem

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distinção, pressuposto que faz sentido nolongo prazo, em que a população é estávele, por isto mesmo, apresenta todos ossegmentos etários crescendo na mesmaproporção. A incorporação da diferençaentre o crescimento dos ocupados e oaumento populacional é a preocupaçãocentral que trouxe o debate sobre o divi-dendo demográfico para a discussãoeconômica.

O crescimento dos ocupados é determi-nado pela elevação da população em idadeativa e a taxa de ocupação (que é adiferença entre a taxa de participação naPEA6 e a de desemprego). A literatura sobreo dividendo demográfico enfatiza ocrescimento da população em idade ativacomo principal determinante do aumentodos ocupados. Nesta linha, em termos daequação 2, controlando-se pelo crescimentoda produtividade, objeto central da preocu-pação dos economistas, e assumido inde-pendente da estrutura etária, o dividendodemográfico seria um bônus extra, causadopela diferença entre o crescimento dapopulação em idade ativa (PIA), utilizadacomo proxy para a expansão dos ocupados,e o crescimento populacional.

A diferença positiva entre o crescimentoda PIA e a elevação populacional ocorreprecisamente durante o período da transi-ção demográfica, e tende a perder força àmedida que a inércia populacional é redu-zida e a população se aproxima da estabi-lidade populacional. O Gráfico 2 mostra que,potencialmente, a fase mais dinâmica dodividendo demográfico no Brasil ocorreuentre 1980 e 2000. Há uma previsão de suaoperação até 2025, mas com um cresci-mento em ritmos bem menores.

Um primeiro exercício de mensuraçãodo impacto do dividendo demográfico sobreo crescimento da renda per capita brasileiraé apresentado a seguir. As estimativasseguem o debate econômico sobre aconvergência de renda e as especificaçõeseconométricas dos modelos de crescimentoda renda, discutidas no livro PopulationMatters, editado por Birdsall, Kelley e

Sinding (2001). O teste utiliza a renda percapita domiciliar média dos municípiosbrasileiros, tendo por base os dados doIBGE apresentados no Atlas do Desenvolvi-mento Humano do Brasil (PNUD), 2003.

A variável dependente:

• yr = taxa de crescimento anual da

renda per capita entre 1991 e 2000,medida em termos de renda individualcoletada nos censos demográficos.

As variáveis independentes são:

• Lny91 = o logaritmo da renda percapita municipal em 1991;

• Educadu = a média de anos de estu-do da população adulta no municípioem 1991;

• Lnpiapop = o logaritmo da razãoentre a população em idade ativa e apopulação total em 1991;

• Difgrpp = a diferença entre o cresci-mento da PIA e o aumento popula-cional entre 1991 e 2000.

A elevação da renda per capita, nosanos 90, foi afetada negativamente pelonível desse rendimento nos municípios, noinício da década, um resultado que confor-ma com a hipótese da convergência da ren-da. A proporção da população total emidade ativa afeta positivamente e de formasignificante o crescimento da renda percapita na década de 90, conforme previstopela hipótese do dividendo demográfico(Tabela 3). A causalidade destas estimativaspoderia ser questionada, principalmente,devido ao possível viés de simultaneidadeda equação. Estimativas utilizando variá-veis instrumentais são apresentadas naTabela 4, confirmando tanto a convergênciada renda per capita municipal quanto o efeitopositivo do dividendo demográfico.

O Gráfico 6 indica a importância da con-vergência da renda municipal no modelodo crescimento da renda per capita munici-pal. Já o Gráfico 7 confirma a força dodividendo demográfico no crescimento darenda per capita municipal. O impacto davariável Lnpiapop é positivo e substancial –

6 PEA significa população economicamente ativa.

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TABELA 3Determinantes do crescimento da renda per capita

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, PNUD, Ipea, Fundação João Pinheiro, 2003.Estimativas do autor usando o pacote estatítico stata.

TABELA 4 Modelo Tabela 3 com variáveis instrumentais

Estimativa por dois estágios mínimos quadrados

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, PNUD, IPEA, Fundação João Pinheiro, 2003.Estimativas do autor usando o pacote estatítico stata.Variáveis Instrumentadas: lny91, lnpiapop, difgrppVariáveis Instrumentais: educadu, pop70, pgr7080, pgr8091, exp-vida70, exp-vida80, y70, y80, analf.70, analf80.

GRÁFICO 6 Taxas de crescimento da renda per capita municipal

Brasil – 1991-2000

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, PNUD, Ipea, Fundação João Pinheiro, 2003.Estimativas do autor usando o pacote estatítico stata.

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GRÁFICO 7 Taxas de crescimento da renda per capita municipal

Brasil – 1991-2000

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, PNUD, Ipea, Fundação João Pinheiro, 2003.Estimativas do autor usando o pacote estatítico stata.

GRÁFICO 8 Taxas de crescimento da renda per capita municipal

Brasil – 1991-2000

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, PNUD, Ipea, Fundação João Pinheiro, 2003.Estimativas do autor usando o pacote estatítico stata.

flutuações razoáveis e esperadas navariável entre os municípios podem causarcrescimento a mais na renda per capita de

um a dois pontos porcentuais. A expecta-tiva do dividendo demográfico tambémé confirmada com a variável Difgrpp.

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O Gráfico 8 ilustra este impacto – umadiferença de 0,3% no crescimento daPIA em relação à população gera umaumento anual na renda per capita decerca de 3%, isto líquido do efeito Lnpiapop,que é o outro determinante do dividendodemográfico.

Os resultados apresentados demons-tram, inequivocamente, a operação dodividendo demográfico nos anos 90. Se aimpressão de vários especialistas foi de quea estagnação econômica não teria via-bilizado este dividendo, a evidênciaeconométrica, a partir dos dados muni-cipais, mostra a operação do dividendo,implicando que a estagnação na renda percapita seria muito mais dramática caso odividendo demográfico não tivesseoperado.

Geralmente, os especialistas latino-americanos criticam a hipótese econômicado dividendo demográfico, ao argumen-tarem que a mesma seria mais válida parao contexto do leste asiático, sendo que adeterioração do mercado de trabalho naAmérica Latina, com o crescimento do setorinformal e da taxa de desemprego abertonos anos 90, seria exemplo claro dofracasso da hipótese do dividendo demo-gráfico. Esta peculiaridade dos casosbrasileiro e latino-americano, no que tangeao mercado de trabalho, deve ser con-siderada, mas não pode servir para des-qualificar argumentos testáveis.

Uma análise mais profunda das déca-das de 80 e 90 pode sugerir pistas sobrefalhas institucionais, no mercado de trabalhoe em outras instituições, que explicariam anão apropriação total deste dividendodemográfico. Estes componentes estruturaispodem ser incorporados na análise dodividendo demográfico, como se verá aseguir. Entretanto, o resultado econométricodisponível no momento já mostra que aparticipação da população em idade ativana população total afeta positivamente arenda municipal per capita, a despeito dequalquer dos problemas estruturais ante-riormente mencionados.

Mason (2005) define o dividendo demo-gráfico como sendo o resultado do impactodireto do crescimento na razão de suporte

econômico, que é definida, grosseiramente,como a razão entre a população em idadeativa e a população total, ou seja, a razãoentre produtores e consumidores (esta foi avariável utilizada nas regressões acima).O autor denomina este dividendo demo-gráfico tradicional de “primeiro dividendodemográfico”, em contraste a um segundopor ele definido, a ser mencionado poste-riormente.

Mensurações do dividendo demo-gráfico fora da esfera dos modelos decrescimento podem utilizar medidas maisrefinadas da razão de suporte. No caso donumerador, a população em idade ativapode ser ponderada pela taxa de atividadepor sexo e idade, ou até mesmo por estataxa e o perfil de rendimentos por idade.No caso do denominador, os consumidorespodem ser ponderados por uma taxade consumo por idade. Uma análise a serfeita no futuro deveria incorporar o papelda educação na razão de suporteeconômico, ou seja, em que medida aescolaridade das coortes mais jovensretardaria o problema de declínio na razãode suporte.

