Neoconstitucionalismo e Dignidade da Pessoa...

76
UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO Curso de Direito RAFAEL GRANDULPHO BERTRAMELLO NEOCONSTITUCIONALISMO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA São Paulo 2011

Transcript of Neoconstitucionalismo e Dignidade da Pessoa...

UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO

Curso de Direito

RAFAEL GRANDULPHO BERTRAMELLO

NEOCONSTITUCIONALISMO E DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA

São Paulo

2011

RAFAEL GRANDULPHO BERTRAMELLO – R.A. 003200700066

NEOCONSTITUCIONALISMO E DINIDADE DA PESSOA

HUMANA

Monografia apresentada ao Curso de Direito

da Universidade São Francisco, como requisito

parcial para obtenção do título de Bacharel em

Direito.

Orientadora: Prof.ª D.ra Eunice Aparecida de

Jesus Prudente

São Paulo

2011

RAFAEL GRANDULPHO BERTRAMELLO

NEOCONSTITUCIONALISMO E DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA

Trabalho de Conclusão de Curso, aprovado no

Curso de Direito, da Universidade São

Francisco, como requisito parcial para a

obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Data de Aprovação: _____/_____/_________

Banca Examinadora

_______________________________________

Prof.ª D.ra Eunice Aparecida de Jesus Prudente (Orientadora)

Universidade São Francisco

________________________________________

Prof.ª M.e Alessandro Rodrigo Urbano Sanchez (Examinador)

Universidade São Francisco

________________________________

Prof.ª M.ª Simone Guimaraes Lambert (Examinadora)

Universidade São Francisco

Para meus pais, Idario Bertramello e Eunice

Grandulpho Bertramello, por terem me

ensinado as coisas mais valiosas da vida.

AGRADECIMENTOS

Durante este período (refiro-me a graduação) diversas pessoas ajudaram-me de

diferentes modos. Não dá para enumerar todas elas e se o tentasse, por certo cometeria alguma

injustiça ao esquecer alguém.

Nada mais justo, portanto, agradecer a todos aqueles que de alguma maneira

contribuíram para minha formação. Nessa lista não escrita – mas presente em minha memória

– estão professores e alunos desta universidade – como o inesquecível Prof. Waldemar

Milanez – que despertou minha paixão pelo ser humano – e meu amigo Altair Oliveira – com

quem dividi, nos bons tempos, lousas que nos serviram de pergaminho para nossos poemas.

À minha orientadora, Professora Eunice Aparecida de Jesus Prudente, por ter

iluminado o caminho teórico e principalmente por advertir-me que o jurista não pode

enclausurar-se no mundo das ideias, mas sim buscar enxergar e transformar a realidade.

À Nayara, minha princesa e amiga, companheira na academia e na vida.

Ao maior poeta desta terra: Idario Bertramello, por ter me ensinado a respeitar e amar

todas as pessoas, sem distingui-las por sua classe social, etnia, orientação sexual ou religiosa.

Ele cuja vida é um próprio poema, escrito por Deus para servir-nos de exemplo.

À minha amada mãe, Eunice Grandulpho Bertramello, a quem devo cada pedacinho

do que sou. Pelo amor, carinho e dedicação nesses anos. Mamãe coruja, o Rafa te ama muito,

obrigado por tudo!

Ao Senhor Deus, criador dos céus, da terra e do homem: Meus sinceros

agradecimentos por ter me dado tão linda família, tantos amigos e uma namorada tão especial.

“É urgente uma nova fé social”.

“Mas onde se encontrará alguma coisa que

entusiasme e ligue os homens, onde se buscar

o princípio que provoque a adesão dos

espíritos e dos sentimentos, fora da política

leal, objetiva, do socialismo: como suscitar a

nova fé em torno de abstrações ou de

esperanças falazes?”

Pontes de Miranda, Os Novos Direitos do

Homem

BERTRAMELLO, Rafael Grandulpho. Neoconstitucionalismo e Dignidade da Pessoa

Humana. 75pp. Curso de Direito. São Paulo: USF, 2011.

RESUMO

A humanidade assistiu – e sofreu – com regimes autoritários que promoveram uma

série de barbaridades sob a égide de um – vamos chamar de – Estado de Direito.

Atemorizada, como no nazismo, a população percebeu que as conquistas históricas não

prevaleciam, de per si, contra a opressão e maldade de alguns governantes. Não bastava uma

constituição que – segundo a célebre fórmula de Montesquieu – dividisse o poder e o

limitasse a determinadas competências. O próximo passo era vincular a ação do governante à

Constituição, conferindo força de lei às declarações de direitos, documentos históricos que

registram reais anseios do povo: igualdade, liberdade, solidariedade. A Constituição passou a

gozar de uma força normativa, e seus princípios, agora com ares de norma, conferiram ao

direito constitucional uma nova roupagem, hoje identificada, no Brasil e em outros países –

sobretudo Itália e Espanha – por Neoconstitucionalismo. O trabalho teve a missão de estudar

esse novo movimento que interfere sobremaneira no Direito Constitucional Brasileiro.

Fazendo breve referência à jurisprudência de nossa Corte Suprema – o STF – a pesquisa

procurou demonstrar que os princípios constitucionais – em especial, a dignidade da pessoa

humana – estão sendo aplicados aos casos difíceis e sem solução pelo tradicional método do

positivismo: a subsunção. Ligada na contribuição jusnaturalista que sinalizou a necessidade

de um tratamento axiológico para o direito, sem que, contudo, confundisse os planos do ser e

do dever ser, a pesquisa apontou para o novo marco filosófico do direito: o pós-positivismo,

registrando o emaranhado de ideias que atualmente cercam o filósofo do Direito. Traçando o

quadro histórico de evolução dos direitos fundamentais, a importância de proteção da

personalidade e dignidade humanas, a pesquisa convergiu para o objetivo de revelar que as

mudanças na interpretação e aplicação do Direito são resultado da atenção que tem recebido,

nos cenários nacional e internacional, a pessoa humana. Agora, após séculos de guerras e

tortura – e ainda há muito que se conquistar – parece ecoar um sopro de consciência, ainda

tímido e proveniente de alguns cantos do mundo, mas que um dia hão de ser soberanos.

Palavras-Chave: Personalidade. Direitos Humanos Fundamentais. Dignidade da Pessoa

Humana. Neoconstitucionalismo.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8

SEÇÃO 1 A PESSOA E SUA PERSONALIDADE ............................................................. 10

1.1 Conceito de Personalidade ................................................................................................. 10

1.2 Direitos de Personalidade no Brasil ................................................................................... 12

SEÇÃO 2 OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS ............................................... 18

2.1 Terminologia e Delimitação Conceitual ............................................................................. 18

2.2 Perspectiva Histórica .......................................................................................................... 20

2.3 A Classificação em Dimensões .......................................................................................... 29

2.4 O Fundamento dos Direitos Humanos................................................................................ 35

SEÇÃO 3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA .............................................................. 42

3.1 A Contribuição de Immanuel Kant ..................................................................................... 42

3.2 A Dignidade da Pessoa Humana e sua Conexão com os Direitos Fundamentais .............. 45

3.3 A Dignidade como Limite e Tarefa do Estado e dos Particulares ...................................... 48

3.4 A Dignidade da Pessoa Humana como Norma na Constituição Federal de 1988 .............. 50

SEÇÃO 4 NEOCONSTICIONALISMO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ....... 53

4.1 A Superação da Dicotomia: Jusnaturalismo x Positivismo ................................................ 53

4.2 O Neoconstitucionalismo ................................................................................................... 56

4.3 Recepção do Neoconstitucionalismo pelo Brasil ............................................................... 60

4.4 Neoconstitucionalismo e Dignidade da Pessoa Humana .................................................... 63

4.5 Pequena nota sobre a Jurisprudência do STF ..................................................................... 67

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 69

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 71

8

INTRODUÇÃO

“Um novo e grande fantasma assola os juristas cristalizados: o espectro do

Neoconstitucionalismo” 1. É assim que o renomado jurista Paulo Ferreira da Cunha, fazendo

referência ao célebre manifesto de Karl Marx e Friedrich Engels, inicia o prefácio da obra

coletiva que recebeu o nome de Neoconstitucionalismo.

A força da expressão serve para identificar a tão comum resistência à novidade por

parte de quaisquer sociedades ou grupos que são tomados pelo medo (motivado, muitas vezes,

pelo desconhecimento) e consequente rejeição de tudo que pareça ser novo ou revolucionário.

No direito brasileiro, já se celebrizou a expressão “neoconstitucionalismo” para fazer

referência a uma nova realidade constitucional, na qual a Constituição passa a ocupar um

papel central para o sistema jurídico. É destaque, nessa nova realidade, a constitucionalização

do direito, aumento significativo da importância da jurisdição constitucional, da utilização dos

princípios...

Essas novas ideias, e a importância que hoje visivelmente refletem na jurisprudência

nacional, sobretudo do órgão máximo do Poder Judiciário – o Supremo Tribunal Federal –

levaram este pesquisador a se debruçar sobre um tema ainda em construção nos cenários

nacional e internacional.

De fato, há um movimento doutrinário e jurisprudencial bastante recente a respeito das

discussões sobre o neoconstitucionalismo e sua relação com os princípios constitucionais, em

especial, a dignidade da pessoa humana. Várias questões ainda não solucionadas desafiam os

estudiosos do Direito a refletirem sobre os riscos e possibilidades desta nova teoria.

