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A HORA DE ETA CARINAE Astrônomo brasileiro acerta previsão sobre comportamento de estrela hipergigante. Eta Carinae —que na verdade é um sistema de duas estrelas— desafia astrônomos há décadas. Entenda por que ela fascina tanto os cientistas Alcance do “vento estelar” (partículas lançadas no espaço) A B Céu 300 noites de observação/ano Chuva Menos de 80mm/ano Em São Paulo, a média histórica de janeiro é de 200 mm Área o prédio ocupa um platô de 3.600 mil metros quadrados, a 2.701 metros de altura Espelho curvo É a peça do telescópio que funciona como “lente de aumento”. O espelho do Soar tem 4,2 metros de diâmetro Nebulosa de Carina Nuvem de gás que envolve estrela é resquício de uma explosão parcial ocorrida 1843, que não chegou a matar a estrela Custo US$ 28 mi O Brasil é o sócio majoritário, com 31% do controle do equipamento vezes a do Sol (aprox.) BRUTAMONTES CÓSMICA A estrela A pertence à categoria das azuis hipergigantes Terra A = Diâmetro da órbita da Terra 150 milhões de km (aprox.) Diâmetro Sol Massa A = 100 VIDA E MORTE Quando Eta Carinae morrer numa explosão fatal —uma supernova— ela se transformará num buraco negro. Esse tipo de estrela é uma espécie de fóssil astronômico: pode dar pistas sobre o passado do Universo e mostrar como elementos químicos surgiram Hoje Big Bang Eta Catarine 2,5 mi Sol 4,6 bi Terra 4,5 bi 13,7 bi Idade, em anos Observatório Soar, no Chile, onde a descoberta foi feita Inauguração 2004 O TELESCÓPIO ARGENTINA CHILE Santiago La Serena 0 20km OBSERVATÓRIO SOAR Cerro Pachón Fotos Hubble Soar IRMÃS EM ATRITO Eta Carinae é formada por duas estrelas orbitando uma a outra (sistema binário) Estrela B: (massa desconhecida) Aproximação A estrela “B” orbita “A”, e a cada 5 anos e meio as duas atingem uma aproximação em que entram em uma espécie de atrito Atrito As duas emitem forte “vento estelar” — partículas ultravelozes com carga elétrica— criando uma zona de choque Apagão Esse atrito é tão forte que impede parte da luminosidade da estrela “A” de chegar à Terra. O apagão é invisível ao olho humano, mas telescópios em ultravioleta o veem Estrela A: Mais maçiça e maior (pertence à categoria das azuis supergigantes) ˚C 100 milhões PARA VER NO CÉU Cruzeiro do Sul Nebulosa de Carina (A estrela fica a 7.500 anos-luz da terra) Alfa Centauro A14 ciência TERÇA-FEIRA, 13 DE JANEIRO DE 2009 ef Estrela tem apagão e reforça teoria de cientista brasileiro Eta Carinae, na verdade, é um sistema com dois astros; atrito entre ambas bloqueia passagem de raios energéticos Fenômeno invisível a olho nu ocorreu exatamente no dia previsto por Augusto Damineli, da USP; telescópio no Chile registrou o evento ................................................................................................ EDUARDO GERAQUE ENVIADO ESPECIAL ALA SERENA (CHILE) Às 3h35 da manhã (4h35 de Brasília) de segunda-feira em La Serena, no Chile, o astrôno- mo Augusto Damineli, 61, se sentava na cadeira que permite controlar o telescópio Soar (Observatório do Sul para Pes- quisa Astrofísica). Ansioso, tes- temunhou um fenômeno que poucos tiveram oportunidade de ver, ocorrido em Eta Cari- nae, uma estrela que ele estuda há 20 anos. E ontem, no dia em que Damineli havia previsto, a estrela sofreu um apagão. Na verdade, o prédio de con- trole do Soar fica a 80 km do equipamento, que está no topo do Cerro Pachón, a 2.701 me- tros de altitude. “Astrônomo não pode por muito a mão no telescópio”, brinca o cientista brasileiro. Em La Serena, 475 km ao norte de Santiago, na beira do Pacífico, o observató- rio fica próximo de centros pro- dutores de vinho e pescado. E, ontem, não faltou motivo para abrir uma garrafa. Controle remoto “Patrício! A Eta Carinae”. O pedido que parte de La Serena vai em direção ao astrônomo chileno Patrício Ugarte, que es- tá no morro. Ele sim é quem pode por a mão no telescópio. Segundos depois, é possível ver e ouvir a resposta (via telecon- ferência): “Pronto!” O espelho de 4,2 metros do Soar, a partir das coordenadas dadas por Ugarte, já está olhan- do para Eta Carinae. Damineli, com auxílio do também brasi- leiro Luciano Fraga, que há um ano e sete meses trocou Floria- nópolis pelo norte do Chile, faz as primeiras medições, via computador. Basta um único