Um exercício estilizado, que se baseiaem variações na razão de suporteeconômico, foi realizado por Turra e Queiroz(2005b), ao analisarem o potencialdemográfico do sistema de seguridadesocial brasileiro. Os autores aplicam aponderação no numerador pela taxa departicipação na PEA por sexo e idade, bemcomo as taxas de contribuição e debeneficiários no total de dependentesidosos. O exercício permite uma de-composição da razão de suporte, avaliando-se o impacto da evasão de contribuição(efeito “evasão”) e do aumento na taxa debeneficiários (efeito “generosidade” daconstituição). No caso da seguridade socialbrasileira, a combinação dos efeitos“evasão” e “generosidade” diluiu parte dosbenefícios causados pelo dividendodemográfico.

Uma outra possível causa para o pri-meiro dividendo demográfico é a mudançana taxa agregada de poupança decorrentede um efeito de composição. O perfilpoupança-idade atinge os pontos mais

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elevados no auge da população ativa (40 a50 anos). Assim, um aumento na par-ticipação deste segmento no total dapopulação causaria elevação na taxa depoupança. Mason (1988) trata desteaspecto no modelo de taxa de crescimentovariável, o qual permite, também, umamudança no perfil de poupança-idade,como decorrência da queda na razão dedependência familiar.

Mason (2005) define o segundo divi-dendo demográfico como algo querelaciona o envelhecimento populacionalcom a riqueza acumulada, o que decorrede efeitos tanto de composição comocomportamental. O efeito de composição écausado pelo impacto do envelhecimentoda PEA, acarretando maior concentraçãode riqueza acumulada, por se aproximar daidade de entrada na aposentadoria. O efeitocomportamental é provocado pelo impactodos ganhos de esperança de vida sobre aacumulação de riqueza individual, de formaque o aumento do período em que asnecessidades de consumo serão maioresdo que a capacidade produtiva demandarámaior acumulação de riqueza.

O estoque de riqueza pode ser divididoem dois componentes: transferências (fami-liares e governamentais); e estoque de capi-tal. Apenas este último componente contapara o segundo dividendo demográfico, porcausar o crescimento na renda per capitacomo decorrência da operação do efeitoprodutividade do trabalho, o qual, por suavez, é afetado pelo aumento na relaçãocapital/trabalho, que decorreria do au-mento observado no investimento (capitaldeepening), conforme as identidades (1) e(2), discutidas anteriormente. Reformasinstitucionais que afetem o papel da famíliae do Estado nas políticas de transferênciasintergeracionais, aumentando o papel dacapitalização financeira para as alocaçõesintertemporais, aumentam o potencial decoleta do segundo dividendo demográfico.

Sob a ótica da estrutura etária brasileirade momento, reformas institucionais que

favoreçam a capitalização ainda permitemuma coleta razoável do segundo dividendodemográfico, sendo esta uma agenda paraestudos futuros.

Um ponto central na distinção entre osdois dividendos demográficos, relacio-nando-a com as identidades (1) e (2), seriaque o primeiro dividendo demográficoprioriza o efeito razão de suporte (diferençaentre crescimento da PIA e aumentopopulacional), enquanto o segundo priorizao efeito produtividade do trabalho, por meioda acumulação de capital.

Uma via para se introduzir a hetero-geneidade do mercado de trabalho nodebate sobre o primeiro dividendo de-mográfico seria através da construção deuma razão de suporte com componentesheterogêneos e realistas, assim como Turrae Queiroz (2005b) fizeram para a seguri-dade social. Neste caso, a heterogeneidadeestaria sendo totalmente captada pelosdiferenciais da razão de suporte, o que seriafeito de forma decomponível.

Outra possibilidade seria tentardesenhar um modelo mais estruturalista,em que parte do dividendo causado peladiferença entre o crescimento dos ocu-pados e o da população não seriatotalmente auferida, uma vez que haveriauma dualidade estrutural no mercado detrabalho. O efeito “dualismo-negativo” dodividendo demográfico pode ser de-monstrado num cenário extremo, em quehá dois setores de ocupação (formal einformal), com produtividade média dosocupados no setor formal superior àquelano informal, sendo que ambas as pro-dutividades não variam no tempo, ou seja,o mesmo pressuposto de que a produ-tividade dos ocupados é constante notempo, feito no exercício com as identidades(1) e (2), só que, agora, a composiçãoocupacional varia no tempo, em favor dosetor informal, de tal forma que o cres-cimento dos ocupados ocorre em maiorproporção no setor informal do que noformal.

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Definindo-se:

Y/P = y = renda per capita;

Yf/Of = y f = produtividade no setorformal, assumida constante no tempo;

Yi/Oi= yi = produtividade no setor in-formal, assumida constante no tempo.

Onde, yf > yi .

Of/O = αf = participação dos ocupadosno setor formal;

Oi/O = αi = participação dos ocupadosno setor informal;

Onde, αf + αi = 1.

A identidade (3) pode ser expressa,então, como:

y = (αfyf + αiyi) x [(αf + αi) x (O/P)] (3’)

Prskawetz e Fent (2005) analisam oefeito do envelhecimento populacional so-bre a PEA austríaca, do ponto de vista tantode tamanho como de composição etária. Oimpacto, segundo a razão de suporte, seriaclaramente negativo, devido ao declínio darazão entre produtores e consumidores cau-sado pelo envelhecimento populacional.

Entretanto, os autores estão interes-sados no efeito da estrutura etária sob aprodutividade do trabalho, esta últimacotejada no que concerne aos efeitos deuma projeção da PEA, um perfil de produtivi-dade idade para os ocupados e pressupos-tos sobre o grau de “substitutibilidade”entre os vários segmentos etários dosocupados. Para melhor detalhar essespressupostos, os autores focam a análisenuma “economia do trabalho pura”,desconsiderando, nos modelos de cres-cimento, a formação de capital e da família.

Os cenários de projeção populacionale da PEA austríaca mostram que o envelhe-cimento da PEA, medido por sua idademédia, pode ser prolongado num contextode mudanças na taxa de participação naPEA ao longo do processo de envelheci-mento populacional. Os autores mostramque o declínio na razão de suporte causadopelo envelhecimento populacional é subs-tancial, e que só um aumento na produtivi-dade poderia compensar este decréscimo.

Eles afirmam que um perfil etário deprodutividade-idade horizontal, combinadocom perfeita “substitutibilidade” entre ocu-pados por idade, implica total indepen-dência da produtividade do trabalho comrelação a tamanho e composição etária daocupação. Quando os autores relaxam opressuposto de perfeita “substitutibilidade”entre os ocupados por idade e aplicam umafunção de produção CES (constant elasticityof substitution), verificam que o envelheci-mento dos ocupados causaria aumento nocrescimento da produtividade do trabalho.

Ao compararem o perfil etário de produ-tividade horizontal com um parabólico poridade e outro declinante por idade, os autoresconcluem que os dois últimos perfis causamdeclínio na produtividade total do trabalho,para o caso de perfeita “substitutibilidade”,mas a produtividade total do trabalho é

Definindo-se ∆ como a variação notempo para todos os parâmetros de (3’), tem-se:

∆ y = ∆αfx yf + ∆αix yi + ∆O - ∆P (4)

O efeito “dualismo negativo” é geradopela equação (4), em combinação com ashipóteses do modelo, particularmente aexpressão (-∆αf = ∆αi), ou seja, quando osganhos porcentuais de ocupados informaiscorrespondem às perdas porcentuais deocupados formais no total de ocupados.Além disso, como yf > yi, por definição,fatalmente a soma dos dois primeiros termosda equação (4) será negativa, o que diminuios benefícios do dividendo demográficomedido pelos dois últimos termos da equa-ção, podendo, inclusive, torná-lo negativo.

