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Lutas & Resistências

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA - UELReitor: Prof. Dr. Wilmar Sachetin Marçal

Vice-Reitor: Prof. Dr. César Antonio Caggiano Santos

Centro de Letras e Ciências HumanasDiretor: Prof. Dr. Ludoviko Carnasciali dos Santos

Vice-Diretor: Profª. Ms. Miriam Donat

Departamento de Ciências SociaisChefe: Prof. Dr. Ariovaldo de Oliveira Santos

Suplente: Prof. Dr. Ronaldo Baltar

Programa de Pós-Graduação em Ciências SociaisCoordenador: Prof. Dr. Eliel Ribeiro Machado

Vice-Coordenadora: Profª. Drª. Renata Cristina Gonçalves dos Santos

Equipe de produçãoCapa: José Francisco L. de Almeida e Soraia de Carvalho

Arte sobre foto de operários de Zanon, 2005 (www.indymedia.org/images)Diagramação, editoração e revisão: Soraia de CarvalhoVersão dos resumos para o inglês: Gisele Cilli da Costa

Apoio Especialização em Ensino de Sociologia

Periódico eletrônico de divulgação científica do Grupo de Estudos de Política da América Latina, vinculado ao Programa de Pós-Graduação

em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina

http://www.uel.br/gepal [email protected]

Revista Lutas & Resistências / publicação do Grupo de Estudos de Política da América Latina, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Londrina – n.2 (1o sem. 2007).ISSN: 1980-8100

1. Ciências Sociais – Periódicos. I. Universidade Estadual de Londrina. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.

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Lutas & Resistências, Londrina, n.2, 1o sem. 2007

GEPAL – Grupo de Estudos de Política da América Latina

Departamento de Ciências Sociais

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (UEL-PR)

Correspondência:

GEPAL – Grupo de Estudos de Política da América Latina

Departamento de Ciências Sociais

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA (UEL)

Rodovia Celso Garcia Cid PR 445 Km 380 Londrina – Paraná

Fone/Fax: (5511) 3371 4456

End. eletrônicos: [email protected]; [email protected]

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GEPAL – Grupo de Estudos de Política da América LatinaDepartamento de Ciências SociaisPrograma de Pós-Graduação em Ciências Sociais (UEL)

Comitê editorialEliel Machado, Elsio Lenardão, Pedro Roberto Ferreira, Renata Gonçalves,

Renata Schevisbiski, Sávio Cavalcante, Soraia de Carvalho

Conselho editorialAdrián Sotelo Valencia (UNAM - México)

Aldo Durán (UFU) Altair Ferraz Neto (Mestrando em

Ciências Sociais - UEL) Andriei Gutierrez (Doutorando em

Ciência Política - Unicamp)Angélica Lovatto

(Fundação Santo André) Antônio Carlos Mazzeo (Unesp/Marília)

Antônio Ozaí da Silva (UEM) Ariovaldo de Oliveira Santos (UEL)

Armando Boito Jr. (Unicamp) Avanilson Araújo (Mestrando em

Ciências Sociais - UEL) Carla Luciana Silva (Unioeste)

Célia Congilio Borges (Doutora em Ciências Sociais - PUC/SP)

Claudete Pagotto (Fundação Santo André)

Daniel Antiquera (Doutorando em Ciência Política - Unicamp)

Daniel Campione (Universidad de Buenos Aires - Argentina)

Danilo Martuscelli (Doutorando em Ciência Política - Unicamp)

Décio Saes (Univ. Metodista) Eliel Machado (UEL) Elsio Lenardão (UEL)

Evaristo Colmán (UEL) Fábio Silveira (Mestre em Ciências Sociais - UEL)

Flávia Okumura (Mestra em Ciências Sociais - UEL)Gilberto Calil (Unioeste)

Gilmar Geraldo Mauro (Assoc. Nac. de Coop. Agrícolas - ANCA)

Giovanni Alves (Unesp-Marília)Ilse Gomes (UFMA)

Gustavo Cabrera (Mestrando em Ciências Sociais - UEL)

Irma Antognazzi (Universidad Nacional de Rosario - Argentina)

Jair Pinheiro (Unesp/Marília) Jaqueline Ferreira (Mestranda em Ciências Sociais - Unesp/Marília)

Joana A. Coutinho (UFMA) José Flávio Bertero (UEL)

Gonzalo A. Rojas (Doutor em Ciência Política - USP)

José Mário Angeli (UEL) Júlia Gomes e Souza (Mestra em

Ciências Sociais - PUC/SP) Lúcio Flávio R. de Almeida (PUC/SP) Márcio Bilharinho Naves (Unicamp)

Marcos Del Roio (Unesp/Marília) Miguel Mazzeo (Universidad de

Buenos Aires - Argentina) Nilda Rodrigues de Souza

(Mestra em Ciências Sociais - UEL)Paulo Barsotti (FGV/SP)

Paulo Eduardo Pedrassoli (UEL) Pedro Jorge de Freitas (UEM) Pedro Roberto Ferreira (UEL)

Ramon Casas Vilarino (Doutor em Ciências Sociais - PUC/SP) Renata Gonçalves (UEL)

Renata Schevisbiski (UEL) Sávio Cavalcante (UEL)

Simone Wolff (UEL) Soraia de Carvalho (Mestranda em

Ciências Sociais - UEL)Sidney Tanaka de Souza Matos

(Mestrando em Ciências Sociais - UEL) Vladimir Aguilar Castro (Universidad de

los Andes - Venezuela)Waldir Rampinelli (UFSC)

Todos os textos recebidos por Lutas & Resistências serão analisados e, se estiverem de acordo com as normas para publicação e os princípios que

norteiam a revista, serão encaminhados para apreciação e pareceres. Cada texto será apreciado por dois pareceristas, resguardado o anonimato do(s) autor(es). A decisão sobre a publicação caberá ao Comitê Editorial.

Os artigos publicados não expressam necessariamente as opiniões do coletivo da revista. Os autores, considerados individualmente, são responsáveis por

suas opiniões e posições.

AgradecimentoEsta versão eletrônica só foi possível graças ao apoio da Especialização em

Ensino de Sociologia vinculada ao Depto. de Ciências Sociais da UEL.

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Sumário

APRESENTAÇÃO, 7

ARTIGOS, 9

Da possível constituição de classe nos acampamentos ao refluxo político-ideológico nos assentamentos do MSTEliel�Machado�e�Renata�Gonçalves,��0 Entre la insurrección y la reacción: la búsqueda del “capitalismo normal” de Evo Morales James�Petras,��0

Imperialismo e bloco no poder na Venezuela: ambigüidades do bolivarianismo de Chávez Mariana�Lopes,��� Origens do EZLN: o Congresso Indígena de San Cristóbal de las CasasIgor�Luis�Andreo,���

DOSSIÊ:Trabalhadore(a)s e reestruturação produtivana América Latina, 58

Ações governamentais e reestruturações produtivas no Brasil: o mito do Estado mínimoCélia�Congílio�Borges,��9 Sindicalismo no Brasil e estrutura sindical (1978-1997):rupturas e continuidadesTeones�França,�7�

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De tsunami a marola: uma breve história das fábricas recuperadas na América LatinaHenrique�Novaes,�8�

Análisis del llamado “movimiento piquetero” de la Argentina: los objetivos de sus acciones de protestaPaula�Klachko,�98

RELATO DE VIAGEM, 112

Neuquén: águas revoltas e vermelhasSoraia�de�Carvalho,����

SEÇÃO DE RESENHAS, 118

Pancho Villa e a Revolução MexicanaWaldir�José�Rampinelli,���9

ABSTRACTS, 126

NORMAS PARA COLABORAÇÃO, 129

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Apresentação�•�7���

Apresentação

Desde a implantação das políticas neoliberais no subcontinente latino-americano, a convivência com os regimes democráticos tem sido recheada por tensões políticas e sociais: levante zapatista contra o NAFTA, derrota do Sendero Luminoso no Peru, guerra civil encabeçada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), massacres dos sem-terra em Eldorado dos Carajás e Corumbiara, tentativa de golpe de Estado na Venezuela, de autogolpe no Peru, puebladas na Argentina, rebeliões indígenas no Equador e camponesas na Bolívia, insurreição popular em Oaxaca (México), só para citar alguns casos. É certo que não houve nenhum golpe militar neste período e o neoliberalismo insiste em permanecer. Praticamente todos governos sufragados pelo voto popular aderiram às medidas (neo)liberalizantes: privatizações, abertura comercial, desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas, austeridade fiscal e monetária. Por outro lado, fruto de (in)tensas lutas e resistências populares, alguns governos legitimados inicialmente pelas urnas voltaram para casa mais cedo: Fernando de la Rúa (Argentina), Sánchez de Lozada e Carlos Mesa (Bolívia), Abdalá Bucaram, Jamil Mahuad e Lúcio Gutierrez (Equador). Mesmo sabendo dos limites destas vitórias populares, não se pode ignorar os efeitos pedagógicos que elas têm na organização política dos dominados.

Tendo este complexo quadro político-ideológico como pano de fundo, Lutas�&�Resistências abre este seu segundo número com um texto de Eliel Machado e Renata Gonçalves sobre a dificílima constituição do proletariado brasileiro em classe, especificamente a partir das experiências dos sem-terra no Brasil, quando se observa um refluxo de sua luta nos assentamentos. Em seguida, James Petras analisa os limites políticos do governo de Evo Morales (Bolívia) tendo em vista a complexa relação com os movimentos sociais que reivindicam transformações sociais mais profundas; Mariana Lopes investiga a presença do imperialismo norte-americano na Venezuela sob o governo Chávez ao observar a representação política das diversas frações burguesas no bloco no poder daquele país; e, por fim, Igor Andreo retoma o debate em torno dos zapatistas a partir do Congresso Indígena de San�Cristóbal�de�las�Casas (Chiapas/México), em 1974, e chama a atenção para a novidade de suas bandeiras que mesclam resistências étnicas com questões de exploração, marginalização e preconceito a que os povos indígenas estão submetidos.

Lutas�&�Resistências apresenta, ainda, um dossiê que traz algumas análises acerca das turbulentas relações entre trabalhadore(a)s e a reestruturação

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8�•�Apresentação

produtiva no subcontinente latino-americano. Célia Borges procura desfazer o mito das “possibilidades emancipatórias” disseminadas pelas “conquistas tecnológicas” ao analisar ações do Estado e de empresas que acarretam novas formas de exploração do trabalho; Teones França analisa o chamado “novo sindicalismo”, surgido nos anos 1980, em contraposição ao “velho sindicalismo” de herança getulista e tece uma análise crítica daquele que, nos anos 1990, “rende-se” às reformas neoliberais; Henrique Novaes examina os limites político-ideológicos da ocupação de fábricas recuperadas pelos trabalhadores argentinos, brasileiros e uruguaios, uma vez que desembocaram numa perda de força desta luta, haja vista o contexto defensivo do proletariado latino-americano; Paula Klachko faz uma abordagem do “movimento piqueteiro” argentino em dois momentos históricos (2002 e 2004) e procura demonstrar que os objetivos pelos quais lutam mudam conforme se altera a correlação de forças políticas em determinadas conjunturas.

Neste número, Lutas�&�Resistências abre a nova seção relatos de viagens, um diário de campo para pesquisadores que queiram socializar parte relevante de sua experiência empírica. Soraia de Carvalho, jovem pesquisadora do Grupo de Estudos de Política da América Latina, estréia a seção ao relatar sua viagem a Neuquén, capital da província argentina de mesmo nome, onde se deparou com um dos movimentos populares mais combativos nestes tempos bicudos de neoliberalismo: os “operários sem patrão”, de uma fábrica de cerâmica ocupada.

Waldir Rampinelli fecha este número eletrônico da revista apresentando o livro de Paco Ignacio Taibo II, Pancho Villa: una biografía narrativa. Esta instigante resenha sobre o livro que retrata a revolução mexicana de 1917, alerta para as contribuições de seu autor que, além de desfazer preconceitos e corrigir equívocos históricos, demonstra que a revolução foi vencida por meio de uma aliança política entre uma oligarquia mexicana atrasada e o apoio dos Estados Unidos.

Lutas�&�Resistências, ao apresentar aos leitores o conjunto destes artigos, pretende aguçar o debate crítico sobre a realidade brasileira e latino-americana e contribuir para uma melhor incidência teórica e política sobre ela.

Eliel�Machado�(pelo Comitê Editorial)

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Apresentação�•�9���

Artigos

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Da possível constituição de classe nos acampamentos ao refluxo político-ideológico nos assentamentos do MST

Eliel�Machado�e�Renata�Gonçalves∗

O�campesinato,�por�mais�revolucionário�que�seja,�não�é�capaz�dedesempenhar�um�papel�político�independente,�e�menos�ainda�condutor.��[...]�Na�sociedade�moderna� a� cidade� é� que� exerce� uma� função� dirigente� e� só� ela� é� capaz�de�encabeçar�uma�revolução�burguesa.

Leon Trotsky,�A�revolução�de��90�

Resumo: Neste artigo são examinados os limites e as potencialidades que a luta travada pelo MST, sob o neoliberalismo, impõe para a árdua e complexa tarefa de constituição do(a)s trabalhadore(a)s em classe. O contexto neoliberal coloca ao movimento um problema político-ideológico de difícil saída: reivindicar meios de produção e, ao mesmo tempo, lutar pelo socialismo.

Palavras-chave: classes sociais; ideologia burguesa; MST

A (des)constituição do proletariado em classeMarx e Engels afirmam, logo no início do primeiro capítulo

do Manifesto� do� Partido� Comunista, que a história da humanidade tem sido a história da luta de classes. Quando discorrem sobre a constituição das classes fundamentais – a burguesia, de um lado, e o proletariado, de outro – afirmam que este último assim que nasce inicia sua luta contra a burguesia. Podemos interpretar que as classes são uma construção histórica, típica dos seus embates de classes, ou seja, constituem-se na luta de classes.

Ainda que muitos movimentos sociais se apresentem como anti-sistêmicos e reivindiquem a superação das dificuldades inerentes à acumulação capitalista, não podemos perder de vista que as bases materiais sobre as quais sustentam suas lutas e a evolução dessas bases dependem do grau de desenvolvimento do próprio capitalismo. Os sujeitos protagonistas das lutas não são agentes passivos do processo e, além disso, podem precipitar situações políticas e ideológicas que, muitas vezes, não têm ressonância em

∗ Professores do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina; coordenadores, nesta Universidade, do Grupo de Estudos de Política da América Latina (GEPAL); e pesquisadores do Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais (NEILS/PUC-SP).

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suas próprias bases sociais. O desenvolvimento político do proletariado, em geral, esteve relacionado ao desenvolvimento da burguesia industrial, “sob cujo domínio adquire ele existência nacional que lhe permite elevar sua revolução à categoria de revolução nacional, criando os meios modernos de produção, que hão de transformar-se em outros tantos meios para a sua emancipação revolucionária” (MARX, sd, p. 119)1.

A reconceituação que Poulantzas faz das classes sociais nos permite avançar um pouco mais. Para o autor, as classes sociais são grupos de agentes sociais, definidos principalmente, mas não exclusivamente, por sua posição no processo de produção, ou seja, não se restringem à esfera econômica. As classes, que têm um caráter histórico e dinâmico, se constituem na dinâmica processual das lutas de classes (POULANTZAS, 1976). Esta análise nos fornece ferramentas para examinar o caso do Brasil dos anos de 1970 onde, embora com um pleno desenvolvimento do capitalismo, não houve as condições necessárias para a constituição do proletariado em classe. Com efeito, no período que nos interessa verificou-se a intensificação de um processo de proletarização, atrelado à urbanização precária e incapaz de suprir as “carências” urbanas que se impunham ao proletariado. Mais ainda: “o capital se mostrou incapaz de inserir plenamente todos na esfera produtiva, acarretou as mais diversas situações (subemprego, por exemplo), levando, inclusive, à redefinição das lutas”.

O novo surto de desenvolvimento capitalista no Brasil e correspondente crescimento e maior diversificação do proletariado esteve na base de uma nova arrancada das lutas sindicais e partidárias dentro de um contexto bastante peculiar: o de ditadura militar (GONÇALVES, 2005, p. 90). Tratava-se da formação de um novo e heterogêneo proletariado e, por isso mesmo, se “assistia à emergência de uma nova configuração de classe” (SADER, 1988, p. 36), cujas lutas levaram à criação de uma importante central sindical, de um partido – na época – do(a)s trabalhadore(a)s e de significativas greves gerais. Apesar disso, não foi possível a constituição plena do proletariado como classe. Esta permanece complexa e como observado por Boito Jr. (2003) e Almeida (2005) não ocorre de forma linear e tampouco pode ser analisada de maneira evolutiva, embora possa se formar no embate com outras classes.

1 Algo que não se verificou, por exemplo, na Comuna de Paris de 1871.

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Nos anos de 1990 permaneceu adiada a constituição do proletariado em classe. Desde então, o(a)s trabalhadore(a)s começaram a sofrer verdadeiras derrotas ao passo em que se implantavam as políticas neoliberais no país. A intensa mobilização política do(a)s trabalhadore(a)s não foi suficiente para tornar hegemônico seu projeto nacional, democrático e popular e “acabou possibilitando, em determinado momento (a partir da eleição de Fernando Collor em 1989), a unificação das diversas frações do capital em torno do projeto neoliberal, mesmo com idas e vindas, contradições e disputas internas, em virtude do temor das mesmas perderem o controle político da sociedade” (FILGUEIRAS, 2006, p. 181).

Várias análises demonstram que, no caso brasileiro, não houve um projeto prévio e claro de neoliberalismo e que sua implementação foi resultado de disputas políticas entre as diversas classes e frações de classe. As mudanças impostas pelo neoliberalismo à relação capital-trabalho, cuja face mais visível são as altas taxas de desemprego, a precarização das condições de trabalho, enfraqueceram o “poder político e de negociação das representações das classes trabalhadoras”. Este tem sido, como observa Filgueiras, “um dos pilares fundamentais do projeto político neoliberal, redefinindo radicalmente, a favor do capital, a correlação de forças políticas”, empurrando cada vez mais os movimentos sociais e trabalhistas para a defensiva e levando a um permanente “movimento de transformação político-ideológica da maior parte de suas direções, no sentido de restringir a sua atuação política aos limites dos espaços que a nova ordem lhes reservava” (2006, pp. 189; 201).

As invenções democráticas2 do MSTNo contexto de refluxo dos movimentos sindicais e partidários,

ganharam alento as ações promovidas pelo MST que, mesmo em condições adversas, teima em fazer luta de classes e em lutar por transformação social.

2 Expressão utilizada por Machado (2004) para se contrapor à de Lefort (1983) que considera a democracia uma criação constante de novos direitos, negligenciando o fato de que a democracia burguesa não se acanha em retirá-los quando bem lhe convier e puder. As “invenções democráticas” são ações políticas massificadas e com forte conteúdo político-ideológico. Nos termos deste trabalho, as “invenções” do MST designam formas de organização, de luta e de resistência à hegemonia burguesa. As classes populares, nos embates políticos ao poder burguês, engendram formas democráticas de organização, estabelecem padrões de comportamento social e político distintos das sociedades burguesas (MACHADO, 2004).

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Sem uma definição de regras claras de atuação devidamente institucionalizada o movimento foi ganhando terreno ao passo que os sindicatos o perdiam. Eram outros os tipos de ação, eram outros os membros, pois a luta pela terra exige, segundo os documentos que o movimento produz, a participação de todos (homens, mulheres e crianças) o(a)s trabalhadore(a)s sem-terra3. As ocupações de terra, seguidas pelos acampamentos, que são as principais formas de luta para a implantação dos assentamentos rurais, contribuem para o retorno do(a)s trabalhadore(a)s ao meio rural, e repercutem diretamente no embate entre latifundiários grileiros (agora agro-negocistas), Estado e MST. Mas aqui também se coloca o problema da constituição da classe.

Ao procurarem constituir o(a)s trabalhadore(a)s em classe, o(a)s sem-terra deparam-se com limites próprios de sua base social que, sendo constituída, sobretudo, por trabalhadore(a)s rurais semiproletário(a)s ou semi-assalariado(a)s4 (GERMER, 2002), não estão diretamente em confronto com o capital.

Sem cair no economicismo que consistiria em relacionar mecanicamente a constituição das classes à posição dos agentes na produção, observamos que a heterogênea composição de sua base sinaliza algumas dificuldades políticas enfrentadas pelo MST. Uma delas está vinculada à própria organização, pois do ponto de vista político-ideológico e das necessidades concretas, o(a)s “assalariado(a)s puro(a)s” e o(a)s “semiproletário(a)s” são dois setores do campo popular muito próximos. Porém, no plano concreto da luta não trilham os mesmos caminhos, a não ser em algumas ocasiões especiais, como ocorreu durante a Marcha dos 100 mil sobre Brasília, em 1997. Levando-se em conta que o “proletariado puro” é numericamente superior ao “semiproletariado”, as relutâncias se complicam ainda mais, dado o potencial de luta que o primeiro poderia engendrar em conjunto com o “semiproletariado” e não o faz. A CONTAG e a CUT têm, respectivamente, 15 e 21 milhões de filiado(a)s (COMPARATO, 2003). Na outra ponta, o “semiproletariado” do MST conta apenas com

3 Esta referência é importante para a análise dos dispositivos político-ideológicos, sobretudo, nos espaços dos acampamentos onde se verifica uma maior participação política das mulheres. Ver Gonçalves (2005a). 4 Embora haja ampla bibliografia sobre o assunto, não existe uma definição clara das terminologias utilizadas para se remeter à base social do MST. Serão utilizados aqui os termos que mais aparecem: semiproletariado, camponês(a), trabalhadore(a)s rurais, proletário(a)s agrícolas, bóias-frias, assalariado(a)s rurais.

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cerca de 124.240 famílias acampadas, 105.466 assentadas, correspondendo a 1.649 assentamentos, em 20055. Apesar da pouca expressividade numérica, o MST acaba, no final das contas, segurando as bandeiras de luta do(a)s trabalhadore(a)s em geral praticamente sozinho6. Delas, fazem parte, os acampamentos, as marchas, caminhadas, ocupações de terra e de edifícios públicos (palácio do governo, secretarias, institutos), etc. O protagonismo político do MST, nos anos 1990, representa, como observou Germer (2002) um paradoxo: ao se constituir basicamente no semiproletariado rural, tomou a dianteira na luta contra o capitalismo neoliberal, enquanto a CONTAG, ligada à CUT, manteve uma postura “passiva”7.

Se não se confronta diretamente com o capital, no plano jurídico-ideológico o MST desafia o Estado burguês ao questionar as formas de propriedade e as políticas estatais voltadas para o capital agro-exportador. Neste embate, acaba por desvendar aquilo que a ideologia burguesa procura ocultar: o caráter de classe do Estado capitalista. Ao fazer ocupações, instalar acampamentos, o(a)s sem-terra atacam o núcleo jurídico-político e ideológico que assegura a propriedade privada dos meios de produção e estão em confronto direto com o Estado que, inclusive, mobiliza dispositivos de coerção física. Neste confronto é o caráter de classe do Estado burguês que está sendo questionado. Ao questionar este Estado, que aparece esvaziado de qualquer determinação de classe, o(a)s sem-terra desestabilizam a própria distinção público/privado que, embora cambiante, é fundamental para a ideologia burguesa e, neste sentido, para a reprodução do conjunto das relações sociais capitalistas. Em um mesmo movimento, o(a)s sem-terra abrem espaço para a dominância de uma outra distinção, individual/coletivo, com potencialidades qualitativamente diferentes. Por outro lado, a própria luta do(a)s acampado(a)s é contraditória na medida em que reivindica que a ocupação seja institucionalizada pelo Estado burguês. Na maioria das vezes, essa reivindicação apela para um discurso fortemente aprisionado no interior

5 Dados obtidos do sítio do MST na Internet (www.mst.org.br). 6 Em Buzetto (1999) e Coletti (2005) podemos encontrar referências aos esforços do MST em unir a luta do(a)s trabalhadore(a)s do campo e da cidade. Analisando o acampamento Nova Canudos, instalado na região de Sorocaba, em 1999, os autores destacam que 80% de sua composição social eram predominantemente urbana e que se tratava, sobretudo, de trabalhadore(a)s desempregado(a)s, sem-teto, moradores de rua, ex-operários, ex-marceneiros, ex-mecânicos.7 A este respeito consultar as estimativas feitas por Comparato (2003) entre o número de greves e as ocupações realizadas pelos MST e Contag.

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da ideologia jurídica burguesa como, por exemplo, ao se remeter ao caráter improdutivo da propriedade que está sendo ocupada. Esta contradição fica ainda mais aparente nos assentamentos, que passaremos a examinar.

Recuos político-ideológicos dos assentamentosApós anos de luta para resistir nos acampamentos, os assentamentos

representam um desfecho positivo para os sem-terra contra o latifúndio. Em grande medida eles são resultados da atuação dos movimentos sociais que criaram uma dinâmica de “reforma agrária processual” que funciona sob a forma de: luta → mudanças → luta. Neste sentido, Medeiros & Leite escrevem que os “assentamentos tendem a fortalecer os movimentos de luta pela terra, uma vez que se constituem em prova da eficácia das pressões intensas, em especial quando a referência são as ocupações de terra e acampamentos” (1999, p. 19). O(a)s trabalhadore(a)s ficam mais motivados para realizar ocupações na medida em que os assentamentos demonstram que podem dar certo. Desta forma, os assentamentos se transformam em um território em disputa, eles se tornam o efeito material da luta de classes. De um lado, o Estado quer desmobilizar a luta pela terra, principalmente aquela liderada pelo MST, e, de outro, os movimentos sociais querem demonstrar que a reforma agrária é possível.

Este território expressa a organização, luta em torno da terra e, neste sentido, impõe às localidades em que foi implantado “uma derrota ao latifúndio” e representa “a conquista da luta política do(a)s trabalhadore(a)s e expressão da luta organizada” (MARTINS, 2004, p. 165). No entanto, as profundas mudanças que ocorreram nos anos de 1990, tornaram ainda mais difíceis a reprodução social do(a)s pequeno(a)s agricultore(a)s. A transformação capitalista da agricultura priorizou os aspectos econômicos e tecnológicos e os assentamentos adquiriram formas em que o tempo e o espaço são regidos pelo modo de produção dominante. Para além da sobrevivência, é necessário produzir para pagar os créditos, os empréstimos feitos junto ao Estado, ao banco, etc. As classes se constituem no processo de lutas de classes, lutas que, ancoradas fundamentalmente nas relações de produção, sofrem as múltiplas e contraditórias determinações econômicas, jurídico-políticas e ideológicas (POULANTZAS, 1976). Nossa hipótese é que o refluxo nos assentamentos está estreitamente ligado ao impasse relativo à prioridade dada à viabilidade econômica dos assentamentos. A

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luta para permanecer na terra se torna imediatista e o aspecto econômico predomina.

Nos assentamentos a contradição público-privado se atenua. O MST, ao empunhar a bandeira da reforma agrária, reivindica distribuição de terra sob o controle do(a)s trabalhadore(a)s sem-terra e aqui se observa sérios prejuízos para a componente anti-sistêmica do movimento. Não há mais um afrontamento físico com o Estado ou, quando há, este é atenuado. O assentamento já está legalizado, instituído. Ao contrário de um confronto, agora é preciso lutar por políticas estatais que contribuam para a viabilidade econômica do assentamento. Trata-se de viabilização a assentamentos inseridos em formações sociais capitalistas e, portanto, sujeitos a relações mercantis e, mais ainda, à produção de valor e mais-valor. Sob o fogo cruzado destas múltiplas determinações do modo de produção capitalista (jurídica, política e econômica), é forte a tendência à restauração da dicotomia público/privado. O Estado deixa de ser considerado agente da classe dominante e passa a ser visto como uma instância que não age bem. De acordo com Martins, “a luta política que, por um lado, garantiu acesso a recursos públicos, trouxe em seu bojo a dependência financeira”. Segundo ao autor, “praticamente para tudo que se fazia dependia-se dos recursos oficiais ou de organizações não-governamentais”. Assim, conclui, “o crescimento do MST passou a depender da quantidade de recursos conquistados na sua luta por políticas públicas” (MARTINS, 2004, p. 171).

As relações sociais nos assentamentos começam a ser ditadas pelas leis de reprodução da formação social capitalista brasileira, o que significa que é preciso muita luta para que esse peso seja contra-balançado. Quanto mais aumenta a penúria no assentamento, mais cresce a dependência. Superar esta contradição implica ultrapassar a luta pela sobrevivência e inclusão no capitalismo apenas. Nesta luta pela sobrevivência na terra conquistada, a margem de escolha se estreita e, quanto mais desfavorável é a correlação de forças, mais são privilegiados os objetivos imediatos. Em estreita correspondência com a transformação do lote em uma espécie de propriedade privada. A prioridade conferida objetivamente à viabilidade econômica dos assentamentos contribui para que haja um refluxo das lutas.

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Algumas breves consideraçõesÉ provável que o papel político mais importante exercido pelo MST

se encontre no questionamento jurídico-político e ideológico ao latifúndio e ao favorecimento estatal ao agronegócio. Isto faz dos assentamentos um grande desafio para o movimento. Como fazer luta política e, ao mesmo tempo, lutar pela sobrevivência material? Apesar de constante para o MST, trata-se de questão cuja resposta depende de pesquisas mais acuradas. Todavia, as invenções democráticas dos acampamentos nos levam à hipótese de que talvez resida aí o potencial transformador do movimento.

Se não acopladas às lutas mais gerais, a permanência na terra pode se transformar numa questão burocrática com preenchimento de papéis, assinaturas para obter créditos, se distanciando muito da luta política inicial. Almeida (1997) havia destacado que “existem momentos em que as lutas refluem e, portanto, o aspecto reprodução das relações sociais ocupa quase todo o campo da visibilidade”. Para o autor, “recalcado o questionamento, desorganizada a luta dos dominados, fica mais fácil para o Estado aparecer como uma instância voltada fundamentalmente para a administração” (ALMEIDA, 1997, p. 115). Um dos efeitos deste processo “consiste no risco de que as classes populares terminem se sobrecarregando de tarefas administrativas” e, ao se concentrarem demasiadamente nelas, “se ‘esqueçam’ das (ou simplesmente não tenham energia para) lutas políticas que, embora maiores, possam lhes interessar mais de perto” (ALMEIDA, 1997, p. 122). Esta hipótese geral pode adquirir cores dramáticas quando se trata das classes dominadas nas formações sociais dependentes em tempos de neoliberalismo, sob o forte risco da constituição da classe trabalhadora permanecer adiada.