gráfico, que mostra a presença dos elemen- tos químicos ferro e nitrogênio —medidos nos gases que cir- cundam Eta Carinae— para comprovar a previsão. “Chegou lá”, comunica Damineli. A “as- sinatura” do apagão é uma di- minuição na luminosidade de nitrogênio e hélio detectados pelo telescópio, que enxerga frequências de luz invisíveis ao olho humano. O apagão não é visível a olho nu, mas no Soar o sinal é mais do que claro. Cinco anos e meio O fenômeno, como havia sido previsto pelo próprio pesquisa- dor brasileiro, voltou a ocorrer depois de 5,5 anos, dentro da margem de erro, que era de dois dias para mais ou para menos. “Isso que é precisão”, Damineli diz à estrela que observa. “Se eu tiver uma neta vou colocar o nome de Carina.” Damineli explica que Eta Ca- rinae, na verdade, não é uma es- trela única, e sim um sistema com duas. Ontem, no céu, perto do Cruzeiro do Sul, a estrela Eta Carinae B estava no mo- mento mais profundo de seu mergulho no campo de influên- cia da estrela A, que possui 2,5 milhões de anos. Os gases e o plasma dessa estrela perten- cente à classe das hipergigantes azuis são tão coesos que é pos- sível dizer que uma estrela “en- tra” na outra. O que ocorre é uma colisão violenta de seus “ventos” —as partículas carre- gadas que as estrelas lançam a grandes velocidades no espaço. “Na área de choque dos ven- tos das duas estrelas, a tempe- ratura é de 100 milhões de graus Celsius”, explica Dami- neli. O vento da menor delas, de 3.000 km/s, bate no vento da maior, que trafega a 600 km/s. O resultado obtido na ma- drugada de ontem em La Sere- na —cidade que nunca chove, mas vive bem nublada pela ma- nhã durante o verão— é como “marcar um gol”, diz Damineli, que já estava se preparando pa- ra o evento havia um mês. Na semana entre Natal e Ano Novo ele mesmo subiu até o telescó- pio, acompanhado de um cole- ga, para fazer pessoalmente as suas observações. Ciência nas alturas “Lá em cima é muito bom”, diz Damineli, revelando tam- bém o seu gosto pela astrono- mia romântica. Hoje, devido à tecnologia, boa parte dos equi- pamentos podem ser operados remotamente, de qualquer par- te do mundo. “Não poderia per- der a oportunidade de observar esse apagão.” Sua presença lá era considerada importante, já que boa parte da biografia “quase acabada” de Eta Carinae saiu de estudos feitos por seu grupo, na USP (Universidade de São Paulo). A primeira observação que Damineli fez de Eta Carinae foi em 1989, no Brasil, onde não há nenhum telescópio —nem tem- po bom— como o Soar. Depois disso, Damineli assistiu a três apagões, com o de ontem. Ele quem primeiro defendeu o modelo de que Eta Carinae era um sistema duplo, e não uma única estrela. Além da pre- visão do ciclo exato de 5,5 anos para ocorrer o apagão. Sua teo- ria ainda não é unanimidade na comunidade de astrônomos, mas a observação de ontem de- ve lhe dar força. O apagão não é como um eclipse nem pode ser visto den- tro da faixa de luz do visível. São apenas os canais de alta energia da estrela maior que somem. A presença do astro menor muito próximo do maior (a distância que normalmente é de 4,5 bi- lhões de quilômetros cai para 150 milhões de quilômetros) ofusca a energia que emana da Eta Carinae A. Damineli cons- tatou isso por meio de sinais dentro da faixa do ultravioleta. Vestígios da vida Eta Carinae, exótica por si só, chama a atenção dos cientistas há tempos. São publicados em todo mundo dois estudos por mês sobre a estrela. Mas há ra- zões científicas importantes para estudar esse verdadeiro fóssil estelar —corpos celestes como esse existiam aos milhões nos primeiros 2 bilhões de anos do Universo, que hoje tem 13,7 bilhões de anos de idade. “Estrelas como a Eta Carinae são especialistas em produzir e liberar oxigênio. Essas estrelas são responsáveis pelo preen- chimento de várias casas [ele- mentos] da nossa tabela perió- dica”, afirma Damineli. Estu- dar o coração da Eta Carinae e entender por completo como ele se expressa é conhecer mais sobre as condições químicas para o surgimento da vida. Aju- daria a entender por que a água, no Sistema Solar, é algo tão abundante. Para Damineli, “rastros de atividade biológica precisam ser procurados fora do Sistema Solar”. Mesmo com o êxito de on- tem, Damineli revela: “esse provavelmente foi meu último apagão. Agora, o