Outra alteração na discussão sobre oprimeiro dividendo demográfico decorre dapossibilidade de se incorporar um novoelemento no debate: o possível impacto daestrutura etária na produtividade do traba-lho diretamente. No caso das identidades(1) e (2), discutido anteriormente, esta possi-bilidade foi descartada por um pressupostode independência dos dois componentes.Por causa do envelhecimento populacionalnos países desenvolvidos, este pressupostovem sendo questionado por várias verten-tes e pode-se aprofundar, na discussãosobre o primeiro dividendo demográfico, aquestão sobre um “efeito produtividade”.

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crescente em todos os casos quando aelasticidade de substituição é meio Esteresultado e metodologia são bastantepromissores para estudos futuros, comaplicações para o caso brasileiro.

Esses autores revisam as evidênciasmicro e macro a respeito do papel doenvelhecimento sobre a produtividade econcluem que as primeiras são ambíguas:o efeito do envelhecimento da força detrabalho pode ser negativo, porque os ido-sos seriam menos empreendedores oumenos ambiciosos, mas também pode serpositivo, pois uma força de trabalho madurapossui estoque de capital humano acu-mulado maior, principalmente por causa doimpacto da experiência e seniority noemprego. Para os autores, o maior pro-blema dos estudos micro é a dificuldade deseparar os efeitos de confundimento asso-ciados com idade, período, ciclo de vida,processos organizacionais na empresa, etc.

No caso dos estudos macro, Beaudry,Collard e Green (2005) e Beaudry e Collard(2003) analisam o impacto da expansão daPIA sobre a produtividade do trabalho dospaíses industrializados, na linha dos mode-los de crescimento de Solow. Eles concluemque o impacto do crescimento da PIA (15 a64 anos) não era estatisticamente signifi-cante no período 1960-1974, mas passoua ser negativo e importante sobre a produ-tividade do trabalho entre 1975 e 1997. Osautores sugerem que a introdução de umamudança tecnológica acarreta adaptaçõesdiferentes entre os países, dependendo dataxa de crescimento da sua populaçãoadulta. Países com menores taxas seadaptariam mais rápido ao processo deacumulação de capital (capital deepening).

Numa perspectiva que leva a umresultado totalmente diferente, Feyrer(2002) utiliza a estrutura etária comodeterminante da produtividade, medidacomo o resíduo na equação de Solow,captando fatores não associados com aacumulação de fatores. Um ponto impor-tante para o papel da estrutura etária noresíduo refere-se ao fato de que a estruturaetária da ocupação é claramente predeter-minada. O autor evidencia que o trabalhonão está preocupado com a relação entre a

PIA e a população total, como nasestimativas do dividendo demográfico, massim, especificamente, com a composiçãoetária da ocupação. A focalização do tra-balho na produtividade, em vez do produto,permite que o autor separe o efeito sobre aprodutividade daquele sobre a acumulaçãode fatores. O autor se inspira no papel daexperiência, obtido na maioria das esti-mativas microeconômicas de equaçõesmincerianas de rendimento, para justificaro impacto macro da estrutura etária naprodutividade. Ele estima o log da produ-tividade de resíduo como função de um vetorde variáveis, medido pela proporção depessoas ocupadas de 10 a 19, 20 a 29, 30a 39, 50 a 59 e 60 a 69 anos, sendo omitidoo grupo etário de 40 a 49 anos.

O resultado da regressão estimada para85 países e sete períodos indica que acurva de produtividade é parabólica comrelação à estrutura etária da ocupação,adquirindo valores máximos no grupo etárioocupacional omitido (40-49 anos). O autorcontrasta o impacto da estrutura etária naacumulação de fatores (capital e capitalhumano) com aquele ocorrido na produ-tividade, chegando à conclusão que esteúltimo é dominante.

Concluindo os dois últimos aspectosteóricos aqui revisados, o debate sobre oimpacto da estrutura etária pode ser enri-quecido pela incorporação dos efeitossobre a produtividade ocupacional e pelaanálise específica do mercado de trabalho.A discussão a respeito tanto do efeito “dua-lismo negativo” quanto daquele referente àprodutividade-idade deve ser perseguidaem análises futuras.

A agenda de estudos sobre dividendodemográfico deve, portanto, contemplarvárias dimensões. Em primeiro lugar, épreciso aprofundar o debate clássico sobreo impacto do dividendo demográfico narenda per capita, no contexto dos modelosclássicos de convergência de renda. Emsegundo lugar, devem ser aprofundados osexercícios baseados na razão de suporte,com ênfase naqueles que levam em contao perfil etário da educação e a relação entreeducação e renda numa perspectiva deidade. Em terceiro lugar, é necessário

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incentivar a análise de modelos voltadospara o mercado de trabalho, com ênfasenos modelos segmentados e nos estudosda relação entre produtividade e idade.Neste caso último, a análise das tendênciasobservadas na Tabela 8 será importante,apontando para o decréscimo relativo daocupação para pessoas de 15 a 24 anos,crescimento relativo para aquelas de 45 a64 anos e constância para o segmento de25 a 44 anos, caso a tendência da PIA sejaum bom indicador para a ocupação.

Transferências intergeracionais na famíliae no Estado

Em termos gerais, as relações entregerações podem se dar por intermédio doEstado ou da família, mecanismos institu-cionais que viabilizam a troca de recursosno tempo. O mercado é o terceiro mecanis-mo de alocação intertemporal de recursos,servindo como alternativa aos dois meca-nismos institucionais mencionados. Restri-ções de créditos, assimetrias de informação,risco moral, miopia intertemporal, entreoutros aspectos, acabam afetando aeficácia do mercado para substituir a famíliae o Estado. Família, Estado e mercadoconfiguram o que a literatura convencional-mente chama de três pilares da geração debem-estar social. Como, no caso brasileiro,as restrições de crédito, imperfeições naposse de ativos que sirvam de colateraispara empréstimos e uma eventual elevadataxa de desconto intertemporal são restri-tivas ao papel do mercado, a presenteanálise estará centrada nas relações entrefamília e Estado, vistas como mecanismosde geração das transferências interge-racionais.

Família é um tipo de instituição queviabiliza uma série de trocas entre os indiví-duos que são seus membros, envolvendocustos, benefícios, altruísmo, cooperação,conflito, externalidades, identidade, baixaassimetria de informação, entre outrosaspectos. A economia da família e a dodomicílio possuem grande interseção, em-bora claramente a primeira seja mais ampla,por permitir relações intergeracionais quenão exijam co-residência, ou até mesmo por

permitir relações dinásticas (que perpetuama família por mais de três gerações). Fogeaos propósitos deste trabalho discutir osaspectos micro das relações familiares, umatemática relevante, em que é tratada umasérie de questões importantes, como, porexemplo, a relação entre conflito e coope-ração, questões de gênero, a alocação intra-domiciliar do consumo, herança, questõesentre gerações, a transição do jovem paraa vida adulta, o divórcio e separação, etc.Os aspectos micro só serão mencionadosaqui à medida que ajudem a descrever opapel da família como mecanismo detransferência intergeracional.

Talvez o melhor caso para se discutir opapel da família na transferência in-tergeracional de recursos seja o debatesobre os determinantes da educação dosfilhos. Este caso é importante porquepraticamente todas as teorias na área deciências humanas reservam um papelcrucial para a família, na determinação daeducação tanto formal quanto informal dosfilhos. A educação é importante tambémporque os serviços demandados pelafamília são prestados ou pelo Estado(mediante transferências governamentais eensino gratuito) ou pelo mercado, trazendoà baila a interação da família com os doisoutros pilares.

Um outro exemplo clássico de serviçosintergeracionais prestados pela família é ocaso da segurança na velhice, em quemembros familiares cuidam de seus idosose provêm transferências de renda intrafa-miliares. Todo demógrafo já ouviu falar,alguma vez, da hipótese da segurança navelhice como importante determinante daalta fecundidade em sociedades tradicio-nais. Estes são dois exemplos interessantesporque enfatizam a relação dos membrosfamiliares com os dois extremos da pirâmideetária – as crianças e os idosos.