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Entre la insurrección y la reacción: la búsqueda del “capitalismo normal” de Evo Morales∗

James�Petras∗∗

Resumen: En este artículo el autor relata brevemente el papel de Morales y su partido MAS en el periodo que precedió a su elección y sus relaciones con los dinámicos movimientos sociales que exigen profundas transformaciones socioeconómicas; traza los conceptos�teórico-prácticos que guían la estrategia y el programa de gobierno y analiza las políticas específicas con respecto a las clases dirigentes y sus compromisos y alianzas táctico-políticas.

Palabras claves: Bolivia; MAS; Evo Morales; capitalismo boliviano

IntroducciónMuchos académicos, políticos, periodistas y comentaristas

progresistas extranjeros han caracterizado elogiosamente el régimen de Evo Morales de “radical”, “revolucionario” y parte de un “bloque antiimperialista”. Universitarios tan diversos como Noam Chomsky, Ignacio Ramonet, Emir Sader, Heinz Dieterich, Martha Hanecker e Immanuel Wallerstein han descrito a Evo Morales como parte de la nueva ola izquierdista que está barriendo América Latina. Lo sorprendente de estos académicos entusiastas del presidente Morales es la total ausencia de cualquier análisis empírico de su trayectoria política reciente y de las políticas socioeconómicas y públicas implementadas durante los primeros 15 meses de su mandato.

Una primera aproximación para entender el régimen de Morales consiste en relatar brevemente el papel de Morales y su partido MAS en el periodo que precedió a su elección y sus relaciones con los dinámicos movimientos sociales que exigen profundas transformaciones socioeconómicas.

Esta perspectiva histórica proporciona las bases para trazar los conceptos�teórico-prácticos que guían la estrategia y el programa de gobierno de Morales y García Linera.

∗ Conferencia pronunciada el 14 de abril de 2007 en el IV Congreso Nacional de Sociología de Bolivia, celebrado en La Paz. Traducido del inglés por Eufemiano Iparragoitia. Publicado en Rebelión el 26 de mayo de 2007.∗∗ New York State University at Binghamton.

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Una vez establecida su “línea general” y los objetivos estratégicos, estaremos en medida de analizar las políticas específicas con respecto a las clases dirigentes y sus compromisos y alianzas táctico-políticas.

El régimen de Morales en su perspectiva histórica Contrariamente a la mitología de muchos intelectuales progresistas,

Morales no desempeñó papel alguno en los tres principales levantamientos que tuvieron lugar entre 2003 y 2005 y que lograron derrocar a dos presidentes clientelistas neoliberales: Sánchez de Lozada y Carlos Mesa. Para ser más específicos, Morales se opuso al levantamiento de 2003. Durante el exitoso levantamiento de octubre de 2003, que derrocó a Sánchez de Lozada, él estaba en Ginebra (Suiza), donde asistía a una conferencia interparlamentaria. Morales hizo todo lo posible para socavar la huelga general de mayo-junio de 2005 que echó a Carlos Mesa del poder.

Morales lanzó el peso del MAS y de sus movimientos sociales para apoyar el triunfante ascenso a la presidencia de Carlos Mesa, a pesar de que éste había servido como vicepresidente de Sánchez de Lozada. Tras la desaparición de Mesa, Morales volvió a intervenir para apoyar al neoliberal Rodríguez, del Tribunal Supremo de Justicia, como presidente provisional en el periodo previo a las elecciones presidenciales de septiembre de 2005. Con posterioridad, Morales transformó por completo las exigencias de los movimientos sociales de una Asamblea Constituyente (AC) que “refundase la República”. Los movimientos sociales pedían que la elección de la AC se hiciera a través de los movimientos populares sociales, lo que garantizaría que la AC reflejase los intereses de los trabajadores y los campesinos. Morales rechazó esta exigencia y llegó a un acuerdo con los desacreditados partidos de la oligarquía para organizar las elecciones a la AC sobre la base de unidades territoriales, en las que las maquinarias electorales de los partidos dominarían las elecciones. El resultado fue la casi absoluta marginación de los movimientos sociales en la AC.

Tras un año de conflictos de procedimiento en la AC, Morales accedió a que los partidos oligárquicos gozasen de un veto virtual sobre la nueva constitución y accedió a que fuera necesario el voto de dos tercios para aprobar toda la legislación constitucional. Otras pruebas de la divergencia del régimen de Morales con respecto a las exigencias de los movimientos

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sociales insurrectos fueron sus nombramientos para los puestos económicos clave en el gobierno y la continuación de las políticas fiscales ortodoxas. El equipo económico de Morales puso el énfasis en un presupuesto equilibrado y estrictas políticas monetarias, en vez de en la inversión pública en programas sociales y en programas contra la pobreza. Por ejemplo, Morales rompió su promesa electoral de duplicar el salario mínimo, proporcionar un aumento sustancial salarial a los maestros, trabajadores sanitarios y otros trabajadores del sector público mal remunerados.

Consideraciones teóricas El deterioro del pensamiento social “crítico” es mucho más

evidente en lo tocante a la trayectoria política, a la estructura y a la política del “movimiento” de Morales (MAS y movimientos y sindicatos de indios-campesinos afiliados). La lógica y la teoría postuladas por los “teóricos de la izquierda” es deductiva, posmoderna, histórica y antimaterialista. En vez de examinar las prácticas políticas empíricas de clase de Morales y el MAS, los teóricos de la izquierda empiezan por asumir que al ser “indio”, de origen popular y al haber dirigido un movimiento popular, su régimen se define ipso� facto como “radical”, “revolucionario” y “antiimperialista”. La lógica deductiva excluye todo el abanico de acuerdos y “reubicaciones” de clase que acompañaron al giro decisivo de Morales desde las luchas de acción directa de masas hasta la política electoral parlamentaria.

El posmodernismo se centra exclusivamente en la acción simbólica y cultural y en el “circo político”, por encima y en contra de importantes luchas de clase, cambios en la propiedad y relaciones de clase. Para los escritores posmodernos, el énfasis de Morales en la identidad “indígena”, su participación en eventos tradicionales ataviado con el traje nativo y sus ataques verbales y amenazas a oligarcas y conspiradores son la expresión de una “nueva manera revolucionaria” de hacer política. Al centrarse en la “identidad”, los posmodernos ignoran las enormes diferencias de clase entre los hambrientos sin tierra y los campesinos que malviven, por un lado, y los políticos, dirigentes y agentes indígenas del poder, que son de clase media, por el otro. Los posmodernos ignoran la abierta colaboración económica entre el régimen de Morales y las acaudaladas elites “blancas” de la agroexportación, las compañías petroleras europeas y usamericanas y los indígenas millonarios del complejo ferro-minero de Mutun. Los

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posmodernos están obsesionados con la “retórica” y el “discurso” durante las apariciones de Morales ante las masas. Se centran en sus demagógicas acrobacias lingüísticas, que ignoran el contenido real de clase y nacional de su política. De ahí que su “nacionalización revolucionaria” del petróleo y el gas fuera poco más que un aumento de los impuestos que pagan las multinacionales al Estado. No se ha expropiado ni a una sola multinacional. El precio del gas vendido a Argentina era un 40% más barato que el precio mundial. Un año después de la “nacionalización”, el precio pagado por Brasil seguía siendo los mismos 4 dólares de antes, como en el periodo de Sánchez de Lozada-Mesa. El circo, los análisis discursivos y la retórica son entretenidos, sí, y a veces arrojan algo de luz sobre el estilo, pero no sobre la sustancia, es decir, sobre la economía política de un régimen.

El punto de partida teórico para una total comprensión de regímenes políticos empieza por el conocimiento empírico de la acción política y la errática orientación de clase de los actores políticos conforme se reposicionan en la estructura de clase con el tiempo. El marxismo empírico-histórico examina la economía política, las relaciones estructurales entre las clases gobernantes y el Estado y los regímenes elegidos y su base electoral.

Este enfoque “materialista” desmitifica el verdadero significado de la “política cultural”, porque es bien conocido históricamente de qué manera los políticos reaccionarios y reformistas han combinado políticas proimperialistas y favorables a las multinacionales con prácticas culturales tradicionales.

En África, Senghor en Senegal y Mobutu en Zaire resaltaron la “negritud” como política cultural, mientras le abrían las puertas de sus economías al latrocinio europeo y usamericano. Duvalier en Haití, Haya de la Torre en Perú, Ferdinand Marcos en Filipinas y otros gobernantes combinaron las identidades étnicas y religiosas tradicionales con políticas reaccionarias proimperialistas. La cuestión fundamental es cuáles son las relaciones politicoeconómicas de propiedad y de clase que enmarcan la recuperación de las prácticas étnicas culturales tradicionales. Con demasiada frecuencia los gobernantes étnicos manipulan el simbolismo cultural tradicional para distraer la atención de la colaboración de clase y para aumentar la dominación imperial de la economía y la concentración de la propiedad de la tierra.

Estoy sugiriendo que el “resurgimiento cultural” andino-indigenista es un arma ideológica manipulada por Morales y García Linera para

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crear cohesión entre campesinos e indios y dar apoyo a las políticas socioeconómicas que favorecen a las multinacionales, a los agroexportadores, a los banqueros y a la elite de los negocios. Los teóricos encargados de establecer una clasificación histórica comparativa sitúan el régimen de Morales en el marco nacionalista-populista de Arbenz en Guatemala (1946-1953), Perón en Argentina (1946-1955) y Vargas en Brasil. Este método de la analogía histórica es útil hasta cierto punto, pero pasa por alto divergencias muy importantes. Arbenz expropió grandes latifundios de la compañía usamericana United Fruit Company y los distribuyó entre los indios sin tierras y los campesinos. Morales ha prometido repetidamente que defenderá las grandes plantaciones agroalimentarias. Perón expropió intereses petroleros y el ferrocarril, financió un amplio sistema de beneficencia, duplicó el salario mínimo y apoyó las exigencias salariales de los trabajadores. Morales ha seguido políticas fiscales y monetarias ortodoxas. Vargas creó un gran sector industrial independiente, convirtiendo el hierro en acero. Morales vendió la gran mina de hierro y manganeso de Muntun a la multinacional india Jindal en los términos más vergonzosos y ridículos y bajo mínimas condiciones de industrialización.

Las comparaciones positivas contemporáneas de Morales con Chávez tampoco son válidas. Chávez ha expropiado grandes propiedades y las ha repoblado con más de 100.000 familias. Ha expropiado compañías eléctricas usamericanas muy importantes. Ha implantado un gasto social enorme y ha creado las nuevas formas de participación ciudadana directa. Morales ha invitado a líderes de movimientos sociales y ha intentado que éstos se subordinen a su política parlamentaria. Rechaza la expropiación de las propiedades privadas de los 100 terratenientes más importantes. Mantiene un presupuesto de austeridad, a pesar de tener las rentabilidades más altas en las exportaciones de las últimas dos décadas debido a unos precios internacionales favorables.

Morales y García Linera teorizan sobre el capitalismo boliviano Sin un marco teórico histórico-empírico claro resulta imposible

comprender a dónde se dirige el régimen de Morales y García Linera. La teorización de éstos sobre el capitalismo boliviano gira en torno a varios ejes:

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1. Una teoría del cambio político y económico por�etapas. 2. Una crítica del capitalismo neoliberal del modelo de Sánchez de Lozada. 3. Una concepción alternativa del “capitalismo normal” o “capitalismo andino-amazónico” (cooperación de multinacionales y empresas agroalimentarias). 4. Una alianza “produccionista” estratégica con multinacionales y elites de la agroexportación y la “burguesía nacional”. 5. Una alianza ecléctica con el Brasil de Lula (a través de Petrobras), la Argentina de Kirchner (Repsol); el Chile de Bachelet, la Venezuela de Chávez, la Cuba de Castro, los USA de Bush y la UE y el FMI/Banco Mundial. Las políticas iniciales del régimen buscaron asegurarse la colaboración

de las elites económicas extranjeras y locales, que insistían en políticas ortodoxas de estabilización, restringir inversiones sociales/públicas, defender a grandes propietarios y desmovilizar las protestas populares. El régimen se aseguró el apoyo de Venezuela, Cuba y de intelectuales progresistas en el extranjero y líderes con discursos retóricos antiimperialistas, afirmaciones culturales y diplomacia personal. En el interior, Morales neutralizó a los dirigentes de los movimientos sociales con puestos en los gobiernos, hizo mínimas�concesiones�a las exigencias económicas locales, mitificó (temporalmente) a las masas que lo apoyan con la retórica de la “nacionalización” y con promesas de reforma agraria y conjuró las “conspiraciones” y las “tramas” en momentos convenientes del cuestionamiento popular.

La “teoría por etapas” de Morales y García Linera La teoría del desarrollo de Morales y García Linera se basa en

una versión boliviana de la teoría económica liberal de las “etapas del desarrollo”.

Durante la primera etapa, la economía se estabiliza con políticas económicas y fiscales ortodoxas. La propiedad existente y las relaciones de clase están garantizadas y se establecen incentivos estatales, subsidios y contratos a largo plazo. Las demandas salariales y los gastos sociales se controlan para permitir altos intereses sobre el capital e incrementar las inversiones de las burguesías nacionales y extranjeras en proyectos

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industriales. Durante la segunda etapa, el aumento de la producción industrial y de las exportaciones de productos primarios incrementa los ingresos del gobierno y da lugar a una “triple alianza” estratégica de capital público, privado nacional y extranjero. La teoría es que el aumento de la riqueza de los de arriba beneficia a los de abajo. Los sindicatos están atados de manos en pactos tripartitos. Se hacen esfuerzos para contener y fragmentar las exigencias salariales y permitir la acumulación de capital: se utilizan los sindicatos paralelos y los contratos de la empresa para dividir a los trabajadores.

Durante la tercera etapa, Bolivia alcanza el “capitalismo normal”: los campesinos sin tierra se ven desplazados del campo y absorbidos en un nuevo sector minero industrializado o bien forzados a emigrar. Se establece un programa mínimo de ayuda social pública. La economía crece, las exportaciones y las finanzas el Estado florecen, los impuestos y los gastos se equilibran y los conflictos de clase se limitan a las estrechas “exigencias económicas”. El MAS dirige un sistema corporativo de Estado-Capital-Sindicatos.

En la etapa final, situada décadas o siglos en el futuro, el “capitalismo normal” sobrevivirá a su utilidad como motor del desarrollo y será reemplazado por una versión del “socialismo andino” en la que presumiblemente los indígenas, los trabajadores y la burguesía nacionales se unirán y nacionalizarán la producción.

Esta teoría del desarrollo del “capitalismo normal” se deriva en gran parte de una crítica del modelo “neoliberal” anterior personificado en las políticas del ex presidente Sánchez de Lozada.

Comparación: Sánchez de Lozada, Evo Morales y los movimientos sociales

El intento de Morales y García Linera de crear una versión boliviana de “capitalismo normal” surge de una crítica del cleptocrático y predador proyecto “neoliberal” de Sánchez de Lozada y de un rechazo del programa anticapitalista del movimiento social revolucionario. Este modelo no es ni una ruptura total con el pasado ni tampoco una exclusión de los movimientos sociales. Se basa en “atraer” a las compañías agroalimentarias, a la banca y a las multinacionales extranjeras que apoyaron a Sánchez de Lozada

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hacia políticas que regulan su comportamiento para que paguen impuestos, inviertan y actúen de acuerdo con las reglas del “capitalismo normal”.

Con vistas a presionar a las elites económicas para que se amolden a este modelo, el régimen depende de los movimientos sociales como “avanzadilla”. Morales y García Linera utilizan el movimiento social para bloquear los movimientos separatistas organizados en la coalición “Luna” de provincias. El régimen depende de los movimientos para oponerse a las actividades obstruccionistas en el congreso y en la Asamblea Constituyente y para asegurarse la aprobación de sus contratos de petróleo y gas con las multinacionales. El régimen de Morales necesita a los movimientos para crear un contrapeso político a los depredadores cleptocráticos neoliberales, de igual modo que Morales y García Linera dependen de las elites económicas privadas para “desarrollar” la economía.

Este problemático “malabarismo” resulta precario, porque requiere concesiones económicas al sector empresarial (que apoya a la derecha política) y el continuo alejamiento del “circo político”, lleno de actos simbólicos hacia los movimientos sociales.

Los movimientos sociales son los instrumentos, no los beneficiarios del modelo de Morales y García Linera. Sirven para apoyar el intento de Morales de agrandar el sector económico público dentro de una triple alianza, compuesta de multinacionales�extranjeras en el sector de la extracción (petróleo, gas, estaño e hierro), en asociación con empresas� estatales y “capitalistas nacionales privados” de la agroexportación, la banca, el comercio y el sector minero de tamaño medio (“cooperativas”).

El modelo conceptual teórico del “capitalismo normal” de Morales se basa en la armonización y la articulación de la “triple alianza”, que excluye cualquier cambio estructural en la propiedad y en las relaciones sociales. Depende de la exclusión de la clase obrera y de la clase campesina de los puestos económicos y políticos en el poder. Necesita la cooperación de los líderes de movimientos sociales, de la incorporación� de� facto de tales movimientos como apéndices del Estado. Se convocan “manifestaciones de masas” de forma periódica. Las circenses ocupaciones “militares” de empresas extranjeras incluyen a Morales al frente como factor de propaganda. Se denuncian periódicamente “conspiraciones” extranjeras sin fundamento y “complots” de las elites (precisamente mientras se firman los contratos “entreguistas”) para dar la imagen de un presidente antiimperialista

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sitiado. Ningún conspirador ha sido nunca detenido o mencionado y las “investigaciones” son insignificantes.

Para aclarar la distancia que separa a Morales y García Linera de los movimientos sociales y el contraste entre el “capitalismo normal” y el depredador resulta útil identificar sus diferencias en asuntos socioeconómicos y políticos importantes.

ASUNTOS Modelo de “capi-talismo normal” de Morales y Gar-cía Linera

Modelo capitalis-ta depredador de Sánchez de Lozada

Modelo del movi-miento social revo-lucionario

Multinacio-nales del petróleo y el gas

Subida de impues-tos, negocios con-juntos.

Desnacionalización, pocos o ningún im-puesto, venta ilegal de compañías esta-tales.

Nacionalización me-diante expropiación bajo el control de los trabajadores.

Políticaagraria

Promoción de agroexportadores, reforma agraria li-mitada a las tierras públicas no fértiles, mecanización.

Discriminación racial en todos los niveles y regiones.

Reforma agraria com-pleta, expropiación de tierras fértiles y productivas.

Política racial-indígena

Igualdad cultural racial, respeto de la tradición indígena.

Discriminación racial en todos los niveles y regiones.

Transformación so-cioeconómica y cultu-ral, transferencia de propiedad y renta a la población indígena.

Corrupción Represión del con-trabando, morali-dad en los cargos públicos, potencial de corrupción en los vínculos públi-co-privado.

Régimen clepto-crático, despojo de recursos públicos, comercio ilegal, pri-vatización, venta de tierras y empresas.

Renacionalización de todas las compañías privatizadas; repre-sión de especuladores ilegales y grandes empresas, multina-cionales y agroexpor-tadores.

Capitalismo Más amplia repre-sentación, expan-sión de todos los sectores (burgue-sía alta, media y pequeña) y del estado.

Burguesía alta, mul-tinacionales; margi-nación de la pequeña burguesía, reducción de la representación.

Expropiación de la alta burguesía; re-gulación de la clase media, control estatal de la economía.

Inversión extranjera

Concesiones, mo-deración de los impuestos, pro-moción, negocios conjuntos.

Concesiones libres de impuestos, impues-tos bajos, propiedad al 100%, precios bajos en la venta del gas.

Expropiación bajo la dirección de los tra-bajadores y el estado.

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Política de la renta

Austeridad para las clases asala-riadas, superávit presupuestario en divisas; multi-nacionales deben pagar beneficios en moneda fuerte. Mantenimiento de las desigualdades, aumentos suce-sivos del salario mínimo.

Austeridad para los trabajadores; saqueo de las recaudaciones tributarias por parte de las elites, amplia-ción de las desigual-dades; congelación de los salarios de los trabajadores del sector público y sa-lario mínimo para los trabajadores.

Políticas salariales igualitarias. Incre-mento de la inversión pública en la pro-ducción, los salarios, y duplicación de los salarios mínimos. Control de capitales. Moratoria de la deu-da.

Relaciones entre tra-bajadores y capital

Mantenimiento de las relaciones en-tre el capital y los trabajadores. Dero-gación de algunas leyes represivas contrarias a los trabajadores. Opo-sición a las huelgas y a la movilización social indepen-diente.

Régimen represor, asesinato y encar-celamiento de los trabajadores, cam-pesinos y los pobres que protestan.

Fin de la explotación capitalista de los trabajadores; dero-gación de todas las leyes laborales res-trictivas. Legislación que promociona el control de los medios de producción por parte de los trabaja-dores. Enjuiciamiento de los capitalistas y políticos involucrados en el asesinato de trabajadores.

Alianzas politico-económicas

Triple alianza. Alta burguesía, mul-tinacionales.

Alianza de trabaja-dores, campesinos, indios, habitantes po-bres de las ciudades.

Política exterior

Ecléctico: con los países progresistas Cuba y Venezuela y también con el pac-to andino neoliberal y semiautonomía frente a USA-UE. Mantenimiento de las fuerzas arma-das en Haití.

Cliente de USA, su-bordinado a las mul-tinacionales de la UE, Argentina y Brasil.

Política independiente antiimperialista ali-neada con Venezuela y Cuba.

Política macro-económica

Política fiscal y mo-netaria ortodoxa, tendencia a una inversión pública en aumento.

Política fiscal y mo-netaria ortodoxa.

Expansión del gasto público para la pro-ducción y el consumo populares.

Esta tabla comparativa de los tres proyectos politicoeconómicos deja claro que las únicas fuerzas políticas que favorecen cambios estructurales son los movimientos sociales revolucionarios anteriores y posteriores a Morales. Las políticas de Morales se basan en cambios incrementales destinados

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a promover reformas del sistema capitalista para incorporar a un sector más amplio de capitalistas, ampliar el sector público capitalista y permitir una mayor representación a sectores de la pequeña burguesía privada. Sus políticas se centran en “moralizar” a los burgueses, asegurarse de que pagan impuestos, evitar la corrupción de los funcionarios, cumplir con las reglas y obtener ganancias y beneficios.

Es precisamente en el programa “moral” burgués en lo que más se diferencia este gobierno de las políticas depredadoras y cleptocráticas de Sánchez de Lozada. Esto queda claro por la continuidad al mando de la economía de las mismas empresas agroexportadoras, de las grandes compañías, de las elites de banca y de las multinacionales. También queda claro por las mismas disparidades en ganancias y propiedad de la tierra.

Con este estilo del gobierno, Morales se basa tanto en los aparatos estatales como en la movilización de las masas para mantener el poder y contener a las elites separatistas de Santa Cruz, Beni, Cochabamba y Tarija. Por el contrario, Sánchez de Lozada dependía exclusivamente de los aparatos estatales y, en menor grado, de grupos paramilitares aliados con los agroexportadores. Bajo Sánchez de Lozada, el estado se implicó en masacres repetidas; Morales depende de las formas más suaves de represión y de una mayor negociación, alianza y dependencia del control social.

En resumen, los datos empíricos demuestran que Morales representa un nuevo�estilo�de�gobierno�capitalista, una reforma del modus�operandi capitalista, nuevas reglas de expansión capitalista, una política extranjera ecléctica y una coalición modificada de gobernantes capitalistas. De ninguna manera representa una ruptura radical o revolucionaria con el capitalismo. Sus políticas representan un intento de “moralizar” a las elites capitalistas existentes. Las credenciales “reformistas” de Morales son cuestionables. No ha habido ningún�cambio�presupuestario�sustancial, ningunas reducciones en las desigualdades sociales, ningún aumento sustancial en la participación en los beneficios de los trabajadores asalariados. El “reformismo” de Morales se reduce a aumentos sucesivos del salario mínimo y de los salarios de los empleados públicos. En el área de la política exterior, Morales es ecléctico. Depende económicamente de las multinacionales. Morales es retóricamente antiimperialista”, pero en la práctica sigue una política de dependencia de la ayuda exterior, tanto de Europa como de USA. Su dependencia de las inversiones de las multinacionales hace que su régimen sea “proimperialista”.

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Crítica teóricaCon el paso de los años, los “izquierdistas” y “derechistas” situados

tanto en el interior como en el exterior de regímenes progresistas de estilo propio han equilibrado dos conceptos estratégicos divergentes de desarrollo politicoeconómico, y ello con consecuencias profundadamente distintas.

Una de las escuelas de pensamiento arguye que, antes de proceder a cambios estructurales, un régimen recién elegido debe estabilizar la economía, controlar la “crisis”, reconstruir la “caótica” estructura productiva del régimen reaccionario precedente.

La opinión alternativa arguye que el gobierno progresista fue votado precisamente debido a la crisis del sistema económico y su tarea consiste en cambiar las estructuras económicas para consolidar el poder mientras la clase capitalista esté desacreditada, desorganizada y en estado de crisis.

La estrategia de “estabilización” del desarrollo adolece de varios fallos estratégicos. En principio, le da tiempo a la clase capitalista para reagruparse y recuperarse de su derrota política, del descrédito y del desconcierto en que se encuentra. Cuando el gobierno progresista no actúa en el momento de mayor fuerza política y de mayor debilidad de la oposición, pierde una ventaja estratégica.

La estrategia estabilizadora de Morales y García Linera ilustra los defectos y las consecuencias debilitantes de desperdiciar un momento histórico. En el transcurso de un año, los partidos de la derecha se reagruparon, movilizaron a sus partidarios y paralizaron la Asamblea Constituyente. La burguesía y los terratenientes determinaron los límites de cualquier cambio social.

El segundo aspecto problemático de la política de “estabilización” es que el gobierno impone los costes socioeconómicos de la reconstrucción y la gestión de la crisis sobre la clase obrera a través de presupuestos de austeridad y políticas muy ajustadas de control monetario y de los beneficios. Al retener el gasto social y poner restricciones a las demandas de los trabajadores y a las movilizaciones, el régimen permite que los capitalistas recuperen sus porcentajes de beneficios y consoliden su hegemonía de clase.

En tercer lugar, un régimen cuya política económica debilita su base social popular y refuerza la recuperación de sus adversarios de clase

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está creando obstáculos muy importantes a cualquier esfuerzo posterior destinado a un cambio estructural. Incluso si el régimen se “adapta” a la clase capitalista reagrupada no puede esperar alianza estratégica alguna, porque la clase capitalista prefiere a sus propios dirigentes políticos e instrumentos y rechaza cualquier partido o movimiento cuyas bases puedan ejercer presiones.

Por último, la política estabilizadora reaviva un fuerte motor económico dentro de la estructura política institucional, que impide cualquier cambio futuro. Es imposible iniciar cambios estructurales serios una vez desmovilizadas las clases populares, cuando la clase capitalista ha superado su crisis y la nueva clase política está integrada en un sistema económico capitalista estable. La estrategia de estabilización no pospone el cambio temporalmente, sino que lo impide estructuralmente en un futuro cercano.

La historia ha demostrado repetidamente que cuando una clase gobernante se ve desafiada o amenazada por un movimiento de insurrección, cede el poder a una oposición electoral comprometida a funcionar dentro de los parámetros institucionales del estado burgués. La clase dirigente acepta el acceso al gobierno de “líderes populares” siempre que la nueva clase gobernante controle a las “clases peligrosas”. En la medida en que el régimen únicamente “moraliza” la economía capitalista, garantiza el carácter sagrado de los intereses de los grandes propietarios y accede a someterse a las tácticas dilatorias y a los frívolos argumentos procedimentales en la Asamblea o el Congreso, la clase capitalista se envalentona. Pasa a la ofensiva, ataca la existencia misma del régimen, su legitimidad e incluso sus mínimas reformas.

Mientras que Morales y García Linera buscan una estrategia de desarrollo económico de “unión nacional” basado en un modelo sociopolítico corporativo, la renaciente clase capitalista (extranjera y nacional), operando desde el control estratégico de las finanzas y la exportación, se apodera de cada concesión y exige más. La clase capitalista participa en la lucha de clases desde arriba y desde el exterior, dentro y fuera de las instituciones. La suposición fundamental del “capitalismo normal” de Morales y García Linera entra en conflicto con la racionalidad y la lógica de la acumulación capitalista y la necesidad que tiene todo capitalista de gobernar exclusivamente por-y-para sí mismo.

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En tiempos de crisis y de verdaderas amenazas en la calle, la tolerancia de los florecimientos culturales, del circo populista y de la anticuada demagogia política es ventajosa para la clase gobernante. Una vez consolidada, la clase capitalista se dirige a sus propios jefes orgánicos, tecnócratas y símbolos culturales para defender su control.

Atrapado entre una clase popular desmovilizada cada vez más a la defensiva y unos burgueses envalentonados cada vez más a la ofensiva, los dirigentes del “capitalismo andino” no tienen otra salida que conceder nuevos espacios a sus fieles partidarios, a los tecnócratas neoliberales o incluso ofrecer concesiones más abiertamente neoliberales.

Morales y García Linera viven en un mundo de fantasía al adentrarse en un “capitalismo nacional” normal sin burguesía nacional, con “nacionalizaciones” que venden el gas por debajo de los precios mundiales y una “reforma agraria” que subvenciona a los 100 mayores agroexportadores del país. Si la revolución de “1952” bajo el MNR se convirtió en una tragedia, el período de 2005-2007 bajo Morales es una farsa.

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Imperialismo e bloco no poder na Venezuela: ambigüidades do bolivarianismo de Chávez∗

Mariana�de�Oliveira�Lopes∗∗

Resumo: Neste artigo busca-se compreender o imperialismo norte-americano na Venezuela sob o governo Chávez, no período de 1999 a 2006. À luz do conceito poulantziano de bloco no poder, examina-se os representantes das diversas frações burguesas associadas ao capital internacional possibilitando sua dominação no interior deste país.

Palavras-chave: imperialismo; bloco no poder; Venezuela

As investidas imperialistas estadunidenses sobre o petróleo da Venezuela

A história do imperialismo norte-americano na América Latina é bem conhecida. Relações de dependência por meio dos grandes monopólios, acordos internacionais1, empréstimos, controle, intervenções militares, golpes, etc. Na Venezuela estas relações não foram diferentes, salvo algumas especificidades, como as do petróleo. Partindo da formulação de Lander e Maya (2002) poucas coisas ocorrem no país que não tenham, direta ou indiretamente a ver com o petróleo. Como em outros países da América Latina, a burguesia local nasceu em ligação direta com o imperialismo e, neste país especificamente, isso se deu por meio do petróleo. No começo do século XX, durante o governo Gómez, se possibilitou a entrada de empresas estrangeiras petroleiras (grandes monopólios), que se estabeleceram na região e o governo formulou uma legislação com concessões ao capital estrangeiro. As classes dominantes locais, com isso, se inebriaram com o dinheiro fácil (MARINGONI, 2004, p.85).