resto será com os meus alunos”. Sua próxima missão é bem mais ousada: “Temos dados suficientes para mostrar que o modelo atual da Via Láctea estáerrado”, afirma. De um jeito ou de outro, mes- mo que Damineli não volte ao Soar para observar Eta Cari- nae, o próximo apagão já tem data: o inverno de 2014. Quando astro explodir, noite vai virar dia na Terra ................................................................................................ DO ENVIADO ESPECIAL A LA SERENA Para quem vive no hemisfé- rio Sul, pode haver algum mês nos próximos anos em que a noite vire praticamente dia. Tudo por causa da Eta Carinae. A explosão definitiva dessa estrela, que pode ocorrer “a qualquer momento” —hoje ou daqui a muitos séculos—, deve liberar uma energia equivalen- te à luminosidade de dez luas cheias. “Seria praticamente um mês sem noite”, calcula Augus- to Damineli, da USP (Universi- dade de São Paulo). O cataclismo galáctico prova- velmente dará origem a um bu- raco negro. Apesar de não des- truir Eta Carinae B, a explosão poderia afetar Terra. Só não vai afetar por uma questão de sorte. “As emissões de raios gama de um evento co- mo esse atravessam todo o Uni- verso como um tiro”, diz o as- trônomo brasileiro. “Mas a Terra não está na di- reção exata dessa emissão. Co- mo estamos a 45 graus, não cor- remos riscos.” Apesar de ser difícil saber quando a morte definitiva da Eta Carinae A vai ocorrer —es- trelas como essa não passam dos 3 milhões de anos— Dami- neli lembra que o apagão obser- vado ontem poderá ajudar a completar mais informações da dupla. “Ainda precisamos ex- plicar melhor o papel de cada um dos atores nessa peça. Já sa- bemos que são dois” afirma, transmitindo segurança. Outra medida-chave para a astronomia, a massa de um cor- po, também não existe para a estrela menor. “Isso é o que es- tamos tentando fazer”, diz. In- dependentemente das incerte- zas científicas, Damineli arris- ca concordar com seus colegas estrangeiros que estão estu- dando a morte da Eta Carinae A. “Noites com dez luas cheias poderão ocorrer ainda durante as nossas vidas”, diz. (EG) Eduardo Geraque/Folha Imagem O astrônomo Augusto Damineli, em sala de controle do Soar [+] [+] [+] ORIGENS: ORIGENS: ORIGENS: ASTRÔNOMO PARANAENSE DIZ ASTRÔNOMO PARANAENSE DIZ ASTRÔNOMO PARANAENSE DIZ QUE QUER VOLTAR PARA A ROÇA QUE QUER VOLTAR PARA A ROÇA QUE QUER VOLTAR PARA A ROÇA O astrônomo Augusto Damineli diz que quer voltar um dia O astrônomo Augusto Damineli diz que quer voltar um dia O astrônomo Augusto Damineli diz que quer voltar um dia para a roça. Nascido em Ibiporã (PR), morou numa casa de para a roça. Nascido em Ibiporã (PR), morou numa casa de para a roça. Nascido em Ibiporã (PR), morou numa casa de terra batida na infância. Saiu do interior aos 12 anos e terra batida na infância. Saiu do interior aos 12 anos e terra batida na infância. Saiu do interior aos 12 anos e aprendeu a ler tarde. Depois de passar seis anos num semi- aprendeu a ler tarde. Depois de passar seis anos num semi- aprendeu a ler tarde. Depois de passar seis anos num semi- nário, desistiu e foi concluir o segundo grau em São Paulo, nário, desistiu e foi concluir o segundo grau em São Paulo, nário, desistiu e foi concluir o segundo grau em São Paulo, aos 20. Hoje, quando quer contato com a natureza, vai para aos 20. Hoje, quando quer contato com a natureza, vai para aos 20. Hoje, quando quer contato com a natureza, vai para a ilha do Cardoso, litoral paulista, onde tem casa. Lá, costu- a ilha do Cardoso, litoral paulista, onde tem casa. Lá, costu- a ilha do Cardoso, litoral paulista, onde tem casa. Lá, costu- ma conversar sobre o céu com os pescadores. Foram eles ma conversar sobre o céu com os pescadores. Foram eles ma conversar sobre o céu com os pescadores. Foram eles que contaram, por exemplo, que um meteorito havia caído que contaram, por exemplo, que um meteorito havia caído que contaram, por exemplo, que um meteorito havia caído no mar “levantando uma enorme coluna d’água”. Mas, na- no mar “levantando uma enorme coluna d’água”. Mas, na- no mar “levantando uma enorme coluna d’água”. Mas, na- quela vez, Damineli deu azar: não presenciou o espetáculo. quela vez, Damineli deu azar: não presenciou o espetáculo. quela vez, Damineli deu azar: não presenciou o espetáculo.