O modelo de Becker e Tomes (1986) éilustrativo ao mostrar um grande problemade ineficiência por parte das famílias, noque tange ao investimento em capitalhumano. Neste modelo, as famílias in-vestem no capital humano dos seus filhos,mas também transferem recursos econô-micos para eles – por exemplo, através de

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herança. Como os filhos possuem habi-lidades de aprendizado diferentes, acombinação entre herança e investimentoem educação não será igual entre eles, coma família agindo de maneira compensatória.O problema de ineficiência apontado pelosautores surge no caso das famílias pobres,uma vez que a limitação orçamentária e asrestrições de crédito impedirão as transfe-rências de herança (configurando uma“solução de canto”) e, pior ainda, a escolhaótima de educação será ineficiente, nosentido de que a taxa de retorno para investi-mento em educação será maior do que ataxa de retorno para aplicações financeirasno mercado.

Esta ineficiência quer dizer que asfamílias pobres investiriam mais nos filhosse não tivessem limitações de renda e decrédito. Esta seria uma das explicaçõespara a robusta correlação negativa obser-vada entre a renda domiciliar per capita e odesempenho escolar das crianças residen-tes no domicílio.

Uma explicação para que o Estado efe-tue transferências universais na área deeducação é a hipótese da eficiência, ou seja,a transferência intergeracional para ascrianças, por intermédio dos gastos em edu-cação, levaria a um melhoramento dePareto, uma vez que reduziria o investi-mento ineficiente em capital humano porparte das famílias com restrição orçamen-tária alta e solução de canto (famíliaspobres). Um programa de transferênciadireta de renda como, por exemplo, o BolsaFamília poderia também melhorar estaeficiência. Becker e Murphy (1988), notrabalho clássico Família e Estado, utilizamesta lógica sobre a ineficiência familiar naesfera da educação, combinada com osproblemas de provisão de segurança navelhice, para justificar um pacto intergera-cional de eficiência efetuado pelo Estadopor parte das transferências governa-mentais em educação e seguridade social.No caso de um modelo de três gerações,os contribuintes ativos financiariam os

gastos públicos educacionais na base dapirâmide, com a expectativa de que a taxade retorno do investimento em capitalhumano, ao ser materializada nas folhasde salários das antigas crianças, quandoestas entrarem no mercado de trabalho,seria suficiente para pagar a aposentadoriados antigos contribuintes ativos que, agora,acabariam de se tornar aposentados. Estahipótese sugere que a seguridade socialbaseada em transferências governa-mentais, no regime de repartição simples,é uma resposta eficiente ao problema deinvestimento em educação no âmbito dafamília. Neste caso, não há conflito entregastos com seguridade social e outrosprogramas sociais, pois o primeiro nãoreduz os demais (ausência de crowding out7

dos outros programas pela seguridadesocial). Também não faz sentido falar deredistribuição de recursos entre coortes, dosjovens para os idosos.

A argumentação de Becker e Murphy(1988) não é a única explicação econômicabaseada na hipótese da eficiência, mas sima explicação de eficiência correlacionadacom investimentos em capital humano etransferências intergeracionais. Mulligan eSala-i-Martin (1999b) citam oito teorias deineficiência de mercado, em que a segu-ridade social é considerada uma maneirapara atingir eficiência: ótima redistribuiçãoou divisão de riscos; espraiamento decapital humano; ótimo seguro de aposen-tadoria; prodigalidade paternal; extraçãokeynesiana da poupança; ótimo seguro delongevidade; retorno ao capital humano; eeconomias de escala administrativas. Alémdo trabalho de Becker e Murphy, os autoresafirmam que Pogue e Sgontz (apud Mulligane Sala-i-Martin, 1999b) também formularama hipótese da eficiência no caso do retornoao capital humano.

Mulligan e Sala-i-Martin (1999a) divi-dem as teorias positivas de seguridadesocial em dois grupos: as de eficiência e aspolíticas. As primeiras foram discutidasanteriormente, enquanto as teorias de

7 Esta expressão significa uma competição por recursos que reduz a participação dos demais; no contexto, significaria que aprevidência drenaria os recursos dos demais programas.

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políticas consideram a seguridade social oresultado de uma disputa política distri-butiva. Os cidadãos se articulam em doisgrupos políticos, com o intuito de apropriaros recursos do Estado, sendo que um gruposerá o vencedor. Se a teoria prevê que osidosos representam um grupo e elesganham a disputa, então esta é uma teoriapolítica de seguridade social. Comoconseqüência da redistribuição dosrecursos dos jovens para os idosos, osgastos em seguridade social reduzem osdemais gastos sociais (crowding out dosoutros programas pela seguridade social).Os autores dividem as teorias políticas emdois grupos: as de voto racional da maioriae as de grupos de pressão.

As teorias do voto racional da maioriaentendem a seguridade social como oprêmio final de uma luta. Quando aplicadaspara regimes democráticos, estas teoriasprevêem os resultados de uma eleição naqual os grupos votam no seu interessepróprio. Uma primeira versão destas teorias,formulada por Tabellini (apud Mulligan eSala-i-Martin, 1999a), sugere que os idososfazem uma coalizão com outro grupo deeleitores (os pobres), para vencer os eleitoresjovens e ricos. Mulligan e Sala-i-Martinconcluem que o modelo tem problemas paraexplicitar os ganhos dos idosos e dos jovenspobres na coalizão, além de não gerar umasérie de predições que explicariam fatosestilizados da seguridade social.

Uma segunda versão sugere umaeleição feita uma vez e para sempre, rea-lizando uma coalizão com os grupos etáriosintermediários. A idéia seria de que oprograma, apesar de afetar os interessesimediatos dos grupos etários intermediários,beneficia-os no longo prazo, pois, em algummomento, eles se tornam idosos. Mulligan eSala-i-Martin concluem que o modelo temos mesmos problemas da versão anterior,além de apresentar dificuldades paraexplicar votos num período posterior, quandouma suspensão temporária do programapoderia ser votada por alguns grupos etáriosde interesses distintos dos idosos.

Na linha dos modelos de grupos depressão, Mulligan e Sala-i-Martin desen-volvem um modelo de competição política

entre jovens e idosos, denominado “com-petição política intensiva em tempo”, umavez que os grupos, cujos membros tra-balham menos, terão mais tempo paradefender seus interesses, como o de apo-sentados. O modelo mostra como os idososenfrentam menos resistência para osucesso político do que os grupos de baixosalário, uma vez que todos os grupos serãoidosos um dia, enquanto a mobilidade entreos grupos de baixo e alto salário não égrande.

Um outro modelo de grupos de pressãoé o de proteção do contribuinte, de-senvolvido por Becker e Mulligan (apudMulligan e Sala-i-Martin, 1999a). O modeloafirma que impostos e subsídios ineficien-tes são formas de reduzir o tamanho dogoverno, ao desestimularem o lobby dosgrupos de pressão. O modelo assume queos jovens e os idosos fazem pressão políticano que concerne à implementação de umprograma de seguridade social. Os im-postos pagos pelos jovens equivalem aosbenefícios recebido pelos idosos, de-terminando o tamanho do programa deseguridade social. A pressão de cada umdos dois grupos depende do volume derecursos gastos por eles com o exercícioda pressão política.

O modelo prevê que os benefícios percapita dos idosos serão substanciais, mes-mo quando a fração de idosos na popula-ção total for pequena. Os contribuintesfavorecem distorções no sistema de tributopara limitar o tamanho do programa deseguridade social.

Mulligan e Sala-i-Martin (1999a e1999b) fazem uma revisão mais econo-micista, mesmo quando falam de teoriaspolíticas, concluindo que estas se ajustammais aos fatos estilizados do que as teoriasde eficiência, o mesmo ocorrendo no quetange às possibilidades de ajustes naseguridade social, com vistas a reformasdo sistema.