∗ Este artigo é parte de um projeto de pesquisa de Mestrado em andamento. Agradeço a Renata Gonçalves pela leitura atenta e pelas contribuições na forma e no conteúdo do presente artigo.∗∗ Pesquisadora do GEPAL (Grupo de Estudos de Política da América Latina), da Universidade Estadual de Londrina. Mestranda em Ciências Sociais pela UNESP/Marília. End. eletrônico: [email protected] Dentre os vários “acordos internacionais”, o denominado “Consenso de Washington”, imposto pelos Estados Unidos (subentende-se pelos grandes grupos transnacionais), previa, dentre outras coisas, a abertura econômica, a desregulamentação do Estado e as privatizações de empresas estatais. Na agenda latino-americana encontramos também os Documentos de Santa Fé I e Santa Fé II.

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Este país é um dos principais produtores de hidrocarbonetos do mundo e seu papel no mercado energético internacional é ainda mais importante. Membro da OPEP2 (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) desde 1960, a Venezuela é a quarta maior fornecedora dos EUA3 e é fonte segura de abastecimento para os consumidores do hemisfério ocidental. O petróleo foi e continua sendo a fonte de renda no processo de acumulação venezuelana, correspondendo a 22% do PIB nacional e por 80% da exportação do país. Para entender o imperialismo norte-americano na Venezuela, é indispensável avaliar as incidências que o petróleo pode ter com o governo Chávez e sua relação com os Estados Unidos, o que passa por examinar as contradições internas, uma vez que o internacional só se concretiza no interior de outro Estado.

Embora partamos da premissa poulantziana de que “as instituições ou os aparelhos não possuem poder próprio e só exprimem e cristalizam os interesses e poderes de classe” (POULANTZAS, 1975, p. 75), consideramos que mapear a presença e/ou atuação do imperialismo norte-americano na Venezuela implica compreender tanto sua relação com o “bloco no poder” neste país, como a configuração política, social e econômica das classes dominantes, sobretudo no que tange às suas relações com a PDVSA (Petróleos de Venezuela S.A.).

Segundo Vladimir Castro (2006), logo no início do mandato, o presidente Chávez procurou criar uma comissão encarregada de formular as políticas chavistas contidas na nova constituição. Esta comissão foi formada por diferentes personagens: militares e civis, tanto de esquerda como de direita. O exemplo mais candente é a da nomeação do ministro do interior e presidente da Assembléia Constituinte, Luis Miquilena que é politicamente ligado a Tobias Carrero Nácar, financista venezuelano associado à Intesa4 (empresa que integra a PDVSA à SAIC – Science Application International

2 A OPEP é um cartel cujo objetivo é unificar a política petrolífera dos países membros, centralizando a administração da atividade, incluindo controle de preços e volume da produção. Os países membros são: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Iraque, Kwait, Qatar, Venezuela, Argélia, Angola, Líbia e Nigéria (www.opec.org ).3 40% da produção venezuelana direciona-se aos EUA, o que faz deste país seu maior comprador de petróleo.4 A Intesa é filial (40%) da PDVSA. A SAIC é filial do Departamento de Defesa dos EUA e proprietária de 60% da Intesa. Há ainda outra grande filial da PDVSA nos EUA, a CITGO Corporation, que, embora seja uma empresa pública venezuelana, cria mais empregos nos Estados Unidos (250.000) que na Venezuela (40.000) Para ver filiais: www.pdvsa.com

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Corporation – maior empresa de pesquisa e engenharia dos Estados Unidos�).

Esta nova Constituição reformulava as políticas de Estado para o setor petroleiro. A “nova” orientação resgatava aspectos essenciais da longa tradição venezuelana, como por exemplo, a recuperação do papel da OPEP como ator regulador do mercado internacional; a centralização da administração no executivo nacional por meio do Ministério de Minas e Energia; busca de níveis apropriados de ingressos fiscais de origem petroleira e por último, frear as tendências privatizantes, mas sem negar a participação de capitais privados no setor (LANDER; MAYA, 2002).

A reforma da política petroleira reflete as mudanças que se estavam ocorrendo na Venezuela, tais como o fim da democracia representativa “puntofijista6” e o início de um período onde um novo regime político se formava, tendo como ápice a conformação de um novo bloco no poder A Constituição deste novo bloco hegemônico revela a tentativa de se estabelecer uma nova composição política das frações que compõem as classes dominantes venezuelanas. Instiga-nos saber quem saiu e quem permaneceu; ou ainda, que alianças políticas são feitas e em que bases são acordadas. A retórica de esquerda do presidente, acompanhada de uma política que favorece os setores financeiros e especuladores da economia, mostraria a configuração de um novo bloco no poder?

Hugo Rafael Chávez Frias, ex-tenente coronel das forças armadas da Venezuela, teve como base de apoio, logo da sua eleição, as classes populares e setores das Forças Armadas (principalmente os militares que compõe seu partido MVR - Movimento Quinta República) (ELLNER, 2006). As políticas de Estado de Chávez se dirigiram para uma estratégia de beneficiar alguns setores das classes populares. São diversas as políticas

5 A empresa tecnológica tem acordos firmado com setor federal, estadual e privado. A tradicional ligação é com o Departamento de Defesa, de Inteligência e Segurança Nacional dos EUA. Para mais ver: www.saic.com6 O pacto de Punto Fijo (1958) buscava definir uma democracia liberal pró Estados Unidos e uma economia baseada no petróleo. Foi também um pacto de alternância de poder entre os dois principais partidos políticos AD (Ação Democrática) e COPEI (Comitê de Organização Política Eleitoral Independente). Este pacto visava, principalmente, conter as lutas sociais e eliminar qualquer foco de contestação integrando, para isso, a CTV (Confederação de Trabalhadores da Venezuela) ao bloco no poder durante este período (por meio de cargos burocráticos) (BORGES, 2002).

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estabelecidas para este setor como, por exemplo: fomento às cooperativas e pequenas empresas, participação cidadã, atualização dos direitos humanos, inserção e reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e direitos ambientais, avanços no poder judiciário quanto à autonomia financeira, constitucionalidade da carreira judicial, organização e ampliação dos poderes públicos nacionais com a nova figura do poder cidadão, aprofundamento da democracia com a criação de mecanismos de participação política como, por exemplo, o referendo, a revogabilidade do mandato, aprovação de leis, etc.77 (MAYA; LANDER, 2002; CASTRO, 2003).

Já as oposições, feitas por membros das antigas classes dominantes, são oriundas das empresas petroleiras, capital financeiro, cúpula do movimento sindical dos trabalhadores (CTV), Igreja, alto comando das Forças Armadas, grandes corporações de telecomunicações, como Globovision, Rádio Caracas, Televen e Venevision (Grupo Cisneros8),8além da Fedecámaras9.9 Todo esse grupo de oposição a Chávez se viu desfavorecido com a nova lei de hidrocarbonetos e a de gás, não mais representado no Estado (em relação às Leis de Habilitantes, principalmente no que se refere às políticas sobre petróleo-PDVSA, sobre o latifúndio improdutivo e sobre a pesca predatória).

Como esta fração da burguesia antes dirigia abertamente a empresa, sem vínculos com a OPEP, com a nova legislação de Chávez se sentiu ameaçada. Foi durante a presidência da nova diretiva da PDVSA, de Gastón

7 A partir de 2003, estas políticas patrocinadas pelo Estado se intensificaram: Programa das Missões, cooperativas de trabalhadores, co-gestão, ocupações realizadas por trabalhadores e expropriações estatais, distribuição de terras (ELLNER, 2006; LANDER, 2004). 8 O grupo venezuelano Cisneros, hoje dirigido por Gustavo Cisneros, tem uma fortuna de mais de U$ 4 bilhões. Dono do principal canal televisivo da Venezuela, Venevisión, mais conhecido no estrangeiro por sua oposição a Chávez, o grupo Cisneros também possui a Chilevision (Chile), Tv Caracol (Colômbia), grande parte da DirecTV latino-americana, além de uma participação lucrativa na Univisión (Canal castelhano nos EUA). Richard Gott (2006) apresenta Gustavo Cisneros como uma das figuras sombrias que proporcionam ao capitalismo americano força local fora dos Estados Unidos. Cisneros está atado por pés e mãos aos EUA e tem sido graciosamente bem pago.9 Fedecámaras é uma organização patronal que representa a cúpula do setor empresarial venezuelano. Seus objetivos são: fortalecer a posição do empresariado, desenvolver o processo de mudança e o programa de ajuste estrutural, defendendo a abertura econômica. Afiliados a esta organização encontramos: agricultura, comércio, energia, meios de comunicação, pecuária, transporte, serviços de telecomunicação, construção, indústria, minérios seguros, turismo, associações bancárias e serviços de cartões de créditos.

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Parra10,10que ocorreu o primeiro “Paro”1111em 2001, dirigido pelo alto escalão da empresa petroleira.

Segundo Moniz Bandeira (2003), o “Paro” foi uma conseqüência de inúmeras discussões. Isso piorou quando houve a destituição de sete altos executivos da PDVSA (três deles militares), dado o conflito que gerou junto à nova direção nomeada por Chávez. Em 2001, diante da situação de crise que se instalou na Venezuela, os Estados Unidos canalizaram centenas de milhares de dólares para os grupos americanos e venezuelanos adversos a Chávez, inclusive a CTV (Central dos Trabalhadores da Venezuela), por meio da National� Endowment� for� Democracy, agência criada pelo Congresso que quadruplicou e incrementou as doações, elevando seu orçamento para a Venezuela para mais de 877 mil dólares. Na outra ponta, numa tentativa de romper com o “Paro”, o presidente Chávez busca um acordo do setor bancário de ruptura com o resto do empresariado, ameaçando retirar todos os depósitos públicos das entidades bancárias, tentativa essa fracassada (CASTRO, 2002).

Neste mesmo período, a CTV, controlada pelos partidários do ex-presidente Carlos André Perez e a Fedecámaras, juntamente com alguns militares tais como o Coronel Ronald Mac Common (aliado militar dos EUA na Venezuela) e o tenente coronel James Roger discutiam a possibilidade de derrubada de Chávez. Agentes da CIA atuaram junto aos militares venezuelanos, aos dirigentes da Fedecámaras e aos líderes sindicais com o objetivo de coordenar a conversão do que seria uma pequena “greve12”12 em demonstração de protesto, cujo resultado foi o golpe de 11 de abril de 2002, quando o golpista Pedro Carmona (chefe supremo da Fedecámaras) foi nomeado presidente da Venezuela e dissolveu a Assembléia Nacional. O golpe, que durou apenas 48 horas, foi saudado pelos governos dos EUA, Espanha e Peru. O embaixador norte-americano na Venezuela Charles Shapiro demonstrou apoio ao governo golpista, enquanto o FMI anunciava recursos financeiros ao país. Durante o golpe, o “mentor intelectual” de

10 Gastón Parra foi responsável pela concepção petroleira expressada na Constituição de 1999. Participou da comissão presidencial para a revisão petroleira e foi co-redator da Lei de Hidrocarbonetos em 2001.11 O primeiro “Paro” (paralisação), foi uma tentativa de desestabilizar o governo devido às 49 leis apresentadas pelo governo Chávez (Leis Habilitantes) dirigida pela CTV e Fedecámaras. 12 Os setores que não aderiram ao “Paro” foram: sindicato de siderurgia de Orinoco, empresa de alumínio, mineração de ferro, hidroelétrica e sindicato dos trabalhadores do metrô de Caracas.

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Chávez, Miquilena – aquele mesmo homem que foi presidente da Assembléia Nacional e ministro durante a elaboração da nova constituição – se uniu com a oposição e hoje é assessor de assuntos energéticos do presidente dos Estados Unidos, George Bush.

O petróleo ainda é nosso? Manutenção do imperialismo na Venezuela

O retorno de Chávez não pôs fim às investidas das oposições: houve ainda uma nova tentativa de desestabilizar o seu governo em dezembro do mesmo ano, com o “Paro” da indústria petroleira. Para Hernandez (2006, p.33), os golpes, paros, sabotagens e insurreições da burguesia foram o caminho encontrado pelo imperialismo para impor seu programa de continuar privatizando a indústria petroleira e controlar sua administração. Destes atos oposicionistas, o imperialismo saiu fortalecido. O Tratado de Coche1313de 2004, firmado entre os representantes do capital dentro e fora da Venezulela (ou seja, o ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter, o magnata das comunicações Gustavo Cisneros) e o presidente Chávez é uma das expressões deste fortalecimento.

Se o que afirma Hernandez for verdadeiro, podemos deduzir que o capital internacional norte-americano se beneficiou com as tentativas de desestabilização do governo Chávez. A Fedecámaras que nunca omitiu suas ideologias neoliberais, além de defender uma reforma monetária (substituição do bolívar pelo dólar), na ocasião do golpe, nomeou como presidente da República seu dirigente, Pedro Carmona. A cúpula da CTV além de apoiar o golpe e “paros” recebeu dinheiro de uma empresa norte-americana para financiar estas ações.

Sabemos também que o golpe foi encabeçado pelo alto comando militar, entretanto, resta-nos a dúvida se estes militares têm elos com os militares que fazem parte do corpo diretivo da SAIC – aquela já citada transnacional estadunidense que se integrou à PDVSA por meio da Intesa. Esta controla toda a informação vital da PDVSA: dados financeiros, técnicos, lucros e

13 Este tratado levou o mesmo nome do Tratado de Coche assinado 140 anos antes entre Paez e Falcón, por ter sido feito durante a reunião entre Chávez e Cisneros mediada por Carter no mesmo lugar que o anterior. A reunião foi simbolizada pelo discurso de Chávez em favor do capital e de seu governo que garantiria a governabilidade do país e a estabilidade do mercado petroleiro (HERNANDEZ, 2005).

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negócios. Este grupo tem como objetivo controlar a informação e os negócios da indústria, vigiar a direção política, manter relações com grupos de poder econômico e político associado à SAIC nos EUA e dar coesão aos interesses dos empresários cuja meta é manter os negócios com a indústria ou aos que derivem da futura liquidação da PDVSA (HERNANDEZ, 2006, p.36).

O corpo diretivo da SAIC foi composto por um seleto grupo de ex-militares de inteligência do exército, tais como: Willian Perry, Melvin Laud, John Deutsh, Robert Gates (estes dois últimos ex-diretores da CIA). Hoje os componentes são: Wayne Downing (comandante chefe das Forças Armadas dos EUA), Jasper Wilch (general, ex-coordenador do Conselho de Segurança da ONU), Bobby Ray Inman (comandante ex-diretor da Agência Nacional de Segurança e antigo diretor da CIA).

Quais seriam as razões para que as frações da burguesia que até 2002 praticaram atos insurrecionais o deixassem de fazer? Estariam estas sendo beneficiadas e/ou com boa representatividade no bloco no poder? O benefício do capital internacional na Venezuela se dá, segundo Hernandez (2006), por meio das empresas mistas. Para ele, entregar as novas concessões com roupagem de empresas mistas é a continuação iniciada por Luis Guisti1414 e PDVSA, das privatizações do petróleo venezuelano mediante as quais as companhias aumentam suas reservas1515petroleiras sem serem donas formais dela, o que interessa ao grande capital.

As empresas mistas feitas pelas companhias petroleiras transnacionais são a vanguarda do imperialismo nos países que possuem recursos como a Venezuela. Estas empresas, também conhecidas como Cavalos de Tróia do capital petroleiro internacional, são a conversão dos antigos convênios

14 Luis Guisti foi presidente da PDVSA de 1994 a 1999. É um tecnocrata norte-americano com sólida carreira no mundo das corporações transnacionais. Em sua administração foram desenvolvidas as iniciativas privatizantes da empresa estatal venezuelana. Vive hoje em Washington e é diretor do Grupo Royal Dutch Shell e assessor do Grupo Riverstone (um ramo do Grupo Carlyle para a área de energia) e do grupo Financeiro Stanford. É ainda membro da Força Tarefa Independente de políticas Estratégicas de Energia, que traçou metas do setor para a administração Bush filho (MARINGONI, 2004, p. 157).15 Segundo Hernandez (2006), aumentar as reservas é o real valor das empresas transnacionais petroleiras. O único capital que conta são as reservas, ou seja, a quantidade de reservas que possui, a cifra que observam quando se avalia uma companhia. Na Venezuela, por exemplo, para aumentar suas reservas, a Repsol YPF conseguiu assinar um acordo estratégico com a estatal PDVSA, que dá à empresa a possibilidade de duplicar suas reservas e aumentar em até 60% sua produção no país.

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operativos. Dentre as muitas formas adotadas para se constituir empresas mistas, destacam-se os contratos de serviços, de comercialização, de tecnologia, de exploração, outsorcing, convênios operativos, associações estratégicas, etc. (HERNANDEZ, 2006, p.31). Por meio destas empresas, firma-se um contrato com o capital internacional, sujeito ao direito internacional, que deixa subentendido a autorização de intervenção militar caso não seja cumprido o “abastecimento fiel e confiável” do petróleo. Com esta nova forma de associação com o capital privado, vendeu-se boa parte dos recursos energéticos16.16Esta forma, que não é nova, tem se constituído em todos os países onde o petróleo é de “propriedade do Estado”.

Cabe ao Estado assegurar as ações por meio de investimentos e riscos que, aliás, são de responsabilidade dos países donos do recurso; todavia, no momento dos lucros, estes são compartilhados com as transnacionais que se convertem em “sócias”. E Rafael Ramírez, presidente da PDVSA e das Minas e Energia, é favorável à política imperialista das empresas mistas.

As empresas petroleiras em escala mundial buscam cada vez mais empresas que sob esta nova roupagem permitem e ampliam a participação do capital privado na exploração de uma indústria formalmente pública e estatal. As empresas mistas possuem respaldo jurídico na Lei Orgânica de hidrocarbonetos e de gás vigentes. Em entrevista concedida pelo presidente da Shell na Venezuela, Sean Rooney, fica evidente que migrar dos convênios operativos para empresas mistas tem sido muito lucrativo, não só para a Shell como para as outras empresas (apud HERNANDEZ, 2006, p.39).

Algumas considerações inconclusasDiante do exposto, é possível afirmar que os interesses imperialistas

na Venezuela estão hoje bem representados no “bloco no poder” por meio de ministros, presidente da estatal, organismo patronal (Fedecámaras) e central sindical (CTV), beneficiando a entrada e reprodução deste capital no país17.17Poulantzas (1975) ao desenvolver o conceito de burguesia interna e de

16 Por exemplo, os contratos (renováveis) no caso do petróleo são de 20 anos, de gás são 35 anos e de carbono de até 100 anos.17 Em seu programa semanal Alô�Presidente, Chávez chamou a atenção para o nível recorde das reservas internacionais, superiores a 35,5 bilhões de dólares, e o “risco país” que havia baixado para 212 pontos. Características que demonstram o êxito da política econômica de seu “governo revolucionário” (jornal Ultimo�segundo, 2006).

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burguesia compradora1818já chamava a atenção para o fato de que a burguesia nacional, apesar de ser a fração autóctone da burguesia, a partir de certo grau de contradições com o imperialismo estrangeiro, ocupa um lugar autônomo na estrutura ideológico-política, podendo, inclusive, num certo momento, agir na luta antiimperialista ou em associação ao capital estrangeiro. Representam o que Poulantzas chamou de frações enfeudadas no capital estrangeiro.

A questão fica ainda mais complexa se levarmos em consideração que a burguesia venezuelana, assim como a de outros países da América Latina, nasceu em total conexão e dependência com o capital imperialista. Porém, a existência de Hugo Chávez e seu caráter altamente mobilizador dificulta esta correspondência tão direta e introduz mais um elemento às inúmeras contradições da realidade venezuelana, principalmente quando levamos em consideração as inúmeras políticas de Estado em direção às classes populares (ou uma parcela desta). Poderíamos nos perguntar se estas políticas se direcionam para um processo de transição como muitos teóricos afirmam ou se elas espelham o que Poulantzas (1977) denominou autonomia relativa do Estado capitalista.

Chávez é um personagem que se caracteriza por um forte apelo popular; e faz isso tanto em contato direto com a população nos bairros pobres que visita, como por meio dos discursos inflamados em palanques, rádios e televisão. Um dos alvos prediletos dos discursos de Chávez, sobretudo depois da tentativa de golpe de 2002, é a política externa norte-americana, em especial a administração de George W. Bush. E, apesar da política imperialista das empresas mistas, economia do país está em considerável expansão devido aos altos preços do petróleo (cerca de U$67/barril), o que possibilita o aumento com gastos públicos impulsionando o produto interno bruto (PIB). O crescimento econômico dos seis primeiros meses de 2006 foi de 9,6% em relação a igual período de 2005.

É grande a quantidade de questões que nos cercam quando tentamos mapear o novo “bloco no poder” na Venezuela. Um desafio que se coloca para as necessárias pesquisas mais acuradas para compreender aquele complexo e instigante processo bolivariano.

18 A burguesia interna é dependente devido à divisão internacional do trabalho e da concentração internacional do capital, mas tem base de acumulação e fundamento econômico próprio. Já a burguesia compradora não tem base de acumulação própria e age como intermediária do grande capital imperialista estrangeiro (POULANTZAS, 1975).

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Origens do EZLN: o Congresso Indígena deSan Cristóbal de las Casas∗

Igor�Luis�Andreo∗∗

Resumo: O Congresso Indígena de San Cristóbal de las Casas (Chiapas/México), ocorrido em 1974, marcou uma ruptura que fez com que comunidades indígenas chiapanecas�desenvolvessem uma resistência, unindo as etnias participantes, uma vez que estas últimas passaram a perceber interesses comuns e a necessidade de unirem-se para melhor resistir à exploração, marginalização e preconceito a que estavam sujeitas. Estas mesmas etnias foram as que entraram em contato com o grupo de origem urbana que foi habitar a Selva�Lacandona�em Chiapas e, juntos, deram ao EZLN as características com as quais ele mostrou-se ao mundo em 1994.

Palavras-chave: congresso indígena de San Cristóbal de las Casas; EZLN; teologia da libertação; cultura política

Segundo o Subcomandante Marcos� a origem do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) remonta à chegada em Chiapas de um grupo urbano, marcado por um ideário marxista-leninista (GENARI, 2002). Na primeira metade da década de 1980, esse grupo foi habitar a Selva�Lacandona (Chiapas), visando esclarecer as comunidades indígenas.

No entanto, a chegada de um tradutor das próprias comunidades indígenas fez com que o grupo urbano se percebesse diante de um movimento indígena de resistência organizado que, entretanto, não visava os mesmos fins que os seus.

A partir daí, o grupo passou por um processo de adequação à realidade material e cultural indígena chiapaneca, tornando-se um exército a serviço das comunidades indígenas.

Em uma entrevista dada à revista italiana Limes, o Subcomandante Marcos afirmou: “[...] A chegada do zapatismo criou a primeira ruptura [...] levou a desenvolver uma resistência regional, antes unindo vários vilarejos, e, em seguida, etnias diferentes. Isto ocorreu nos 10 anos que antecederam o levante de 1º de janeiro de 94” (GENARI, 2002, p. 67).

∗ Artigo produzido sob orientação da professora Edméia Aparecida Ribeiro.∗∗ Especialista em História Social pela Universidade Estadual de Londrina.1 Detentor do comando militar e porta-voz do EZLN, submetido ao comando das comunidades indígenas.

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Neste artigo, parte-se do pressuposto que esta primeira ruptura ocorreu em 1974, no Congresso Indígena de San�Cristóbal�de�las�Casas. A fonte primária que serve de base para este trabalho consiste em um documento produzido no final do congresso (CIEPAC, 1974).

Nela encontram-se: os Antecedentes e o Nacimiento�de�la�idea:�un�congreso�de�indígenas�y�para�indígenas, que tratam do surgimento da idéia do congresso e de como ele foi organizado; a Inauguración�del� congreso� indígena, ou seja, o discurso de abertura do congresso em 13 de outubro de 1974; um Discurso�sobre�Fray�Bartolomé�de�las�Casas; as exposições de cada etnia sobre os temas do congresso, começando com Ponencia�Tzotzil� -�La� tierra, Ponencia�Ts’eltal�-�La�tierra� , Ponencia�Tojolab’al�- La�tierra, Ponecia�Ch’ol -�La�tierra e Acuerdos�sobre�la�tierra, seguindo a mesma estrutura com El�comercio, Educación e Salud respectivamente e de modo que as “ponencias” são as exposições de cada etnia e os “acuerdos” são as demandas e propostas em conjunto de mais de uma das etnias; e o texto termina com o discurso de encerramento Continuadores�de�la�lucha�de�Zapata�en�el�congreso.

A versão deste documento utilizada neste trabalho é uma tradução para o espanhol, feita pelo “Centro� de� Investigaciones�Económicas� y�Políticas� de�Acción� Comunitária” (CIEPAC). Segundo o próprio CIEPAC, a tradução foi feita respeitando os textos originais, uma vez que neles as exposições encontram-se nas línguas em que foram faladas, ou seja, na língua de cada etnia que participou do congresso.

Para refletir sobre as origens deste movimento é de fundamental importância conhecer as lutas dessas comunidades indígenas, que formam o EZLN.

Luis Villoro (2002) afirma que, a partir da independência mexicana, duas concepções de Estado Nacional passaram a se contrapor: o Estado homogêneo e o Estado plural. Seguindo as idéias vigentes no período, um grupo de letrados criollos2 e mestiços, impôs a criação do Estado segundo os moldes liberais, ou seja, através de um contrato entre indivíduos iguais.

Sob este prisma, a unidade nacional deveria ser garantida por meio da correspondência entre o poder público do Estado e a nação, vista como algo homogêneo culturalmente e em interesses.

Diante dessa idéia de Estado homogêneo, Villoro aponta para a resistência da concepção de Estado plural – própria das comunidades ligadas

2 Filhos de pai e mãe espanhóis, nascidos no México.

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à terra e das povoações marginais – que foi derrotada após a independência, no entanto não extinta. Esta concepção é mais sentida do que pensada, por ser advinda da experiência vivida e não de algo formulado.

As massas seguiram Hidalgo e Morelos3, lutando pelo fim da opressão estatal e pelo usufruto da terra, ou seja, defendiam os interesses de sua realidade concreta. O Estado plural reconhece a multiplicidade de povos e culturas que formam o México, nega a uniformidade e busca, junto ao direito de igualdade que garanta a justiça, o respeito e o tratamento igual de todas as diferenças. A base deste projeto de nação é a cooperação e a solidariedade entre coletividades distintas culturalmente, sem, entretanto, a eliminação da unidade nacional.

Após a Revolução Mexicana, o Estado homogêneo se reafirmou, uma vez que a corrente popular de Francisco “Pancho” Villa e Emiliano Zapata4 foi derrotada. As reivindicações dos revolucionários não possuíam um conceito claro de Estado nacional, sua preocupação era a terra e, por esta razão, não conseguiram opor à corrente constitucionalista uma alternativa de governo nacional.

A partir da década de 1970, em um contexto de crise e polarização agrária, ressurgiram movimentos indígenas por todo o México. Em resposta, uma das medidas tomadas pelo governo do presidente Luis Echeverría Alvarez, segundo Sergio Silva (1985, p. 203-205), foi a de traçar uma nova estratégia para o�Instituto�Nacional�Indigenista (INI).

Os objetivos principais do INI passaram a ser o de resolver problemas referentes às terras indígenas e organizar seus movimentos, assim evitando sua radicalização. Neste contexto é que foi proposto pelo governador de Chiapas, Doutor Manuel Velasco Suárez, a realização de um congresso indígena, como parte dos festejos para comemorar o quinto centenário do nascimento do Frei Bartolomé de las Casas. Para a efetivação desse congresso foi chamado o bispo Samuel Ruiz García.

Apostando que poderia permitir a participação de alguns setores progressistas e a livre expressão das comunidades indígenas, uma vez que

3 O padre Miguel Hidalgo y Costilla e o sacerdote José María Morelos y Pavón foram representantes do baixo clero que lideraram as massas camponesas e indígenas na luta pela independência mexicana.4 Líderes da Revolução Mexicana (1910-1917). Villa foi o chefe militar do exército camponês da divisão Norte, enquanto Zapata foi o chefe militar do Exército Insurrecional do Sul e acabou sendo assassinado em uma emboscada em 10 de abril de 1919.

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assim obteria apoio para o seu governo e poderia controlar o congresso, o comitê organizador deu “carta branca” ao bispo.

Sergio Silva (1985, p. 205) afirma que, quando o primeiro tema foi escolhido, a questão da terra, as autoridades recuaram em seu apoio, entretanto, o congresso já se encontrava em um ponto irreversível.

Foi possível perceber através do documento produzido pelo congresso, que o cristianismo, através da teologia da libertação, teve grande influência na realização do mesmo. Segundo Aline Coutrot (2003), as escolhas políticas não são simplesmente decalques do sócio-econômico. Através da consideração do religioso é possível compreender comportamentos coletivos: “[...] Socializados por práticas coletivas [...] os cristãos adquirem um sistema de valores muito profundamente interiorizado que subtende suas atitudes políticas” (COUTROT, 2003, p. 336).

De acordo com Víctor Gabriel Muro (1994, p. 166-167), em 19675 foi criado a primeira Comunidade�Eclesial�de�Base (CEB), no estado mexicano de Morelos. As CEB’S consistiam em pequenos grupos em que, através da leitura da Bíblia, refletia-se a respeito dos problemas específicos da comunidade e tentava-se solucioná-los.

Estas organizações foram duramente atacadas pelo Episcopado Mexicano, que permitiu sua sobrevivência somente em áreas indígenas isoladas da vida eclesiástica, com histórico antigo de problemas agrários e resistência ao domínio ladino6.

Foi sob estas condições que a diocese do bispo Samuel Ruiz García começou seu trabalho, uma vez que percebeu que somente através do que viria ser denominado como teologia da libertação, poderia conseguir uma evangelização eficaz nestas regiões.

A teologia da libertação foi criada em resposta ao grande número de pessoas empobrecidas e marginalizadas presentes na América Latina. Segundo Zilda Márcia Grícoli Iokoi (1999), foi nas Comunidades Eclesiais de Base que se deu seu eixo de atuação, uma vez que foi preciso construir

5 Portanto, anteriormente à sistematização da teologia da libertação que, segundo Zilda Márcia Grícoli Iokoi (1999), ocorreu em 1969, com o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez. Segundo Michael Löwy: “[...] a teologia da libertação é, ao mesmo tempo, o reflexo de uma práxis anterior e uma reflexão sobre ela. Mais precisamente, é a expressão/legitimação de um vasto movimento social, que surgiu no início dos anos 1960” (1991, p. 25).6 Denominação dada aos mestiços em Chiapas.

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uma forma organizativa agregadora que se mostrasse sensível às diferenças étnicas, culturais, de valores simbólicos e míticos.