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A HORA DEETA CARINAEAstrônomo brasileiro acerta previsãosobre comportamento de estrelahipergigante. Eta Carinae —que naverdade é um sistema de duasestrelas— desafia astrônomos hádécadas. Entenda por que ela fascinatanto os cientistas

Alcance do “ventoestelar” (partículaslançadas no espaço)

AB

Céu

300 noitesde observação/ano

ChuvaMenos de

80 mm/anoEm São Paulo, amédia histórica dejaneiro é de200 mm

Áreao prédio ocupa umplatô de 3.600 milmetros quadrados,a 2.701 metros dealtura

Espelho curvoÉ a peça dotelescópio quefunciona como“lente deaumento”. Oespelho do Soartem 4,2 metros dediâmetro

Nebulosade Carina

Nuvem de gás que envolveestrela é resquício de umaexplosão parcial ocorrida1843, que não chegou amatar a estrela

Custo

US$ 28 miO Brasil é o sóciomajoritário, com31% do controle doequipamento

vezes ado Sol(aprox.)

BRUTAMONTES CÓSMICAA estrela A pertence à categoria das azuis hipergigantes

Terra

A =Diâmetro da órbita

da Terra150 milhões de km (aprox.)

Diâmetro

Sol

Massa

A =

100VIDA EMORTEQuando Eta Carinaemorrer numa explosãofatal —umasupernova— ela setransformará numburaco negro. Esse tipode estrela é umaespécie de fóssilastronômico: pode darpistas sobre o passadodo Universo e mostrarcomo elementosquímicos surgiram

Hoje

Big Bang

Eta Catarine 2,5 mi

Sol 4,6 biTerra 4,5 bi

13,7 bi

Idade, em anos

Observatório Soar,no Chile, onde adescoberta foi feita

Inauguração2004

O TELESCÓPIO

ARGENTINA

CHILE

Santiago

La Serena

0 20km

OBSERVATÓRIOSOAR

Cerro Pachón

Fotos Hubble

Soar

IRMÃS EM ATRITOEta Carinae é formada por duas estrelas orbitando uma a outra (sistema binário)

Estrela B:(massadesconhecida)

AproximaçãoA estrela “B” orbita “A”,e a cada 5 anos e meioas duas atingem umaaproximação em queentram em uma espéciede atrito