Na esfera demográfica, o seminalPresidential addres, de Samuel Preston,como presidente da Population Associationof America (PAA), em 1984, menciona oconflito entre idosos e crianças. Ele usacomo um dos argumentos centrais o baixo

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poder de votos e lobby por parte dascrianças, em contraste com o alto poder demobilização dos idosos (gray power), nosEstados Unidos. Segundo o autor, estasmudanças geracionais estariam afetandoa distribuição de recursos públicos no país.

As diferenças principais entre as teoriasde eficiência e as teorias políticas podemser sintetizadas, no sentido de ajudar nomapeamento do papel heurístico de cadateoria para análises do caso brasileiro. Asteorias de eficiência são aqui representadaspelo modelo de Becker e Murphy (1988),embora outros modelos de eficiência degerações superpostas também explicam omesmo tipo de resultado sinérgico entreeducação e pensões (Boldrin e Montes,2004).

No caso das relações entre políticas deeducação e seguridade social, as teoriasde eficiência indicam a ausência de con-flitos intergeracionais, sendo que o sistemade seguridade social por repartição simplesviabiliza as restrições de crédito dos jovense garante o pagamento futuro das pensõese aposentadorias. Nesta teoria, não hácrowding out de gastos educacionais moti-vados pelo crescimento da seguridadesocial, uma vez que este aumento dependedo retorno dos investimentos em educaçãopública. Finalmente, nesta teoria, não hánecessidade de reforma do sistema deseguridade social.

Nas teorias políticas, espera-se maisou menos o oposto. Mesmo como exem-plificado no caso de Preston (1984), háconflitos intergeracionais, crowding out dosgastos educacionais decorrentes do cres-cimento da seguridade social e necessidadede reforma do sistema de seguridade social.

A reflexão sobre as relações interge-racionais no contexto brasileiro deverá levarem conta estes dois paradigmas opostos,com um foco privilegiado na questão entreeducação e seguridade social.

Uma vertente da contabilidade nacio-nal de transferência, que incorpora ocomponente demográfico na análise dastransferências intergeracionais, consistenuma metodologia desenvolvida porRonald Lee e colaboradores (Mason, Lee,Tung, Lai e Miller, 2005). A adoção deste

arcabouço independe da escolha de ummodelo teórico de eficiência ou de ummodelo político de transferências interge-racionais, no contexto da discussão anterior.Como o próprio nome diz, o objetivo é mediro conjunto de transferências ou realocaçõesentre os diversos grupos etários.

Lee e colaboradores aplicam a conta-bilidade de transferências públicas para ocaso das gerações norte-americanasnascidas entre 1850 e 2090 (Bommier, Lee,Miller, Zuber, 2005). A análise combinadados benefícios líquidos de transferênciaspara os jovens, via gastos com educação, ede transferência para os idosos, via gastoscom seguridade social e saúde (medicare),é medida para as diferentes gerações. Ovalor presente do benefício líquido no nasci-mento, obtido para as três transferênciasgovernamentais, é positivo para a maioriadas gerações observadas entre 1850 e2050.

As coortes nascidas entre 1850 e 1879apresentaram valor presente líquidonegativo, devido à expansão do sistemapúblico de educação nos Estados Unidos.As coortes nascidas entre 1930 e 1947também experimentaram valor presentelíquido negativo, fato igualmente causadopor nova expansão do sistema educacional.A coorte de 1914 recebeu o maior retorno,equivalente a cerca 5,3% do seu rendimentode ciclo de vida, em função do início dosistema de seguridade social. As coortesde 1992 e 1993 também tiveram um picode retorno equivalente a 5,8% do seu rendi-mento de ciclo de vida, neste caso provo-cado pelo retorno do sistema educacional,viabilizado pelo financiamento das gera-ções prévias.

Os autores concluem que o financia-mento do sistema público de educação écaro, apesar de o capital humano ser umdos principais determinantes do cresci-mento econômico. De qualquer forma, osretornos calculados para as coortes sãoconsistentes com a hipótese de eficiênciade Becker e Murphy, a despeito de os valo-res sugerirem que as transferências paraos idosos não sejam apenas para compen-sar os investimentos feitos em educação,pois chegam a atingir valores bem maiores.

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Passando da discussão teórica para ocaso brasileiro, a contabilidade geracionalno Brasil é apresentada em Turra (2000),que usa perfis etários de utilização deserviços públicos e de renda e de consumopor idade, gerados a partir da Pesquisa dePadrão de Vida (PPV – 1996-1997), realiza-da pelo IBGE, em combinação com dadosagregados sobre gastos sociais nas trêsesferas públicas. A atribuição de valoresper capita (em reais de dezembro de 1996),por idade, permitiu a montagem final dacontabilidade geracional.

A elaboração do diagrama de setas,representando a direção das transferênciasintergeracionais, é dada pela diferençaentre a idade de pagamento (base da seta),a idade de recebimento (ponta da seta), ofluxo anual per capita (largura da seta) e ariqueza anual per capita (área da seta). Asdespesas com INSS, previdência dos servi-dores e saúde favorecem aos idosos,enquanto os gastos com educação favo-recem crianças e jovens. O conjunto dastransferências públicas é, inegavelmente,favorável aos idosos. As transferênciasdomiciliares são favoráveis às crianças eaos jovens, enquanto as intradomiciliaressão maiores e associadas à criação dosfilhos. As interdomiciliares referem-se àsheranças. O conjunto das transferênciaspúblicas (favorável aos idosos) contrastacom o das transferências domiciliares (fa-vorável às crianças e jovens). Conside-rando-se a riqueza anual per capita, asfamílias mais que compensam as transfe-rências públicas favoráveis aos idosos, aoinvestirem na criação dos filhos (consumo,educação, etc.).

O importante trabalho de Turra e Quei-roz (2005a) estende a discussão anteriorpara uma análise que incorpora as desi-gualdades sociais, medidas por quatroestratos de escolaridade do responsávelpelo domicílio. O estudo está centrado nastransferências dos gastos governamentaiscom educação, saúde e seguridade social,além de descrever as transferências inter-vivos (inter e intra domiciliares).

A análise baseia-se na perspectiva dediferenciais cross section, ou seja, deperíodo. Os próprios autores reconhecem,

no artigo, que a limitação da base de dadosimpediu um estudo adequado de outrashipóteses, particularmente a análisehistórica da formação do sistema detransferências públicas no Brasil. No casodos gastos governamentais com educação,o valor per capita é maior para o segmentocom famílias no estrato com maiorescolaridade (nível superior) do que nosdemais, sendo que a transferência ocorreem idades mais avançadas (20 a 29 anos),o que contrasta com as demais classes, emque o peso é maior no grupo de 10 a 19anos. Isto ocorre porque esta transferênciaestá mais associada ao ensino superior.

Quando os gastos com educação sãopadronizados pelo nível de consumo decada classe de escolaridade do respon-sável, a participação dos gastos emeducação é maior para as classes menosfavorecidas e no ensino básico. Os gastoscom saúde apresentam maiores valorespara as idades mais avançadas, principal-mente no caso da classe social menosfavorecida. Segundo o perfil etário, o gastocom seguridade social também é crescenteà medida que aumenta a idade, emboraindique uma certa precocidade na coletado benefício previdenciário. Quandopadronizados pelo consumo, os diferenciaispor classe são relativamente menos impor-tantes neste grupo de gastos governa-mentais. Já as transferências privadaspropiciam as crianças, principalmente nocaso das duas classes mais favorecidas.

Turra e Queiroz (2005a) concluem queas transferências governamentais favore-cem menos as crianças pobres, uma vezque as transferências para os idosos sãomenos diferenciadas por classes deeducação do que aquelas para as crianças.Este resultado traz para o debate a ligaçãoentre as transferências intergeracionais e afocalização de políticas sociais no combateà pobreza.