Estamos em tempos de neoconstitucionalismo. É o momento de superar a ideia de um

constitucionalismo restrito à limitação do poder político, sem um efetivo compromisso com a

eficácia das normas Constitucionais, sobretudo aquelas que dizem respeito aos direitos

humanos fundamentais.

Veremos, ao longo, deste trabalho, quais as principais características desse

movimento, suas propostas, seus riscos e, principalmente, a opinião de renomados juristas a

seu respeito. Apenas para dar um toque de curiosidade ao leitor: Dentre as mudanças,

1 Cf., Neoconstitucionalismo, p. XXI.

9

encontra-se a ideia de abolir-se o mero caráter retórico das normas constitucionais. É tempo

de se exigir a concretização dos direitos fundamentais, como forma de respeito ao princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana.

Por outro lado, a proposta encontra notáveis dificuldades. Primeiro porque, ao falar-se

em direitos fundamentais, tem-se em mente que o catálogo de direitos fundamentais regula de

forma extremamente aberta questões em grande parte muito controversas2.

Ressoa, nesse sentido, um aparente consenso no sentido de que a dignidade da pessoa

humana seja o eixo gravitacional deste novo movimento. Por esta razão, deve ser reconhecida,

respeitada, promovida e protegida pelo ordenamento jurídico, ainda que dele não dependa

para existir, uma vez que se trata de condição intrínseca e irrenunciável de cada ser humano,

como sabidamente assinalou Kant.

Mas, afinal, sabe-se o que é a dignidade da pessoa humana? Há um conceito válido, a

seu respeito, em todos os continentes? A dignidade da pessoa humana serve como

embasamento axiológico para concretizar esta nova aspiração de efetividade dos direitos

fundamentais?

O convite está posto. Essas e outras perguntas compõem o instigante tema que

percorre este trabalho. Durante a pesquisa, teremos a intenção de estudar uma definição

minimamente objetiva da dignidade da pessoa humana, procurando afastar qualquer visão

reducionista ou parcial que comprometam a universalização do conceito.

Vamos refletir se a dignidade da pessoa humana constitui embasamento axiológico

suficiente para a concretização da verdade constitucional, na esteira do

neoconstitucionalismo.

Também é nosso alvo identificar a conexão da dignidade da pessoa humana com os

direitos humanos fundamentais, buscando a compreensão das diversas classificações

existentes a respeito destes direitos.

Por fim, vamos apontar, de maneira sucinta e reduzida, a jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal a respeito da nova teoria constitucional aqui estudada, fazendo referência aos

julgados que se valeram da dignidade da pessoa humana para resolver casos difíceis.

2 A observação é de Robert Alexy, in Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio A. Da Silva. 2ªed., 2011,

p. 26.

10

1 A PESSOA E SUA PERSONALIDADE

1.1 Conceito de Personalidade

A filosofia possui uma indagação central, que interessa também aos estudiosos do

Direito. Ainda que um sem número de respostas sejam re (construídas) dia a dia, não há como

contentar-se com uma definição estática do que seja o homem (entendido no sentido amplo).

Independentemente de qual seja a explicação adotada a respeito do surgimento da raça

humana, tal como hoje concebida, há de consentir-se que a espécie humana certamente

influenciou (e influencia) o processo de evolução dos seres vivos e de todo o meio ambiente.

Ora, não foi o próprio homem quem adquiriu instrumentos hábeis a interferir no

processo generativo e de sobrevivência de todas as espécies vivas, inclusive a sua própria?

(COMPARATO, 2010, p. 18).

Nesse sentido, sendo indispensável ao jurista buscar o conhecimento a respeito do que

seja o homem, necessária se faz a proximidade ao conceito de personalidade.

Os filósofos gregos acreditavam que o homem possuía uma essencial igualdade,

expressa mediante a oposição entre a individualidade própria de cada um e as funções ou

atividades por ele exercidas na vida social. Essa função social designava-se, figurativamente,

pelo termo prósopon, que os romanos traduziram por persona, com o sentido próprio de rosto

ou máscara de teatro (COMPARATO, 2010, p. 27).

Era a máscara de cada personagem o que se podia ver. Tal exteriorização passou a ser

confundida com a essência da pessoa, levando Sócrates, no diálogo Alcibíades, a advertir que

a essência do ser humano não está no corpo, nem na união de corpo e alma, mas somente

nesta última:

“____

Ah! Estou vendo, era isto que, há pouco, dizíamos: que Sócrates,

servindo-se da palavra, fala com Alcibíades; que ele não se dirige ao teu

rosto (ou pros to son prósopon), mas ao próprio Alcibíades. Ora, tu és a tua

alma” (apud COMPARATO, 2010, pp. 27 e 28).

11

A oposição entre a máscara teatral e a essência individual de cada ser

humano veio a ser denominada com o termo personalidade, que

passou a designar a essência evolutiva do ser humano resumida num

processo de contínua transformação, dado que cada pessoa é um

sujeito em processo.

O significado de personalidade como sendo o próprio indivíduo e não mais os papéis

sociais que representa (MONTEIRO, 2009, p. 63), foi uma construção dos filósofos do século

XX, que assistindo a despersonalização do homem como resultado da burocracia e

mecanização dos processos produtivos advindos com a Revolução Industrial, perceberam que

o homem estava sendo confundido com a função (crescentemente desvalorizada) que exercia

na sociedade.

Não se podia correr esse risco. Se o homem é encarado de acordo com o papel que

exerce no meio social, e a partir daí discriminado de acordo com seu status, passível ou não

de consideração e respeito, o que aconteceria com a legião de trabalhadores no quadro do

avanço do liberalismo político e econômico, em se considerando que no capitalismo, a lógica

é a valorização dos bens numa proporção muito maior do que das pessoas?

Notadamente influenciado pelos escritos de Karl Marx, Fabio Konder Comparato

(2010, p. 39) explica a singularidade humana, diferenciando os elementos externos (máscara)

dos internos, apontando a despersonalização do homem no contexto da burocratização:

Reagindo contra a crescente despersonalização do homem no mundo

contemporâneo, como reflexo da mecanização e burocratização da vida em

sociedade, a reflexão filosófica da primeira metade do século XX acentuou o

caráter único e, por isso mesmo, inigualável e irreprodutível da

personalidade individual. Confirmando a visão da filosofia estóica,

reconheceu-se que a essência da personalidade humana não se confunde com

a função ou papel que cada qual exerce na vida. A pessoa não é personagem.

A chamada qualificação pessoal (estado civil, nacionalidade, profissão,

domicílio) é mera exterioridade, que nada diz da essência própria do

indivíduo. Cada qual possui uma identidade singular, inconfundível com a

de outro qualquer. Por isso, ninguém pode experimentar, existencialmente, a

vida ou a morte de outrem, são realidades únicas e insubstituíveis.

12

Justamente por encontrar nos atributos intrínsecos de cada pessoa, a justificativa para a

existência de uma personalidade individual, cujos desdobramentos são tutelados pelo

ordenamento jurídico de alguns países, é que podemos afirmar que a personalidade não está

condicionada à existência de uma vontade efetiva do indivíduo (consciência,

autodeterminação).

Com base na doutrina do jurista italiano Giorgio Giampiccolo 3 (apud TEPEDINO,

2004, pp. 24-25), o professor Gustavo Tepedino explica que o homem, como pessoa,

manifesta dois interesses fundamentais: “como indivíduo, deseja uma existência livre; como

ser social, deseja desenvolver-se na sociedade” e o direito, em verdade, busca tutelá-lo de

modo que esses dois anseios tornem-se possíveis.

Para permitir esse primeiro estágio de desenvolvimento do homem, o Direito precisa

tutelar a pessoa humana tomada em si mesma e também as suas projeções na sociedade.

Sempre que o ordenamento fizer referência (direta ou indiretamente) a tais valores, estará

protegendo a personalidade humana (BITTAR, 1989, p.1).

Nesse sentido seria inviável um rol que buscasse limitar os direitos da personalidade,

ou exemplificá-los todos, porquanto eles são, por sua natureza, inerentes ao homem

(concepção jusnaturalista). Ademais, o “Estado não é o único definidor e identificador dos

direitos, há o costume, a jurisprudência e outras inúmeras formas” (BITTAR, 1989, p. 8).

Mas devemos reconhecer a importância de se ter presente, no ordenamento, as

características dos direitos de personalidade, como o caso do Brasil. O Código Civil de 2002,

de inspiração francesa (existencialista), separou todo um capítulo a tratar dos direitos de

personalidade e isso significa um grande avanço.

1.2 Direitos da Personalidade no Brasil

A literatura nacional, relativa aos direitos de personalidade, é escassa. Poucos autores

trataram com profundidade do tema.

3 Cf. “La tutela giuridica della persona umana e il c.d diritto Allá riservatezza”, in Riv. Trimestrale di diritto e

procedura civile, 1958, p. 458.

13

A maior parte dos escritores adota a separação dos direitos da personalidade daqueles

tidos por fundamentais. Entretanto, cabe-nos mencionar a posição dos professores José

Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco Ferreira Muniz que afirmam a necessidade de

vincular a noção de direitos de personalidade à noção de direitos humanos fundamentais

(SZANIAWSKI, 1993, p. 75).

Os professores sustentam, em síntese, que estes direitos estariam mais bem zelados se

fossem interpretados como da categoria de direitos humanos fundamentais, porquanto a

fragmentação, ou separação dos tais direitos em outra categoria só tende a fragilizá-los, já que

seu reconhecimento fica condicionado à aceitação e solidificação de uma nova categoria

jurídica.