Nas comunidades agrárias foi onde a influência agregadora das comunidades de base mostrou-se mais eficiente, graças “[…] à forma intrínseca de ser da comunidade camponesa, onde o vivido está em sintonia com a cultura e não como exterioridade, como nas comunidades urbanas” (IOKOI, 1999, p. 240).

A importância da teologia da libertação para o congresso de 1974 foi a de despertar uma consciência étnica, que permitiu às comunidades indígenas lutarem por seus costumes, normas, valores e tradições, e também, iniciou um processo de união e auxílio mútuo entre elas e entre as quatro etnias participantes.

É possível perceber tal questão a partir dos discursos contidos no documento que serve de base para este artigo. Carlo Ginzburg (1990) e Antoine Prost (2003) apontam algumas possibilidades para a análise desta tipicidade de fonte.

Em Sinais� -� raízes� de� paradigma� indiciário, Carlo Ginzburg (1990) revive o surgimento de um paradigma epistemológico referente às ciências humanas. Este é o método indiciário, que permite ao historiador decifrar a realidade através de sinais, indícios, pistas, uma vez que estes elementos mínimos podem ser reveladores de fenômenos mais gerais.

A análise de Prost (2003, p. 311-312) assemelha-se à de Carlo Ginzburg ao afirmar que os discursos deixam rastros involuntários de uma atividade que ultrapassa o texto explicitado, cabendo à abordagem lingüística desvendar os sentidos implícitos mascarados no texto.

O uso que um historiador deve fazer da lingüística é o de perguntar para fonte “como ela fala” e não apenas “o que ela fala”, uma vez que as maneiras de falar revelam formas de perceber e de organizar a realidade, denominando-a.

A parte do documento denominada Antecedentes, após apontar como surgiu a idéia e como foi realizado o congresso, aponta:

Estamos ahora ante el paso más importante del proceso, aunque no el final. La confrontación directa no ya de las diversas comunidades de un mismo grupo, sino la confrontación de los problemas de los diversos grupos lingüísticos. De aquí saldrán

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los siguientes pasos que daban dar las comunidades Indígenas en orden a lograr su liberación humana7.

Nesta passagem é possível perceber que a união de diferentes comunidades e, principalmente, entre diferentes etnias, já havia sido pensada e encarada como algo de extrema importância para o congresso.

No entanto, o termo que mais chama a atenção é “liberación�humana”, que parece remeter diretamente ao ideário da teologia da libertação. O que a passagem está propondo é que o congresso 1974 deveria dar os primeiros passos de um processo que levará as comunidades indígenas participantes, através de sua união, a alcançarem sua libertação humana, seguindo os moldes do pensamento da teologia da libertação.

O sub-item La�tierra�es�de�quien�la�trabaja�dos Acuerdos�sobre� la�tierra começa assim: “todos queremos solucionar los problemas de la tierra pero estamos divididos, cada uno por su lado, por eso sentimos que no tenemos fuerza”.

Ainda nos Acuerdos�sobre�la�tierra, os Tzotziles afirmam que é necessária “Una organización de todos los grupos para tener fuerza”; os Ts’eltales pedem “Que haya organización de todos los grupos para tener fuerzas”, “Que haya representantes de cada grupo” e “Que siga la organización después del Congreso”; e os Ch’oles propõem “Que se unan con los otros grupos para tener fuerza”.

O que se pode concluir com estas passagens, e ao longo da leitura de todo o documento, é que já havia ocorrido o início de um processo de união entre comunidades de mesma etnia graças à influência da teologia da libertação. O que ocorreu no Congresso Indígena foi que esta união foi incentivada, fortalecida e aumentada para uma união maior, de enfrentamento de problemas comuns e auxílio mútuo entre as quatro diferentes etnias. Portanto, a ruptura que o Subcomandante Marcos remete a 1984, deu-se em 1974.

Além da teologia da libertação ter impulsionado o início de um processo de união, percebe-se também, que ela impulsionou uma revalorização étnica entre os indígenas de Chiapas.

Principalmente nas passagens referentes à educação e à saúde, pode-se perceber que os indígenas chegaram ao congresso imbuídos de

7 Todas as citações não indicadas são referentes à CIEPAC (1974).

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uma visão valorizadora de sua cultura e exigiram que ela fosse, não somente respeitada, mas ensinada como parte das atribuições escolares.

Na Ponencia�Tzotzil�-�educación, os expoentes desta etnia denunciam:[...] Los niños que salen de 6º años siguen el ejemplo del maestro. La escuela los ladiníza, deprecian a sus mayores y se avergüenzan de sus costumbres. Ya no quieren trabajar en el campo y comienzan a buscar trabajo en la ciudad en donde se convierten en mozos ladinos [...].

Propõem como solução:Un sistema educativo que afiance los valores de nuestro pueblo Tzotzil, que prepara para la defensa y servicio de la Comunidad, que ayuden a tener mejores conocimientos para el cultivo de nuestras tierras.Que los maestros sean indígenas que respeten la costumbre, enseñen bien y estén unidos a la comunidad. Que reciban buena preparación.

Nas exposições das outras etnias ocorrem reivindicações muito semelhantes. Em Acuerdos�–�educación, todas as etnias concordam:

[...] Queremos que se preparen nuestros indígenas que enseñen nuestra lengua y costumbre y también enseñen español. No queremos maestros que no saben nuestro idioma y costumbres.Queremos maestros que respeten a las comunidades y sus costumbres.

Nas exposições a respeito da saúde, as etnias encontraram-se frente a uma encruzilhada, por um lado, sua “medicina� tradicional�de�yerbas” e, por outro lado, a “medicina�de�los�doctores”.

Nos Acuerdos� salud� –� la� salud� es� vida, as quatro etnias concluem: “Queremos que la medicina antigua no se pierda. Es necesario conocer las plantas medicinales para usarlas en bien de todos” e que “[...] se atiendan las comunidades menores con enfermeros Indígenas que conozcan las dos medicinas, la de pastillas y la de plantas [...]”.

Nas passagens referentes à saúde, pode-se perceber que a revalorização da cultura indígena já havia alcançado um patamar muito elevado, permitindo aos congressistas demandarem que sua “medicina�tradicional� de� yerbas”,� sem relegar a medicina moderna, fosse mantida e estudada, para que pudesse atender de melhor forma as necessidades das comunidades, sem que estas esquecessem suas raízes.

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A teologia da libertação também influenciou, através do incentivo à auto-salvação, a busca pelos direitos reservados aos cidadãos. Os indígenas de Chiapas já não procuravam que o Estado suprisse suas necessidades mínimas de sobrevivência, e sim seu direito de viver segundo sua cultura, campesina e indígena que, portanto, pouco contribui materialmente para os cofres do Estado. Passaram a exigir seus direitos de possuir boas terras e em quantidade suficiente; condições justas de comércio; além de educação e saúde de qualidade e de acordo com suas realidades materiais e culturais. Isto ocorreu porque as comunidades indígenas participantes do congresso passaram a enxergar suas demandas como dever do Estado para com eles, enquanto cidadãos mexicanos.

Nos Acuerdos�educación�–�renovar�la�educación�de�nuestros�hijos, as quatro etnias demandam: “[...] que nos enseñen nuestros derechos de ciudadanos. Queremos que enseñen a la comunidad sus derechos”.

Quando tratando da questão da terra, os expoentes reclamam da sua falta de conhecimento das leis agrárias e florestais mexicanas e da falta de terras, em quantidade e qualidade.

No sub-item Tierras�que�se�poseen�comunitariamente�y�que�están�en�proceso�de� legalización, da Ponencia�Ts’eltal�–�la�tierra, os expoentes dizem que “Otro capítulo que viene a complicar el asunto es la ignorancia de la legislación vigente. No conocemos nuestros deberes ni nuestros derechos [...]”.

Além disto, pode-se perceber nas falas dos congressistas, o início de um processo de conscientização política que ultrapassou a influência da teologia da libertação8, fazendo com que as etnias participantes começassem a perceber a necessidade de lutar para garantir que seus direitos fossem concretizados.

No sub-item Tierras�comunales�perdidas�totalmente�para�la�comunidad, da Ponencia�Ts’eltal� –� la� tierra, encontra-se a seguinte passagem: “[...] Nuestra angustia es que todo tiene un límite y buscamos ardientemente la solución justa, legal y pacífica”. (CIEPAC, 1974)

Por todo documento podem ser encontradas várias denúncias, advindas das quatro etnias, quanto à corrupção e incompetência das autoridades para resolver os problemas que afetavam as comunidades indígenas, quando estas procuravam os poucos direitos legais que conheciam.

8 Segundo Michael Löwy (2003, p. 62), o trabalho da diocese do bispo Samuel Ruiz García recusava toda ação violenta.

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Este trecho do discurso Ts’eltal, nos parece conter um forte indício do início de uma percepção da necessidade de lutar para fazer valer seus direitos, quando as formas pacíficas e legais já não conseguem cumprir seu papel.

O que os congressistas Ts’eltales estão dizendo neste trecho é que, caso as autoridades estabelecidas continuassem a ignorar e até mesmo contribuir para manutenção da exploração, o “limite” seria atingido e as próprias comunidades buscariam, através de outros meios, a garantia da concretização de seus direitos.

Também se pode perceber o incentivo à luta, através da maneira como aparece no documento a figura do Frei Bartolomé de las Casas, apresentado nos discursos contidos nos sub-congressos que antecederam e serviram de preparação para o congresso indígena.

De acordo com a parte Antecedentes do documento, depois que o bispo Samuel Ruiz García reuniu sua equipe, convocou grupos indígenas e, com o bom acolhimento por parte destes últimos à idéia do congresso indígena, formou uma equipe coordenadora; foi programada uma série de sub-congressos regionais, que visavam alcançar as bases indígenas e garantir que o congresso fosse delas.

A dinâmica destes sub-congressos foi a seguinte:[...] Se presentaba la figura de Fray Bartolomé, su pensamiento y su lucha; después se hacían breves reflexiones sobre la realidad actual del indígena con miras a provocar la reflexión de los grupos. Enseguida pasaban a formar los grupos de reflexión, para volver de nuevo a la plenaria, a fin de exponer sus puntos de vistas (CIEPAC, 1974).

No documento, existe um discurso sobre Frei Bartolomé de las Casas que se enquadra na descrição do discurso que foi apresentado às comunidades indígenas nos sub-congressos:

Primero vino a esta tierra un señor llamado Cristóbal Colón [...] En ese tiempo los viejitos tenían buenas organizaciones. Tenían doctores, ingenieros, abogados, constructores. Tenían autoridades como nosotros las queríamos. [...] empezaron a molestar los viejitos, a quitarles sus tierras, y hacerlos trabajar sin sueldo y trabajando duro todo el día. Nos quitaron toda nuestra organización que teníamos. Entonces todos los ladinos nos trataron como animales.Fray Bartolomé de las Casas vio que era muy mal lo estaban haciendo sus otros compañeros, entonces empezó a defender a

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los indígenas [...] Como eran bastantes los ladinos hasta lo querían matar a Fray Bartolomé, porque nos estaba defendiendo.Luchó bastante y les pidió a las autoridades del otro lado del mar que dejaran de molestar a los caxlanes, que hubiera una ley para que seamos todos iguales […] viajo 14 veces hasta obtener la ley de que seamos todos iguales (CIEPAC, 1974).

Na seqüência, o discurso passa a tratar da realidade da década de 1970.

Nosotros, los indígenas, ahora es tiempo de que empecemos a pensar y a ver si de veras tenemos la libertad que dejó Fray Bartolomé de las Casas.[...] Hemos venido sufriendo la injusticia durante 500 años y siguiendo igual. Siguen las injusticias sobre nosotros. Siempre nos quieren manejar como criaturas, porque nosotros somos Indígenas. O piensan que nosotros no tenemos derecho.Bueno compañeros, ahora Fray Bartolomé ya no vive. Solo en su nombre hacemos este congreso. El ya murió y ya no esperamos otro.¿Quién nos va a defender sobre las injusticias y para que tengamos libertad? [...] Nosotros tenemos que ser todos el Bartolomé. Entonces nosotros mismos nos vamos a defender por la organización de todos [...] (CIEPAC, 1974).

Héctor Hernán Bruit (1991) afirma que Frei Bartolomé de las Casas, em seus discursos, sublinhava a violência e a destruição causada pelos conquistadores e, também, a imagem dos indígenas como inocentes, bondosos, humildes, pacíficos, servis e conformados, militar e culturalmente, com a derrota, ou seja, perfeitos para serem cristianizados.

Frei Bartolomé não enxergou o indígena como outro, como sujeito ativo de sua própria história, que quando não foi mais capaz de resistir militarmente, o fez de outras maneiras, conseguindo assim manter viva a sua cultura. Ele o enxergou como um “eu” idealizado, perfeito para a fé cristã (BRUIT, 1991).

No entanto, a imagem do Frei Bartolomé de las Casas e dos próprios indígenas que o documento passa é, também, idealizada e nela pode-se perceber a influência do ideário cristão.

O Frei Bartolomé de las Casas do documento é um arquétipo religioso, aproximado da figura de Jesus Cristo, uma vez que ele é aquele que se sacrificou para salvar os indígenas indefesos.

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Parece-nos que a figura do Frei Bartolomé de las Casas foi elevada à condição de mito e serviu como combustível para a luta das comunidades indígenas do presente, isto é, em meados da década de 1970.

Esta reflexão nos leva a pensar no conceito de cultura política. Jean-François Sirinelli (1988) propõe uma história política enriquecida pelos êxitos recentes da história cultural. Para Sirinelli, cultura política:

[...] é um conjunto de representações que une um grupo humano no plano político, isto é, uma visão de mundo partilhada, uma leitura comum do passado, uma projeção no futuro vivida em conjunto. É o que conduz, no combate político cotidiano, à aspiração desta ou daquela forma de regime político e de organização sócio-econômica, ao mesmo tempo as normas, crenças e valores partilhados (SIRINELLI, 1988, p. 414).

Serge Berstein (1988, p. 355) afirma que uma cultura política nasce quando um determinado grupo social fornece respostas frente “[...] aos grandes problemas e às grandes crises de sua história, respostas com fundamento bastante para que se inscrevam na duração e atravessem gerações”. Entretanto, por surgirem ousadas e/ ou inovadoras, as novas soluções propostas podem levar um prazo muito longo para estruturarem-se e formarem uma política normativa.

Por outro lado, a cultura política não é algo petrificado, ela é um corpo vivo que sempre está transformando-se, alimentando-se e enriquecendo com múltiplas contribuições das outras culturas políticas e das novas conjunturas. (BERSTEIN, 1988, p. 357)

A elevação da figura do Frei Bartolomé de las Casas à condição de mito nos parece ser o indício de uma visão de passado partilhada, que levou à luta pela construção de um futuro melhor, ou seja, indício da existência e do início da estruturação de uma cultura política, comum às comunidades indígenas chiapanecas.

A segunda parte do discurso acerca do Frei Bartolomé trata exatamente disto. Nela rememora-se a visão mítica de um passado familiar aos indígenas, através da figura de um salvador, para incentivar a luta por um futuro melhor, almejado pelas comunidades, uma luta pela auto-salvação no presente, característica marcante do ideário da teologia da libertação.

Outro ponto que pode ser ligado à cultura política indígena é a análise feita por Luis Villoro, já citada neste artigo. O autor entende o EZLN como

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(mais) um movimento de retorno do Estado plural à cena. Além de entender que as demandas dos congressistas marcam uma primeira ruptura, pode-se também pensá-las como resultantes de uma cultura política comum. Cultura política que teria nascido juntamente com a independência mexicana e, a partir do congresso de 1974, começou a estruturar-se e passou a determinar o projeto de futuro almejado por estas comunidades.

Desta forma, quando o grupo de origem urbana foi apresentar sua proposta aos indígenas de Chiapas, ela não interessou a eles, pois não dava conta da realidade local e não estava de acordo com sua cultura política.

Entretanto, algum tempo após os primeiros contatos, o Subcomandante Marcos e seus companheiros passaram por um processo de compreensão da realidade material e simbólica indígena chiapaneca, o que fez com que sua proposta de luta fosse modificada e aceita.

O congresso de San�Cristóbal�de�las�Casas havia iniciado um processo e a cultura política indígena encontrava-se em fase de estruturação. O que o grupo urbano fez foi apresentar novas respostas, que enriqueceram a cultura política indígena.

Apontar a importância do congresso indígena de 1974 significa se posicionar ao lado daqueles teóricos que acreditam que os homens comuns constroem sua própria História, ou seja, é propor que foram as próprias comunidades indígenas que, não só assumiram o comando do EZLN (GENNARI, 2002, p. 51), como criaram as condições para que o movimento pudesse surgir, com as características com as quais ele se levantou contra o Estado mexicano.

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DOSSIÊ:

Trabalhadore(a)s e reestruturação produtiva

na América Latina

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Ações governamentais e reestruturações produtivas no Brasil: o mito do Estado mínimo

Célia�Regina�Congílio�Borges∗

Resumo: A coexistência de feições diversas na denominada organização racional do trabalho tem gerado teses polêmicas. Uma delas é sobre as “possibilidades emancipatórias” disseminadas pelas “conquistas tecnológicas”. Contudo, os deslocamentos das empresas, apoiados por ações indutoras do Estado, resultam em formas apenas diferenciadas de exploração do trabalho (em seus múltiplos processos). Essa segmentação articula-se plenamente com os interesses dos grandes conglomerados empresariais, representados pelas políticas imperialistas contemporâneas. E resultam em impactos sociais os quais se procurou investigar, tendo em vista uma análise crítica que possa contribuir para intervenções transformadoras na realidade social.

Palavras-chave: reestruturação produtiva; transnacionalização do capital; Estado mínimo

Diferentes modelos de reestruturações produtivas têm sido colocados em prática, sustentados por programas governamentais que cumprem à risca as políticas formuladas pelas grandes corporações transnacionais. No Brasil, é possível caracterizar o papel do Estado e suas articulações com os propósitos capitalistas por intermédio de, no mínimo, duas ações:

1. Quanto aos recursos financeiros destinados a impulsionar reestruturações produtivas excludentes – determinadas por países hegemônicos de acordo com as normas de competitividade vigentes – e difundidas no país a partir do início da década de 1990. 2. Quanto à difusão do arcabouço ideológico necessário para a implantação das políticas (industriais, econômicas, sociais, etc.) que ajustam a economia nacional às necessidades do mercado mundial.Tais considerações pressupõem considerar o Estado como uma

instituição que organiza interesses particulares da classe dominante. Como as relações capitalistas de produção assentam-se na divisão social do trabalho, requerem um poder de dominação contínua dos proprietários dos meios de produção sobre os não proprietários. Tal poder econômico sustenta-

∗ Doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP e pesquisadora do NEILS – Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais, da mesma universidade.

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se politicamente no aparato institucional-legal de coerção/repressão e consenso ideológico que constitui a instância estatal organizadora das demandas do capital.

As estruturas jurídicas e ideológicas do Estado, em correspondência com as relações de produção capitalistas, compõem uma totalidade que interage e torna possível a reprodução dessas relações, de forma a sustentar, continuamente, a dominação de uma classe por outra. Ao empreender a análise das relações entre o Estado burguês e as relações capitalistas de produção, Marx (1994) distingue o cenário próprio em que se configuram os processos ideológicos, sob dois aspectos:

1) Na esfera econômica, pela dupla separação do produtor direto (o trabalhador) em relação à propriedade e ao controle dos meios de produção.

Deve-se considerar que as relações entre proprietários e não proprietários expressam-se por contradições: “Em primeiro lugar os trabalhadores são separados dos meios de produção com os quais a produção é realizada, e só podem ter acesso a eles vendendo sua força de trabalho a outros” (BRAVERMAN, 1987, p.55). Como possuidores dos meios materiais de produção (portadores do poder econômico), os capitalistas associam seu poder a formas políticas que, formalmente, desempenham o papel de organizar a existência coletiva dos agentes sociais. Configura-se, assim, o segundo aspecto ideológico:

2) No plano jurídico-político, pela estrutura do Estado burguês que, por intermédio das leis, individualiza os agentes sociais e os constitui como sujeitos�livres�e�iguais.

O efeito principal da imposição dessas normas e da criação da “forma-cidadania” – que convertem todos os homens em “sujeitos individuais de direito” – é a atomização das classes sociais antagônicas, pois “ao impor esse conjunto de normas igualizadoras a todos os homens, qualquer que seja a sua condição sócio-econômica, o Estado burguês cria a forma� ideológica�da�cidadania”�(SAES, 1998, p. 123). Isto porque, “essa individualização confere à troca desigual entre uso da força de trabalho e o salário a forma de um ato de vontade realizado por iguais; isto é, um contrato�de compra e venda de força de trabalho” (SAES, 1998, p. 30).

Produtores diretos e proprietários de meios de produção são reaglutinados sob o conceito de Nação, representada por um território

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delimitado, constituído por cidadãos pertencentes à mesma pátria e, portanto, dotados de aspirações�comuns. No plano ideológico, a materialidade do Estado se estabelece em formas institucionais, que o apartam das relações de produção e atribuem a ele a “função particular de coesão dos níveis de uma formação social” (SAES, 1998, p. 42).

Assim é que os diversos Estados nacionais garantem a reprodução local do modo de produção capitalista. Por outro lado, Estados de capitalismo avançado estendem seu poder de intervir no movimento planetário de acumulação, especialmente contra os do núcleo periférico (ALMEIDA, 2001; TAVARES; FIORI, 1997). Tais assimetrias asseguram o aprofundamento da desigualdade entre as nações, pois:

Os Estados, individualmente, podem cruzar o golfo que separa a periferia e semiperiferia, mas também nesse caso as oportunidades de avanço econômico, tal como se apresentam serialmente para um Estado periférico de cada vez, não constituem oportunidades equivalentes de avanço econômico para todos os Estados periféricos. O que cada Estado periférico pode realizar é negado deste modo aos outros (ARRIGHI, 1998, p. 220).

Com as feições assumidas contemporaneamente pela divisão internacional do trabalho, tem-se a produção de processos de desenvolvimento desiguais, inseridos em diferentes graus de correlação de forças. A crise de crescimento econômico dos anos 1970 e a busca por mais agilidade nos fluxos de produção resultaram em alterações na divisão internacional do trabalho e, muito fortemente, na realização do próprio trabalho – tanto em seus aspectos tecnológicos, como nos aspectos organizacionais.

O desenvolvimento capitalista em sua configuração atual assume aspectos amplamente analisados por um grande número de pesquisadores. Alves (1999), por exemplo, afirma que estamos diante de um novo regime de acumulação, qualificado pelo autor como uma nova fase do processo de internacionalização do capital, com características próprias e particulares – se comparada a etapas anteriores e conclui que este processo desenvolve-se no bojo de uma profunda crise de superprodução.

Brenner (2003) acrescenta que as atuais características, produzidas pela “secular crise de produtividade”, seriam dadas pelo grande deslocamento do capital para as finanças e pela queda nas taxas de lucro. Sua análise ganha mais força quando aplicada aos Estados Unidos, considerando-se que, de tempos em tempos, durante toda a década de 1990, parecia haver uma

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revitalização da economia norte-americana, o que constantemente o jornal Folha�de�S.Paulo exibiu com expressões “o vôo da águia”, “a águia alça vôo” e outras semelhantes. Segundo os cálculos de Brenner, a taxa de lucro líquido do setor manufatureiro nos EUA caiu de 24,35%, no período 1950-1970, para 14,5%, nos anos 1970-1993. No G7, as mesmas taxas eram de 26,2% e 15,7%, respectivamente. Uma crise que atinge o epicentro do sistema (os EUA) teria dimensões catastróficas para a lógica do capital, uma vez que este busca refúgio seguro financiando a economia norte-americana, cujo déficit público atinge proporções incontroláveis.

Samir Amin (2000) afirma que é possível presenciar o começo de uma “terceira onda” de devastação do mundo por uma expansão imperialista, apoiada no colapso do sistema soviético e dos regimes nacionalistas populares do Terceiro Mundo. Ainda que, para o autor, os objetivos do capital dominante permaneçam os mesmos (controle da expansão dos mercados, saque dos recursos naturais da terra, superexploração das reservas de trabalho na chamada periferia), realizam-se sob condições novas e, em muitos aspectos, diferentes das que caracterizaram a fase precedente do imperialismo.

A respeito do período de desenvolvimento do pós-guerra, Mészáros (1988) afirma que foi, sem dúvida, preenchido pela capacidade do capital em ativar imensos recursos humanos e materiais em seus propósitos de auto-expansão. Ampliou e intensificou, significativamente, as áreas de atividade econômica em todo o mundo, tanto pelo incremento da grandeza absoluta da força de trabalho (predominantemente nos países periféricos) quanto pela sua produção relativa (por intermédio do incremento das tecnologias). A industrialização para a substituição de importações haveria integrado a burguesia e pequena-burguesia dos países periféricos ao sistema capitalista e contribuído para a segunda nova onda de expansão imperialista entre os anos de 1945 a 1970.

Em trabalho mais recente, Mézsáros destaca elementos da crise capitalista que precedeu a atual onda imperialista:

A crescente crise da dominação econômica dos Estados Unidos e suas conseqüências se propagando por todo o mundo; a permanente intensificação dos conflitos com o sucesso industrial do Japão e sinais ampliados de uma guerra comercial potencialmente mais devastadora; a erupção de grandes contradições no interior da Comunidade Econômica Européia, ameaçando-a de colapso; o fracasso catastrófico do keynesianismo

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do pós-guerra e sua substituição ainda mais catastrófica pelas estratégias “monetaristas”, voltadas à revitalização do capital em crise; maciço e ainda crescente “desemprego estrutural” e a correspondente erupção de grandes distúrbios sociais sobre as ruínas do welfare� state e da estratégia do pós-guerra que presunçosamente anunciou a realização do “pleno emprego numa sociedade livre” (...) o controle disfarçado dos países capitalistas avançados sobre o “Terceiro Mundo” (MÉZSÁROS, 2002, p. 123).

Se a tese do imperialismo persistiu em vários níveis da produção acadêmica, o pensamento dominante no decorrer da década de 90 do século XX deitou raízes e expandiu, com relativo sucesso, a idéia de que o fim do mundo bipolar teria tornado o espaço político e econômico menos conflitivo, o que comportaria uma tendência favorável à evolução das economias e das sociedades. A tese de “fim da história” colocava a democracia liberal e a economia de mercado como a conquista última e suprema da humanidade. Para os que duvidassem desta conquista como algo positivo, restava a inexorabilidade da “globalização” e as políticas compensatórias para amenizar efeitos desagradáveis.

No entanto, mesmo no auge da crise, países como Japão e Alemanha apresentavam vigoroso crescimento e muito freqüentemente tratou-se a questão como crise de hegemonia. Tal interpretação suscitou questões (às vezes fortemente especulativas) sobre quais países comandariam um novo ciclo de crescimento; que novas relações se estabeleceriam entre as formações sociais imperialistas; que papel os Estados nacionais desempenhariam neste novo ciclo.

Para Almeida (1997), duas posições se destacaram: a que postula a existência de um acirramento nas relações interestatais, a ponto de poucos serem os sobreviventes; e a que atribui pouca importância ao Estado-nação, tendendo a enfatizar a importância do “poder local”.

No plano normativo, a primeira posição insiste na necessidade de se revigorar e bem conduzir o Estado nacional, preparando-o para enfrentar o grande capital transnacional ou, no mínimo, estabelecer relações menos desfavoráveis com ele. Desta forma, aumentaria a probabilidade de conseguir uma boa “inserção” na nova ordem. A segunda costuma oscilar entre a proposição de uma ordem supra-estatal (em processo de constituição) e esferas subnacionais. Alude a uma situação em que a produção econômica

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não teria mais fronteiras, dada a crescente predominância de “verdadeiras unidades de negócios da economia global” (OHMAE, 1996, p. XXI).

Almeida (1997) insiste em que ambas as posições, ao desconsiderarem o caráter de classe dos atuais Estados nacionais, podem perder de vista justamente o papel que estes desempenham nesta fase de transnacionalização do capitalismo. O autor se inspira em Poulantzas (1975) que, já no início da crise dos anos 70, ao analisar as mudanças na economia em escala mundial, relacionou-as com as formas e funções básicas assumidas pelo Estado nacional nas formações sociais imperialistas contemporâneas. Esse exame do processo de reprodução ampliada das relações interimperialistas seria o passo inicial de um estudo mais amplo: o das relações entre as metrópoles dominantes e as formações sociais dependentes.

Partindo dessa delimitação fundamental, Poulantzas traçou uma periodização desde os primórdios do capitalismo e percebeu que, diferentemente do colonialismo (quando se buscava indiretamente a constituição de mercado para ampliação de consumo), tratava-se, agora, da reprodução do capital no próprio seio das formações sociais dominadas. E, no interior destas, da reprodução das relações de dominação que ligam cada uma das formações sociais dominadas às metrópoles imperialistas, conduzindo a processos desiguais de difusão da produção econômica e, portanto, do desenvolvimento.

Para o autor, esse novo período de assimetrias caracteriza-se, essencialmente, pela preeminência do imperialismo na exportação de capitais sobre a simples exportação de mercadorias1. Isso corresponde a mudanças nas relações entre as metrópoles imperialistas e, também, entre estas e as formações dominadas. O modo de produção capitalista impera, agora, a partir do interior das formações dominadas, estendendo seu domínio aos aparelhos de Estado e às suas formas ideológicas.

Poulantzas (1975) caracteriza cada fase do imperialismo pelas diferentes manifestações de realização da dominação e da dependência. Considera que uma formação social é dependente quando a sua própria estrutura econômica, política e ideológica exprime relações constitutivas e assimétricas com as que ocupam uma situação de poder. Obviamente, os enunciados do autor devem ser examinados criticamente, à luz das

1 Tese, mais tarde, detalhada por Chesnais (1996) que, a partir de outras formulações teóricas, recorre a importante fundamentação empírica.

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profundas alterações ocorridas no último quartel do século XX – cujos contornos o autor mal pôde vislumbrar.

Para que se viabilizasse um novo ciclo de expansão monetária, diante do aprofundamento da crise, se fez necessário empreender mutações nas formas ideológicas de constituição do consenso social e investimentos em novos processos produtivos, de modo a intensificar a concorrência entre os capitalistas. Diante do crescimento japonês (cuja indústria automobilística – especificamente a Toyota – incrementava alterações em aspectos do fordismo praticado no ocidente), foram difundidos termos como “reestruturação produtiva”, “qualidade e produtividade”, “competitividade” e outros que, ao mesmo tempo, justificavam novos arranjos na divisão internacional do trabalho (realocando empresas e fluxos de capital em várias partes do mundo) e sedimentavam a ideologia da “interdependência de uma sociedade global” – a ser organizada pela “supremacia do mercado” contra a, agora inconveniente, regulação do Estado.