AtritoAs duas emitem forte“vento estelar” —partículas ultravelozescom carga elétrica—criando uma zona dechoque

ApagãoEsse atrito é tão forte queimpede parte da luminosidadeda estrela “A” de chegar àTerra. O apagão é invisível aoolho humano, mas telescópiosem ultravioleta o veem

Estrela A:Mais maçiça e maior(pertence à categoria dasazuis supergigantes)

˚C100milhões

PARA VER NO CÉU

Cruzeiro do Sul

Nebulosade Carina(A estrela fica a7.500 anos-luzda terra)

Alfa Centauro

A14 ciência TERÇA-FEIRA, 13 DE JANEIRODE2009 ef

EstrelatemapagãoereforçateoriadecientistabrasileiroEtaCarinae, na verdade, é umsistemacomdois astros;atrito entre ambasbloqueia passagemde raios energéticos

Fenômeno invisívelaolhonuocorreuexatamentenodiaprevistoporAugustoDamineli,daUSP; telescópionoChile registrouoevento................................................................................................EDUARDOGERAQUEENVIADOESPECIAL A LA SERENA (CHILE)

Às 3h35 da manhã (4h35 deBrasília) de segunda-feira emLa Serena, no Chile, o astrôno-mo Augusto Damineli, 61, sesentava na cadeira que permitecontrolar o telescópio Soar(Observatório do Sul para Pes-quisa Astrofísica). Ansioso, tes-temunhou um fenômeno quepoucos tiveram oportunidadede ver, ocorrido em Eta Cari-nae, uma estrela que ele estudahá 20 anos. E ontem, no dia emque Damineli havia previsto, aestrelasofreuumapagão.Na verdade, o prédio de con-

trole do Soar fica a 80 km doequipamento, que está no topodo Cerro Pachón, a 2.701 me-tros de altitude. “Astrônomonão pode por muito a mão notelescópio”, brinca o cientistabrasileiro. Em La Serena, 475km ao norte de Santiago, nabeira do Pacífico, o observató-rio ficapróximodecentrospro-dutores de vinho e pescado. E,ontem, não faltou motivo paraabrirumagarrafa.

Controleremoto“Patrício! A Eta Carinae”. O

pedido que parte de La Serenavai em direção ao astrônomochilenoPatrícioUgarte, que es-tá no morro. Ele sim é quempode por a mão no telescópio.Segundos depois, é possível vere ouvir a resposta (via telecon-ferência): “Pronto!”O espelho de 4,2 metros do

Soar, a partir das coordenadasdadas porUgarte, já está olhan-do para Eta Carinae. Damineli,com auxílio do também brasi-leiro Luciano Fraga, que há umano e setemeses trocou Floria-nópolis pelo norte do Chile, fazas primeiras medições, viacomputador.Basta um único gráfico, que

mostra a presença dos elemen-tos químicos ferro e nitrogênio—medidos nos gases que cir-cundam Eta Carinae— paracomprovar aprevisão. “Chegoulá”, comunica Damineli. A “as-sinatura” do apagão é uma di-minuição na luminosidade denitrogênio e hélio detectadospelo telescópio, que enxergafrequências de luz invisíveis aoolho humano. O apagão não évisível a olho nu,mas no Soar osinalémaisdoqueclaro.

CincoanosemeioOfenômeno, comohaviasido

previsto pelo próprio pesquisa-dor brasileiro, voltou a ocorrerdepois de 5,5 anos, dentro damargemdeerro,queeradedoisdias para mais ou para menos.“Isso que é precisão”, Daminelidiz à estrelaqueobserva. “Seeutiver uma neta vou colocar onomedeCarina.”Damineli explica queEtaCa-

rinae,naverdade,nãoéumaes-trela única, e sim um sistemacomduas.Ontem,nocéu,pertodo Cruzeiro do Sul, a estrelaEta Carinae B estava no mo-mento mais profundo de seumergulhonocampode influên-cia da estrela A, que possui 2,5milhões de anos. Os gases e oplasma dessa estrela perten-centeàclassedashipergigantesazuis são tão coesos que é pos-sível dizer queumaestrela “en-tra” na outra. O que ocorre éuma colisão violenta de seus“ventos” —as partículas carre-gadas que as estrelas lançam agrandesvelocidadesnoespaço.“Na área de choque dos ven-