Inobstante, seguindo a linha da majoritária doutrina, exporemos a classificação

predominante a respeito destes direitos, bem como demonstraremos suas características.

Carlos Alberto Bittar (1989, p. 10), um dos autores nacionais que mais se aprofundou

na matéria, propôs que os direitos de personalidade fossem compreendidos como: a) os

próprios da pessoa em si; e b) os referentes às suas projeções para o mundo exterior. Para ele,

sob o aspecto físico estariam os direitos relativos à integridade corporal; sob o aspecto

psíquico estariam os relativos aos componentes intrínsecos da personalidade; e sob o moral os

relativos aos valores da pessoa na sociedade (BITTAR, 1989, p. 17).

Ora, a conexão com os direitos fundamentais, como teremos a oportunidade de

demonstrar em nossa segunda seção, é nítida e incontestável. Se os direitos de personalidade

abrangem aqueles da pessoa em si, tais como a intimidade, liberdade de locomoção e

pensamento, identificação da árvore genealógica, nome etc., não há como distinguir essa

categoria dos direitos fundamentais.

Em tese de doutorado apresentada na Faculdade de Direito da USP (1996, p. 7),

Eunice Aparecida de Jesus Prudente afirma que a personalidade distingue os homens sem que

com isso eles deixem de ser essencialmente iguais. A personalidade humana, em verdade, cria

uma liberdade permissiva da manifestação do indivíduo, sem comprometer a convivência

coletiva, a liberdade dos demais.

Nesse sentido é que a proteção da personalidade pelo Direito é uma exigência da

dignidade da pessoa humana, pois, sem tal tutela, o indivíduo estaria exposto a uma vida

sem as garantias morais mínimas para coexistir e ser reconhecido enquanto pessoa de direito.

14

Por tal motivo é que encontramos na legislação brasileira os princípios relativos aos

direitos da personalidade, sobretudo a dignidade da pessoa humana, em nossa Lei Maior,

assim como, em caráter complementar, alguns mais específicos, presentes no Código Civil

(VENOSA, 2009, p. 170).

Os direitos da personalidade são orientados pelo princípio constitucional da dignidade

da pessoa humana (GONÇALVES, 2007, p. 159), de modo que ninguém pode dispor deles,

ainda que de modo voluntário (VENOSA, 2009, p. 172), porquanto, nos termos do Artigo 11

do Código Civil Brasileiro, “são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu

exercício sofrer limitação voluntária”.

Para Carlos Roberto Gonçalves (2007, pp. 157 e 158), além destas duas características,

os direitos de personalidade são: dotados de oponibilidade erga omnes, imprescritíveis,

impenhoráveis, não sujeitos à desapropriação, vitalícios, e não estão enclausurados em rol

definitivo.

A este respeito, comenta Nelson Nery Júnior (2005, p. 173) que tais garantias visam

afirmar que a dignidade da pessoa humana é fundamento dos direitos de personalidade, e por

isso tais direitos possuem como objeto tudo aquilo que disser respeito à natureza do ser

humano.

No dizer de Pablo Stolze Gagliano (2006, p. 135), reafirmando e acrescendo à

classificação do jurista Carlos Alberto Bittar, os direitos de personalidade “têm por objeto os

atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais”.

Mas o reconhecimento dos direitos de personalidade não acompanhou a enunciação

das clássicas liberdades públicas nos tratados e documentos internacionais, como então,

haveríamos de supor. Se nestes documentos houve previsão da liberdade, da livre

manifestação do pensamento etc., neles não estava contido o reconhecimento de um direito à

personalidade, tal como hoje concebido.

Somente a partir dos anos cinqüenta foi-se admitindo a existência de direitos de

personalidade atribuíveis ao homem pela simples condição de ser. A propriedade, entendida

como um direito humano absoluto, em tempos de escravidão, tornou-se um empecilho à

compreensão de que o homem, independentemente de sua “posição social”, era dotado de

direitos de personalidade.

15

Assim explica o tratadista Pontes de Miranda (1995, p.5):

A imediata influência do instituto da propriedade, em tempos que

conheceram a servidão e a escravidão, concorria para que se pensasse em

propriedade, sempre que se descobria serem absolutos os direitos em causa.

Ainda no século em que vivemos, juristas de prol resistiram a tratar a

integridade psíquica, a honra e, até a liberdade de pensamento como direitos.

O próprio direito à vida, compreendido dentre os aspectos físicos, é um direito

inerente à personalidade (MONTEIRO, 2009, p. 101).

Salienta Caio Mário da Silva Pereira (2006, p. 249) que como ente, todo ser humano

tem direito essencial à vida, razão pela qual a ordem jurídica o assegura desde antes do

nascimento, protegendo os interesses do nascituro.

O jurista Carlos Roberto Gonçalves (2007, p. 162) explica que “a vida é bem

Supremo. Preexiste ao direito e deve ser respeitada por todos. É bem jurídico fundamental,

uma vez que se constitui na origem e suporte dos demais direitos”.

Por tal razão, a proteção jurídica da vida humana e a integridade física são direitos de

personalidade, porquanto visam permitir uma existência livre ao indivíduo, bem como seu

integral desenvolvimento na sociedade.

Sob o aspecto moral, para utilizar a classificação do jurista Carlos Bittar, o nome

também é um direito de personalidade. É elemento identificador dos indivíduos na sociedade.

De fato, há um interesse social inequívoco em sua existência. Por este aspecto, talvez se possa

pensar em uma obrigação ao nome, o que não é de todo infundado.

Entretanto, ainda que de forma sucinta, pretende-se com esta explicação relacionar a

importância de um direito ao nome, como exigência dos direitos de personalidade.

O direito ao nome esteve, por muito tempo, relacionado diretamente com o direito de

propriedade, como explica Serpa Lopes:

Os que sustentam ser o direito ao nome um direito de propriedade, tiveram o

seu ponto de vista triunfante por largo tempo, principalmente na

Jurisprudência francesa, mas atualmente é critério abandonado, como uma

concepção histórica e teoricamente falsa. Do ponto de vista teórico, porque o

conceito de direito de propriedade, com o seu caráter de exclusividade, não

16

se ajusta ao conceito jurídico do nome; do ponto de vista histórico, porque

todos os nomes, excetos os feudais, partiram de um ponto comum,

apresentando-se, originariamente, como uma res communis, o que é

insuscetível de apropriação (1989, p. 286)

A evolução desta acepção está relacionada, como observa Silvio Rodrigues (2006, p.

72), ao reconhecimento de que o nome é um direito inerente à pessoa e, se o fosse direito de

propriedade, seria alienável, prescritível etc.

Pontes de Miranda (1955, p. 68), ao explicar que a personalidade torna possível a

aquisição de direitos e deveres, adverte ser impossível atribuir algo, ativa ou passivamente,

sem se saber “a quem”. Daí a necessidade de se diferenciar cada indivíduo como o nome. Para

o jurista, “à medida que a pessoa cresce, vive, se educa, se projeta na vida social, o nome, que

por bem dizer se cola à personalidade, como que se liga, se consolida, se fusiona com a

personalidade mesma” (1955, p. 68).

Apenas para demonstrar a veracidade da tese apresentada por Pontes de Miranda,

destaca-se a contribuição do Professor Silvio de Salvo Venosa (2009, p. 184), que relembra a

importância do nome e esta fusão com a própria personalidade, ao trazer o exemplo dos

Hebreus: Moisés, Jacó, Ester... Sem contar o exemplo irrefragável de Jesus de Nazaré.

Nesse exato sentido, Washington de Barros Monteiro (2009, p. 109), ressalta que o

“nome é um dos mais importantes atributos da personalidade, justamente por ser o elemento

identificador por excelência das pessoas”, e estar eterna e indissoluvelmente ligado com o

homem.

Veja-se também, a título de exemplo, que o direito de autor também é um

desdobramento dos direitos de personalidade, no tocante à integridade intelectual, ou moral, a

rigor do artigo 49, da Lei 9.610/98:

Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a

terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular,

pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio

de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em

Direito, obedecidas as seguintes limitações:

I. a transmissão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de

natureza moral e os expressamente excluídos por lei.

17

O direito de inventar, como resultado da liberdade de exercício da descoberta, talvez

seja o embrião do chamado direito autoral. Cada coisa criada recebe de seu autor um traço de

sua personalidade, não necessariamente a coisa em seu aspecto físico, mas na própria

formulação científica que deu causa ao objeto final.

E segundo Pontes de Miranda (1955, p. 140), o direito tinha de levar em conta esse

trato de tempo anterior à entrada da obra no direito das coisas. Para o jurista, o direito autoral

de personalidade tutela a ligação da obra feita à pessoa que a fez, por meio de um vínculo

psíquico, fático, indissolúvel.

Percebe-se, para finalizar este primeiro trecho de considerações, que nos direitos da

personalidade a pessoa é, a um só tempo, sujeito e objeto de direitos, remanescendo a

coletividade, em sua generalidade, somo sujeito passivo: daí, dizer-se que esses direitos são

oponíveis erga omnes. Todos devem observar os direitos de personalidade (BITTAR, 1989, p.

30).

18

2 OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

2.1 Terminologia e Delimitação Conceitual

Lembre-se que a majoritária doutrina não considera os direitos de personalidade como

uma espécie de direitos humanos fundamentais, mas sim uma categoria específica de direitos.