Políticas estatais e reestruturações produtivas no BrasilNa seqüência, serão observadas as condições em que o Estado

brasileiro, especialmente na década de 1990, subordinou-se às doutrinas neoliberais e, por isto, importou, difundiu e remunerou métodos de reestruturações produtivas, de acordo com as exigências das transnacionais e suas interferências na divisão internacional do trabalho.

O Estado tem se rendido aos ditames do imperialismo de plantão com subserviência manifesta, entre outras, nas formas pelas quais tem coordenado os processos de reestruturações produtivas. A busca por consenso em torno da “nova ordem social” se manifestou em apelos produtivos contundentes, tal como a declaração do “ano da qualidade e da produtividade” insistentemente apregoado pela mídia em 1990, seguido pelo Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), criado por Fernando Collor de Mello e, ainda, em vigor.

A reestruturação produtiva atual se constitui numa série de ajustes nos métodos de organização do trabalho que intensificam a jornada e trazem, independentes de inovações tecnológicas de grande vulto, extremados ganhos de produtividade. Envolvem, em termos gerais, dois aspectos: alterações no gerenciamento e a introdução gradativa de novas

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tecnologias, cuja característica mais imediatamente reconhecida é a utilização de máquinas com componentes micros-eletrônicos em substituição às máquinas ferramentas eletros-mecânica. Esses ajustes permitem diminuir os tempos de trabalho, cujo controle, via de regra, não é mais exercido por um trabalhador destacado essencialmente para essa função. Agora, os próprios produtores, dispostos em grupos que competem entre si para atingir determinada meta de produtividade, se encarregam de acelerar os tempos, uns vigiando os outros.

A Participação nos Lucros e Resultados (PLR), cujos termos foram encaminhados ao governo pela Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) e imediatamente introduzida nos acordos salariais por força de lei – via a medida provisória 794/94, do então Presidente Fernando Henrique Cardoso – se tornou instrumento importante para que os trabalhadores vislumbrassem a intensificação do trabalho como a quimera do lucro revertida em consumo, mesmo que fosse o básico, cujos salários rebaixados já não podiam mais realizar.

A conformidade da produção, de acordo com metas determinadas pelo mercado, prescinde agora da figura do inspetor. Aos trabalhadores, chamados de polivalentes porque apertam botões de diversas máquinas quase que em tempo simultâneo, é dada a responsabilidade pelo cumprimento das metas e pelas normas de produção. Do lado da gerência, não há muito com o que se preocupar: as máquinas, devidamente programadas com precedência, garantem a conformidade dos produtos. Necessário é modelar os trabalhadores e, para isso, um conjunto de comportamentos é ensinado a guisa de cursos de “treinamento” e “qualificação”, disseminados como Sistema de Qualidade. Financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), o objetivo dos Programas de Qualidade Total é padronizar convenientemente a produção e o comportamento dos trabalhadores para que os produtos sejam finalizados de acordo com as exigências do mercado (BORGES, 1997).

Outros ajustes foram colocados em prática: diferenciação nos produtos graças às possibilidades operacionais das tecnologias, diferentes disposições das máquinas de forma a permitir o manejo simultâneo por um único trabalhador, novas formas de estocagem e a tão discutida terceirização. Além disso, as máquinas computadorizadas exigem ambiente limpo e arejado. Que bom para os trabalhadores! Adeus à graxa! As doenças

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pulmonares darão vez às lesões por esforços repetitivos (LER) ou ao Karochi, conhecido pelas bandas japonesas como morte por exaustão. A isso tudo chamam de “produção flexível”!

Todas essas mudanças exigem formas de hierarquia no controle da produção que se diferenciam das que predominaram no pós-guerra. Contudo, longe de representar ruptura com os princípios do taylorismo/fordismo, acreditamos que os novos métodos apresentam um grau acentuado de aprofundamento desses mesmos princípios. O controle do capital sobre o trabalho nunca foi tão presente quanto nas metodologias em vigor. Do ponto de vista técnico da produção, a fiscalização do tempo e a separação entre planejamento e execução estão inscritas na própria máquina que eletronicamente computa as quantidades produzidas e, com raras exceções, chega à produção devidamente programada por técnicos altamente especializados.

Do ponto de vista do “pacto social”, observa-se um significativo refluxo dos movimentos sociais e, assim como no pós-guerra do capitalismo desenvolvido, grande parte dos sindicatos torna-se aguerrida difusora da ideologia produtiva vigente. Mediante a utilização de recursos provenientes do Estado, por intermédio de programas que atestam apoio econômico e ideológico às políticas exigidas pelo capital internacional, as centrais e seus sindicatos disseminam cursos, palestras, imprimem jornais, fazem campanhas, acordos setoriais etc., que propagam o ideário produtivo das empresas. O impacto das reestruturações produtivas em seus aspectos contemporâneos ressoou forte sobre a luta de classes no Brasil. Mesmo sindicatos de origem e tradição classistas incorporaram propostas que fizeram recuar direitos arduamente conquistados pelos trabalhadores.

Distinguimos pelo menos dois fortes impactos nos resultados sobre as lutas sindicais: o primeiro diz respeito à incorporação, em vários níveis de negociação sindical, de termos como flexibilidade, polivalência e autonomia, evocados como possibilidades emancipatórias trazidas pelas novas tecnologias. Esta incorporação acrítica tem se dado com freqüência cada vez maior tanto em textos acadêmicos, empresariais e governamentais, como nos sindicais. O Programa Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR), aplicado por intermédio dos cursos de formação profissional ministrados com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) por

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empresas, ONGs e sindicatos de todas as “cores” tem sido um vigoroso instrumento governamental de disseminação desse ideário.

O segundo impacto é indicado na emergência do chamado sindicalismo propositivo, com atuações que sugerem um resgate dos “benefícios” perdidos com o fim dos “acordos societais”. No ABC paulista, considerado o berço do sindicalismo combativo brasileiro, formou-se um amplo leque de alianças entre governos locais, empresários e representações de trabalhadores, com vistas à defesa sistemática de interesses localistas que incluem, no mínimo, propostas que assimilam fortes aspectos do corporativismo próprio do modelo europeu de sindicalismo social-democrata. Isso se consolida, em especial, por intermédio dos acordos requeridos nas denominadas câmaras setoriais e regionais.

A junção entre Estado, empresários e as novas formas assumidas pelo movimento sindical tem cumprido um papel de grande alcance na hegemonização dos termos relacionados com a reestruturação produtiva e com o que passaram a conotar como inexorável – a globalização da economia.

A reestruturação produtiva é disseminada como condição inevitável de inserção�do�país�na�modernidade. Nos discursos dos governantes e também de setores ligados aos movimentos sociais, os efeitos da crise social aparecem como uma conjuntura apenas transitória, passível de ser contornada pela aplicação das chamadas políticas compensatórias. Por intermédio delas, vultosas somas são despendidas sem outro efeito que não seja o de amortecer as lutas reais por emancipação da classe trabalhadora, motivo pelo qual proliferam os cursos de computação para desempregados de baixa renda que mal sabem ler e escrever, comunidades solidárias que isolam segmentos em atividades efêmeras, propostas de renda mínima para manter crianças em escolas degradadas material e pedagogicamente e assim por diante.

Contra os enunciados de que o neoliberalismo teria decretado o fim do Estado-nação em nome da “supremacia do mercado”, muitos programas governamentais atestam que as empresas não apenas necessitam do Estado, mas impõem agendas e prioridades às políticas sócio-econômicas. Os atuais processos tornam agudas as contradições que integram uma pequena elite ao mercado mundial, exclui ou precariza imensos contingentes populacionais e pilham os recursos nacionais, originando, assim, as bases que podem interpelar as políticas que lhes dão suporte.

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Contra os apelos globalizantes que, reiterando uma pseudo-ausência do Estado nas questões econômicas, induzem as políticas estatais para os interesses das grandes corporações (e com o devido cuidado para que não se caia em ações de caráter popular-nacionalista), pode-se criar, fortemente enraizada nos movimentos sociais, uma convocação que vincule o Estado a ações abrangentes, indutoras de um modelo de desenvolvimento capaz de promover transformações sociais de longo prazo e em grande escala (PETRAS, 1995).

Isso compreende fortalecer as lutas sociais, sem o que, torna-se impossível compreender e confrontar o que representam as guerras e as políticas dos nossos dias, o que pressupõe, essencialmente, enfrentar “a natureza econômica do imperialismo” (LÊNIN, 1987, p. 8).

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Sindicalismo no Brasil e estrutura sindical (1978-1997): rupturas e continuidades

Teones�França∗

Resumo: O objetivo deste artigo é analisar a relação entre o movimento sindical que surgiu no Brasil após 1978 e a estrutura sindical que permanece neste país desde a Era Vargas. No final dos anos 70 o movimento conhecido como novo sindicalismo tornou-se poderoso espalhando idéias como a superação do modelo de organização sindical criado nos anos 30 no Brasil; no entanto, como podemos observar seu derradeiro momento em meados da década de 90, constatamos que a estrutura sindical, em grande escala, permaneceu e há uma enorme diferença entre a teoria e a prática da organização sindical que caracterizou o novo sindicalismo, a CUT.

Palavras-chave: estrutura sindical; “novo” sindicalismo; CUT

IntroduçãoDentre os aspectos destacados pela literatura especializada

para explicar a crise do “novo” sindicalismo no Brasil – assim como do movimento sindical em outros países – está a crescente adaptação deste às instituições da nossa sociedade capitalista ou, como mínimo, a dificuldade de se desvencilhar delas, chegando, posteriormente, a acomodar-se1.

O fio condutor da análise que segue abaixo é a crença de que o sindicalismo que surge em fins dos anos 1970 no Brasil, buscando diferenciar-se daqueles vigentes no pré e no pós 1964, foi extremamente combativo ao enfrentar-se com o Estado ditatorial com o qual se deparava, mas a partir do momento em que se iniciou um processo de redemocratização em nosso país esse sindicalismo passou a adotar novas táticas, que foram levando-o gradativamente a tornar-se propositivo e, logo em seguida, até mesmo a executar políticas sociais em substituição às ações estatais.

Assim, a estrutura sindical foi extremamente combatida no prelúdio desse movimento porque tal estrutura era, para os integrantes do chamado

∗ Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense.1 Nos limites deste artigo irei me ater apenas à relação do sindicalismo brasileiro com a estrutura sindical. Análise mais aprofundada da crescente integração do “novo” sindicalismo às vias institucionais do Estado brasileiro foi feita em minha tese de doutorado (FRANÇA, 2005).

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“novo” sindicalismo, associada meramente às intervenções de um Estado autoritário nas questões sindicais. Importante destacar desde já que dos grupos que participaram do 1º CONCLAT – Congresso Nacional da Classe Trabalhadora –, em 1981, apenas as Oposições sindicais possuíam uma visão extremamente crítica à estrutura sindical vigente. Mesmo porque, pelo simples fato de serem oposições não estavam inseridas na estrutura e, logo, não eram reconhecidas oficialmente por esta.

“Novo” sindicalismo e estrutura sindical

As grandes greves metalúrgicas de São Bernardo do Campo de 1979 e 1980, que ocasionaram as deposições das diretorias do sindicato, com a repercussão obtida na mídia e a solidariedade dos setores populares mostraram para os militares que era preciso avançar para o meio sindical a sua política de abertura iniciada com Geisel. O Ministro do Trabalho do governo Figueiredo, Murillo Macedo, iniciou a abertura sindical que consistia, dentre outros aspectos, em flexibilizar um pouco o controle do governo sobre os sindicatos oficiais, ampliando a margem de ação destes e se esforçando para evitar a prática de depor diretorias sindicais eleitas.

No entanto, essa política governista não impediu que, em 1983, a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo fosse novamente deposta. Tal fato fez aparecer algo até então inédito no sindicalismo brasileiro: a campanha salarial metalúrgica nessa cidade em 1984 foi toda ela organizada fora do sindicato oficial, desafiando de forma categórica a legislação vigente. As comissões de fábrica organizaram o trabalho lento – operação�tartaruga – no interior das empresas, o Fundo de Greve garantiu os meios materiais e os militares tiveram que permitir que a diretoria cassada assinasse a convenção coletiva com os patrões.

Esse exemplo não deve, contudo, nos fazer crer que a pressão exercida pela estrutura oficial sobre o “novo” sindicalismo não era bastante forte. Um panfleto da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo por ocasião da eleição da diretoria do sindicato dessa categoria em 1981 demonstra isso. Quando ao final da campanha havia a caracterização de que a oposição finalmente venceria o pleito e derrotaria a direção que não largava� o� osso desde 1964, a oposição apelou para o puro assistencialismo em um material intitulado “Vamos�melhorar�o�atendimento�médico”:

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Todo mundo já ouviu os diretores do Sindicato dizerem que se a Oposição ganhar as eleições vai acabar com o Departamento Médico. Eles falam isso nas assembléias, nas portas de fábricas, no ambulatório e em todos os lugares, ameaçando os companheiros: “cuidado! Quando a chapa 2 ganhar o Sindicato, vai acabar com tudo: médicos, dentistas, ambulatório, colônia de férias, clube de campo... tudo”. Tudo isso é mentira, companheiros. A diretoria do Sindicato fala isso porque tem medo de perder as eleições. Vamos ter médicos nas subsedes (Giannotti, 1988, p. 22-23).

Mais coerente nesse caso era a direção pelega� do sindicato já que a Oposição Metalúrgica de São Paulo era um dos baluartes do chamado “novo” sindicalismo e proclamava nos anos setenta um discurso bastante crítico à estrutura sindical e aos mecanismos assistencialistas contidos nesta para atrair os trabalhadores e transformar os sindicatos em organismos pouco combativos. No entanto, é preciso levar em consideração em nossa análise as contradições existentes na luta de classes, especialmente em períodos mais tenebrosos, como as ditaduras.

Nos documentos dos grupos que irão fundar a Central Única dos Trabalhadores em 1983 são encontradas muitas críticas à velha estrutura sindical, assim como também propostas de organização. A questão era tão séria para esses grupos que em setembro de 1980 foi realizado um Encontro Nacional dos Trabalhadores em Oposição à atual Estrutura Sindical (ENTOES) que contou com a presença de 500 delegados, “dirigentes sindicais combativos da cidade e do campo”.

Dentre as questões aprovadas nesse encontro estava a necessidade de construir uma Central Única “vinculada às bases e não à estrutura sindical e eleita de forma direta, por todos os trabalhadores”, pois se deveria “ter a preocupação de construir um movimento sindical unitário e não pedirmos ao Estado que garanta, através da legislação, um sindicato único por categoria” (ACO, 1980).

No 1º CONCLAT, em 1981, foram definidas algumas questões quanto ao direito do trabalho e ao sindicalismo. Em relação ao primeiro, afirmava-se que a legislação trabalhista no Brasil não exprimia os interesses da classe trabalhadora e por isso se exigia a criação de um Código Nacional do Trabalho que fosse uma alternativa aos golpes e pacotes do governo e dos patrões. No entanto, enquanto esse Código não existisse o movimento sindical deveria lutar por algumas metas: a revogação imediata do Título

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V da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – que trata da Estrutura Sindical –, o pleno cumprimento dos dispositivos da CLT de proteção aos trabalhadores e demais leis trabalhistas e a revogação dos dispositivos da Constituição e de todas as leis e regulamentos limitativos dos direitos econômicos e sociais dos trabalhadores e de ação sindical.

Quanto ao sindicalismo defendia-se, dentre outros aspectos, que os sindicatos deviam ser independentes do Estado, do patronato, das confissões religiosas, dos partidos e outras associações políticas; que os trabalhadores, inclusive na administração pública, teriam o direito de se sindicalizar; que os membros dos sindicatos deviam determinar livremente os estatutos e regulamentos destes; e que o movimento sindical devia ter como meta a sua auto-sustentação e intensificar as diversas maneiras de obter recursos próprios entre os trabalhadores e, logo, não mais necessitar dos recursos advindos do Estado, mesmo que tivessem como origem o bolso do trabalhador, como no caso o imposto sindical (1º CONCLAT, 1981, p. 1-7).

No congresso em que a CUT é fundada são feitas apenas algumas declarações genéricas no sentido da transformação da estrutura sindical oficial, como “pela liberdade e autonomia sindicais”, “pelo direito de expressão, organização e manifestação” e “pelo fim das intervenções nos sindicatos e reintegração das diretorias cassadas” (1º CONCLAT, 1983).

As propostas tornam-se mais enfáticas no congresso cutista de 1984. Dentre os pontos a serem privilegiados no plano de lutas aprovado estava novamente a defesa da “liberdade e autonomia sindical” acrescida das exigências do “reconhecimento do direito de greve e desatrelamento da estrutura sindical do Estado, com a revogação imediata do título V da CLT”; e ainda, que o Estado reconhecesse a CUT como órgão máximo de representação dos trabalhadores brasileiros, o que demonstrava que a briga com o Estado praticamente se restringia à liberdade sindical (1º CONCUT, 1984).

As propostas feitas no final dos anos setenta, de forma ainda um tanto soltas, pelos dois principais grupos que deram corpo a CUT, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, ganham pela primeira vez um esboço de projeto com matizes mais definidas a partir da fundação dessa Central, onde se destacam a crítica ao imposto sindical e ao assistencialismo, a defesa da autonomia e da organização por local de trabalho como unidade básica

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de uma organização mais complexa que teria como ápice a Central Única, além da defesa intransigente da democracia sindical. A democracia sindical, inclusive, passa a ser uma das principais características dos sindicatos ligados à CUT ao longo dos anos 1980, passando a adotar medidas como as eleições correntes, a proporcionalidade entre as chapas, a preocupação em expandir a participação das bases nas decisões etc, medidas que raramente eram verificadas até então nos sindicatos vinculados à Unidade Sindical.

A proposta de ser um sindicalismo “classista e de luta” certamente demonstrava também o sentido de buscar, uma vez mais, se diferenciar da Unidade Sindical que, na visão dos cutistas, não adotava o princípio da independência de classe e buscava consensos com os “setores [ditos] democráticos” do campo burguês como tática privilegiada para enfrentar o regime militar.

No entanto, uma das reivindicações do “novo” sindicalismo: a “sindicalização de todos os trabalhadores”, incluindo os funcionários públicos, que pela legislação vigente até então não poderiam possuir sindicatos reconhecidos oficialmente, suscita opiniões divergentes quanto à existência ou não de contradição no fato dessa reivindicação vir ao lado da defesa de uma estrutura sindical desatrelada ao Estado.

De acordo com Boito Jr., a ânsia do funcionalismo público em converter suas associações em sindicatos atrelados à estrutura oficial – o que é conquistado com a Constituição de 1988 – representou um grande equívoco porque esse setor demonstrou, ao longo dos anos oitenta, “que era possível organizar os trabalhadores sem a proteção tutelar do Estado”, assim como que “o sindicato pode ser representativo sem a carta sindical, pode manter-se financeiramente sem o recolhimento de contribuições sindicais compulsórias e pode forçar o patronato a negociar” sem a mediação e tutela da Justiça do Trabalho (Boito Jr., 1988, p. 64-65).

Mattos coloca a opção dos funcionários públicos cutistas em outros termos. Segundo ele, não resta dúvida que essa opção apresenta uma ambigüidade já que vai de encontro à defesa do rompimento com o sindicalismo oficial expresso nos discursos das lideranças do “novo” sindicalismo. Porém, as lideranças buscavam o direito de sindicalização, em grande parte, em função de reconhecerem a “importância do acesso à instituição paradigmática da intenção de conciliação de interesses de classe da proposta corporativista: a Justiça do Trabalho”. Assim, a estrutura sindical

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oficial, apesar de todos os seus aspectos negativos, abria, na concepção desse setor do sindicalismo, outros canais de participação política significativos para a luta sindical, pois “sindicato não só é diferente, mas também é melhor e, portanto, o direito à sindicalização do funcionalismo era uma conquista” (Mattos, 1999, p. 79).

Considero que a lógica apontada por este último autor é mais coerente, no entanto acredito que o preço pago pelas lideranças do funcionalismo público brasileiro, ao optarem por transformar suas associações em sindicatos oficiais, foi muito alto, ou melhor, na relação custo-benefício, o primeiro teve um peso bem maior.

O próprio trabalho de Mattos nos dá pistas disso, ao abordar certas experiências do Centro Estadual de Professores – que após 1988 passou a se chamar Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação, englobando tanto professores quanto funcionários das escolas da rede estadual do Rio de Janeiro. Mesmo com poucos recursos financeiros, “limitados à contribuição voluntária dos associados” e sem acesso ao imposto sindical, a entidade foi capaz de realizar manifestações vultosas desde o final da década de setenta, como demonstram as greves de 1979 e 1986 (Idem, p.164-165 e 205).

À liberdade e autonomia sindical se junta a partir de 1986, no interior da CUT, a defesa do fim da unicidade sindical, o que corresponde a uma radicalização maior no campo do discurso dessa entidade quanto à construção de uma estrutura sindical mais democrática. Assim, nos cadernos de resoluções do congresso desse ano lemos que os sindicalistas deveriam, na elaboração da Constituição de 1988, “exigir que esteja explícito o seguinte: liberdade e autonomia sindical conforme a Convenção 87 e 151 da OIT” (2º CONCUT, 1986, p. 55). A Convenção 87 versa sobre a liberdade sindical enquanto que a 151, sobre a garantia de negociação coletiva na administração pública.

A posição minoritária nessa polêmica entre os sindicalistas era defendida praticamente apenas pela Corrente Sindical Classista (CSC), vinculada ao PC do B, que compunha inicialmente a Conclat e, posteriormente, a Confederação Geral dos Trabalhadores, rompendo com esta em fins da década de oitenta para engrossar as fileiras da CUT. Em seu primeiro congresso como corrente cutista, a CSC propôs, sem sucesso, a seguinte resolução: “a CUT lutará pelos pressupostos da Convenção 87 da OIT que garantam aos sindicatos a mais ampla liberdade e autonomia, a

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unidade livre e consciente de sua organização e que não se criem condições para a implantação do pluralismo, que fragmenta e pulveriza a organização sindical na base” (Teses 4º CONCUT, 1991, p. 12).

O ponto polêmico é a questão da pluralidade sindical, que no entender dessa corrente era equivocada, devendo-se então se manter o princípio da unicidade. Um texto escrito por Altamiro Borges, em 1986, na Revista Debate�Sindical�2,�nos permite entender melhor a posição advogada pela Corrente Sindical Classista.

Segundo esse autor, inegavelmente a legislação sindical brasileira precisava ser mudada, mas a adoção da Convenção 87, de 1948, só serviria aos interesses da burguesia e seu conteúdo teria uma “fisionomia aparentemente progressista”. Nos artigos 3 e 4, por exemplo, propõe a eliminação do atrelamento ao Estado dos sindicatos, de trabalhadores e patrões, do estatuto-padrão e das cassações sindicais. No entanto, ela não se limita a esses artigos e junto com estes “traz embutido um perigoso contrabando: o incentivo ao pluralismo sindical, à formação de vários sindicatos de uma mesma categoria numa base territorial única”, ou seja, “incentiva a divisão dos trabalhadores, a pulverização de sua organização” e, assim, não impõe limites à fragmentação, deixando “os trabalhadores ‘plenamente livres’ para ver sua principal arma, a unidade, ser destruída pelos patrões e seus agentes”.

Na tentativa de embasar o seu argumento de que liberdade de organização sindical gera necessariamente a pluralidade e, portanto, favorece aos interesses da burguesia e divide o movimento sindical – o que, a meu ver, é um equívoco – Borges acaba nos indicando, mesmo sem intenção, que a defesa de liberdade e autonomia sindical, feita desde fins dos anos setenta pelo “novo”�sindicalismo, está demasiadamente próxima da visão liberal. A luta contra a tutela estatal não expressava em nenhum momento uma luta contra o Estado capitalista ou liberal – pelo menos no que concerne à posição da corrente majoritária na CUT, a Articulação –, mas sim a luta contra a presença autoritária desse Estado na organização sindical. Sem dúvida que com isso temos ao menos uma pista para compreendermos o progressivo afastamento das bandeiras socialistas dos discursos e documentos dos cutistas a partir da “redemocratização” após 1985 e, mais precisamente, após a Constituição de 1988. Não é mera coincidência que nos documentos que

2 É importante destacar que essa revista, ao menos naquele momento, defendia as posições do Partido Comunista do Brasil.

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expressam as resoluções congressuais cutistas a reivindicação da autonomia sindical venha junto com a defesa do reconhecimento da CUT pelo Estado, assim como se faz a crítica ao poder normativo da Justiça do Trabalho, mas em nenhum momento critica-se a participação da autoridade judicial burguesa como árbitro do conflito capital-trabalho.

O fim do regime militar em 1985 e a ascensão da chamada Nova�República com o governo Sarney trouxeram consigo o fim do modelo ditatorial de gestão da estrutura sindical brasileira. A gestão de Almir Pazzianotto no Ministro do Trabalho – antes advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo – realizou uma nova reforma sindical, um pouco mais avançada da que havia sido posta em prática na gestão de Murillo Macedo.

As medidas de Pazzianotto tinham um caráter liberalizante: anistiou as lideranças sindicais afastadas de seus cargos por força de intervenção, extinguiu o modelo rígido e detalhado do estatuto-padrão, suspendeu o controle das Delegacias Regionais do Trabalho sobre as eleições sindicais e reconheceu politicamente as centrais sindicais. Mas essa política tinha limites, pois não apenas mantinha a estrutura sindical, como também apresentava uma lei de greves muito restritiva, especialmente no que diz respeito ao setor público, a ponto de ser lugar comum no governo Sarney a repressão violenta pelo exército a movimentos grevistas, como nos casos dos trabalhadores da usina hidrelétrica de Itaipu, dos petroleiros e dos metalúrgicos de Volta Redonda.

A mudança na postura cutista a partir de então – aceitando, gradativamente, o Estado brasileiro como um interlocutor direto e acreditando que ele poderia até mesmo interferir a seu favor no conflito capital-trabalho – se explica por algumas razões: já controlavam muito mais sindicatos oficiais do que no momento da fundação da Central, em 1983; após o fim do regime militar a aliança entre os dois principais grupos formadores da CUT – metalúrgicos de São Bernardo do Campo e oposições sindicais – já não se mostrava tão necessária; e, por fim, a maioria da direção da Central acreditava que, com o fim do poder de intervenção do Ministério do Trabalho nos sindicatos, o que havia de pior no bojo da estrutura sindical chegara ao fim.

Diante desse quadro, no congresso cutista de 1988 começou a se esboçar, ainda muito timidamente, uma autocrítica da maioria da Central quanto à luta pela mudança na estrutura sindical oficial e apontava-se o que seria o centro do problema, o imposto sindical.

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A luta contra o imposto sindical é a base para a luta contra a estrutura sindical oficial, que encontra nele o seu principal sustentáculo. Assim, o 3º Concut propõe dar caráter de massas à luta contra o imposto sindical [...] estabelecer o dia 10 de abril como dia nacional de protesto contra o imposto sindical [...] lançar uma campanha nacional de sindicalização [...] que desenvolva, ao nível da massa, [...] a necessidade de sustentação financeira por parte dos próprios trabalhadores [...] estabelecer, em julho, um dia nacional de devolução do imposto sindical [...] (3º CONCUT, 1988, p. 35).

A devolução do imposto sindical, ao que parece, era até esse momento uma medida bastante original e foi colocada em prática, ao menos, pelos sindicatos maiores e mais organizados da Central. Porém, a resolução destaca o grande problema de se ignorar o que para eles era o “principal�sustentáculo” da estrutura oficial: como manter um sindicato financeiramente sem o imposto? Assim, sindicalizar mais seria a alternativa ao fim do imposto sindical, além de significar uma solução para a questão da sustentação financeira com os recursos dos próprios trabalhadores.

O grau de autocrítica caminha num crescente com o passar dos anos, em que pese que a essa autocrítica estará atrelada uma proposta de organização sindical bastante diferente daquela defendida no Congresso de 1984.

As resoluções do congresso de 1991, ao destacarem os problemas a serem resolvidos pela Central, utilizaram como justificativa destes o fato de que “a�velha�estrutura�viciada�e�corporativa�do�movimento�sindical” não havia sido substituída por aquela que projetaram em anos anteriores, como também não haviam conseguido “implantar�a�contento�a�prática�sindical�aprovada�nos�três�últimos�congressos�da�CUT” (4º CONCUT, 1991).

Em 1994, afirmava-se nas resoluções do 5º congresso que a CUT apesar de ter surgido contra a legislação sindical vigente, não conseguiu romper com muitos dos parâmetros oficiais de organização sindical porque esbarrou nas mesmas questões que criticava e deixou os trabalhadores manterem a referência no sindicalismo oficial, assim como usufruírem das prerrogativas que apenas entidades sindicais oficiais possuem, como a representação junto ao judiciário trabalhista, que é negada quando sua legitimidade é passível de contestação. Tal processo de acomodação estaria gerando sérias conseqüências que prejudicavam ainda mais o projeto original da Central:

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Alicerçada sobre os sindicatos oficiais, a CUT enfrenta agora uma tensão crescente entre a acomodação à estrutura oficial e a consolidação de seu projeto sindical [...] essa acomodação, que pode chegar a uma adesão ao modelo corporativista, tem favorecido a burocratização, a ausência de controle das bases sobre as direções sindicais e, no limite, o abuso de poder e violência, sinais de degeneração da prática sindical (5º CONCUT, 1994, p. 26).

A burocratização destacada nesse trecho da resolução levou esse congresso a apontar a necessidade de se criar um “código�de�ética” que pudesse uniformizar os procedimentos de custeio das despesas dos dirigentes sindicais.

Fica nítido que os cutistas, ao menos em sua maioria já que se trata de uma resolução congressual, se davam conta, mais de dez anos depois, da teia institucional em que haviam se prendido, pois esse processo de acomodação/burocratização em que se encontravam nada mais era do que uma conseqüência dos encantos dos benefícios de uma estrutura que, não à toa, perdura há tanto tempo em nosso país. A dúvida quanto à “adesão ao modelo corporativista” é apenas uma afirmação vazia de quem vêm fazendo autocrítica em doses homeopáticas.

Quando já estava, aparentemente, conformada com o modelo de Estado menos autoritário, oriundo do novo processo de “redemocratização” após 1985, a CUT passou a maturar a proposta de contrato coletivo de trabalho e de uma “estrutura sindical cutista”, como uma alternativa à manutenção da essência da estrutura sindical varguista. É no congresso de 1991 que essa proposta surgiu com mais propriedade, justamente no momento em que a Articulação passou a denominar a postura sindical dessa Central de propositiva. O contrato coletivo é pensado pelos cutistas como um meio para garantir “um patamar mínimo para todos os trabalhadores e preservando as particularidades de cada categoria e região do país”, sendo que para isso era necessário que a CUT se consolidasse “enquanto estrutura sindical, estabelecendo a partir de uma ampla discussão uma política de transição para passar da estrutura oficial a uma estrutura sindical cutista”. Apresentavam-se, então, maiores características dessa proposta3 (4º CONCUT, 1991):

3 Essa proposta surgiu nas teses da corrente interna Força�Socialista e, como vemos, foi aprovada na íntegra. Cf. Caderno de teses para o 4º CONCUT (1991, p. 63).