tos das duas estrelas, a tempe-ratura é de 100 milhões degraus Celsius”, explica Dami-neli.Oventodamenordelas,de3.000 km/s, bate no vento da

maior,quetrafegaa600km/s.O resultado obtido na ma-

drugada de ontem em La Sere-na —cidade que nunca chove,mas vive bemnublada pelama-nhã durante o verão— é como“marcar um gol”, diz Damineli,que já estava se preparandopa-ra o evento havia um mês. NasemanaentreNataleAnoNovoele mesmo subiu até o telescó-pio, acompanhado de um cole-ga, para fazer pessoalmente assuasobservações.

Ciêncianasalturas“Lá em cima é muito bom”,

diz Damineli, revelando tam-bém o seu gosto pela astrono-mia romântica. Hoje, devido àtecnologia, boa parte dos equi-pamentos podem ser operadosremotamente, dequalquerpar-tedomundo. “Nãopoderiaper-der a oportunidade de observaresse apagão.” Sua presença láera considerada importante, jáque boa parte da biografia“quaseacabada”deEtaCarinaesaiu de estudos feitos por seugrupo, na USP (UniversidadedeSãoPaulo).A primeira observação que

Damineli fez de EtaCarinae foiem1989, noBrasil, ondenãohánenhumtelescópio—nemtem-po bom— como o Soar. Depoisdisso, Damineli assistiu a trêsapagões,comodeontem.Ele quem primeiro defendeu

o modelo de que Eta Carinaeera um sistema duplo, e nãoumaúnicaestrela.Alémdapre-visão do ciclo exato de 5,5 anospara ocorrer o apagão. Sua teo-ria aindanão éunanimidadenacomunidade de astrônomos,mas a observação de ontemde-ve lhedar força.O apagão não é como um

eclipse nempode ser visto den-troda faixade luzdovisível.Sãoapenasos canais dealta energiada estrela maior que somem. Apresençadoastromenormuitopróximo do maior (a distânciaque normalmente é de 4,5 bi-lhões de quilômetros cai para150 milhões de quilômetros)ofusca a energia que emana daEta Carinae A. Damineli cons-tatou isso por meio de sinaisdentrodafaixadoultravioleta.

VestígiosdavidaEtaCarinae, exóticapor si só,

chama a atenção dos cientistashá tempos. São publicados emtodo mundo dois estudos pormês sobre a estrela. Mas há ra-zões científicas importantespara estudar esse verdadeirofóssil estelar —corpos celestescomoesseexistiamaosmilhõesnosprimeiros2bilhõesdeanosdo Universo, que hoje tem 13,7bilhõesdeanosdeidade.

“Estrelas comoaEtaCarinaesão especialistas em produzir eliberar oxigênio. Essas estrelassão responsáveis pelo preen-chimento de várias casas [ele-mentos] da nossa tabela perió-dica”, afirma Damineli. Estu-dar o coração da Eta Carinae eentender por completo comoele se expressa é conhecermaissobre as condições químicaspara o surgimento da vida. Aju-dariaaentenderporqueaágua,no Sistema Solar, é algo tãoabundante. Para Damineli,“rastros de atividade biológicaprecisam ser procurados foradoSistemaSolar”.Mesmo com o êxito de on-

tem, Damineli revela: “esseprovavelmente foi meu últimoapagão. Agora, o resto será comos meus alunos”. Sua próximamissão é bem mais ousada:“Temos dados suficientes paramostrar que o modelo atual daViaLácteaestáerrado”, afirma.Deumjeitooudeoutro,mes-

mo que Damineli não volte aoSoar para observar Eta Cari-nae, o próximo apagão já temdata:o invernode2014.