Entretanto, bem apontamos – e cabe aqui repisar o assunto – nossa opção por filiar-se à

corrente que sustenta a vinculação entre tais direitos.

Antes de explorar a historicidade dos chamados direitos humanos fundamentais, passo

inicial para compreender suas principais características e a discussão atual que os envolve,

vamos nos aproximar das terminologias utilizadas para estes direitos.

José Afonso da Silva (2009, p. 175) explica que a ampliação e transformação dos

direitos fundamentais do homem são as grandes responsáveis pela dificuldade de obter-se um

conceito sintético e preciso a respeito desta espécie, até porque os direitos humanos

fundamentais, em sua concepção atualmente conhecida, surgiram como produto da fusão de

várias fontes, desde a conjugação de pensamentos filosófico-jurídicos até as idéias surgidas

com o cristianismo e com o direito natural (MORAES, 2007, p. 1).

Fala-se em Direitos do Homem, Direitos Naturais, Direitos Individuais, Liberdades

Públicas, Direitos Subjetivos Públicos, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais.

Todavia, a melhor doutrina vem apontando para o fim da heterogeneidade,

ambigüidade e ausência de consenso no tocante à esfera conceitual e terminológica,

rechaçando a utilização, ao menos como termos genéricos, das expressões: liberdades

públicas, direitos individuais e direitos subjetivos públicos (SARLET, 2009a, p. 28).

A expressão “direitos individuais”, por exemplo, mostra-se insuficiente para figurar

como gênero dos direitos, pois, limita-se ao rol das liberdades e direitos civis. De igual modo,

a expressão “direitos subjetivos públicos” denota o exercício do direito de acordo com a

vontade do titular, o que fere as características de inalienabilidade e irrenunciabilidade típicas

destes direitos (SILVA, 2009, pp. 176 e 181).

19

Contudo, ainda que estas expressões não sejam adequadas para abarcar todas as

dimensões dos direitos objetos deste estudo, elas não se excluem e também não são

incompatíveis, apenas se distinguem por suas esferas de alcance, positivação e consequências

práticas (SARLET, 2009a, p. 34).

Não à toa, o legislador constituinte brasileiro optou por fixar o título “Dos Direitos e

Garantias Fundamentais” em nossa Lei Maior, utilizando, desta forma, a mais adequada

expressão no sentido de abranger as várias dimensões dos direitos aqui estudados.

É que os direitos fundamentais, segundo a maior parte da moderna doutrina

constitucional, são aqueles reconhecidos e vinculados à esfera do Direito Constitucional de

determinado Estado, enquanto que os direitos humanos estão firmados pelas posições

jurídicas de âmbito internacional que se reconhecem ao ser humano, independentemente de

sua vinculação com determinada ordem Constitucional (SARLET, 2009a, pp. 30-31).

De fato, os direitos humanos exprimem certa consciência ética universal, e por isso

estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado (COMPARATO, 2010, p. 74), sendo a

expressão preferida nos documentos internacionais (SILVA, 2009, p. 176).

Já os direitos fundamentais são compreendidos como princípios que resumem a

concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico (SILVA,

2009, p. 176), no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a limitação do

poder e visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana no âmbito nacional

(MORAES, 2007, p. 2).

José Joaquim Gomes Canotilho (1992, p. 529), que utiliza a expressão direitos do

homem em lugar da expressão direitos humanos, explica:

As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são

frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e

significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem

são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão

jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do

homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-

temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza

humana e daí o seu carácter inviolável, intemporal e universal; os direitos

fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem

jurídica concreta.

20

A teoria positivista considera essa indagação como despida de sentido, pois, parte da

premissa de que não há direito fora da organização política estatal, fora do direito posto,

escrito. Mas essa concepção, notavelmente, demonstra-se incompatível com o

reconhecimento da existência de direitos humanos, pois a característica de tais direitos

consiste, como proclamaram os revolucionários americanos e franceses no século XVIII, no

fato de valerem contra o Estado.

Seja como for, eventual conflito entre normas internacionais e internas, em matéria de

direitos humanos, invoca a aplicação da norma mais favorável ao ser humano, pois a proteção

da dignidade da pessoa é a finalidade última e a razão de ser de todo o sistema jurídico

(COMPARATO, 2010, p. 74).

Quanto ao âmbito da discussão em torno da melhor terminologia a ser adotada, temos

que a utilização da expressão direitos humanos fundamentais possui o condão de reforçar a

unidade essencial e indissolúvel entre os direitos humanos e os direitos fundamentais e, por

essa razão, torna-se a mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que

resumem a concepção do mundo, também informa a ideologia política de nosso ordenamento

jurídico.

No qualificativo fundamentais, como bem explica José Afonso da Silva (2009, p. 178),

acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se

realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive, interpretação perfeitamente

compatível com os direitos aqui estudados.

Ademais, como veremos adiante, o reconhecimento de tais direitos constitui uma das

principais (mas não a única) exigência da dignidade da pessoa humana (SARLET, 2009c, p.

23), decorrendo daí seu caráter fundamental, sua essencialidade, indisponibilidade,

irrenunciabilidade.

2.2 Perspectiva Histórica

Há quem aponte como primeiro documento histórico de importância ao estudo dos

direitos humanos fundamentais, o Código de Hammurabi (1690 a.c), que defendeu a

supremacia das leis em relação aos governantes (MORAES, 2007, p. 6) ao reconhecer, ainda

21

que num contexto diferente do atual, a dignidade, a propriedade e outros direitos

fundamentais do homem.

Na Inglaterra, a supremacia do rei sobre os barões feudais, reforçada durante todo o

século XII, enfraqueceu-se no início do reinado de João Sem-Terra, porquanto o rei aumentou

as exações fiscais para financiar a guerra em disputa pelo trono. A pressão tributária, observa

Fabio Konder Comparato (2010, p. 85), fez com que a nobreza passasse a exigir o

reconhecimento formal de seus direitos como condição para o pagamento de impostos.

Segundo Kildare Gonçalves Carvalho (2009, p. 689), o reconhecimento dos direitos

fundamentais, na Inglaterra medieval, foi marcado pelo pragmatismo e significou apenas a

concessão de privilégios para grupos determinados, como a igreja, a nobreza, as corporações,

não se reconhecendo direitos universais.

A advertência do jurista é razoável. Encontra amparo nos excertos da Magna Carta4,

da qual extraímos o primeiro parágrafo, que diz respeito às liberdades outorgadas a Igreja da

Inglaterra:

1. Em primeiro lugar, garantimos perante Deus e confirmamos pela presente

Carta, em nosso nome e no de nossos herdeiros para sempre, que a Igreja da

Inglaterra será livre e manterá os seus direitos íntegros e as suas liberdades

intocadas; e é a nossa vontade que assim seja observado; o que é evidente

pelo fato de que, antes de principiar a atual querela entre nós e nossos

barões, nós, voluntária e espontaneamente, garantimos e pela nossa carta

confirmamos a liberdade de escolha (dos superiores eclesiásticos), a qual é

reconhecida como da maior importância e verdadeiramente essencial para a

Igreja inglesa, e obtivemos confirmação disto de parte do Senhor Papa

Inocêncio III; o que observaremos e queremos que nossos herdeiros

observem em boa-fé, para sempre (COMPARATO, 2010, p. 83).

De fato o documento não pretendia universalizar o conceito de direitos fundamentais a

todo e qualquer ser humano. Contudo, deixou implícito pela primeira vez que o rei achava-se

naturalmente vinculado pelas próprias leis que edita (COMPARATO, 2010, p. 92),

despontando-se aí o embrião da democracia moderna.

4 Magna Carta Libertatum Seu Concordiam Inter Regem Johannem Et Barones Pro Concessione Libertatum Ecclesiae Et

Regni Angliae ou Carta Magna das Liberdades entre o rei João e os Barões para a outorga das liberdades da igreja e do reino

inglês.

22

Fala-se em democracia moderna, pois, nela, a soberania popular é meramente passiva

ou formal, o governo é representativo. Em compensação, os poderes governamentais são

sempre limitados e as liberdades individuais afirmadas (COMPARATO, 2010, p. 93).

Em síntese, o documento reconheceu as liberdades eclesiásticas, apontando para a

futura separação entre Igreja e Estado. Avançou no sentido de que a tributação precisa ser

consentida, dispondo que “ninguém será obrigado a prestar um serviço maior do que for

devido em benefício do feudo de um cavaleiro ou de qualquer outro domínio livre” 5.

Outro fato de relevo é o reconhecimento, em seu item 40, de que o monarca não é o

dono da justiça, sendo esta um assunto de eminente interesse público. Outrossim, merece

especial destaque o item 61 que estipula a responsabilidade do rei perante os seus súbitos, o

que demonstra o início do processo de derrocada do próprio regime monárquico

(COMPARATO, 2010, p. 95).

Para o Professor Alexandre de Moraes (2007, p.7), os principais avanços com a Magna

Carta podem ser sentidos, em especial, no tocante a liberdade da igreja, restrições tributárias,

proporcionalidade entre delito e sanção (item 20), previsão do devido processo legal (item 39)

e livre acesso à justiça (item 40), além da liberdade de locomoção e a livre entrada e saída do

país.

Os Constitucionalistas Sylvio Motta e Gustavo Barchet (2007, p. 149) advertem, no

entanto, que a efetiva positivação dos direitos humanos fundamentais deu-se com as

declarações de direito elaboradas nos Estados norte-americanos, no século XVIII (Virgínia –

1776), o que não dispensa, é claro, a importância histórica da Magna Carta.