Claramente, as políticas de transferên-cias governamentais estão aliviando maisa pobreza dos idosos do que a das crian-ças. Os autores colocam uma explicação,inspirada na hipótese de Preston, que nestetrabalho é classificada como teoria política,em contraste com a teoria de eficiência. Eles

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sugerem quatro grupos de pressão, marca-dos pelas divisões geracional (adultos ecrianças) e de classes (alta e baixa). Ascrianças de classe alta não têm interesseno jogo, pois seus pais transferem recursosna esfera privada. Os adultos de classe altatêm interesse na seguridade social, e bus-cam aliança com os adultos de classe bai-xa. Como as crianças de classe baixa nãotêm poder de voto, a coalizão entre adultosde ambas as classes para favorecer políticasque beneficiem os idosos parece robusta.

Barros e Carvalho (2003) argumentamque os programas sociais brasileiros sãomal focalizados, uma vez que falham emrepartir os recursos com os mais pobres.Os autores utilizam o viés intergeracionalpara contrastar os problemas de focali-zação, comparando a previdência rural e oBPC (Benefício de Prestação Continuada)com o programa Bolsa-Escola, em vigor até2003. Os dados mostram que a redução dapobreza, em decorrência dos programas,ocorre mais fortemente nas idades maisavançadas do que nas mais jovens. Estesresultados são compatíveis com a expli-cação sugerida por Tuma e Queiroz.

A explicação ou hipótese sugeridaanteriormente por Turra e Queiroz (2005a)deve ser considerada uma forte possi-bilidade. Entretanto, à luz do debate teóricoanteriormente revisado, ainda não épossível descartar considerações acerca dahipótese da eficiência em capital humano,aplicada ao contexto brasileiro. A discussãoda hipótese da eficiência requer aplicaçãode uma perspectiva histórica, sendo que aanálise das transferências, na perspectivade coorte, é limitada pela disponibilidadedos dados no Brasil. Esta é, talvez, a ques-tão mais importante para a agenda defuturas pesquisas na área de transferênciasintergeracionais. A Nota de pesquisa, deTurra e Queiroz (no prelo), aponta, preci-samente, para a necessidade do contrasteentre estas duas hipóteses.

Uma inspeção inicial e superficial nasestatísticas históricas de gastos públicos

pode fornecer pistas sobre os problemasencontrados pela abordagem da eficiênciano Brasil, em contraste com a experiênciaamericana, reportada por Lee e colabo-radores. No caso americano, a revoluçãoeducacional antecede a implantação daseguridade social, sendo que o processotem início em meados do século XIX. Nestecaso, a hipótese da eficiência de Becker eMurphy ocorre na gênese das transfe-rências intergeracionais governamentais.No caso brasileiro, a gênese dos gastossociais é relativamente recente, ocorridaapenas na segunda metade do século XX.

Para os gastos públicos com previ-dência social, Andrade (1999) apresentaexcelente reconstituição histórica. Criadapela Lei Elói Chaves em 1923, a previ-dência brasileira só foi unificada no pós-guerra, passando por uma série de regula-mentações nas décadas seguintes, até areforma constitucional de 1988, que estabe-leceu o contexto institucional atual daseguridade social, com a ampliação dosbenefícios e da cobertura, além dos proble-mas de equacionamento do seu finan-ciamento.

A série histórica elaborada pela autoramostra que a despesa previdenciáriacorrente é inferior à receita corrente desdea unificação até meados dos anos 60,passando por um período de relativo equilí-brio, sendo superavitária novamente nadécada de 80, voltando a uma situação deequilíbrio e em seguida de déficit a partirdos anos 90. Este período de implantaçãoe expansão da previdência social unificadamarca uma grande virtuosidade, dada pelaelevada razão de suporte.8

O exercício de capitalização dos saldospositivos do sistema previdenciário, entre1945 e 1980, chega a valores exorbitantes,segundo cálculos de Andrade (1999). Ca-be, então, estabelecer a natureza do pactode finanças públicas, realizado historica-mente, tendo em vista esta enorme arreca-dação pública, assim como as expectativasda hipótese de eficiência no capital humano.

8 Razão de suporte é definida na parte referente ao dividendo demográfico e, em termos previdenciários, quer dizer a razão entrearrecadação dos contribuintes e pagamento dos benefícios.

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A história da educação no Brasil é bemmenos auspiciosa do que a da previdênciasocial, o que se reflete nos péssimosindicadores educacionais prevalentes namaior parte do século XX. Um marcoregulador na política educacional é a deter-minação do ensino primário obrigatório (atéquatro anos de estudo completos), naConstituição de 1946, cabendo à União opoder de legislar sobre esta área.9

Em 1953, o Ministério da Saúde foi criadoe se separou da pasta, sendo implantado,então, o Ministério da Educação e Cultura.Em 1971, regulamentou-se o ensino deprimeiro e segundo graus, aumentando aobrigatoriedade escolar para oito anos. Em1982, foi tentada a primeira experiência deensino em tempo integral no país, no Estadodo Rio de Janeiro, por iniciativa de DarcyRibeiro, visando atender até mil criançasem dois turnos de atividades nos chamadosCieps (Centros Integrados de EducaçãoPública). Esta iniciativa precedeu a univer-salização da matrícula e do atendimentoescolar, sendo prematura e, por isso mesmo,criticada por competidores políticos. Em1983, foi aprovada a vinculação constitu-cional de recursos para educação (EmendaJoão Calmon), objetivando a manutençãoe desenvolvimento do ensino em patamaresmínimos de investimento público.

O projeto de lei da nova Lei de Diretrizese Bases da Educação (LDB) foi encaminha-do à Câmara Federal em 1988, mas só foisancionado em 1996. Em 1995, o governofederal enviou uma emenda constitucionale criou o Fundef, que se tornou instrumentofundamental para a busca da universali-zação do atendimento escolar. Finalmente,em 2001, o Programa Bolsa-Escola, federal,foi criado por Medida Provisória e aprovadopelo Congresso Nacional.

Um documento do Banco Mundial(2003) afirma que a LDB e o Fundef foramfundamentais para estabelecer uma divisão

de responsabilidades nas diversas esferasde governo. As administrações municipaisseriam responsáveis pela educação infantil,os governos estaduais pelo ensino médioe ambos deveriam cooperar entre si naresponsabilidade pelo ensino fundamental.Houve aumento marcante nos gastos comeducação, que passaram de 4,2% do PIB,em 1995, para 5,6%, em 2000. Um aspectointeressante no mecanismo de operação doFundef é o fato deste Fundo arrecadarrecursos oriundos dos governos estaduaise municipais e depois redistribuir de acordocom a matrícula efetiva em cada esferagovernamental, gerando um incentivo paraa expansão da cobertura escolar.

Do ponto de vista de indicadores esco-lares, os dados dos censos demográficosmostram crescimento na taxa de aten-dimento das pessoas de 7 a 14 anos(matrículas, desta faixa etária, em todos osníveis de ensino, divididas pela populaçãototal na mesma faixa etária), que passou depouco mais de 60%, em 1970, para 68%,em 1980, chegando a 80%, em 1991, e aquase 95%, em 2000. Os dados das PNADsdo IBGE mostram uma evolução ainda maisradical da taxa de atendimento escolar dogrupo de 7 a 14 anos, passando de cercade 78%, em 1981, para 82%, em 1991, eatingindo 97%, em 2002.

Estes dados apontam para uma virtualuniversalização do atendimento escolar nadécada de 90. A universalização da matrí-cula escolar é só o início da revolução ne-cessária para o investimento em capitalhumano. É preciso ampliar a cobertura noensino médio e melhorar a qualidade doensino, não só reduzindo a defasagem en-tre idade e série, mas também melhorandoa proficiência escolar, sendo ambos indica-dores de qualidade da educação.