Quandoastroexplodir,noitevaivirardianaTerra................................................................................................DOENVIADOESPECIAL A LA SERENA

Para quem vive no hemisfé-rio Sul, pode haver algum mêsnos próximos anos em que anoite vire praticamente dia.TudoporcausadaEtaCarinae.A explosão definitiva dessa

estrela, que pode ocorrer “aqualquer momento” —hoje oudaqui a muitos séculos—, develiberar uma energia equivalen-te à luminosidade de dez luascheias. “Seria praticamente ummês semnoite”, calcula Augus-to Damineli, da USP (Universi-dadedeSãoPaulo).Ocataclismogalácticoprova-

velmente dará origemaumbu-raco negro. Apesar de não des-truir Eta Carinae B, a explosãopoderiaafetarTerra.Só não vai afetar por uma

questão de sorte. “As emissõesde raios gamadeumevento co-moesseatravessamtodooUni-verso como um tiro”, diz o as-trônomobrasileiro.“Mas a Terra não está na di-

reção exata dessa emissão. Co-moestamosa45graus,nãocor-remosriscos.”Apesar de ser difícil saber

quando a morte definitiva daEta Carinae A vai ocorrer —es-trelas como essa não passamdos 3 milhões de anos— Dami-neli lembraqueoapagãoobser-vado ontem poderá ajudar acompletarmais informaçõesdadupla. “Ainda precisamos ex-plicar melhor o papel de cadaumdosatoresnessapeça.Jása-bemos que são dois” afirma,transmitindosegurança.Outra medida-chave para a

astronomia, amassadeumcor-po, também não existe para aestrela menor. “Isso é o que es-tamos tentando fazer”, diz. In-dependentemente das incerte-zas científicas, Damineli arris-ca concordar com seus colegasestrangeiros que estão estu-dando a morte da Eta CarinaeA. “Noites com dez luas cheiaspoderão ocorrer ainda duranteasnossasvidas”,diz. (EG)

Eduardo Geraque/Folha Imagem

O astrônomo Augusto Damineli, em sala de controle do Soar

[+][+][+] ORIGENS:ORIGENS:ORIGENS: ASTRÔNOMOPARANAENSE DIZASTRÔNOMOPARANAENSE DIZASTRÔNOMOPARANAENSE DIZQUE QUER VOLTAR PARA A ROÇAQUEQUER VOLTAR PARA A ROÇAQUEQUER VOLTAR PARA A ROÇA

O astrônomo Augusto Damineli diz que quer voltar um diaO astrônomo Augusto Damineli diz que quer voltar um diaO astrônomo Augusto Damineli diz que quer voltar um diapara a roça. Nascido em Ibiporã (PR), morou numa casa depara a roça. Nascido em Ibiporã (PR), morou numa casa depara a roça. Nascido em Ibiporã (PR), morou numa casa deterra batida na infância. Saiu do interior aos 12 anos eterra batida na infância. Saiu do interior aos 12 anos eterra batida na infância. Saiu do interior aos 12 anos eaprendeu a ler tarde. Depois de passar seis anos num semi-aprendeu a ler tarde. Depois de passar seis anos num semi-aprendeu a ler tarde. Depois de passar seis anos num semi-nário, desistiu e foi concluir o segundo grau em São Paulo,nário, desistiu e foi concluir o segundo grau em São Paulo,nário, desistiu e foi concluir o segundo grau em São Paulo,aos 20. Hoje, quando quer contato com a natureza, vai paraaos 20. Hoje, quando quer contato com a natureza, vai paraaos 20. Hoje, quando quer contato com a natureza, vai paraa ilha do Cardoso, litoral paulista, onde tem casa. Lá, costu-a ilha do Cardoso, litoral paulista, onde tem casa. Lá, costu-a ilha do Cardoso, litoral paulista, onde tem casa. Lá, costu-ma conversar sobre o céu com os pescadores. Foram elesma conversar sobre o céu com os pescadores. Foram elesma conversar sobre o céu com os pescadores. Foram elesque contaram, por exemplo, que ummeteorito havia caídoque contaram, por exemplo, que ummeteorito havia caídoque contaram, por exemplo, que ummeteorito havia caídono mar “levantando uma enorme coluna d’água”. Mas, na-no mar “levantando uma enorme coluna d’água”. Mas, na-no mar “levantando uma enorme coluna d’água”. Mas, na-quela vez, Damineli deu azar: não presenciou o espetáculo.quela vez, Damineli deu azar: não presenciou o espetáculo.quela vez, Damineli deu azar: não presenciou o espetáculo.