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[...] o modelo de negociação coletiva ainda vigente mantém os princípios cardeais do corporativismo, como a interferência da Justiça do Trabalho, a negociação burocrática e a separação dos trabalhadores em categorias. Portanto, a proposta de contrato coletivo de trabalho deve romper com estes pressupostos, restaurando princípios como a não-dependência da data-base para as negociações, a possibilidade das centrais sindicais celebrarem acordos nacionais que normatizem contratos individuais de trabalho e as contratações coletivas de níveis inferiores, como por ramo de produção e serviço, categoria, setor ou empresa, e o fim do poder arbitral da Justiça do Trabalho.

Mais à frente era feita uma ressalva demonstrando que com o Estado pós-militar era possível ter um outro tipo de relação: “a negação da intervenção do Estado na vida trabalhista não pode significar a volta da ‘lei da selva’ do pleno liberalismo econômico”, por isso, e levando-se em consideração que o Brasil é um país capitalista o que faz com que a correlação de forças penda sempre para o lado do capital, “faz-se necessária a luta pela aprovação de uma legislação que garanta os direitos gerais dos trabalhadores” e que não podem ser questionados em qualquer negociação. Ou seja, o Estado não deveria intervir na esfera dos direitos coletivos para que preservasse o princípio da liberdade e autonomia sindical, mas deveria intervir na esfera dos direitos individuais, legislando leis trabalhistas que protegessem os trabalhadores da ditadura do mercado.

Apesar dessa proposta ter sido um pouco modificada nos anos posteriores – em 1993 é apresentada com alguns adendos ao Ministro do Trabalho, Walter Barelli (um ex-assessor sindical), por ocasião do Fórum Nacional sobre Contrato Coletivo e Relações de Trabalho – e apesar de não ser totalmente consensual no interior da Central, algumas considerações são necessárias.

É questionável considerar que o contrato coletivo de trabalho formulado por esses sindicalistas, que eram maioria na direção da CUT, pudesse substituir a estrutura sindical corporativa. Por outro lado, é uma proposta bastante próxima à neoliberal que trata das relações de trabalho e que é defendida pelos patrões no início dos anos noventa em nosso país.

Apesar da CUT partir de uma perspectiva oposta à neoliberal – pois enquanto esta combate a legislação trabalhista e propõe a sua desregulamentação, os cutistas atribuem ao Estado a definição de direitos

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mínimos que não poderiam ser desrespeitados pela contratação coletiva – aproxima-se dela quando defende que o contrato coletivo em caráter nacional seja complementado por contratos de menor abrangência, de acordo com as especificidades regionais e setoriais e, assim, contribui para corroborar o argumento patronal de que as condições entre os setores industriais e as regiões são distintas, o que pode inviabilizar a definição de regras de validade nacional ou rebaixá-las a um nível ínfimo, representando menor custo para as empresas (GALVÃO, 2002, p. 115-119).

Além disso, a CUT, ao defender que a legislação preservasse direitos mínimos, nivela as condições de trabalho ao patamar inferior e deixa cada categoria à sua própria sorte, lutando de acordo com as condições econômicas e de organização do setor em que está envolvida. Na realidade, essa posição é fragmentadora e até, em certo sentido, corporativista, pois propõe que os setores mais desenvolvidos e organizados não sejam impedidos por lei de obterem ganhos superiores aos demais.

Essa situação não pode ser vista meramente como uma capitulação frente aos patrões, já que a ideologia neoliberal, que se fortalece no Brasil a partir dos anos noventa, traz consigo uma aparente democracia que cai como uma luva em um país recém-saído de um regime ditatorial.

A Força Sindical, que é uma Central que surgiu no início dos anos noventa no calor do avanço das idéias neoliberais e do fim do socialismo�real, apresentava propostas de cunho liberal bastante próximas das que a CUT passou a defender cada vez mais, ao longo dessa década, tais como: a livre organização sindical, conforme Convenção 87 da OIT; contrato coletivo de trabalho; fim do caráter normativo da justiça classista; e participação dos trabalhadores nos lucros e produtividade das empresas (FORÇA SINDICAL, 1993, p. 108).

Finalmente, não é forçoso concluir que o discurso elaborado pelos sindicalistas da Central Única dos Trabalhadores ao longo da década de oitenta, de crítica à estrutura sindical oficial e – ao menos enquanto um projeto – de propostas para a sua superação vai aos poucos sendo esquecido na década seguinte, e tal discurso, apenas na primeira metade dos anos 1980, não se contradiz com a prática assumida pela maioria dos dirigentes sindicais cutistas.

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De tsunami a marola: uma breve história das fábricas recuperadas na América Latina

Henrique�T.�Novaes∗

Resumo: O artigo descreve as mudanças e permanências nas Fábricas Recuperadas da Argentina, Brasil e Uruguai e defende o argumento de que está havendo uma degeneração das mesmas. Ao mesmo tempo, observa-se que há possibilidades de transcendência da auto-alienação dos trabalhadores destas cooperativas e associações.

Palavras-chave: fábricas recuperadas; movimentos sociais; alienação, crise

IntroduçãoO objetivo deste artigo é, por um lado, descrever e fazer um balanço

do que aconteceu com as Fábricas Recuperadas (FRs) na Argentina, Brasil e Uruguai nas últimas duas décadas e, por outro, argumentar que houve um declínio ou uma perda de força destas fábricas e dos movimentos que as congregam, o que justifica o nome deste artigo.

Com a crise dos anos 1990, caracterizada por processos de desindustrialização, reestruturação produtiva e financeirização da América Latina, surgiram inúmeros casos de fábricas que foram abandonadas pelos antigos donos, ocupadas, tomadas ou arrendadas pelos trabalhadores.

Passados alguns anos da maioria dos casos, já se pode fazer um balanço dos limites e das possibilidades das FRs diante do sociometabolismo�do�capital (MÉSZÁROS, 2002). Defendemos o argumento de que as FRs estão degenerando e que houve um arrefecimento de suas lutas, se consideramos a possibilidade e a necessidade de construção de uma sociedade para�além�do�capital (MÉSZÁROS, 2002) na América Latina.

No que se refere à esperança depositada nos movimentos sociais, esperança esta que este artigo em certa medida desilude, ao menos no curto prazo, as palavras de Roberts (1997) são melhores que as nossas para expressar o contexto histórico e o papel depositado nos movimentos sociais:

Para uma geração de acadêmicos de esquerda e de ativistas políticos desiludidos pela repressão a partidos de vanguarda,

∗ Doutorando em Política Científica e Tecnológica na Unicamp. End. eletrônico: [email protected]

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pela derrota dos movimentos de guerrilha e pela fraqueza e vicissitudes do trabalho organizado, os novos movimentos sociais foram uma benção: uma nova forma de subjetividade popular que visava a uma ordem sócio-política radicalmente igualitária e participativa, e assim, restaurava a marcha na fé progressiva da história (ROBERTS, 1997 apud TONI, 2001, p. 92).

Antes de prosseguir, temos que fazer algumas ressalvas. Dentre as pesquisas realizadas até o momento, verificamos três tendências. De um lado, alguns pesquisadores afirmam que tudo�mudou depois do arrendamento ou aquisição dos meios de produção pelos trabalhadores de FRs. No outro extremo, há uma linha argumentativa que afirma que nada mudou, pois as FRs estão diante do sistema produtor de mercadorias e a relação capital-trabalho se reproduz dentro de todas as empresas, sejam elas de trabalhadores ou de patrões. A nosso ver, os primeiros ignoram os entraves para a emancipação humana que a não generalização da expropriação�dos�expropriadores representa. Além disso, também subestimam a impossibilidade de redirecionar a produção para a satisfação das necessidades humanas ao ocupar apenas algumas poucas fábricas, enquanto que o segundo grupo de pesquisadores fecha os olhos para as possibilidades que as FRs têm de dissolver o caráter de mercadoria da força de trabalho, definhando a alienação.

Na mesma linha, aqueles que têm como proposta somente a tomada�do� poder, não percebem que o capital não se extingue subitamente, por decreto, com um golpe de força. Enquanto isso, aqueles que não caem na falácia do enquanto� não� tomarmos� o� poder,� nada� mudará, nos mostram as permanências e mudanças nas FR, mas tendem a adotar uma visão microscópica da realidade social, observando somente o que acontece dentro dos muros das fábricas1.

Uma boa via argumentativa para resolver estes problemas parece ser a de Vieitez e Dal Ri (2001). Para os autores, há mudanças nas FRs, principalmente na organização e nas relações de trabalho, bem como na gestão. No entanto, eles afirmam que as modificações realizadas até agora não dão conta de transformar a essência das FRs – produção de mercadorias, supremacia dos quadros, etc. A possibilidade de avanço estaria na articulação das FRs com o movimento de luta mais geral dos trabalhadores, e em uma visão e um programa de modificação da sociedade,

1 Estas visões podem ser encontradas em maior medida nos partidos de esquerda da Argentina e em menor medida nos partidos de esquerda e na academia brasileira.

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e não apenas das unidades produtivas. De acordo com Gaiger, as formas de produção da Economia Solidária são atípicas, porém podem conviver - sem abalar - o capitalismo (GAIGER, 2002). Para que estas se convertam num novo modo de produção, são necessárias mudanças significativas que apenas serão esboçadas neste artigo.

O que aconteceu dentro das Fábricas Recuperadas latino-americanasEsta seção aborda as mudanças e permanências nas FRs. Uma

das maiores inovações nas FRs da Argentina e do Uruguai é a repartição igualitária das retiradas. Na pesquisa de Fajn et al. (2003), constata-se que 70% das fábricas optaram pela igualação das retiradas.

Tudo leva a crer que a proposta de repartição igualitária das retiradas ecoou com muito mais força na Argentina que no Brasil como resultado das medidas� de� força para adquirir a propriedade das fábricas e também porque as fábricas são menores, além das especificidades da história da classe trabalhadora deste país. No estudo de Fajn et al. (2003, p. 40-1) que abrange 87 FRs, nota-se que em 46% das fábricas os trabalhadores tiveram que recorrer a “tomada da fábrica” e 24% a outras “medidas de força” para recuperar a empresa (acampamento nas fábricas ou interrupção de trajetos de ruas).

Aqui, cabe observar, por exemplo, que a FR Los�Constituyentes têm retiradas igualitárias e pretende mantê-las enquanto que a FR uruguaia Coopdi (produção de ternos), apesar de possuir repartição igualitária no ano de 2004, postulava claramente um retorno às antigas faixas salariais quando a empresa voltasse a crescer. Uma outra fábrica - relatou um colega da Universidade de Buenos Aires - possui atualmente faixas de retiradas, mas vislumbra construir uma repartição igualitária. Nesse sentido, caberá avaliar ao longo do tempo se a proposta de igualação de retiradas se mantém ao longo da vida das FRs, ou é algo momentâneo, fruto de uma crise de emprego.

Sobre as FRs argentinas e uruguaias, devemos destacar como outras mudanças que vão desde a permissão para se tomar mate no chão-de-fábrica, melhoria substancial da comida nos refeitórios, espaços de recreação, criação de cursos de pintura, escultura, aulas de 2º grau dentro das fábricas, outros eventos culturais como a ida de uma pianista famosa que emocionou muitos trabalhadores, e até mesmo a criação de creches dentro das fábricas. Na

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fábrica Los�Constituyentes, alguns trabalhadores foram contratados para fazer um serviço improdutivo (pouco necessário ao bom andamento da fábrica) porque seus amigos ficaram com dó ao vê-los trabalhando como catadores de papelão na rua.

Se para a economia política existe apenas a categoria trabalho e não a de trabalhador, nas FRs o objetivo é facilitar ao máximo suas vidas dentro e fora do seu ambiente de trabalho, o que para nós pode ser considerado como uma espécie de humanização� do� espaço� de� trabalho pelos cooperados. Apesar dos imperativos da produção de mercadorias impedirem uma maior margem de manobra para que os trabalhadores de FRs possam humanizar ainda mais o ambiente de trabalho, verificamos que há possibilidades de mudança.

Quanto às nossas pesquisas sobre as assembléias, tanto em nossa revisão bibliográfica, quanto em nossas pesquisas de campo (NOVAES, 2007), ficamos com a impressão de que os presidentes e os conselhos vêem somente os deveres dos cooperados enquanto que os trabalhadores do chão-de-fábrica vêem a assembléia como direitos, principalmente de aumento das retiradas. Apesar de percebermos que há nas cooperativas maiores possibilidades de participação dos trabalhadores no processo decisório, por um lado, os trabalhadores não detêm o conhecimento técnico necessário para sugerir mudanças nos rumos das cooperativas e, por outro, houve controle de informação, principalmente daqueles que foram eleitos para os conselhos e presidência2.

Tal como nos mostra Holzmann (20001), os trabalhadores da Wallig não perceberam as possibilidades privilegiadas de intervenção no espaço de trabalho. Para os trabalhadores que estão no comando da Uniforja (cooperativa de Diadema, estado de São Paulo), a participação dos sócio-trabalhadores na organização da produção e do trabalho deve ser dirigida para o alcance da melhoria no desempenho das cooperativas, mas as questões como segurança no trabalho, ritmo e intensidade do trabalho, qualificação profissional, dentre outras, que dizem respeito às condições de trabalho não foram abordadas por eles. Por outro lado, os sócio-trabalhadores, apesar das possibilidades irrestritas de intervenção no processo de trabalho, não sugeriram temas que influenciariam o cotidiano das cooperativas, em termos de organização da produção e do trabalho (ODA, 2001).

2 Sobre a participação do trabalhador na fábrica e um contraste entre o modelo japonês e a autogestão, ver Novaes e Dagnino (2006).

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Podemos levantar quatro hipóteses sobre os motivos que levam os trabalhadores a não desconstruir o processo de trabalho vigente na fábrica. A primeira será abordada mais à frente, e tem a ver com o contexto defensivo.

Poderíamos especular também que os trabalhadores deixam de acreditar no mecanismo da assembléia quando percebem que se trata de algo figurativo, sem poder de mudança, apesar do parlamentarismo das cooperativas. Outra possibilidade, mais provável, advém da naturalização do processo de trabalho e a ausência do conhecimento técnico necessário para transformá-lo. Uma hipótese menos provável afirmaria que o uso das assembléias e dos mecanismos de decisão (em assuntos referentes ou não ao processo de trabalho) requer treino e tempo, uma vez que a divisão do trabalho heterogestionária foi concebida ou conformada assim.

Nossas pesquisas na Textilcooper (produção de mantas e cobertores) e na Cones (retorção de malharia, etc.) nos levam a concordar com Vieitez e Dal Ri (2001) quando afirmam que está sendo conformada uma elite político-administrativa nas cooperativas.

Um fato curioso que se tornou recorrente nas primeiras FRs tem a ver com a ausência de leis e normas logo após o arrendamento da massa falida. Muitos cooperados e associados passaram a interpretar a cooperativa como sendo um local onde se�pode�tudo, onde posso�fazer�o�que�quero�na�hora�que�quero, etc. Esse fato nos lembra o conto A�Igreja�do�Diabo, de Machado de Assis. Nele, o autor diz que o diabo resolveu criar uma igreja onde tudo era permitido. Com o passar do tempo, as pessoas sentiram falta das leis, porque sentiam a necessidade de transgredi-las. Na falta de normas criadas por meio de decisões coletivas, não com o objetivo de evitar a transgressão, mas sim para firmar regras de conduta, os cooperados interpretarão o cooperativismo como vácuo�de�leis, tal como relatam os estudos de Holzmann (2001) e Novaes (2005 e 2007).

Cabe acentuar também que muitos trabalhadores das FRs visitadas relatam que houve um aumento da criatividade. Afirmam também que hoje trabalham com maior tranqüilidade. Apesar disso, ainda se verifica uma imensa quantidade de trabalho alienante, repetitivo e desprovido de conteúdo.

Uma comparação entre a FR argentina Los� Constituyentes e a FR uruguaia co-gestionária Funsa (produção de pneus e luvas) ilustra a relação

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que se estabelece entre os trabalhadores e os engenheiros. Se em Los�Constituyentes, a fábrica funciona muito bem sem os engenheiros, na fábrica Funsa, os trabalhadores disseram que é impossível tocar a produção sem os mesmos, os quais, muitas vezes, são contratados como consultores. Na FR Los�Constituyentes, os operários afirmam a todo momento que conseguem e conseguirão levar o projeto autogestionário adiante porque acumularam elevado grau de conhecimento. Dizem que não precisam mais de engenheiros e capatazes, pois a sua única função era controlar o trabalho na fábrica (NOVAES, 2005a). Isso nos leva a pensar novamente que Braverman (1987) estava correto ao dizer que não há cooperativismo sem uma real emancipação dos trabalhadores em relação aos engenheiros e especialistas.

Sobre a tecnologia hardware, mesmo verificando que existem mudanças no que se refere à manutenção, reparação, pequenas adaptações do maquinário, são poucas as críticas à tecnologia convencional. Tanto as entidades de apoio dos Governos latino-americanos, quanto a academia e os trabalhadores parecem subestimar o problema que temos em mente: a necessidade de reprojetamento das forças produtivas, neste caso, o reprojetamento tecnológico.

A proposta de adquirir máquinas e equipamentos a fundo perdido (caso Textilcooper), tal como vem sendo estimulada pela Fundação Banco do Brasil, num primeiro momento, é muito sedutora. No entanto, podemos deduzir através de um olhar mais profundo que a proposta de atualização tecnológica traz consigo três pressupostos que, ao nosso ver, devem ser analisados com maior cuidado: a) o de que a última tecnologia é sempre a melhor; b) já existe tecnologia disponível, basta utilizá-la e c) esta tecnologia disponível serve tanto para os propósitos de empresas convencionais quanto para empreendimentos com características autogestionárias (NOVAES, 2005 e 2007).

Para nós, a visão de que a tecnologia avança, sendo a última tecnologia sempre a melhor, está impregnada nas mentes dos trabalhadores de FRs, dos trabalhadores de empresas convencionais e até mesmo no pensamento marxista. Não se percebe o caráter relacional da tecnologia, ou se quisermos, seu fetiche (NOVAES; DAGNINO, 2004).

O tema da permanência da exploração nas FRs ainda causa polêmicas que levam em muitos casos, a uma crítica imobilista por parte da esquerda latino-americana. Além das FRs serem exploradas pelos

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empreendimentos heterogestionários, tudo leva a crer que em algumas (ou muitas?) cooperativas a própria classe trabalhadora - além de se auto-explorar�- está explorando outros trabalhadores pela via da contratação. Conforme ressaltamos em nossa dissertação de mestrado (NOVAES, 2005b), o número de contratados na Cones, uma cooperativa do interior de São Paulo, subiu de 8 para 100 num intervalo de 2 anos. Maurício Faria (2005) encontrou numa cooperativa do Rio Grande do Sul 150 cooperados e 800 contratados (!) (FARIA, 2005)3. A Uniforja, um exemplo citado por todos de cooperativa bem sucedida, tem 240 cooperados e 240 contratados. Em Los�Constituyentes as diferenças entre os poucos contratados e os cooperados eram muito pequenas. Trata-se de algo que pode ser generalizado para as FRs argentinas, diferenciando-as das brasileiras? Para nós, trata-se de um bom tema de pesquisa. Podemos estar subestimando o imperativo da comercialização sobre a produção que tende a fazer com que as cooperativas se degenerem no capitalismo, como nos lembra Rosa Luxemburg (1999), mas nos inquieta o fato de algumas FRs não explorarem trabalhadores via contratação enquanto que outras FRs recorrem a este mecanismo de forma avassaladora. Uma boa hipótese de pesquisa seria aquela que afirmaria que as cooperativas não escapam à tendência do capitalismo depois de 1973, caracterizada por intensificação do trabalho dos que ficam nas corporações transnacionais e hiper-exploração dos trabalhadores de fábricas terceirizadas. Se for assim, seria muito ingênuo acreditar que as cooperativas e associações de trabalhadores poderiam permanecer blindadas, se diferenciando desta tendência do capitalismo.

O refluxo do movimento de FRsDiferentemente da Revolução Espanhola, por exemplo, em que

inúmeras fábricas foram coletivizadas, os casos por nós estudados não se inserem num contexto revolucionário e se restringem a poucas fábricas. No caso brasileiro há cerca de 160 FRs, no argentino, 160 e no uruguaio, 14. Neste sentido, são poucas as chances de manutenção das FRs num momento de isolamento das mesmas frente ao oceano� capitalista e, mais que isso, num momento de regressão histórica caracterizado pela perda de direitos trabalhistas, para não falar da fragmentação da classe trabalhadora

3 Os argumentos utilizados por esta FR são: impedir a entrada de líderes�negativos e o direito por terem criado a mesma, participando do processo inicial (FARIA, 2005).

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e da hiper-exploração da força de trabalho advindas com o novo padrão de acumulação.

Lima Filho (2004) acredita que a classe trabalhadora adotou inúmeras estratégias defensivas para sobreviver num contexto de crise avassaladora. Dentre estas, tivemos as FRs. Segundo ele, para se tornar uma proposta de ofensiva socialista, deverá haver a conjugação dos interesses das FRs com os interesses das massas tendo em vista a superação, de acordo com as possibilidades históricas, do sociometabolismo�do�capital.

Acreditamos que o contexto de crise avassaladora e a ausência por parte da esquerda de um projeto de transição socialista estão impedindo a passagem da um momento defensivo para um ofensivo. Os projetos da esquerda estão – quase todos - girando dentro da órbita do capital e não para�além�do�capital.

Mas afinal, as bandeiras e as práticas adotadas nas FRs e seus movimentos são “revolucionárias”? Há controvérsias. Enquanto os mais críticos afirmariam que lutar somente para salvar postos de trabalho com decisões democráticas pode se dar dentro do quadro de reprodução do capital, caracterizando então estratégias�de�sobrevivência em contraposição a necessidade de construirmos sistemas�alternativos�de�produção (QUIJANO, 2002). Isso pode ser visto quando se pergunta qual é o objetivo último dos trabalhadores e dirigentes dos movimentos sociais. A maioria diz que, por enquanto, uma fábrica recuperada é apenas uma experiência de contenção�social. Funcionando muito mais por pragmatismo do que por ideologia socialista, os gritos das FRs que ecoam na Argentina, Uruguai e Brasil clamam por nenhum direito a menos, pleno emprego, às vezes ecoando palavras anti-imperialistas.

Alguns chegam a declarar a necessidade de uma nova divisão do trabalho (NOVAES, 2007). Isto pode ser considerado revolucionário? Sim, ao questionar parcialmente a divisão de trabalho capitalista e não porque não questiona a necessidade de desmercantilização plena da sociedade, ou ainda, a�transcendência�positiva�da�alienação�do�trabalho.

No editorial da Revista Organizações & Democracia, Vieitez e Dal Ri (2003) fazem uma análise sobre a economia solidária que pode contribuir para o debate aqui travado. Senão vejamos:

A economia solidária leva em seu bojo fábricas controladas pelos seus trabalhadores que se reivindicam da autogestão democrática. Mas,� a� autogestão� democrática,� como� princípio� organizador� de� todas� as�

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fábricas,� e� ou� de� toda� sociedade,� não� é� preconizada� nem� mesmo� a� título�especulativo. Dessa forma, o que se pretende? Supõe-se, talvez, que a economia solidária possa expandir-se ininterruptamente às custas da empresa capitalista, até o ponto de chegar a confrontá-la de algum modo? Ou imagina-se que ela terá um espaço fundamental na sociedade sem alienar propriamente a organização capitalista da sociedade? (VIEITEZ e DAL RI, 2003, p. vi – grifo nosso).

Se um grupo acredita que salvar postos de trabalho ou sobreviver no capitalismo não abala� o� sistema,� outros afirmariam que, mesmo sem explicitar uma bandeira que indicaria a necessidade de uma transição socialista e, portanto, estando inconscientes sobre o que estão fazendo – estes trabalhadores estão ajudando a construir o socialismo na América Latina, uma vez que a luta pela manutenção dos postos de trabalho de fábricas que iriam fechar, por si só já, é uma luta socialista. Mais que isso, por terem dado uma resposta ao contexto de crise diante da tempestade dos anos 1990, estes trabalhadores se inserem dentro dos movimentos sociais críticos ao neoliberalismo. A pergunta seria então se eles criticam somente o neoliberalismo, ou melhor, a nova fase da acumulação capitalista, ou o próprio sociometabolismo�do�capital.

Talvez simbolizando muito bem o que serão os movimentos sociais na primeira metade do século XXI, verifica-se a ausência de um projeto social radical por parte das FRs que tenha um norte para�além�do�capital (MÉSZÁROS, 2002). Raras vezes se menciona que estas podem ser extremamente funcionais ao sociometabolismo� do� capital, e se celebra as possibilidades que as mesmas têm de sobreviver no capitalismo.

Longe de causar um abalo sísmico no sistema, aquilo que teoricamente se constituiria como uma alternativa radical, apontada por alguns como os germes do socialismo no oceano capitalista, pode acabar se tornando uma via de controle social dos miseráveis, onde a classe dominante mantém o domínio dos setores chave da economia.

Numa pesquisa realizada pelo Instituto Gino Germani (Argentina) no fim de 2004 junto a trabalhadores de FRs, perguntaram se era legítimo ocupar fábricas que “não fecharam”: para surpresa de todos, 90% dos trabalhadores responderam que não era legítimo ocupar fábricas produtivas. Se for verdade, como aponta o lema do Movimento Nacional de Empresas Recuperadas (MNER), que toda empresa que “fecha, deve ser ocupada e

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colocada para produzir”, o que fazem os trabalhadores quando as fábricas não fecham? (NOVAES; LIMA FILHO, 2006a).

A relativa diminuição de fábricas fechadas e a amenização do quadro de desemprego na América Latina tornaram-se um problema para a continuidade dos movimentos de FRs, pois com o relativo crescimento da economia, como poderiam contaminar outros trabalhadores? Somente como exemplo, a ANTEAG (Associação Nacional dos Trabalhadores e Empresas de Autogestão – entidade que toda hora muda seu nome), passou também a atuar junto a políticas de geração de trabalho e renda, via cooperativas que surgem do�zero, mudando parcialmente sua estratégia.

Sobre as bandeiras dos movimentos argentinos, tomemos como exemplo o Movimento Nacional de Fábricas Recuperadas pelos Trabalhadores (MNFRT - Argentina). Este movimento tem como marca o isolamento da política e dos partidos políticos. Verificamos que o MNFRT é um movimento social que aponta fundamentalmente para a conservação do posto de trabalho e que os próprios trabalhadores administrem a fábrica4. Isto serve para diferenciá-los do outro movimento de FRs. Ao contrário do Movimento Nacional de Empresas Recuperadas (MNER), o MNFRT afirma que não�faz�política, que a proposta deles serve somente para conservar postos de trabalho. Para nós, essa concepção é problemática, pois uma não�política também é uma política.

Poderíamos fazer algumas ilações que nos ajudariam a sintetizar nossos argumentos. Acreditamos então que este refluxo das FRs se devem a diversos fatores, sendo os mais importantes: a) um contexto extremamente desfavorável, defensivo, que impede o florescimento do cooperativismo e a contaminação de outras fábricas engajadas na criação de uma sociedade para� além�do� capital; b) problemas internos dos movimentos. Na Argentina, por exemplo, o MNER5 já passou por vários rachas, criações de facções, desmembramentos que vão contra qualquer unidade; c) a crise teórica da esquerda, dando origem a remendos teóricos, mesclas entre o ideário do capital com pequenas pitadas de reforma, d) se tomarmos a relação destes movimentos com o Governo, o quadro é desalentador. Para nós,

4 Não foi sem razão que alguns trabalhadores chegaram a esta conclusão, pois alguns partidos políticos usaram as FRs.5 Para saber mais detalhes destes movimentos e outros agrupamentos de FRs na Argentina, ver Ruggeri et al. (2005).

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os governos Lula e Kirchner vêem o cooperativismo como uma forma de contenção ao desemprego em massa ou de diminuição das tensões sociais. Estes governos são nitidamente pró-capital, principalmente pró-capital financeiro (NOVAES; LIMA FILHO, 2006b). Diante deste contexto, seria muito pretensioso acreditar que as mesmas poderiam constituir movimentos sociais vigorosos.

ConclusõesO propósito deste artigo esteve centrado na descrição das mudanças

e permanências nas FRs na América Latina e na descrição do arrefecimento dos movimentos de FRs.

É preciso reconhecer que nossa investigação baseou-se no estudo de fábricas que foram recuperadas pelos trabalhadores há menos de 10 anos, diante de um contexto de crise avassaladora caracterizado pela perda de direitos trabalhistas, o que nos leva a crer que seria muito pretensiosa a constatação de mudanças significativas. A tempestade do capital e sua força avassaladora parece ter sido mais forte do que os tsunamis provocados pelos trabalhadores, via ocupação de fábricas, fazendas, etc. Nesta luta desigual, os tsunamis inicialmente provocados pelas FRs parecem ter se tornado marolas.

Ademais, os trabalhadores não fazem a história como querem, mas como podem, segundo as possibilidades de sua época histórica. É o próprio Marx que afirma, numa célebre frase, que “os� homens� fazem� a� sua� própria�história,�mas�não�a�fazem�segundo�a�sua�vontade�livre;�não�a�fazem�sob�circunstâncias�de�sua�escolha,�mas�sob�aquelas�circunstâncias�com�que�se�defrontam�diretamente,�legadas�e�transmitidas�pelo�passado”.

Nossa análise vem nos levando a crer que na atual conjuntura, tanto pelas políticas dos movimentos de Fábricas Recuperadas quanto pelo contexto no qual estão inseridos (principalmente o isolamento ou a não generalização destes empreendimentos e a não contaminação da autogestão nas empresas capitalistas) estão fazendo com que aos poucos as FRs mais à esquerda percam seu potencial revolucionário ou fiquem isoladas, pregando no deserto, o que nos leva a crer que acabam ganhando um cunho adaptativo, para não falar na degeneração das mesmas.

Enquanto isso, a Venezuela parece sinalizar uma outra tendência, que insere as fábricas co-gestionadas (fábricas abandonadas ou improdutivas�que

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estão sendo estatizadas) e as cooperativas populares num cenário favorável ao seu desenvolvimento (NOVAES; LIMA FILHO, 2006) e à amenização da deterioração que as mesmas estão sujeitas. Seria esta uma alternativa para as FRs?