O trabalho de Sochaczewski (2003)sobre as finanças públicas brasileiras noséculo XX mostra que, desde 1930, os

9 Peço desculpas por uma nota pessoal para o caso da educação. Ironicamente, duas gerações da minha família estiveramenvolvidas com o processo. Meu avô trabalhou com o ministro Clemente Mariani Bittencourt, no governo Dutra, tendo sido ministrointerino por dois meses, em 1950. Meu pai foi presidente da Campanha Nacional dos Educandários Gratuitos em Minas Gerais,no período entre 1956 e 1958. Este era um movimento voluntário da sociedade civil voltado para a criação de ginásios (o que,atualmente, equivale ao ensino de 5ª à 8ª séries do ensino fundamental) gratuitos, com o intuito de cobrir as deficiências da políticagovernamental na área de educação.

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gastos com infra-estrutura foram superioresa 2% do PIB – mais especificamente entre1930 e 1940, 1956 e 1964, 1968 e 1970 ede 1986 a 1988. Estes gastos só setornaram inferiores a 1% do PIB após 1990.Três picos do gasto com infra-estrutura, emanos simples, merecem destaque: cerca de2,7% do PIB em 1957; 3% em 1963; e 2,6%em 1968-1969. Já os gastos sociais foraminferiores a 1% do PIB até 1950, girandoem torno de 1% até 1968, declinando nova-mente até 1974, recuperando posição parao patamar de 1% até 1984 e depois subindode 1% para 2%, entre 1985 e 1990.

No período de 1976 a 1988, os gastoscom infra-estrutura e sociais evoluíram nomesmo patamar e em idêntico ritmo decrescimento. Na década de 90, os gastossociais explodiram, até chegarem a 6% doPIB em 1994, enquanto aqueles realizadoscom infra-estrutura despencaram paracerca de 0,2% do PIB neste período. Entre1996 e 2000, os primeiros estabilizaram-sepouco acima de 3% do PIB e os referentesà infra-estrutura permaneceram no patamarde 0,2% do PIB.10

Voltando ao debate teórico acerca docontraste entre a hipótese do conflito políticointergeracional e a da eficiência entre osgastos com educação e seguridade social,a pequena revisão apresentada anterior-mente, sobre as políticas sociais clássicas,sugere que a política de transferênciasgovernamentais brasileiras na área socialremonta, no máximo, ao período pós-guerra.Também fica claro que os gastos detransferências previdenciárias e com saúdeprecederam as despesas com educação.Neste sentido, a gênese da política socialuniversal brasileira não apresenta quadrocompatível com a hipótese da eficiência emgastos com capital humano.

Resta saber se o modelo político im-plantado no pós-guerra era simplesmentemotivado por um pacto dos idosos ricos e

pobres contra os jovens pobres, ou se haviaoutros componentes no processo. A sériede gastos com infra-estrutura mencionadaanteriormente oferece uma pista na direçãode um pacto de complementaridade entreinvestimento em capital físico, via infra-estrutura, e transferência futura de recursospara os idosos. A realocação de ativos eminfra-estrutura pública proporciona umaperspectiva de transferência de recursospresentes para recursos futuros, com umadeterminada taxa de retorno, sendo osrecursos presentes gerados com a expan-são do sistema de previdência social, talqual discutido por Andrade (1999).

Nos moldes dos anos 50 e 60, o retornomais rápido ao investimento em infra-estrutura (capital fixo)11 constituiu opçãomais atrativa do que a parceria entre educa-ção e seguridade social propugnada pelahipótese da eficiência em capital humano.Se este arranjo, por um lado, viabilizou,historicamente, o chamado milagre econô-mico brasileiro, por outro, aumentou adesigualdade de rendimentos, ao criar umademanda por capital humano sem ter viabili-zado sua oferta, conforme foi bem descritopor Carlos Langoni na época. O resultadofoi um aumento no prêmio à educação, oqual que tem sido uma marca da desigual-dade de rendimentos da PEA brasileira.

É justamente a alta histórica taxa deretorno à educação no Brasil que torna omodelo de Becker e Murphy, da eficiênciaem capital humano, um paradigma aindarelevante para a política pública no Brasil.Por um lado, as evidências empíricas microconfirmam a existência de restrições decrédito por parte das famílias pobresbrasileiras, redundando numa ineficiênciaem termos de escolaridade. O programaBolsa-Escola, anteriormente mencionado,e a sua mais recente transferência para oBolsa-Família refletem um esforço depolíticas públicas para aliviar esta restrição

10 Os gastos medidos em porcentagem do PIB podem estar sujeitos a controvérsias e questões metodológicas. A menção aqui éapenas ilustrativa, com o intuito de mostrar flutuações e tendências que seriam captadas pelo fato de se estar usando a mesmametodologia.11 Por uma questão de retórica, enfatiza-se o papel da infra-estrutura na produtividade econômica, mas é óbvio que a mesmatambém impactou outros aspectos do capital humano, como a saúde: por exemplo, os efeitos do investimento em água e esgotona queda da mortalidade.

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de crédito. Por outro lado, o novo patamarrecente de gastos sociais como porcen-tagem do PIB, descrito anteriormente, indicaum esgotamento do financiamento daprevidência social no país, algo que ocorrenum momento especial, quando parte dopotencial gerado pelo dividendo demo-gráfico já foi desperdiçado. O crescimentoe o aumento da eficiência no gasto edu-cacional, observados no final dos anos 90,são positivos, mas provavelmente aindanão suficientes. Tendo em vista as relaçõesinter-geracionais no século XXI, no contextodo debate sobre o dividendo demográficoaqui realizado, o arranjo político nos moldesda hipótese da eficiência em capitalhumano parece ser não somente ummelhoramento de Pareto, em termos deeficiência, mas também a melhor saída paraelevar a razão de suporte econômico. Asolução deste dilema dependerá do testeda realidade, indicando se a cooperaçãoda eficiência é politicamente mais viável doque a aliança do modelo de conflitointergeracional.

Se o modelo de Becker e Murphy preva-lecer no caso brasileiro, este ficará marcadocomo um exemplo de modelo em que aimplantação da seguridade social e suaposterior universalização precedem a revo-lução na educação, gerando um aumentona desigualdade intra e intergeracional. Opacto posterior, que ainda não é realidade,visando salvar a crise na previdência socialpor intermédio do aumento no investimentopúblico em capital humano, pode viabilizaruma maior eqüidade intra e intergeracional.

Comentários finais: à guisa deconclusão

A falta de espaço fez com que uma sériede tópicos não fosse abordada. A opçãopela relação da dinâmica demográfica comas conseqüências macro, associadas à es-trutura etária, explica parte destas omis-sões, tais como a ausência de discussãosobre o comportamento micro da família,

12 O teorema do Rrotten Kkid diz que um filho egoísta e pouco cooperativo não é capaz de agir contra os membros familiares, desdeque seu pai ou algum outro membro da família seja altruísta.

principalmente no que tange ao processode tomada de decisões de seus membros,contrastando conflito com cooperação. Estecontraste aplica-se tanto a aspectos degênero quanto a conflitos geracionais, nasrelações entre pais e filhos.

A respeito desta complexa temática,cumpre destacar o excelente capítulo deGoldani (2004), no volume sobre idosos,organizado por Camarano (2004). A autoraquestiona a dicotomização macro e microdas esferas sociais. Segundo ela, o âmbitomicro pressupõe uma família solidária entreseus membros, com predominância doelemento feminino na provisão de serviçosdomiciliares. O questionamento desta visãosolidária não é privilégio daqueles queadotam uma perspectiva de gênero, a partirde abordagens sociológicas.

Também os economistas admitem, atual-mente, que os membros familiares possuemconflitos de alocação de recursos, no interiordo domicílio (intrahousehold allocations), quesão distribuídos de acordo com o poder debarganha de seus membros. Há vasta docu-mentação, em trabalhos no âmbito do BancoMundial, advogando que as transferênciasmonetárias e de outros ativos (título de pro-priedade de terrenos ou casas) sejam efe-tuadas para as mulheres (na maioria doscasos, mães), que seriam mais comprometi-das com transferências e alocações fami-liares voltadas para as crianças.