De igual relevância foi o surgimento, em 1679, do Habeas-Corpus Act. O ilustre

jurista Fabio Konder Comparato (2010, p. 100), explica que o remédio processual já existia na

Inglaterra há vários séculos (antes mesmo de 1215) e servia como mandado judicial em caso

de prisão arbitrária, carecendo, entretanto, de regras processuais adequadas ao seu pleno

exercício, o que somente aconteceu em 1679.

A lei corrigiu lacunas processuais e sua importância histórica consiste no fato de que

essa garantia judicial, criada para proteger a liberdade de locomoção, tornou-se o modelo para

outros remédios constitucionais que viriam depois, como o mandado de segurança, por

exemplo.

5 Item 16.

23

Vejamos um trecho do documento, traduzido por Fabio Konder Comparato (2010, pp.

102-103):

1. Toda vez que alguma pessoa ou pessoas apresentarem um habeas

corpus a algum xerife ou xerifes, carcereiro, ministro ou quaisquer outras

pessoas, em favor de alguém mantido em sua custódia, e dito writ for

notificado a tais funcionários, ou deixado na prisão com algum funcionário

subordinado, estes funcionários devem, dentro de três dias do recebimento

da notificação (exceto se se tratar de traição ou felonia, assim expressamente

declarada no mandado respectivo), após pagamento ou oferta das custas

correspondentes ao transporte do dito prisioneiro, [...] conduzir ou fazer com

que seja conduzido o paciente em pessoa perante o lorde Chanceler, ou,

interinamente, perante o Lorde Guardião do grande sinete da Inglaterra, ou

os juízes ou barões do tribunal que deve expedir dito mandado, ou perante a

pessoa ou as pessoas às quais dito mandado deve ser devolvido, de acordo

com o seu teor, devendo, igualmente, certificar as verdadeiras causas da

detenção ou prisão, a menos que o local de encarceramento do paciente seja

distante em mais de 20 milhas do local ou locais da sede do mencionado

tribunal ou do domicílio da pessoa; e se a distância for de mais de 20 milhas,

mas não superior a 100 milhas (a apresentação do paciente deverá ocorrer),

dentro de 10 dias, e se a distância for superior a 100 milhas, dentro de 20

dias [...]

Observa o mesmo autor que, essa característica de a autoridade que detém o paciente o

apresentar incontinenti em juízo, não foi reproduzida em boa parte das legislações. Em

contrapartida, o instituto passou a ser utilizado não só em caso de prisão efetiva, mas também

em caso de ameaça e constrangimento à liberdade individual de ir e vir (2010, pp. 101 e 102).

Dez anos depois, temos a declaração de direitos denominada Bill Of Rights. Ela

surgiu em conturbado contexto histórico de grande intolerância religiosa. Três anos antes de

sua edição, Luís XIX revogou o edito de Nantes (escrito em 1598), ato que reconhecia aos

protestantes franceses a liberdade de consciência e uma limitada liberdade de culto, além da

igualdade civil com os católicos (COMPARATO, 2010, p. 107).

Apesar dos avanços sentidos no fortalecimento do princípio da legalidade, no

surgimento do direito de petição, na vedação à aplicação de penas cruéis, entre outros, esse

24

contexto de intolerância religiosa foi levado adiante com o documento, que negou a liberdade

e igualdade religiosa, como se lê de seu item IX:

Considerando que a experiência tem demonstrado que é incompatível com a

segurança e bem-estar deste reino protestante ser governado por um príncipe

papista ou por um rei ou rainha casada com um papista, os lordes espirituais

e temporais e os comuns pedem, além disso, que fique estabelecido que

quaisquer pessoas que participem ou comunguem da Sé e Igreja de Roma ou

professem a religião papista ou venha a casar com um papista sejam

excluídos e se tornem para sempre incapazes de herdar, possuir ou ocupar o

trono deste reino, da Irlanda e seus domínios ou de qualquer parte do mesmo

ou exercer qualquer poder, autoridade ou jurisdição régia; e, se tal se

verificar, mais reclamar que o povo destes reinos fique desligado do dever de

obediência e que o trono passe para a pessoa ou as pessoas de religião

protestante que o herdariam e ocupariam em caso de morte da pessoa ou das

pessoas dadas por incapazes.

Inobstante, o documento continha uma essência que prevalecia sobre as intolerâncias

religiosas. Ele preservou a separação dos poderes, quando atribuiu ao Parlamento o encargo

de defender os súditos perante o Rei, que não poderia exercer seu arbítrio em relação a este

poder constituído (COMPARATO, 2010, p. 108).

A instituição-chave para a limitação do poder monárquico e a garantia das liberdades

na sociedade civil foi o Parlamento. A partir do Bill Of Rights britânico, a ideia de um

governo representativo, ainda que não de todo o povo, mas pelo menos de suas camadas

superiores, começa a firmar-se como uma garantia institucional indispensável das liberdades

civis (COMPARATO, 2010, pp. 61 e 62).

Indispensável também mencionar a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,

de 1789, que se tornou além da mais famosa declaração de direitos, o modelo dos pactos

sociais por excelência, transformando-se num verdadeiro expoente de previsão dos direitos

humanos fundamentais.

Ensina o ilustre jurista Fabio Konder Comparato (2010, p. 65):

As declarações de direito norte-americanas, juntamente com a Declaração

Francesa de 1789, representaram a emancipação histórica do indivíduo

perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o clã,

25

o estamento, as organizações religiosas. É preciso reconhecer que o terreno,

nesse campo, fora preparado mais de dois séculos antes, de um lado pela

reforma protestante, que enfatizou a importância decisiva da consciência

individual em matéria de moral e religião; de outro lado, pela cultura da

personalidade de exceção, do herói que forja sozinho o seu próprio destino e

os destinos do seu povo, como se viu sobretudo na Itália renascentista.

A Declaração calcava-se na ideia de que todos os homens nascem livres e iguais em

direitos e que a única fonte de poder era o próprio povo, o que mudou radicalmente os

fundamentos da legitimidade política (COMPARATO, 2010, p. 63). Tanto que os

revolucionários passaram a questionar os valores institucionalizados pelo antigo regime,

conforme explica antes indicada:

a convicção de fundar um mundo novo, que não sucedia o antigo, mas a ele

se opunha radicalmente, levou aliás os revolucionários à destruição sem

remorsos de um número colossal de monumentos históricos e obras de arte,

em todo o território do reino. Para os líderes intelectuais da revolução, esses

bens não apresentavam nenhum valor cultural, mas eram, bem ao contrário,

contravalores (2010, p. 63).

Essa valorização do indivíduo, com a previsão de uma igualdade formal, aponta

Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2008, p. 288), revelou-se uma pomposa inutilidade para a

legião crescente de trabalhadores. Patrões e operários eram considerados, pela majestade da

lei, como contratantes perfeitamente iguais em direitos, com inteira liberdade para estipular o

salário e as demais condições de trabalho (COMPARATO, 2010, p. 66).

Num artigo intitulado “A questão judaica”, Karl Marx observou que “a emancipação

política não implica emancipação humana” e que o “homem” contemplado nos estatutos da

Revolução Francesa não é o ser humano universalmente considerado, mas o “membro da

sociedade burguesa” (LOSURDO, 1996, p. 687).

Com efeito, a crítica de Marx tocou fundo ao denunciar o caráter “formal” das

liberdades reconhecidas nas declarações6. Ora, é fato que o exercício das liberdades

pressupunha condições econômicas para que os indivíduos usufruíssem das liberdades, o que

reafirma a advertência feita anteriormente.

6 Essa frase é utilizada pelo Jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

26

Em síntese, Marx advogou a propriedade coletiva da terra, a obrigação do trabalho

para todos e a real igualdade econômica de todos os indivíduos (HERKENHOFF, 2002, p.

37), não se contentando, evidentemente, com a mera enunciação de igualdade formal entre os

homens, pois, esta não afasta a desigualdade que faz a maioria miserável, sem condições

mínimas de subsistência.

Inobstante, para Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2008, p. 289), a opressão

absolutista foi a causa próxima do surgimento das revoltas e das conseqüentes declarações,

que previram, em cada um de seus artigos, uma resposta a determinado abuso praticado na

vigência do absolutismo.

Assim, o entendimento da Mario Schmidt (2000, p. 95), a saber:

A França era um país de camponeses. Dos 26 milhões de habitantes, 23

milhões eram trabalhadores rurais. Gente que trabalhava como um animal de

carga que era submetida a toda espécie de exploração feudal. Pior ainda,

eram tratados como seres desprezíveis. Por exemplo, se numa estrada

encontrassem um nobre, deveriam humildemente se curvar em sinal de

submissão. Caso contrário, seriam punidos com bastonadas.

Eric J. Hobsbawm (1988, pp. 71-72) sustenta que a Revolução Francesa certamente

influenciou a política e ideologia no século XIX, irradiando consequências bastante

profundas:

A Revolução Francesa pode não ter sido um fenômeno isolado, mas foi

muito mais fundamental do que os outros fenômenos contemporâneos e suas

consequências foram portanto mais profundas. Em primeiro lugar, ela se deu

no mais populoso e poderoso Estado da Europa (não considerando a Rússia).

Em 1789, cerca de um em cada cinco europeus era Francês. Em segundo

lugar, ela foi, diferentemente de todas as revoluções que a precederam e a

seguiram, uma revolução social de massa, e incomensuravelmente mais

radical do que qualquer levante comparável.