Uma das exceções em termos de engajamento na luta pela recuperação do trabalho com o engajamento pela transformação da região na qual está inserida é a Fábrica de cerâmicas Zanon - Argentina, uma fábrica sin�patrón (VIEITEZ ; DAL RI, 2006). Situada na província de Neuquén, esta fábrica ainda está “ilegal” do ponto de vista da legislação do capital. Os trabalhadores reconhecem que estão completamente ilegais do ponto de vista jurídico, mas dizem: “temos que sobreviver, há uma razão social em primeiro lugar”. Com um forte apelo aos vínculos da fábrica “a serviço da comunidade”, continuam: “Sou um trabalhador e quero retribuir à comunidade tudo o que ela nos deu. (...) Os lucros desta fábrica têm que ir para ela” (MAGNANI, 2003, p.143)6. Esta fábrica vem obtendo muitos excedentes, a ponto dos trabalhadores incorporarem a função de Fábrica-Estado. Eles ajudaram a construir hospitais, escolas, etc, aumentaram a doação de cerâmica para o povo da cidade, etc. Zanón talvez seja a FR que tem um discurso e uma prática mais à esquerda. Como uma marola de impacto local que tenta agitar o mar dos movimentos sociais, esta FR ainda segue seu leito, isolada, em função do contexto defensivo no qual está inserida a classe trabalhadora, em grande medida dominado por um oceano capitalista que cria diversas barreiras que impedem o autogoverno pelos produtores associados tendo em vista a construção de uma sociedade produtora de valores de uso.

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6 No seio das FRs, há certos grupos que têm um sentimento de que as fábricas são bem públicos ou bens sociais, estando a frente de qualquer direito à “propriedade privada” que o antigo dono reivindica. Ver, por exemplo, Magnani, (2003, p. 66). Para maiores detalhes sobre as FRs, ver Cruz (2006), Faria (2005) e Novaes (2007).

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Análisis del llamado “movimiento piquetero” de la Argentina: los objetivos de sus acciones de protesta∗

Paula�Klachko∗

Resumen: Presentamos un ejercicio de comparación de los objetivos de los hechos de rebelión de cinco organizaciones de trabajadores desocupados con diferentes tendencias políticas. Tomamos el primer semestre de 2002, momento de mayor movilización social (dentro del ciclo que comienza en diciembre de 1993), y el primer semestre de 2004, cuando se consolida una nueva situación política que deriva del cambio de gobierno nacional. El ejercicio nos permite observar cómo se modifican sus objetivos en distintas coyunturas políticas, lo que debería constituirse en indicador del momento de las relaciones de fuerzas políticas, y podría aportar al conocimiento del carácter de las alianzas que se conforman y de las fuerzas sociales que se re-constituyen en el presente de la sociedad Argentina.

Palabras claves: organizaciones de trabajadores desocupados; objetivos; hechos de rebelión

Los objetivos que se plantean en las acciones de protesta se constituyen en un indicador (entre otros) del momento de las relaciones de fuerzas políticas en las que se encuentran los grupos sociales y de los grados de conciencia que las fracciones y/o clases sociales tienen de sí (de su situación y cómo resolverla, apuntando a los efectos o a su raíz), de las otras clases y fracciones sociales y de las relaciones entre ellas; grados de conciencia que hacen al momento que transitan en su constitución como clases sociales, y que se expresan en las luchas que se llevan a cabo (IÑIGO CARRERA, 2000).

En su génesis el movimiento de trabajadores desocupados de la Argentina, llamado “movimiento piquetero”1, con sus distintas expresiones

∗ Versión modificada y corregida del Documento de Trabajo n° 55 originalmente publicado en PIMSA 2005 y forma parte resumida de la parte 3 del capítulo 7 de la Tesis Doctoral “La forma de organización emergente del ciclo de la rebelión popular de los ‘90 en la Argentina”, Doctorado en Historia UNLP, Argentina, inédito.∗∗ Licenciada en Sociología, Universidad de Buenos Aires; Doctora en Historia, Universidad Nacional de La Plata; Investigadora PIMSA (Programa de Investigación sobre el Movimiento de la Sociedad Argentina).1 Consideramos que se puede hablar de la conformación de un movimiento social en 2000-2001, puesto que se constituyen y son capaces de: actuar a escala nacional, de articular a otras fracciones del pueblo en sus protestas, y de influir en la política del Estado, aunque centrados en la defensa de su interés inmediato (como parte de la capa más pauperizada de la clase obrera).

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se organiza en torno a objetivos económicos reivindicativos/corporativos de los pobres y desocupados urbanos, lo que lo hace homogéneo socialmente, y lo ubicaría en el primer momento de las relaciones de fuerza política y de la conciencia política colectiva que Gramsci denomina económico – corporativo, en el que es sentida la unidad homogénea del grupo y el deber de organizarla pero no se siente aún la unidad con el grupo social más vasto (GRAMSCI, 1997, p. 57).

Para avanzar en el conocimiento del momento de las relaciones de fuerza política (grados de autoconciencia, homogeneidad y organización) por el que atraviesa el movimiento de trabajadores desocupados en su desarrollo posterior, hemos realizado un ejercicio de comparación de los objetivos de las acciones de protesta de cinco organizaciones (seleccionadas por su alcance nacional e impacto político social): el Polo Obrero (PO), vinculado al Partido Obrero (PO), de tradición ideológica trotskista; la Corriente Clasista y Combativa (CCC), vinculada al Partido Comunista Revolucionario (PCR), de orientación maoísta; el Movimiento Barrios de Pie (MBP), vinculado en aquel momento a la Corriente Patria Libre (CPL) hoy parte del Movimiento Libres del Sur, que se reconoce como expresión del nacionalismo revolucionario; la Federación de Tierra y Vivienda (FTV), ligada (menos orgánicamente que las anteriores) a la Central de Trabajadores Argentinos (CTA), cuyos principales dirigentes se identifican con el peronismo y el cristianismo de base; por último a los Movimientos de Trabajadores Desocupados que utilizan el nombre de Aníbal Verón, que se unificaban en 2002 en una Coordinadora (CTD AV) y luego en 2004 se encuentran separados en distintas corrientes referenciados ideológicamente en un arco que va desde el nacionalismo revolucionario hasta el llamado “autonomismo”.

Hemos tomado muestras temporales que responden a dos momentos políticos diferentes del país: el primer semestre de 2002, inmediatamente posterior a la insurrección espontánea de diciembre de 2001, momento de máxima movilización social (en sentido cuantitativo) dentro del ciclo de la rebelión que comienza en diciembre de 19932, en el marco del gobierno de transición de Eduardo Duhalde, en la fase de consolidación del movimiento de trabajadores desocupados; y el primer semestre de 2004, momento en el

2 Fuente: base de datos elaborada en el PIMSA.

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que consideramos que ya se ha asentado una nueva situación política, con el gobierno de Néstor Kirchner, que resuelve en parte la crisis política e “implica un cambio en la relación de fuerzas al interior de la cúpula de la burguesía y, a la vez, una vinculación estrecha entre ese cambio y la lucha desarrollada desde el pueblo” (COTARELO, 2004, p. 144).

En cuanto a los alineamientos de las organizaciones en la breve historia de vida del movimiento de desocupados, puede diferenciarse los momentos en los que hay unidad – más allá de las diferencias ideológicas y estratégicas – contra lo que consideran opciones políticas dentro del mismo “modelo neoliberal”: los gobiernos de Menem y de De la Rúa. Pero luego de la insurrección popular espontánea (IÑIGO CARRERA; COTARELO, 2003) de diciembre de 2001 y los gobiernos que le suceden se dificulta la confluencia pues aparecen distintas caracterizaciones de las situaciones y de los gobiernos.

En el primer semestre de 2002 estas organizaciones se alinean en dos bloques según su mayor o menor disposición al diálogo con el gobierno, quedando la CCC y la FTV entre los primeros y la CTD AV, el PO y el MBP (aunque éste último en ese momento integraba más formal que realmente la FTV) entre los segundos. Es un momento de alianza de las organizaciones de trabajadores desocupados con la pequeña burguesía, organizada en asambleas barriales.

Pero a partir de 2003 cambia la correlación de fuerzas al interior del bloque dominante y se logra recomponer el sistema político institucional desde otra alianza social de la que pasan a participar algunas organizaciones piqueteras y una parte de las organizaciones representantes de la clase obrera en activo, por lo que cambian también las políticas de gobierno con la nueva administración de Néstor Kirchner generando una nueva situación política. Así, la línea divisoria entre estas organizaciones – y el conjunto del “movimiento piquetero” – se establece entre quienes apoyan al gobierno (FTV y MBP) y los que están en la oposición (CCC, PO, CTD/MTD AV). Quienes apoyan al gobierno lo consideran como un “gobierno en disputa” en el que un sector del mismo favorecería a los intereses populares, y quienes se encuentran en la oposición ven en él la continuidad de las políticas de los anteriores gobiernos y la reconstitución del régimen.

A raíz de la desmovilización de las capas medias y la resolución de la crisis económica las organizaciones de trabajadores desocupados que

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continúan en la oposición y con el instrumento del corte de rutas atraviesan cierto aislamiento. La alianza con las capas medias se ha roto.

Antes de abordar los objetivos presentamos el siguiente cuadro3:

Cuadro 1: Cantidad de acciones de protesta convocadas por organización4 en enero/junio 2002 y enero/junio 2004�

CCC MBP PO FTV CTD/MTD AV

enero/junio 2002 209 30 90 79 37

enero/junio 2004 114 18 130 3 132

Fuente: todos los cuadros son de elaboración propia realizada con la base de datos del PIMSA

En cuanto al número de acciones de protesta la CCC es la que mayor cantidad convoca en el primer semestre de 2002 (209), bajando a casi la mitad de hechos en el primer semestre de 2004 (114). El PO pasa de 90 acciones a 130. Las organizaciones denominadas Aníbal Verón aumentaron de 37 hechos de protesta a 132, aunque una parte de ese aumento probablemente se explica por la fractura de ese espacio. La FTV disminuyó abismalmente el número de acciones de protesta convocadas de 79 a sólo 3 hechos. Y por último Barrios de Pie también disminuye la cantidad de acciones de protesta de 30 a 18. Ambas disminuciones se explicarían por pasar a formar parte de la alianza política en el gobierno.

Respecto a los objetivos de la protesta los hemos diferenciado en tres grandes agrupamientos a los fines de ponderar su peso:

Tipo I: Objetivos� económico/corporativos: objetivos reivindicativos - específicos de determinadas fracciones o capas sociales vinculados a sus intereses inmediatos en el campo de las relaciones sociales establecidas en la actividad económica o necesarias para su reproducción social (como fuentes de trabajo, planes de empleo y sociales, subsidios, alimentos, medicamentos, etc.).

3 La base de datos sobre la que se realizaron los cuadros sólo toma en cuenta hechos callejeros con carácter de protesta, por lo que no están contempladas en los cuadros otras acciones cotidianas de las organizaciones, ni movilizaciones callejeras que no tienen carácter de protesta aunque sean demostraciones públicas y políticas. 4 El cuadro refleja la cantidad de acciones en que cada organización participó como convocante. Como varias organizaciones pueden convocar a una misma acción, la suma de las acciones contabilizadas excede el total de hechos de protesta sucedidos en cada período. Varias de las acciones fueron realizadas en el marco de una misma jornada de lucha.5 Dado que en el primer semestre de 2002 los diferentes grupos que asumen el nombre de Anibal Verón estaban unificados, a los fines de poder comparar, para el primer semestre de 2004 tomaremos a todos los diferentes grupos que utilizan ese nombre como una sola organización.

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Tipo II: Objetivos� político/corporativos: objetivos reivindicativos - específicos de determinadas fracciones o capas sociales vinculados a sus intereses inmediatos en el campo de las relaciones políticas, es decir a la limitación de la opresión (por ejemplo: por la libertad de presos políticos, contra represión, crímenes o atentados, por o en contra de determinadas leyes, o funcionarios, etc.).

Tipo III: Objetivos�político/económicos�generales: objetivos que abarcan el conjunto de las relaciones sociales, políticas y económicas, es decir dirigidos al conjunto de la sociedad, y que hacen a los intereses populares y potencialmente a una transformación social (por ejemplo referentes al “modelo” o las políticas de estado nacional o internacional como la guerra, ALCA, FMI, deuda externa, imperialismo, empresas privatizadas, gobierno nacional, etc.).

En primer lugar analizaremos la�cantidad�de�veces�que�cada�organización�convoca�a�acciones�de�protesta�teniendo�en�cuenta�cada�tipo�de�objetivo�por�separado6.

Cuadro 2: Cantidad de acciones de protesta por Organización y Tipos de objetivos, enero - junio 2002Tipo de objetivo CCC MBP* PO FTV CTD/MTD AV

I 79%(166)

63%(19)

68 %(61)

84%(66)

86%(32)

II 38 %(80)

7 %(2)

33 %(30)

41%(32)

16%(6)

III 3%(6)

7%(2)

27%(24)

8%(6)

5%(2)

Total hechos (209) (30) (90) (79) (37)

* Esta organización tiene 8 hechos (27%) sin datos sobre objetivos lo que podría modificar el análisis. Para las demás organizaciones la categoría sin datos no pasa del 5%.

Del cuadro 2 se desprende que en el primer semestre de 2002 la gran mayoría (el 63% o más) de las acciones de protesta convocadas por todas las organizaciones son por objetivos económico – corporativos.

El PO es el que muestra un mayor porcentaje de acciones convocadas con objetivos político/económicos generales en este semestre con 27%.

6 Por ende, los casos en que distintos tipos de objetivo aparecieron en una misma acción fueron divididas y contadas como diferentes acciones: tantas veces como tipos de objetivos estaban presentes. Ello hace que la suma de los registros correspondientes a las tres categorías de objetivos exceda el total de acciones emprendidas realmente por las organizaciones. Por la misma razón, la suma de los porcentajes es mayor al 100%.

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Las demás organizaciones no superan el 8% de hechos con este tipo de objetivos.

Respecto a las acciones con objetivos de tipo II se destacan las proporciones que muestran la CCC y la FTV (aliadas en este momento) con un 38% y un 41% respectivamente, aunque son la mitad de los de tipo I.

Cuadro 3: Cantidad de acciones de protesta por Organización y Tipos de objetivos, enero – junio 2004Tipo de objetivo CCC MBP PO FTV CTD AV

I 91% (104)

39%

(7)

95%

(123)-

85%

(112)

II22 %

(25)

17 %

(3)

34%

(44)

67%

2

42%

(56)

III3%

(3)

44%

(8)

31%

(41)

33%

1

42%

(56)

Total hechos (114) (18) (130) (3) (132)

Para el primer semestre del año 2004 la CCC, el PO y las distintas vertientes de lo que fue la CTD AV continúan convocando a movilizarse en su gran mayoría por objetivos económicos reivindicativos/corporativos: la CCC con un 91%, los MTD AV con 85% y el PO con un 95%. Esta última organización, mientras que aumenta en un 27% (de 68% a 95%) sus acciones con objetivos económicos corporativos, mantiene en una proporción similar las que realiza con objetivos político-económicos generales, pasando de 27% a 31%. También mantiene similar proporción de acciones con objetivos del tipo II respecto del primer semestre de 2002 (34%).

La CCC baja la proporción de objetivos políticos corporativos en sus acciones a 22% y mantiene la misma de objetivos político/económicos generales (3%).

Los agrupamientos AV aumentan los hechos convocados por objetivos de tipo II y III a 42% en ambos casos.

El MBP, por el contrario, reduce su proporción de acciones convocadas con objetivos económicos corporativos de 63% a 39%, y aumenta la de objetivos político corporativos a 17% y más aún la de objetivos político-económicos generales a 44%, siendo la organización que mayor proporción de acciones con objetivos de este tipo presenta.

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Dado que la FTV sólo convoca tres acciones de protesta en este lapso es difícil efectuar la comparación con las demás. En esas tres acciones presenta objetivos políticos, dos de tipo reivindicativo y uno general.

Para dar un paso más en este análisis hemos desagregado el total de hechos de protesta convocados por estas cinco organizaciones según las combinaciones de objetivos tal como aparecen en las acciones, por lo que ahora el total suma el total real de acciones convocadas (y sus proporciones suman 100%).

Cuadro 4: Organización y cantidad de acciones de protesta por Tipos de objetivos combinados, enero – junio 2002Tipos de objetivos

combinadosCCC MBP PO FTV CTD/MTD AV

I119

57%

19

63%

43

48%

38

48%

30

81%

II33

16%

1

3%

5

6%

4

5%

3

8%

III4

2%

1

3%

15

17%

4

5%

1

3%

I + II46

22%

0 17

19%

27

34%

2

5%

I + III1

0,5%

0 1

1%

1

1%

0

II + III1

0,5%

1

3%

8

9%

1

1%

1

3%

I + II + III 0 0 0 0 0

Sin datos5

2%

8

27%

1

1%

4

5%

0

Total hechos*(209)

100%

(30)

100%

(90)

100%

(79)

100%

(37)

100%

*En algunos casos la suma total da 99% o 101% porque hemos redondeado los porcentajes a números enteros para facilitar la lectura de los cuadros 4 y 5.

Vemos que en el primer semestre de 2002 la mayoría de las acciones son por objetivos económicos corporativos solamente, y son también los MTD Aníbal Verón los que presentan mayor proporción de acciones sólo por objetivos tipo I: 81%. Las que menor proporción de acciones sólo por objetivos tipo I presentan son la FTV y el PO con 48% de acciones ambas.

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Respecto a los hechos convocados sólo por objetivos tipo III es el PO el que mayor proporción muestra con un 17%, mientras que la misma organización muestra además un 9% de hechos que combinan objetivos políticos corporativos y generales, y se destaca también su convocatoria a 19% de hechos que combinan objetivos de tipo I y II.

Habíamos observado en el cuadro 2 que la CCC y el FTV mostraban importante proporción de acciones convocadas con objetivos políticos corporativos las que, según nos muestra este nuevo cuadro, se realizan en su mayoría en combinación con objetivos de tipo I. Así, la CCC convoca el 16% de sus acciones sólo por objetivos de tipo II y lo hace en un 22% con la combinación I y II, y la FTV en un 5% por objetivos tipo II y en un 34% con la combinación I y II.

Para el MBP y los CTD/MTD Aníbal Verón, el análisis desagregado no se modifica sustancialmente respecto del cuadro 2.

Cuadro 5: Organización y cantidad de acciones de protesta por Tipos de objetivos combinados, enero – junio 2004Tipos de objetivos combinados

CCC MBP PO FTV CTD/MTD AV

I87

76%

7

39%

84

65%

0 59

45%

II8

7%

3

17%

5

4%

2

67%

17

13%

III1

1%

8

44%

2

2%

1

33%

3

2%

I + II16

14%

0 0 0 0

I + III1

1%

0 0 0 14

11%

II + III1

1%

0 0 0 0

I + II + III0 0 39

30%

0 39

30%

Total hechos(114)

100%

(18)

100%

(130)

100%

(3)

100%

(132)

100%

Es interesante observar que en el primer semestre de 2004 claramente la CCC, PO y MTD AV se movilizan en mayor proporción sólo por objetivos económicos corporativos/reivindicativos (76%, 65% y 45%);

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éstas organizaciones se encuentran alineadas en la oposición al gobierno de Kirchner; en cambio MBP y FTV o no se movilizan (FTV) o bien reducen su proporción y cantidad por este tipo de objetivos, como en el caso de MBP, aunque los datos no se modifican respecto del cuadro 3 para esta organización pues no presentan hechos con objetivos combinados.

Respecto de los objetivos de tipo III el MBP, aún con la disminución de hechos de protesta que muestra, es quien presenta la mayor cantidad, en términos relativos y absolutos, de acciones convocadas sólo por objetivos políticos generales (44%, 8 acciones).

En el cuadro 3 podía observarse que los MTD AV habían aumentado en 2004 respecto de 2002, la proporción de acciones con objetivos del tipo III a 42%; pero en este cuadro se observa que sólo el 3%7 se convocan exclusivamente por ese tipo de objetivos, mientras que en 11% lo hacen combinando objetivos del tipo I y III y en un 30% de acciones combinan los objetivos I, II y III (39 acciones). Es decir que del 42% de acciones convocadas con objetivos políticos/económicos generales que nos mostraba el cuadro 3, más del 40% se convocan también por objetivos económicos corporativo (en su mayoría) y políticos corporativos.

Para el PO, el cuadro muestra que el 4% de hechos se convoca sólo con objetivos políticos corporativos y aún menos, sólo el 2%, se convoca exclusivamente con objetivos de tipo políticos/económicos generales, mientras que el resto de los objetivos de tipo III que aparecía en el cuadro 3 aparece en forma combinada con el tipo I y el tipo II en el 30% de las acciones (39 acciones).

Como se observa, esa combinación de objetivos con ese número de acciones (39) es igual para el PO y los MTD AV, pues justamente obedece a hechos que se producen a lo largo del país en una misma “jornada de protesta nacional”, la del 19 de febrero de 2004 por la restitución de planes de empleo, contra la ley de reforma laboral, contra el pago de la deuda externa, contra el FMI y por la libertad de presos políticos y sociales. Y en el caso de las organizaciones que responden al nombre de Aníbal Verón es sólo un sector, la CTD AV, el que convoca.

Para la CCC, que en el cuadro 3 mostraba un 22% de acciones con objetivos tipo II, ahora vemos que dichas acciones se realizan en su mayoría

7 De los cuales dos son actos paralelos por el Primero de Mayo de las diversas partes en que se divide ese movimiento respecto de 2002.

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(14%) en combinación con objetivos del tipo I. Esta organización, de los 3 hechos en los que se mueve por objetivos de tipo III, en dos lo hace en combinación con objetivos del tipo I o II.

AnálisisSi bien lo primero que aparecía al momento de su conformación

es que estas organizaciones del movimiento de trabajadores desocupados expresaban intereses económicos corporativos (conseguir medios de vida, principalmente empleo), mediante este ejercicio se pretendió observar con mayor rigurosidad qué tipo de objetivos se proponen en su desarrollo mediante hechos de rebelión.

Para interpretar el peso o resultado histórico de los tipos de objetivos presentes en las acciones y las tendencias que marcan, no se debe hacer una lectura mecánica sino que debe incorporarse el análisis de otras dimensiones, al igual que el impacto político que generan8.

También se debe tener en cuenta que el hecho de que sean tendencias o militantes políticos con (diversos) proyectos de transformación social progresiva las que organizan este espacio social le otorga a todas las organizaciones de trabajadores desocupados una impronta fuertemente política e ideológica.

Ello ayuda a explicar que muchas veces se combinen en las acciones objetivos de tipo económico y político corporativo y otros que hacen al conjunto de las relaciones sociales y potencialmente al interés histórico de los trabajadores y del pueblo. En ocasiones estos objetivos aparecen subordinados a los primeros, como por ejemplo en la jornada de cortes de rutas del día 20 de mayo de 2002 en distintos puntos del país, que se extienden hasta el día 24 en La Matanza, convocados por la CCC y la FTV. Se convocan con un objetivo político general y reclamos reivindicativos (económicos y políticos) pero se pone fin a las medidas de lucha cuando se obtienen los reclamos económicos y políticos corporativos.

En este ejercicio de comparación hemos observado que en el primer semestre de 2002 claramente la mayoría de los hechos convocados por las

8 Por ejemplo los hechos del 26 de junio de 2002 se realizan en un contexto marcado por la decisión del gobierno de impedir los cortes de los accesos a la Capital y finalmente la policía ataca y mata deliberadamente a dos manifestantes, así más allá de los objetivos que se proponen las organizaciones, los hechos adquieren un carácter netamente político.

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cinco organizaciones son por objetivos de tipo económico corporativos. Convocan también a una importante proporción de acciones con objetivos políticos corporativos, pero constituyen la mitad de las del primer tipo.

Uno de los hechos más destacados de este semestre con objetivos económicos y políticos reivindicativos/corporativos es la marcha que comienza el 27 de enero, en la que 15 mil desocupados de la FTV y la CCC de La Matanza (conurbano bonaerense) caminan hacia Plaza de Mayo (centro político de la capital del país) y reciben amplia adhesión y apoyo organizado de fracciones de pequeña burguesía.

Los hechos en los que aparecen los objetivos políticos generales en primer plano (que en 2002 son pocos y el PO es el que más muestra) se dan en fechas político-históricas o cuando las acciones son convocadas junto a otras fracciones de la clase obrera y de pequeña burguesía y organizaciones políticas y sociales.

En el primer semestre de 2004 la parte del movimiento de desocupados que se opone al gobierno permanece movilizándose en su mayoría por objetivos económicos corporativos. Como la Jornada Nacional de lucha por la universalización de los planes y por la duplicación del monto de los mismos, que protagonizan el PO, CCC, CTD AV (junto a otras organizaciones) del 12 de mayo en la que se realizan 150 cortes de rutas.

Si bien aparecen objetivos político generales en una proporción significativa, en su mayoría son en combinación con objetivos de tipo I (es el caso de los MTD AV y PO: ambas convocan sólo a un 2% de acciones exclusivamente por objetivos de tipo III9). La CCC convoca sólo a 3% de acciones con objetivos políticos generales, de los cuales el 1% se realiza solamente por este tipo de objetivos.

Como se desprende de la medición, las dos organizaciones aquí estudiadas que se alinean con el gobierno de Kirchner, en este semestre descienden la cantidad de convocatorias a acciones de protesta; sobre todo la FTV (a sólo 3 acciones); el MBP convoca menos hechos de protesta pero en mayor medida por objetivos políticos generales (en números

9 De las dos acciones que realiza el PO sólo con objetivos económicos/políticos generales, una de ellas es la participación en una acción convocada desde los intereses del régimen: la marcha “contra la inseguridad” que propone endurecer el código penal, convocada por Juan Carlos Blumberg - empresario, hoy referente de la derecha política - cuyo hijo fue secuestrado y muerto en un hecho de extorsión por dinero en marzo de 2004.

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absolutos es la organización que mayor cantidad de acciones convoca con objetivos exclusivamente político/económicos generales), de tipo populares y antiimperialistas (como contra el imperialismo, la deuda externa, etc.).

Por otra parte MBP y FTV emprenden movilizaciones y demostraciones políticas callejeras que no son de protesta (y por lo tanto no están contempladas en los cuadros) sino de apoyo a las políticas del gobierno que consideran en beneficio de los intereses populares, con objetivos políticos generales, como la participación en el acto en la Escuela de Mecánica de la Armada el 24 de marzo, día en que se conmemora el 28° aniversario del golpe de estado de 1976, en el que se firma el acuerdo de creación del Museo de la Memoria en dicho ex centro clandestino de detención, torturas y fusilamientos.

De esta manera se pone en cuestión la lectura de algunos analistas acerca de la “cooptación” de las organizaciones alineadas al gobierno en 2004 y la imagen de radicalidad de las organizaciones opositoras.

Cierto aislamiento social y político que atraviesan las denominadas “organizaciones piqueteras” podría ser un factor que explique la disminución en la cantidad de acciones convocadas por FTV y MBP (además de su afinidad y el probable mejor acceso a la negociación directa con el gobierno), pero también de la CCC. Al tiempo que ello influiría en que los objetivos de quienes, desde la oposición al gobierno, continúan convocando a gran cantidad de acciones de protesta, sean económicos corporativos en primer lugar.

A manera de ejemplo, el 15 de marzo la CCC inicia una semana de lucha nacional, en la que hacen confluir reclamos de los trabajadores ocupados y desocupados; pero estas demandas, al igual que las de los planes de empleo dados de baja en Buenos Aires, no se consiguen. Ello es un indicador del aislamiento que deriva en una debilidad relativa si se comparan los resultados inmediatos de las luchas anteriores, en lo que hace al reclamo por medios de vida.

Cabe destacar que mientras que en 2002 algunos de los objetivos político económico generales son por la renuncia del gobierno nacional, en 2004 no aparece este objetivo en ninguna protesta de las organizaciones que están en la oposición, lo que es un indicador del cambio de la situación y de las alianzas políticas, de la recomposición del sistema institucional y de

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que estas organizaciones no encuentran condiciones subjetivas y objetivas para plantearlo.

Los objetivos político reivindicativos se potencian al final del semestre cuando el 25 de junio, matan a un militante y dirigente de la FTV, luego de lo cual esta organización toma por siete horas la comisaría n° 24.

Relacionado al tema de la “cooptación” política aparece la cuestión de la tendencia a la “institucionalización” de los movimientos, nociones que muchas veces se usan indistintamente, y que en general apuntan a significar desmovilización10. Algunos autores consideran en 2002 como la “línea institucional”11 al alineamiento de la CCC con la FTV (de lo cual un indicador puede ser su participación en el Consejo Consultivo Nacional que administra y controla planes y subsidios sociales). Sin embargo en ese semestre son las organizaciones que más acciones de protesta convocan (con objetivos económicos corporativos) si se toman en conjunto (288 hechos) y en relación a las otras tres organizaciones que tomamos aquí. Es probable que ello se explique por ser las que muestran mayor crecimiento y extensión nacional, y que a la vez ello explique su mayor acceso a la negociación con el gobierno, al tiempo que éste último también las elija por ello como interlocutores.

Por otra parte debe tenerse en cuenta que las demás organizaciones también presentan disposición a la participación en instituciones (como el PO en el parlamento, más tarde el MBP en ámbitos oficiales de gobierno). Por otra parte dicha participación no es sinónimo de institucionalización aunque sean fenómenos que se combinan, al tiempo que ello tampoco nos dice nada acerca de cuáles políticas se acercan más a un real proceso de formación de fuerza para la transformación social, es decir a la construcción de poder popular12, si no es teniendo en cuenta el carácter del período y de las alianzas sociales que se enfrentan (en las que se incluyen los gobiernos).

10 Ya ha habido intentos, que se han demostrado erróneos, de explicar alineamientos políticos apelando al concepto de “masas manipuladas”, lo que no explica las estrategias de los grupos sociales que se expresan en los enfrentamientos.11 Véase Svampa, Maristella y Pereyra, Sebastián (2003, p. 55).12 Véase el tratamiento teórico de los clásicos del socialismo científico de la cuestión de la participación en gobiernos y los conceptos de “lucha desde arriba” y “lucha desde abajo”, por ejemplo en Lenin (1905).

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Por último para analizar exhaustivamente los objetivos de la rebelión en un sentido orgánico y no sólo coyuntural (muchas veces reduciendo a la cuestión de quiénes apoyan al gobierno y quiénes están en contra) y con la pregunta de cómo es el realinamiento de fuerzas, habrá que tomar en cuenta (además de tomar todo el tiempo histórico de existencia del movimiento) las tendencias que se desarrollarán en otras dimensiones como cuáles alineamientos se tornarán más permanentes, cuáles son las contradicciones sociales principales y secundarias en el nuevo ciclo que se abre a partir de 2002 y si constituye un nuevo período con distinto carácter, cuáles estrategias y alianzas objetivas se están constituyendo y cuáles se plantean subjetivamente y qué intereses predominarán en la lucha de estas fracciones sociales que se manifiestan a través de estas organizaciones.