No caso do modelo econômico defamília, além da ausência do debate sobrecooperação e conflito, faltou uma discussãoa respeito do conceito de altruísmo familiar,em que o teorema do Rotten Kid12 colocaum papel fundamental. Não foi discutido oparadigma da equivalência ricardiana deBarro (1974), que levanta a possibilidadeda família com preocupação dinástica decompensar prováveis erros de transferênciarealizados pelo governo.

A proposta de Barro é discutida no con-texto da relação entre déficit público, riquezae poupança familiar. No caso de políticasde transferência, como a aposentadoria

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rural, estratégias compensatórias familiares,atraindo os netos para o consumo de trans-ferências intradomiciliares, poderiam serinterpretadas no contexto da hipótese deBarro.

O debate sobre políticas públicas etransferência de renda centrou na relaçãoentre gastos com educação e com seguri-dade social. Como ambas as políticas sãode cunho universal, o debate entre fo-calização e universalização de políticaspúblicas não foi realizado. Considerando-se o conflito intergeracional de forma strictosensu, mesmo estas políticas envolvemuma focalização por idade. Tal ponto mostraquão relativo este debate pode ser. Aoperguntar “qual Estado de Bem-Estar”,Goldani (2004) associa a discussão sobreconflito intergeracional àquele entrefocalização e universalização das políticaspúblicas.

Foge aos propósitos desta conclusãoreproduzir aqui o debate. Não se discuteque a universalização de políticas sociaisclássicas, como educação, saúde e previ-dência, deve ser almejada. Há fatores quelimitam a progressividade da igualdade deprovisão governamental oriunda de umauniversalização levada a ferro e fogo – porexemplo, o passado de extrema desigual-dade da sociedade brasileira, que remontaa uma nação que esteve entre as últimas abanir a escravidão, ou os limites de inserçãoocupacional de boa qualidade, ligados aproblemas de demanda e de oferta nomercado de trabalho. É este o contexto quejustifica políticas focalizadas de transfe-rências de renda, voltadas para o aten-dimento de segmentos populacionaisabaixo da linha de pobreza, assim como aspolíticas de cotas para pobres e negros.

Um exemplo de política focalizada, nocontexto da universalização gerada pelapolítica educacional, é o caso do programaBolsa-Escola e da sua versão atualizadano Bolsa-Família. A discussão no itemanterior mostra que as restrições de créditose limitam ao segmento de famílias pobres,o que leva a uma ineficiência na demandapor escolaridade das famílias mais pobres,fato comprovado pelo importante papel darenda per capita domiciliar na determinação

da escolaridade das crianças e jovensvivendo nos domicílios. Sendo assim, amera alocação de recursos públicos para aoferta de escolas e professores pode serinsuficiente para gerar o desempenhoescolar desejado. No caso, a transferênciade renda, condicionada ao comportamentofamiliar, é instrumento importante defocalização. Outro exemplo complementare na mesma direção refere-se aos limitesde acompanhamento do desempenhofamiliar fora de sala de aula, por parte dasfamílias com mães de baixa escolaridade.Neste caso, a oferta de escolas de tempointegral não deve jamais almejar umauniversalização imediata, sendo maiseficiente a provisão da escola de tempointegral para as famílias com mães de baixaescolaridade, sendo elas as mais pobresou não.

Goldani (2004) também pergunta:“Qual família?” Esta questão é totalmentepertinente. Os arranjos domiciliares efamiliares são diversos. Famílias com crian-ças não são exclusivamente as nuclearesbiparentais, que fazem parte do imaginário.Há, também, as famílias monoparentais,principalmente aquelas de responsa-bilidade feminina. Algumas crianças estãoem famílias extensas, muitas das quais são,na realidade, compostas por mãe jovem ecriança, vivendo com os pais da mãe.

A “diversidade e fluidez” dos arranjosfamiliares (na expressão de Goldani) dificul-tam a formulação de políticas para a família,que partam de pressupostos simplistas.Acrescenta-se, aos pontos mencionadospor Goldani, o fato de que políticas foca-lizadas podem servir de incentivos não-intencionais a novos arranjos familiares,como se observa no debate norte-ameri-cano acerca do impacto de políticas de“welfare” sobre a gravidez na adolescência.Estes aspectos e complexidades nãodevem servir de barreira ao foco na família,entendida como a agregação de todos osarranjos possíveis, congregando, de formaconflituosa, uma ou mais gerações no seuinterior. Questões de desigualdade de ativos(ou classe, ou estratificação social), de gê-nero e de raça são dimensões que per-passam estes arranjos.

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Neste sentido, faltou um maior deta-lhamento das questões macro e micro degênero, em que não só se destaca a saúdereprodutiva, mas também a sobremor-talidade masculina dos jovens, bem comoo hiato de gênero na educação (escola-ridade feminina maior do que a masculina).

No caso dos jovens, faltou uma dis-cussão sobre a transição para a vida adulta,em que a correlação entre decisões naesfera de escolaridade, mercado de tra-balho, formação de um novo arranjo familiar,fecundidade e sexualidade é componentecrucial. Os idosos são um caso à parte, tantopara os arranjos familiares quanto na ques-tão do envelhecimento sem incapacidadee com autonomia. A questão racial éprimordial na interação com os diferenciaisobservados nas outras dimensões, sendoimportante tanto para a análise dascarências de políticas públicas e no debateuniversalização versus focalização, quantono caso de estratégias diferenciais dearranjos familiares, para jovens e idosos.

A despeito das limitações aqui apon-tadas, é possível concluir que a dinâmicademográfica brasileira, principalmente noque concerne à sua estrutura etária, ofereceuma série de oportunidades e desafios parao planejamento do desenvolvimentohumano no país nas próximas décadas.

Os efeitos de composição, dividendodemográfico e transferências intergera-cionais são apenas exemplos de tópicos aserem perseguidos em estudos futuros, bemcomo em suas aplicações e formulaçõesde políticas públicas.

Um ponto comum nestes três tópicosrefere-se ao papel crucial conferido à edu-cação na dinâmica futura. A análise sobreo efeito de composição mostrou que existesignificativo aumento na escolaridadematerna, processo este que favorece aocrescimento da demanda por escolaridadee à melhoria no desempenho escolar. Poroutro lado, o debate sobre o dividendo de-mográfico mostrou que a redução na razãode dependência demográfica na infância,durante os anos 90, foi fundamental paraque a política governamental de expansãoda cobertura escolar fosse bem-sucedida.Além disso, o aumento futuro na escolari-dade da PEA é motivo essencial para seevitar um declínio na razão de suporte.

Finalmente, se a seguridade social foiimplantada anteriormente a um aumento nogasto público com educação, sua viabili-dade futura num sistema de repartiçãodependerá de uma verdadeira revoluçãona política pública de educação, algo que écompatível com a hipótese de eficiência,mas, por enquanto, é só uma possibilidade.

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Abstract

New issues in demographic analysis: the case of Brazil

This article begins with a review of the three components of demography, stressing the declinein fertility, with the possibility of the country’s reaching a level of below replacement fertility.Studies on new trends in Brazilian emigration are considered relevant for future research. Thedemography of compositional effects is discussed in terms of an exercise with fertility differentialsaccording to the mothers´ education. The exercise shows that the historical improvement inmothers´ education has offset the possible adverse effects of high fertility among mothers withlow levels of education. The demographic dividend is discussed both conceptually andempirically, and directions for future studies are indicated. Finally, the article presents aconceptual discussion on intergenerational transfers, with emphasis on public expendituresand social policy. New studies being developed on this topic are also mentioned.

Key words: Below-replacement fertility. Demographic dividend. Intergenerational transfers.Education. Social security.

Recebido para publicação em 01/10/2005.Aceito para publicação em 07/11/2005.