Encontra-se na obra do jurista José Afonso da Silva (2009, p. 158), menção às três

principais características da Declaração de 1789 que foram apontadas por Jacques Robert7,

quais sejam: o intelectualismo, o mundialismo e o individualismo.

7 Cf. Libertés publiques, p. 44 e ss.

27

Intelectualismo porque a

afirmação de direitos imprescritíveis do homem e a restauração de um poder

legítimo, baseado no consentimento popular, foi uma operação de ordem

puramente intelectual que se desenrolaria no plano unicamente das ideias; é

que, para os homens de 1789, a Declaração dos direitos era antes de tudo um

documento filosófico e jurídico que devia anunciar a chegada de uma

sociedade ideal (SILVA, 2009, pp. 157 e 158).

Mundialismo, no sentido de que “os princípios enunciados no texto da Declaração

pretendem um valor geral que ultrapassa os indivíduos do país, para alcançar valor universal”

(SILVA, 2009, p. 158).

Individualismo, porque “só consagra as liberdades dos indivíduos, não menciona a

liberdade de associação nem a liberdade de reunião; preocupa-se com o defender o indivíduo

contra o Estado” (SILVA, 2009, p. 158).

A natureza do documento, como o próprio nome sugere, é declaratória, vale dizer,

declaram-se os direitos (eles não são criados), com o objetivo de que sejam recordados,

lembrados, difundidos. É o que explica o Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009,

pp. 22-23), que além de explicar a natureza da declaração, descreve, em linhas gerais, as

principais características destes direitos:

Ora, declaração presume preexistência. Esses direitos declarados são os

que derivam da natureza humana, são naturais, portanto. Ora, vinculados à

natureza, necessariamente são abstratos, são do homem, e não apenas de

franceses, de ingleses etc. São imprescritíveis, não se perdem como o passar

do tempo, pois se prendem á natureza imutável do ser humano. São

inalienáveis, pois ninguém pode abrir mão da própria natureza. São

individuais, porque cada ser humano é um ente perfeito e completo, mesmo

se considerado isoladamente, independentemente da comunidade (não é um

ser social que só se completa na vida em sociedade). Por essas mesmas

razões, são eles universais – pertencem a todos os homens, em consequência

estendem-se por todo o campo aberto ao ser humano, potencialmente o

universo.

A constituição mexicana de 1917, por seu turno, segundo alguns estudiosos, é

considerada um marco no tocante à concepção dos direitos fundamentais. De outro lado, há

28

doutrinadores que não coadunam com este entendimento, como é o caso do Prof. Manoel

Gonçalves (2009, p. 46):

Não há razão para isso, mesmo sem registrar que sua repercussão imediata,

mesmo na América Latina, foi mínima. Na verdade, o que essa carta

apresenta como novidade é o nacionalismo, a reforma agrária e a hostilidade

em relação ao poder econômico, e não propriamente o direito ao trabalho,

mas um elenco dos diretos do trabalhador. (...) Nem de longe, todavia,

espelha a nova versão dos direitos fundamentais.

Não há como concordar em plenitude com a afirmativa do jurista. Há que se ressaltar a

importância dos documentos históricos que inauguraram, ainda que de forma inédita no

restrito âmbito de um Estado, um regime político diferenciado do que vigia até aquele

momento. Se tomada no contexto global, a Constituição Mexicana pode não ter sido uma

novidade, como diz o professor. Mas, por outro lado, é indiscutível que tenha sido novidade

aos cidadãos mexicanos, o que lhe confere uma importância que não pode ser delegada para

segundo plano.

Outro documento que merece nossa atenção é a Constituição de Weimar. A Alemanha,

ao final da primeira guerra, encontrava-se em situação agravada e com suas instituições

políticas em declínio, de modo que não havia nem condições para reunir a Assembleia

Constituinte.

Com muito custo, elaborou-se uma constituição que previa os direitos e deveres

fundamentais dos alemães, abrangendo-se o individuo, sua vida social, sua religião, bem

como a educação que lhe era devida para atingir a emancipação econômica.

Um novo espírito, que se pode dizer social, nasceu naquela constituição. Foi nela que

a propriedade se viu, talvez pela primeira vez, submetida à função social. Essa e outras

características fizeram dela um modelo, depois imitado pelo direito brasileiro, mas

especificamente a partir da Carta de 1934, que é a primeira das Constituições que enunciam

uma Ordem Econômica e Social.

Tem-se percebido que os direitos, em geral, aparecem por meio de reivindicações de

movimentos sociais, em períodos delicados da história, mas não o fruto exclusivo do

determinismo social, sem considerar o sujeito dotado de necessidades, desejos, aspirações,

sentimento e razão (USP, Estudos avançados, Vol. 30, p. 20).

29

2.3 A Classificação em Dimensões

O lema da Revolução Francesa exprimiu em três princípios todo o conteúdo possível

dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a sequência histórica de sua gradativa

institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade (BONAVIDES, 2006, p. 562).

Os documentos internacionais que estudamos em anterior seção, como a Magna Carta

Libertatum, o Bill Of Rights e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, por

exemplo, exerceram grande influência nas Constituições Brasileiras, em especial a de 1988,

titulada como Constituição Cidadã.

A primeira dimensão dos direitos fundamentais, entendendo-se por estes a vida, a

propriedade, a liberdade de locomoção, de participação política, são direitos que representam

a vitória, ao menos parcial, do Estado Liberal sobre o Estado absolutista (MOTTA FILHO,

2007, p. 149).

A primeira dimensão dos direitos fundamentais é fortemente marcada pelo caráter

individualista das declarações dos séculos XVIII e XIX. O Estado é encarado como um mal

necessário, daí a preocupação de se enunciar liberdades “formais” para proteger o indivíduo

(FERREIRA FILHO, 2008, p. 290).

Para Kildare Gonçalves Carvalho (2009, p. 727), a primeira dimensão dos direitos

fundamentais contida no ordenamento brasileiro pode ser traduzida pelos direitos individuais,

ou seja, aqueles que se caracterizam pela autonomia e oponibilidade ao Estado, tendo por base

a liberdade – autonomia como atributo da pessoa, relativamente a suas faculdades pessoais e

seus bens. “São, em síntese, direitos de status negativo, pois o seu núcleo está na proibição de

interferência imediata imposta ao Estado” (CARVALHO, 2009, p. 727).

Pode-se dizer, por outro lado, que os direitos fundamentais de primeira dimensão,

também chamados Liberdades Públicas, são essencialmente direitos de defesa do indivíduo,

pois objetivam, em regra, o não-agir do Estado em benefício da liberdade do indivíduo

(MOTTA FILHO, 2007, p. 150).

Para Guilherme Peña de Moraes (2008, p. 504), os direitos individuais são “direitos

fundamentais próprios do homem-indivíduo, porque titularizados e exercidos por pessoas

individualmente consideradas em si, com a delimitação de uma esfera de ação pessoal”.

30

O jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, p. 30) explica que não só o Estado,

mas todos os indivíduos estão obrigados a observar o direito individual de cada qual. Com tais

direitos, “visa-se tutelar uma conduta, um agir ou não agir, fazer ou não fazer. Ir, vir ou ficar”.

Esses direitos-liberdades, na classificação doutrinária do Professor Manoel Gonçalves

(2009, p. 34), estão garantidos pela ordem jurídica, e sua violação dá ensejo à tutela de

proteção pelo Judiciário, inclusive nos casos em que o próprio Estado é o agressor, dado que

este tenha sido classificado como o inimigo das liberdades públicas.

Há uma corrente doutrinária, aliás, que em matéria de limitação das liberdades

públicas, entende ser cabível (e, portanto, constitucional) somente a lei formal, jamais o ato

com força de lei ou qualquer ato administrativo, justamente, para assegurar a liberdade do

indivíduo (FERREIRA FILHO, 2009, p. 34).

Tal interpretação decorre da observância do inciso II, § 1º, Artigo 68 da Constituição

Federal, dispositivo que proíbe seja feita delegação para legislar sobre nacionalidade,

cidadania, direitos individuais (liberdades públicas), políticos e eleitorais.

Em nosso país, o controle das liberdades públicas é feito por meio do regime

repressivo que, grosso modo, consiste em deixar o titular do direito livre e incondicionado

para exercê-lo, de sorte que, as violações e abusos aos limites pré-estabelecidos importam em

sanções.

Trata-se de um regime, de certo modo, favorável ao titular do direito, que não se vê

adstrito a formalidades excessivas e, caso ultrapasse os limites estabelecidos pela lei, somente

poderá ser punido por meio do devido processo legal.

Em situações excepcionais (Estado de Sítio ou de Defesa), as liberdades públicas

podem se submeter a um regime extraordinário, que varia de Estado para Estado, adentrando

em uma legalidade excepcional e transitória.

A segunda dimensão dos direitos humanos fundamentais parte da premissa de que

a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se

submeteu (a família, as organizações religiosas) tornou-o muito mais vulnerável às

vicissitudes da vida.

A sociedade liberal ofereceu-lhe, em troca da segurança a legalidade, com a garantia

da igualdade formal. Mas explica Fabio Konder Comparato (2010, p. 66) que:

31

essa isonomia cedo revelou-se uma pomposa inutilidade para a legião

crescente de trabalhadores, compelidos a se empregarem nas empresas

capitalistas. Patrões e operários eram considerados, pela majestade da lei,

como contratantes perfeitamente iguais em direitos, com inteira liberdade

para estipular o salário e as demais condições de trabalho.