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Relato de viagem

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Neuquén: águas revoltas e vermelhas

Soraia�de�Carvalho∗

Antes de chegar à província de Neuquén, no sul da Argentina, já conhecia algumas de suas histórias. Relatos sobre a cerâmica Zanon, ocupada por seus trabalhadores e rebatizada como FASINPAT (Fábrica�Sin�Patrones); histórias sobre repressões aos movimentos sociais, como a que fez com que o jovem Pepe, em uma luta de desempregados, fosse atacado por policiais, perdendo um olho. Leituras sobre o levante popular em Cutral-Có, gênese do movimento piqueteiro. Já sabia que era uma cidade repleta de histórias de luta, mas ao chegar lá, tive a certeza de que sabia muito pouco. Além da intensa atividade política atual, fui apresentada a uma trajetória de combates dos trabalhadores e a uma rara solidariedade entre os setores em luta e correntes políticas de esquerda.

O nome da província e da capital vem de uma palavra mapuche (língua dos povos originários) Newenken, que significa “correntoso”. Já a fama de cidade “vermelha” chegou depois, junto com os imigrantes chilenos, que cruzaram a fronteira fugindo da ditadura de Pinochet e os exilados internos – militantes argentinos, que encontravam nesta província um refúgio diante da perseguição política (FAVARO, 2002, p.102). Durante a ditadura militar, a província era conhecida como a capital dos direitos humanos, título que hoje já não pode ostentar. Nas lutas recentes a repressão do Estado é uma constante. Cada rua, rodovia, ponte, escola, fábrica e até o hospital permite aos moradores contarem seus combates, mostrarem suas cicatrizes. Teresa Rodríguez, em 1997, e Carlos Fuentealba, em 2007, são exemplos de um Estado que mata aqueles que lutam por seus direitos. Teresa foi assassinada em Cutral-Có, em um levante popular por emprego, seu nome está presente nas bandeiras de movimentos de desempregados por todo o país. Carlos, professor de química, em abril de 2007 foi atingido na cabeça, à queima roupa, por uma bomba de gás lacrimogêneo; participava de uma greve por reposição salarial.

∗ Mestranda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina, pesquisadora do GEPAL (Grupo de Estudos de Política da América Latina). E-mail: [email protected]

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Grandes obras, muitos trabalhadores...Alguns elementos ajudam a compreender a intensa vida política

neuquina. A população da província cresceu a partir da intervenção estatal, com a realização de grandes obras, como a construção de hidrelétricas, e a criação de empresas públicas, como a petroleira YPF (Yacimientos�Petrolíferos�Fiscales). Assim, houve uma grande concentração operária, uma vez que muitos trabalhadores foram atraídos pelas abundantes ofertas de emprego. Mas com o fim das obras criou-se uma situação explosiva. Partiram de Neuquén as primeiras greves no governo de Raúl Alfonsín, após a ditadura militar de 1976-1983. Duros combates que mostraram que a democracia tão festejada tinha um caráter de classe.

Na década de 1990, o governo de Carlos Menem, cumprindo o receituário neoliberal, privatizou a YPF (dentre outras). A empresa, que em 1990 contava com 51 mil postos de trabalho, após a privatização manteve apenas 5.600, Em Neuquén, foram 4.246 demissões. Assim, em 2001, enquanto o desemprego chegava a 15,2 % na cidade de Neuquén-capital, nas cidades de Cutral-Có e Plaza Huincul era de 32,5% (SVAMPA; PEREYRA, 2004, p.108). Como resposta a isto, surgiu em 1995 a primeira coordenadora de desempregados e em 1996 e 1997 os levantes populares de Cutral-Có e Plaza Huincul mostraram a todo o país os métodos piqueteiros. Os piquetes, que já eram uma tática grevista para convencer ou impedir a entrada de “fura-greves”, passaram a ser utilizados com outro objetivo. Impossibilitados de parar a produção de mercadorias, estes manifestantes bloqueiam a circulação destas, erguendo barricadas em rodovias.

Estudantes, operários, professores ...A fábrica de cerâmicas Zanon, hoje FASINPAT, é uma das mais

interessantes experiências de empresas controladas pelos trabalhadores, os operários ocuparam a fábrica voltando a produzir. Mas para chegar a isto tiveram que afastar a burocracia do sindicato. Sem este passo inicial, muito provavelmente eu visitaria em 2006 um barracão abandonado, mas felizmente a história é outra. Visitei durante quatro dias a planta fabril, conversei com muitos trabalhadores, presenciei assembléias e o cotidiano da produção. Um dos operários com quem falei é o atual primeiro secretário do sindicato ceramista Alejandro Lopez, ele relata que o sindicato era totalmente atrelado

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aos patrões, até mesmo entregava listas dos que tentavam se organizar para que fossem demitidos. “Nuestra primera pelea fue contra los dirigentes burócratas”, conta Lopez. Com a recuperação deste instrumento de luta, foi possível resistir aos ataques patronais e trabalhar a partir da democracia operária, com mandatos revogáveis, rotativos e soberania das assembléias.

Miramos para tras, y si no hubiéramos luchado por la comisión interna, peleado por la dirección del sindicato, hoy no podríamos estar donde estamos. Entonces es fundamental que los compañeros recuperen sus sindicatos y los pongan a servicio de los trabajadores, pues así se puede llegar muy lejos, sobretodo manteniendo el mecanismo de trabajo en que la asamblea es quien siempre decide (LOPEZ, 2006).

Com isto, quando Luigi Zanon resolveu fechar a fábrica, os trabalhadores recusaram-se a engrossar o exército de desempregados. Foram quatro meses de acampamento em frente à fábrica, para impedir que as máquinas fossem retiradas. A repressão policial foi enfrentada com a unidade dos setores em luta da população neuquina. A solidariedade partiu até da penitenciária, os presos resolveram doar sua comida para que os operários pudessem resistir. Reproduzo a entrevista feita por Nano del Valle, operário de Buenos Aires que encontrei em Neuquén, posteriormente ele me enviou seu livro em que compara alguns traços de Zanon com a Comuna de Paris. Nano conversou com Gabriel, um dos detentos, ele relembra como os presos decidiram ajudar os trabalhadores ceramistas:

Nos enterábamos por la radio y por la tele de lo mal que la estaban pasando en la carpa y uno aquí reflexiona mucho. Es gente que quiere su trabajo. Así que empezamos a conversar del tema y pedimos a las autoridades permiso para hacerlo, se nos concedió y los cinco pabellones que éramos en ese momento, mas o menos 100 entregamos nuestro almuerzo durante cuatro días (apud DEL VALLE, 2006).

Com a retomada da produção, foi possível gerar mais empregos, passando de 260 para 457. Sem que Luigi Zanon continuasse explorando os operários foi possível ampliar a produção e gerar empregos, em uma fábrica que era dita “deficitária”. Os operários comemoravam, nos dias em que os visitei, a prorrogação da cooperativa até 2009. Mas eles reivindicam mais, sabem que esta é uma vitória parcial. Nos programas de rádio que conduzem, nos informes de imprensa, na assembléia e conversas nas rodas de mate, os “operários sem patrão” refletem que o Estado só permite que a

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fábrica continue funcionando porque seus trabalhadores estão mobilizados e tentar desalojá-los levantaria uma resistência que extrapolaria as fronteiras neuquinas. O grito de “Se� tocan� a� uno,� tocan� a� todos” ou “Zanon� es� de� los�trabajadores�y�el�que�no�le�gusta,�se�jode,�se�jode” já se fez ouvir nas ruas por todo o país. A bandeira de luta dos ceramistas é a expropriação dos expropriadores. Reivindicam a estatização da fábrica, sem indenização, mantendo-a sob o controle dos trabalhadores.

A cada luta, demonstra-se uma unidade admirável. Na semana de outubro de 2006, em que estive em Neuquén acompanhei as manifestações dos estudantes secundaristas, que ocuparam o prédio da secretaria de educação. Logo se somaram à ocupação: seus pais (que já participaram de outras batalhas, como as grandes greves da construção civil de 1984 e 1986 e a primeira organização de desempregados da Argentina em 1995), universitários, professores, os operários de Zanon, partidos de esquerda. Muito jovens e bastante politizados, os estudantes vinham de uma recente ocupação dos colégios, contra a Lei Educativa do governo nacional e contra a presença da polícia nas escolas.

Esta unidade se repete em praticamente todas as lutas. Tem seus limites e contradições, é evidente, é muito mais uma unidade contra o Estado e a repressão, que ainda não conseguiu converter-se em uma unidade em torno de um programa político comum. Mas tem conseguido frear por meio da ação direta, da ocupação de fábricas, escolas, universidades, bloqueios de ruas e rodovias os ataques do Estado aos direitos sociais e denunciado cotidianamente a incompatibilidade do capitalismo com as condições de existência da grande maioria da população.

Ao conhecer Neuquén, pude transitar pelas rodovias onde foram realizados os primeiros piquetes. Passei pela experiência de adentrar a Fábrica�Sin�Patrones, ver seus operários conversando em rodas de mate, reunidos em assembléias, tomando em suas mãos o controle da produção. Conheci professores, estudantes, operários, artistas plásticos, músicos, comunicadores populares, piqueteiros, todos profundamente marcados pelas lutas que se desenvolvem permanentemente há décadas. Por isso, ao retornar ao Brasil e acompanhar à distância a execução do professor Carlos, compreendi as poesias que diziam:�“Fuentealba,�Fuenteovejuna,�ante�la�impunidad,�Todos�a�una.”

Fuenteovejuna foi a cidade cantada por Lope de Vega, em 1612. Esta obra teatral apresenta a luta de um povo por justiça. Um tirano, o

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comendador, é assassinado, mas nenhum morador, mesmo sob tortura relata o nome do assassino. Todos respondem: foi Fuenteovejuna. Em Neuquén esta unidade é possível. Por isso, a morte de Carlos Fuentealba foi respondida com uma greve geral nacional contra a repressão e os docentes mantiveram-se em greve exigindo mais do que seus salários, a punição dos responsáveis por mais este crime.

ReferênciasCARPIO, F. L. de V. Fuenteovejuna.�Buenos Aires: Editorial Kapelusz, 1966.DEL VALLE, N. (org.). Zanon�bajo�Control�Obrero�y�la�Comuna�de�Paris.�Buenos

Aires: 2006.FAVARO, O. Neuquén. La sociedad y el conflicto. ¿Viejos actores y nuevas

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LOPEZ, A. Depoimento. Entrevistadora: Soraia de Carvalho. Cutral-Có, 27 out. 2006. 17 minutos. Arquivo em mp3.

PETRUCCELLI, A. Docentes�y�piqueteros:�De�la�huelga�de�ATEN�a�la�Pueblada�de�Cutral�Có. Buenos Aires: Ediciones El Cielo por Asalto, 2005.

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Seção de Resenhas

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Pancho Villa e a Revolução Mexicana∗

por�Waldir�José�Rampinelli∗∗

O México se prepara para comemorar o centenário de sua Revolução, considerada por vários historiadores daquele país não apenas um evento nacional, mas de alcance latino-americano. Alguns líderes do processo revolucionário, como Emiliano Zapata e Venustiano Carranza, se referiam em seus discursos e escritos à influência regional desta primeira revolução social da América Latina, no século XX.

A historiografia mexicana sempre dedicou um grande espaço à Revolução, mas a partir das décadas de 1960 e 1970 começam a surgir novas interpretações deste evento, assim como o resgate de alguns de seus personagens, até então marginalizados e tratados de forma preconceituosa. O livro do historiador Adolfo Gilly, La�revolución�interrumpida, por exemplo, mostra não apenas como o processo revolucionário é o resultado de um extraordinário avanço de um capitalismo primário-exportador que aprofundou a dependência do país em relação aos centros desenvolvidos, agudizando uma guerra de classes, mas também a periodização completa do ciclo revolucionário de 1910 a 1920 e sua correlação com a conjuntura mundial. Para Gilly, a curva� da� revolução ocorreu em dezembro de 1914, quando as forças camponesas tomam a capital do país, e não em fevereiro de 1917 com a nova constituição. Se para a história oficial a Revolução Mexicana termina em 1917, para outros ela vai até 1920, com a retirada de Villa e o assassinato de Zapata um ano antes1.

O historiador mexicano Paco Ignacio Taibo II acaba de lançar o livro Pancho�Villa�–�una�biografía�narrativa, no qual desconstrói toda uma carga de preconceitos contra este personagem, alimentada e estimulada durante décadas. Enquanto as estátuas de Zapata proliferaram pelo sul pobre do

1 ∗ Resenha do livro de Paco Ignacio Taibo II, Pancho�Villa:�una�biografía�narrativa. México: Planeta, 2006.∗∗ Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina, pesquisador do Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais (NEILS) da PUC-SP.1 Os livros didáticos sobre a história do México, elaborados pelo governo, apresentam a data de 05 de fevereiro de 1917 como o término da Revolução Mexicana, tendo em vista a proclamação da nova Constituição do país. Já para Gilly (1999, p. 324), “o ano de 1920 foi o término da revolução”.

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México, as de Villa sofreram todo tipo de resistência no norte desenvolvido. Quando se construiu uma em sua natal, Chihuahua (1956), o escultor, por ordem do governador, mudou o bigode e a testa. Na inauguração, as autoridades não só omitiram o seu nome nos discursos, como também na placa de bronze. Falou-se apenas do “combatente da Divisão do Norte”, cabendo ao povo que assistia gritar: “Viva�Villa,�cabrones!�”

Na Cidade do México, só em 1969 apareceu o primeiro monumento ao Centauro�do�Norte. Em setembro do mesmo ano houve uma longa discussão na Câmara dos Deputados, com ampla repercussão na imprensa, sobre se o nome de Francisco Villa poderia ser escrito com letras de ouro naquele recinto, tal como dezenas de outros líderes e heróis. Somente no mês de novembro se chegou à permissão, passando a história oficial a aceitar mais um mito popular.

Paco Ignacio, em seu trabalho, mostra as várias etapas pelas quais passou Villa ao longo do processo revolucionário. Na primeira (1911-1912), Pancho se alia a Francisco I. Madero, filho de um oligarca do norte, que levanta o país contra o ditador Porfírio Díaz sob o lema sufrágio�efetivo,�não�reeleição. Villa não apenas ajuda a mobilizar o estado de Chihuahua, mas também convence o líder sobre a radicalidade da Revolução. “Pois se é assim”, disse Madero, “vamos fazer”. Mais tarde, quando Madero já estava na presidência e Villa na prisão, este não deixou de ser fiel àquele, inclusive chamando-lhe a atenção para o golpe de Estado que se avizinhava.

Assassinado Madero, o prófugo Villa começa a sua segunda etapa de revolucionário (1913-1915), a mais importante, por sua definição política, ideológica e social. Ele não apenas se alia a Álvaro Obregón, vindo da burguesia agrária, e a Venustiano Carranza, rico fazendeiro do norte, para derrotar o novo ditador Victoriano Huerta, reconhecido por ambos como o grande estrategista do exército irregular da Divisão do Norte. Villa busca apoio na população do país, prometendo uma mudança em sua estrutura política, agrária e social. A expropriação das grandes fazendas, a cobrança de impostos forçados das companhias mineiras estadunidenses e a pressão sobre os banqueiros visam ao financiamento de seu exército, mas também à distribuição de bens e víveres a toda uma população faminta. Para Villa, diz Paco Ignacio, “é chegada a hora dos pobres, que agora a revolta terá que enfrentar, sem titubeios, os grandes fazendeiros e os militares” (p.177).

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O decreto de 12 de dezembro de 1913, expropriando a oligarquia nortenha, apresenta as seguintes justificativas: por sua cumplicidade nos complôs, golpes de Estado e quarteladas; por seu caráter de defraudadores do erário público e dominadores da sociedade durante 50 anos por meio do engano e da força, “É chegada a hora de prestar contas” e como “a posse de seus bens somente serviu para comprar traidores e assassinar presidentes”, decidimos “cortar o mal pela raiz” (p. 251). Villa, então, lista as famílias e seus bens a serem tomados. Mais tarde seria decidido o destino das expropriações. De imediato, uma parte da terra seria doada para as viúvas e órfãos da Revolução; outra, para os combatentes; e uma terceira seria devolvida aos legítimos proprietários, já que a mesma fora roubada pelos latifundiários. Isso era a Revolução... Na medida em que ela avança, Villa vai deixando atrás de si grandes conquistas sociais, como a construção de escolas e hospitais, o controle dos preços de alimentos e as pensões para as viúvas e os órfãos.

Quando a Revolução de ativa se transforma em passiva, pactuada por uma nova burguesia agrária consubstanciada na aliança Obregón-Carranza com o apoio da classe operária, Villa entra em sua terceira etapa (1916-1920) com a guerra de guerrilha, passando a ser um fora�da�lei, perseguido pelos poderes constituídos mexicanos e pelo governo de Washington. O Centauro�do�Norte, então, radicaliza ainda mais suas ações para não perder o apoio social dos camponeses. Entre os mitos que Paco Ignácio apresenta, em um deles Villa é conhecido como o novo Robin Hood, que não apenas tira dos ricos para dar aos pobres, mas também procura mobilizá-los. Em 1918, na região de Chihuahua, tem-se um verdadeiro poder dual: o do governador e o de Pancho Villa. As tropas do exército mexicano perseguiam os rebeldes e os camponeses que os apoiavam. Grande parte deles foi levada à força para as cidades grandes, vindo a morrer de fome, minando assim as bases de apoio a Villa.

Pancho Villa, perseguido pelo governo mexicano e boicotado pelo estadunidense que não mais lhe permite a venda de armas, aposta na conquista do apoio popular. Quando prende camponeses que lutam ao lado do governo, poupa-lhes a vida fazendo-lhes ver que, por serem gente�de�abajo, estão do lado errado; outras vezes, fuzila-os, não admitindo que um peão de fazenda lutasse pelo seu patrão. O general Felipe Ángeles, seu grande amigo, reunia as pessoas nos povoados falando-lhes de luta de classe, de

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sua condição de explorados, do capitalismo, da necessidade de humanizar a guerra e respeitar a vida dos prisioneiros.

No capítulo 75, Paco Ignácio apresenta Villa como um líder que pensava em um país onde todos vivessem bem, chegando à conclusão de que ele tinha idéias socialistas. Quando governou Chihuahua adotou como lema fechar�cantinas�e�abrir�escolas. O historiador Friedrich Katz chegou a chamá-lo de governador revolucionário, já que em apenas um mês abrira cinqüenta escolas em uma cidade com apenas 40 mil habitantes. Embora não tivesse um plano de reforma agrária como o defendido por Zapata, pensava nas colônias�militares, onde os camponeses vivessem juntos, trabalhassem juntos e desfrutassem juntos de uma vida melhor. O socialismo para Villa não consistia em uma sociedade sem classe, mas em uma maior igualdade entre as pessoas. “É justo que todos aspiremos a ser mais”, dizia ele, “porém, também que todos possamos valer pelos nossos feitos” (p. 793).

No calor das batalhas de Celaya, em maio de 1915, o governo villista emitirá vários decretos, assinados por Pancho e Escudero, constituindo um programa social avançado. Obrigam, por exemplo, que em todas as minas do país sob o controle villista seja pago um salário em prata, ouro ou dólar. Estabelece-se o cambio oficial do dólar em relação ao peso em dois por um; proíbem-se as famosas tiendas�de� raya, ou seja, as vendas de produtos alimentícios aos camponeses pelo próprio fazendeiro; decreta-se o salário mínimo de um peso diário e defende-se a liberdade de culto e o fim da perseguição religiosa. Villa, no entanto, detestava o clero, pois foram os grandes apoiadores ideológicos da ditadura porfiriana. Quando tomava as cidades não os matava, mas expulsava. Depois da tomada de Zacatecas prendeu um grande número de padres professores lasallistas, tendo o cônsul francês intercedido por eles. Alguns dias depois recebeu o diplomata um oficial villista muito educado que lhe comunicava que os curas poderiam continuar a trabalhar na cidade, conquanto que, ao invés de aulas de religião, passassem a ensinar as Leis da Reforma (as mesmas que durante a república juarista despojava a Igreja de seus poderes) e trocassem as missas por atos cívicos. Diante da negativa dos padres, Villa cobrou um resgate de 100 mil pesos, metendo-os em um carro de carga ferroviária e enviando-os aos Estados Unidos. Gregório López y Fuentes, em seu livro Tierra�–�la�revolución�agrária�em�México, descreve em detalhes a visita de um curita a uma fazenda do Estado de Morelos, por volta de 1910. Sem dúvida,

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a aliança entre o dono das almas e o dono das terras mantinha uma ditadura quase que perfeita.

Quando Villa assina um acordo de paz com o governo em 28 de julho de 1920, que alguns chamam de rendição, recebe a fazenda de Canutillo para morar, transformando-a em uma casa de todos os villistas. Além de uma escola diurna com 400 alunos, havia uma noturna para alfabetizar os adultos. Os salários dos trabalhadores eram os mais altos da região, participando muitos deles dos lucros das vendas dos produtos.

Paco Ignácio apresenta o Manifesto de San Andrés Villa (1916) como, possivelmente, o documento mais genuíno de Pancho. Sem a ajuda de intelectuais, tendo apenas um secretário a sua disposição, tratou de política interna e externa. Defende eleições livres no México com pena de morte para os que fraudarem o voto do povo; que os caudilhos – e ele incluído – não poderão se candidatar, pois dispõem de grupos armados, tornando ilegítimas as eleições; que deputados e senadores que usarem de seus cargos para fazer negócios duvidosos “que redundem em proveito próprio com prejuízo da coletividade” serão passados pelas armas; e propõe a volta das Leis da Reforma do juarismo, uma bandeira dos intelectuais villistas.

No entanto, o mais importante do manifesto é o seu programa antiimperialista: abolição da dívida pública e proibição aos estrangeiros de serem proprietários de terras no México; nacionalização das minas estrangeiras e das ferrovias, e o fechamento da fronteira com os Estados Unidos para promover a indústria nacional; supressão do telégrafo a 18 léguas da fronteira. Chega a falar, mais tarde, em uma entrevista para o New�York�World, sobre a abertura de um fosso entre os dois países, “tão largo e profundo que nenhum americano poderia jamais vir a roubar terra mexicana, ouro ou petróleo” (p.675).

Quando Lázaro Cárdenas nacionalizou o petróleo, em 1938, por certo haverá de ter se lembrado as palavras de Villa sobre a proteção das riquezas do país diante do vizinho voraz.

O antiimperialismo de Villa se tornou público quando Washington reconhece o governo de Carranza, proíbe a venda de armas à Divisão do Norte (até então as empresas estadunidenses haviam auferido grandes lucros com a venda de armas e alimentos) e permite a passagem de tropas mexicanas por território estadunidense para combater as de Villa na cidade

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fronteiriça de Água Prieta. Daí a famosa invasão a Columbus, nos Estados Unidos, que motivou a entrada de uma expedição punitiva no México de tropas do exército vizinho, as quais fortaleceram ainda mais a guerra de guerrilhas de Villa, agora não mais contra o ditador Carranza, mas também contra as forças do general Pershing. Villa tornara-se o inimigo comum dos invasores estrangeiros e do governo constitucionalista, mas, caso o exército de ocupação não saísse do México, Pancho poderia converter-se em herói nacional em vida.

Villa calculava ter participado de aproximadamente 1.300 batalhas, algumas delas famosas, como a conquista de Ciudad Juárez, conhecida como o trem� de� Tróia. As tropas villistas, depois de assaltarem uma locomotiva carregada de carvão, obrigaram o telegrafista a se reportar à cidade de origem dizendo que os revolucionários haviam bloqueado o caminho. Recebeu ordens o maquinista de pôr imediatamente a locomotiva em marcha à ré, não sabendo a estação central que os vagões de carga já transportavam o exército de Pancho. Em cada povoado que passava, o telegrafista local era forçado a dizer a Ciudad Juárez por que estava o trem regressando. Uma vez passada a mensagem, o telégrafo era cortado. Assim, o�trem�de�Tróia meteu no coração da cidade o exército completo da Divisão do Norte. Mais tarde Villa diria que na Ciudad Juárez ele não teria entrado de trem, mas que ela lhe havia caído do céu. Juárez tornou-se a meca do villismo.

Paco Ignácio cita a definição de Villa oferecida por um dos colaboradores do mesmo, Ramón Puente: “Coragem até a temeridade; desprendimento até a gastança; ódio até a cegueira; raiva até o crime; amor até a ternura; crueldade até a barbárie; tudo isso é Villa em um dia, em um momento, em todos os momentos da vida” (p. 564). Por sua vez, Paco Ignacio diz que “Villa era o produto das forças mais obscuras da sociedade porfiriana, porém não daquelas superficiais, mas destas mais profundas que faziam de um camponês pobre um condenado a uma vida de presídio, carne de troca nas grandes fazendas, carne de canhão do exército, operário faminto das novas minas e das indústrias” (p. 44).

O livro de Paco Ignacio Taibo II sobre Villa, e conseqüentemente sobre o villismo e a Revolução Mexicana, desfaz preconceitos, corrige equívocos históricos e mostra como a ala radical do movimento armado foi vencida por uma burguesia agrária nascente que teve o apoio decisivo dos Estados Unidos.

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O autor apresenta mais de 400 fotografias, algumas delas inéditas, ao longo do livro, corrigindo legendas e cometendo alguns exageros em suas interpretações. Faz falta no livro um índice remissivo de nomes e datas, tendo em vista a extensão da obra e a necessidade de recorrer a alguns deles para rever e analisar fatos. O leitor está diante de uma grande obra, de um grande historiador e escritor, sobre um grande líder da Revolução Mexicana.

ReferênciasGILLY, A. La�revolución�interrumpida. México: Era, 1994.KATZ, F. La�guerra�secreta�en�México. México: Era, 1981.LOPEZ Y FUENTES, G. Tierra: la revolución agraria en México.

México: Factoría Ediciones, 2004.TAIBO II, P. I. Pancho�Villa: una biografía narrativa. México: Planeta,

2006, 884 p.

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����•�Abstracts

AbstractsFrom the possible constitution of class in camps to the political-

ideological reflux in settlements of the MST (Landless Laborers Movement)

Eliel�Machado�&�Renata�Gonçalves

In this article it is examined the limits and potentialities that the struggle joined by the MST, under the neo-liberalism, imposes on the hard and complex task of constitution of workers into a class. The neo-liberal context poses to the Movement, a political-ideological problem with a difficult solution: to demand means of production, and at the same time, to fight for socialism.Key words: social classes; bourgeois ideology; MST.

Between insurrection and reaction: the search for Evo Morales’ normal capitalism

James�Petras

In this article the author reports briefly on the role of Morales and his party MAS in the period that preceded his election, and his relation with the dynamic social movements that demand profound socio-economic changes; it also draws up the theoretical-practical� concepts that guide the government strategy and program and analyzes the specific policies concerning the ruling classes and their commitments and tactical-political alliances.Key words: Bolívia; MAS; Evo Morales; Bolivian Capitalism.

Imperialism and bloc in power in Venezuela: Chávez’ bolivarianism ambiguities

Mariana�Lopes

The purpose of this article is to understand the North-American Imperialism in Venezuela ruled by Chávez, from 1999 to 2006. Based on the Poulantzas’ concept of bloc in power, it is examined the representatives of several bourgeois fractions associated to the international capital, enabling its control in the interior of the country.Key words: Imperialism; bloc in power; Venezuela.

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Abstracts�•���7���

Origins of the EZLN: The Indigenous Congress of San Cristobal de las Casas

Igor�Luis�Andreo

The Indigenous Congress of San�Cristobal�de� las�Casas� (Chiapas�/ Mexico) which happened in 1974, established a rupture that caused indigenous chiapanecas communities to develop a resistance, joining the participant ethnic groups, once they started to notice common interests and their necessity to join themselves in order to resist exploitation, marginalization and prejudice which they were subject to. These same ethnic groups were those that made contact with the urban-origin group that inhabited the Selva�Lacandona in Chiapas and together gave EZLN the characteristics with which it showed itself to the world in 1994.Key words: indigenous communities; EZLN; liberation theology; political culture.

Governmental actions and productive restructuration in Brazil: the minimum State myth

Célia�Congílio�Borges

The co-existence of the many facets in the so-called work rational organization has generated polemical theses. One of them is about the emancipating “possibilities” disseminated by “technological achievements”. However, the enterprises displacements, based on inducing actions of the State, result in only differentiated ways of work exploitation (in its multiple processes). This segmentation fully articulates itself with the interests of big business conglomerates, represented by the contemporary imperialist policies. They result in social impacts which have been investigated in this study, concerning a critical analysis that may contribute to transforming interventions in the social reality.Key words: productive restructuration; transnationalization of the capital; minimum State.

Syndicalism in Brazil and syndicalist structure (1978-1997)ruptures and continuities

Teones�França

The purpose of this article is to analyze the relation between the syndicalist movement that appeared in Brazil after 1978 and the syndicalist structure that has remained in this country since the age of Vargas. In the end of the 70’s, this movement known as the new syndicalism, became powerful spreading ideas such as the overcoming of the syndicalist organization model created in the 30’s in Brazil. Nevertheless, as its last moment was noticed in the mid-nineties, it was

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possible to notice that the syndicalist structure remained in large scale, and there is a huge difference between theory and practice of the syndicalist organization that characterized the new syndicalism, the CUT (Workers’ Central Labor Union).Key words: Syndicalist structure; “new” syndicalism; CUT.

From tsunami to a wave: a short history of recovered factories in Latin America

Henrique�Novaes

The article describes the changes and permanencies in Recovered Factories of Argentina, Brazil and Uruguay, and argues that there has been a degeneration of them. At the same time, it is observed that there are possibilities of transcending the self-alienation of workers of these cooperatives and associations.Key words: recovered factories; social movements; alienation; crisis.

Analysis of the so-called “strike movement” of Argentina: the purposes of their protest actions

Paula�Klachko

It is presented a comparative exercise of the objectives of the protest actions performed by five unemployed workers organizations that express different political positions. It is focused on the actions performed in the first six months of 2002 – when social mobilization is more intense in the rebellion cycle starting in December 1993 – and in the first semester of 2004, when a new political situation is consolidated as an outcome of the change in the national government. This exercise allows us to observe how the goals change in different political occasions, being an indicator of the moment of the political forces relations, and can contribute to the knowledge of the social alliances character and what kind of social forces are being reconstructed in the Argentinean society today.

Key words: unemployed workers organization; goals; protest actions.

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Normas�para�colaboração�•���9���

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