O movimento socialista contribuiu para o reconhecimento dos direitos humanos

fundamentais de caráter econômico, e o capitalismo teve muita dificuldade de convier com

essa outra dimensão de direitos.

O titular desses direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, mas o conjunto dos

grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome a marginalização (COMPARATO,

2010, p. 66), porquanto a lógica do capitalismo consiste em atribuir aos bens de capital um

valor muito superior ao das pessoas.

Enquanto, de um lado, assistia-se ao avanço do liberalismo político e econômico, de

outro, crescia a deterioração do chamado “quadro social”, ou na preferência de uma

linguagem adepta ao socialismo, “a luta de classes”.

Em um momento especial de evolução do capitalismo, esse quadro social era formado

pela situação da classe trabalhadora, sem acesso aos direitos sociais. O desenvolvimento

capitalista provocou um acréscimo súbito de riqueza jamais visto, porém, um acréscimo

concentrado nas mãos dos burgueses.

Em contrapartida, aponta Manuel Gonçalves Ferreira Filho (2009, p. 42) que “a classe

trabalhadora se viu numa situação de miséria (...) o trabalho era uma mercadoria qualquer,

sujeita à lei da oferta e da procura” A máquina reduziu a necessidade de mão-de-obra: eis o

surgimento da massa de desempregados. Sem contar as condições insalubres e perigosas a que

estavam sujeitos os trabalhadores, homens, mulheres e crianças. Isso redundou, obviamente,

na marginalização da classe trabalhadora, que passou a viver em condições subumanas,

invocando-se o surgimento da hostilidade com os ricos.

Nesse sentido, Motta & Barchet (2007, p. 151):

Era necessário mais, que o Estado abandonasse sua postura passiva, como

lhe foi exigido no momento histórico anterior, e passasse a atuar

positivamente perante a sociedade, a fim de propiciar as condições para que

a igualdade formal então obtida fosse transformada em uma igualdade

32

material, real, efetiva (...) Percebeu-se que não bastava o reconhecimento

formal da igualdade e a garantia da liberdade individual para se assegurar

um pleno desenvolvimento da sociedade como um todo, já que a maioria de

seus membros não dispunha de condições reais para obter condições dignas

de existência.

Parte dos trabalhadores passou a alcançar os direitos políticos, o que resultou na

exigência, por partes desses, pelo voto comum. Os detentores do poder cederam às exigências

da classe trabalhadora, fortemente apoiada por idealistas e postulantes da reforma, o que deu

grande força aos movimentos e partidos políticos.

O movimento reformista ganhou forte apoio com a doutrina social da Igreja, a partir

da encíclica Rerum Novarum, de 1891 (Papa Leão XIII), que reascendeu a tese do bem

comum, do famoso filósofo São Tomás de Aquino.

A Constituição Federal de 1934, embora vigente por tão pouco tempo e em tão

conturbado contexto histórico, refletiu com bastante veemência as aspirações por um sistema

jurídico fincado nos direitos econômicos e sociais, sobretudo o direito ao trabalho.

Foi mesmo, em verdade, a Constituição Federal de 1988, como fruto da exposição

histórica que ora colacionamos, que estipulou com certa eficácia um extenso rol de direitos

fundamentais de segunda dimensão em seu Artigo 6º (educação, saúde, trabalho, moradia,

lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade etc.), visando melhoria das

condições de existência, mediante prestações positivas do Estado.

De fato, os direitos humanos fundamentais de segunda dimensão possuem status

positivo, já que permitem ao indivíduo exigir determinada atuação do Estado, garantindo os

pressupostos materiais para o exercício dos chamados direitos de primeira dimensão

(CARVALHO, 2009, p. 727).

Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2008, p. 315), os direitos fundamentais de

segunda dimensão são vistos como necessários para o estabelecimento de condições mínimas

de vida digna para todos, pensamento compartilhado com outros doutrinadores:

Os direitos sociais são direitos fundamentais próprios do homem-social,

porque dizem respeito a um complexo de relações sociais, econômicas ou

culturais que o indivíduo desenvolve para realização da vida em todas as

33

suas potencialidades, sem as quais o seu titular não poderia alcançar e fruir

dos bens de que necessita (MORAES, 2008, p. 535).

Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, p. 50), os direitos sociais se igualam as

liberdades públicas no tocante à subjetividade, todavia, não são meros poderes de agir – como

o são as liberdades públicas -, mas sim poderes de exigir, chamados, também, de direitos de

crédito:

Há, sem dúvida, direitos sociais que são antes poderes de agir. É o caso do

direito ao lazer. Mas assim mesmo quando a eles se referem, as constituições

tendem a encará-los pelo prisma do dever do Estado, portanto, como poderes

de exigir prestação concreta por parte deste.

Em que pese a responsabilidade pela concretização destes direitos possa ser partilhada

com a família (no caso do direito à educação), é o Estado o responsável pelo atendimento dos

direitos fundamentais de segunda dimensão, ou seja, ele é o sujeito passivo (FERREIRA

FILHO, 2009, p. 50).

Salienta o jurista que existe a possibilidade desta prestação ser realizada indiretamente,

com uma compensação em dinheiro, por exemplo, na hipótese da contraprestação em forma

de prestação do serviço tornar-se impossível, como é o caso do Seguro-Desemprego,

tomando-se o exemplo do Direito ao trabalho.

A esse respeito, a instigante observação de Manoel Gonçalves (2009, p. 51):

Foi aliás a obrigação de atender a esses direitos que ditou a expansão dos

serviços públicos, dos anos vinte para frente. Isto gera pesados encargos

diretamente para o Estado e indiretamente para os contribuintes, o que

contemporaneamente suscita um repensar a propósito desses direitos. Impõe-

se a pergunte: até que ponto o Estado deve dar o atendimento a esses

direitos, até que ponto deve apenas amparar a busca do indivíduo pelo

atendimento desses direitos?

Pergunta o Prof. Manoel Gonçalves (2009, p. 52): “Se a proteção judicial dos direitos

sociais não sugere dúvida, quando encarada do ângulo de suas violações, o que se pode dizer

a partir do ângulo prestacional? Ela é, de fato, efetiva ou mesmo possível?”.

Eis uma preocupação do direito constitucional contemporâneo. Principalmente no

tocante a efetividade da proteção judicial dos diretos sociais. Como por exemplo, a ação de

34

inconstitucionalidade por omissão, que tem por intuito forçar o poder público a efetivar uma

norma programática prevista na Constituição.

Entretanto,

a experiência prática, todavia, não é animadora. Ademais, a efetivação de

direitos sociais, quando reclama a instituição de serviço público, dificilmente

pode resultar de uma determinação judicial. Tal instituição depende de

inúmeros fatores que não se coadunam com o imperativo judicial. Por isso, a

inconstitucionalidade por omissão tem sido letra morta e o mandado de

injunção de pouco tem servido” (FERREIRA FILHO, 2009, p. 52).

Inobstante, a Constituição Federal dispôs no §2º, de seu Artigo 5º, que o rol de direitos

por ela declarados não é taxativo, admitindo-se a identificação de direitos fundamentais

implícitos, desde que decorrentes (critério material) dos princípios adotados pela Lei Maior

(dignidade da pessoa humana, em especial).

Os direitos humanos fundamentais de terceira dimensão, referem-se a qualidade de

vida e à solidariedade entre as pessoas, sendo que esta atua em três dimensões: “dentro de

cada grupo social, no relacionamento externo entre grupos, povos ou nações, bem como entre

as sucessivas gerações na História” (COMPARATO, 2010, p. 53).

Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, pp. 57-58), os direitos humanos

fundamentais de terceira dimensão calcam-se na solidariedade, tomando-se por completo o

lema proclamado na Revolução Francesa, embora não se possa afirmar com clareza quais

seriam os direitos inscritos neste rol, dada a amplitude do termo solidariedade:

São estes chamados, na falta de melhor expressão, de direitos de

solidariedade, ou fraternidade. A primeira geração seria a dos direitos de

liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, completaria

a lema da Revolução francesa: liberdade, igualdade, fraternidade.

Na verdade, não se cristalizou ainda a doutrina a seu respeito. Muita

controvérsia existe quanto a sua natureza e a seu rol. Há mesmo quem os

conteste como falsos direitos do Homem. Tal hesitação é natural, pois foi

somente a partir de 1979 que se passou a falar desses novos direitos,

cabendo a primazia a Karel Vasak.

35

Todavia, parece ser consenso, nas diversas classificações apontadas a respeito dos

direitos humanos fundamentais de terceira dimensão, que o direito à paz, ao desenvolvimento,

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao patrimônio comum da humanidade, sejam

direitos de terceira dimensão.

O direito à paz é deduzido do Artigo 20 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e

Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966,

enquanto que um direito ao desenvolvimento foi consagrado em 1986, em Declaração da

ONU.

No plano do direito interno, a Constituição de 1988 não o menciona. Entretanto –

sempre ao editar princípios destinados a reger as relações internacionais do Brasil, refere-se à

cooperação dos povos com o progresso da humanidade (Artigo 4º, IX).

O direito ao patrimônio comum da humanidade insinua-se na Carta dos Direitos e

Deveres Econômicos dos Estados; adotada pela ONU em 1974, em relação ao fundo do mar e

seu subsolo.

De todos os direitos de terceira dimensão o mais elaborado é o direito ao meio

ambiente, que encontra seu grande marco na Declaração de 1972 (Estocolmo), que prevê:

o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de

condições de vida adequadas num meio ambiente de tal qualidade que lhe

permita levar uma vida digna e gozar do bem-estar, e tem a solene obrigação

de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras.

Segundo o Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009, p. 64), os direitos

humanos fundamentais de terceira dimensão foram concebidos como “direitos de titularidade

coletiva”, baseando-se numa identidade de circunstâncias de fato, e não numa affectio

societatis, num impulso associativo.

2.4 O Fundamento dos Direitos Humanos Fundamentais

“A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter

direitos". Hannah Arendt

Exposta a perspectiva histórica e as diferentes dimensões dos direitos em análise,

resta-nos saber onde residiria o fundamento dos direitos humanos fundamentais. Em outras

36

palavras: qual a base que sustenta a existência e indispensabilidade desses direitos? Existe um

pressuposto, universalmente válido, capaz de levar-nos a conclusão de que toda e qualquer

pessoa é titular de direitos humanos fundamentais?

A resposta é de difícil elaboração, e deve colher as mais diversas contribuições

históricas. Antes de apontarmos qual o fundamento dos direitos humanos fundamentais,

vejamos, em breve síntese, a contribuição religiosa a respeito.

As maiores religiões e sistemas filosóficos da Humanidade parecem corroborar as

ideias difundidas, ao menos em parte, pelo sistema internacional de Direitos Humanos. Assim

acontece com o Cristianismo, o Judaísmo, o Islamismo, o Budismo, as religiões e tradições

Afro-Brasileiras (HERKENHOFF, 2002, p. 23).

No Alcorão8, livro sagrado dos muçulmanos, prega-se a fraternidade, a universalidade

do gênero humano, a solidariedade com os órfãos, os pobres, os viajantes, os mendigos, os

homens fracos, as mulheres, as crianças. Condena-se a opressão e estatui-se o direito de

rebelar-se contra ela.

Aliás, existe uma Declaração Islâmica Universal dos Direitos do Homem, de origem

não-governamental, cuja introdução afirma ter o Islã dado à humanidade, há 14 séculos, um

código ideal dos direitos humanos.9

De certa forma, há uma semelhança entre a visão do islamismo sobre o ser humano e

as visões cristã e judaica. É verdade, no entanto, que a ausência de laicidade no sistema

islâmico não combina com a ideia de democracia, do contrário, assemelha-se muito mais a

uma concepção totalitária, que não separa religião de política (HERKENHOFF, 2002, p.30).

Entretanto, se há contribuições deste segmento religioso, elas não podem ser

desconsideradas, sobretudo porque a noção de dignidade da pessoa humana, assim como um

sistema universal eficaz de proteção dos direitos humanos, somente pode ser alcançada

mediante a participação de todos os grupos sociais existentes.

Já no cerne do judaísmo/cristianismo, percebe-se que o homem e a mulher receberam

uma posição de destaque na ordem da criação, ficando incumbidos de dominar sobre todas as

demais criaturas, justamente por terem sido criados à imagem e à semelhança divina10

.

8 A respeito da terminologia por nós utilizada, conferir comentários de Mansour Challita, in O Alcorão. Editora

Associação Cultural Internacional Gibran. Rio de Janeiro. s.d. 9 Estudos Avançados – Universidade de São Paulo, 1997, Vol. 30, p. 23.

37

Após a criação do céu, terra e água, e também de todos os animais irracionais, Deus

criou um ser capaz de admirar sua criação de maneira racional, concedendo-lhe o privilégio

de governar sobre as demais criaturas.

Ao homem restou a incumbência de nomear os animais, soando perfeitamente nítida a

superioridade que lhe foi atribuída por Deus. Tal relevo foi apontado pelo salmista (Salmo 8),

que chegou a mencionar que o homem seria “pouco menos do que um deus”.

Tais fatores, aliados a figura da fé monoteísta, ou seja, a crença em um Deus único e

transcendente, superior ao homem, imortal, não sujeito às paixões humanas, anterior a tudo,

foi, conforme constata o ilustre jurista Fabio Konder Comparato (2010, pp. 13-14), a maior

contribuição do povo da Bíblia à humanidade:

A justificativa religiosa da preeminência do ser humano no mundo surgiu

com a afirmação da fé monoteísta. A grande contribuição do povo da Bíblia

à humanidade, uma das maiores, aliás, de toda a História, foi a ideia da

criação do mundo por um Deus único e transcendente. Os deuses antigos, de

certa forma, faziam parte do mundo, como super-homens, com as mesmas

paixões e defeitos do ser humano. Iahweh, muito ao contrário, como criador

de tudo o que existe, é anterior e superior ao mundo.

O conhecimento de ser criado à imagem de Deus e possuir muitas de suas

características motivaram a projeção de uma imagem própria, em permanente construção e

evolução, no sentido de que:

todos os seres humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e

culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos

entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza

(COMPARATO, 2010, p. 13).

Uma vez que todos, sem qualquer exceção, foram criados à imagem e semelhança

divinas, nenhum indivíduo pode afirmar-se superior aos demais, seja por critérios de gênero,

etnia, classe social, grupo religioso ou nação, de modo que, é essa igualdade de essência da

pessoa que forma o núcleo do conceito universal de direitos humanos (COMPARATO, 2010,

pp. 13 e 32).

10

Gênesis, Capítulo 1, Versículo 26.

38

O Jurista João Baptista Herkenhoff (2002, p. 26) esclarece que o traço de união

indissociável entre Cristianismo e Direitos Humanos resulta de que o valor do homem diante

de Deus não está nem na cor de sua pele, nem no seu sexo, nem no seu estatuto social, nem

muito menos na sua riqueza, mas no fato de que em cristo ele é aceito como filho de um

mesmo Deus.

A partir desta constatação, o jurista Ingo Wolfgang Sarlet (2009b, p. 32) sustenta que a

criação do ser humano à imagem e semelhança divinas, foi um passo para que o valor próprio

intrínseco de cada pessoa constituísse o pressuposto pelo qual ninguém poderia ser

transformado em mero objeto ou instrumento, tese profundamente trabalhada por Immanuel

Kant.

Entretanto, concordamos com a advertência do jurista no sentido de não parecer

correto reivindicar – no contexto das religiões professadas pelo ser humano ao longo dos

tempos – para a religião cristã a exclusividade de uma concepção de dignidade da pessoa

humana (SARLET, 2009b, p. 32).

Nesse sentido, a semente dos Direitos Humanos também pode ser sentida no

Budismo, que pregou a igualdade essencial de todos os homens e a prevalência dos atos de

virtude, visando a plena realização da natureza humana e a formulação de uma sociedade

perfeita e pacífica. 11

O Taoísmo, fundado por Lao-Tseu, que morreu cerca de 5 séculos antes de Jesus

Cristo, alicerça sua base na existência de um ser que é o princípio de todas as coisas, um Ser

inominado, designado como “Tao”, ou, “mãe de todas as coisas”, diferentemente de outras

religiões e filosofias, que designam o princípio ou Deus do gênero masculino

(HERKENHOFF, 2002, p. 34).

Em síntese, essa religião prega que o mundo é instável e está em permanente evolução,

e as pessoas devem seguir seu curso em liberdade, buscando afastar-se do tumulto,

aproximando-se do chamado ritmo universal, valorizando, sobretudo, o respeito às pessoas e

a liberdade de cada um (HERKENHOFF, 2002, p. 34).

Os povos africanos, por seu turno, conseguiram o milagre de manter até hoje sua

identidade, superando a violência e brutalidade de sua transposição forçada para o Continente

Americano, até hoje sentida, seja pelo racismo institucionalizado, seja pelo gradual genocídio,

11

Cf. Père Pierre Python. L´étique bouddhique. In: Lumiére e Vie. Lyon. Août 1989, tome XXXVIII, nº. 193.

39

pela mortandade dos jovens, vítimas, quase sempre, da intolerância e preconceito racial de

que padecem.

O povo negro transformou o grito de sofrimento em grito de resistência. As religiões

africanas expressam o sentido de respeito à dignidade da pessoa humana, a ideia de uma

transmissão cultural de geração a geração, fatores intimamente ligados a cultura de existência

dos Direitos Humanos.

A igualdade, apregoada em todas as religiões acima expostas, forma o núcleo essencial

dos direitos humanos fundamentais, mas não é exatamente o seu fundamento.

Demonstrar a contribuição religiosa a respeito da igualdade teve, no entanto, uma

finalidade: esclarecer que, embora de especial relevância a dogmática religiosa, o fundamento

de validade do direito em geral e, em especial dos direitos humanos, segundo a tendência

moderna, não deve ser procurado na esfera sobrenatural da revelação religiosa, como antes já

aconteceu12

.

Segundo os ensinamentos do Professor Fabio Konder Comparato (1997, p. 10), “se o

direito é uma criação humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o criou. O que

significa que esse fundamento não é outro, senão o próprio homem”. Isso não significa que as

contribuições religiosas sejam meros dados históricos. Elas indicam o caminho para

encontrarmos o correto fundamento dos direitos humanos.

Uma das mais importantes declarações históricas sobre os direitos humanos, redigida

em 1948 e certamente influenciada por todos os documentos que a precederam, também

influenciados pelas raízes filosóficas e religiosas de tempos passados, tem início com a

assertiva de que “todos os seres humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos” (art.

1º), espírito absorvido pela Constituição Federal de 1988, que elegeu a dignidade da pessoa

humana com um dos fundamentos do Estado Brasileiro (art. 1º, inciso III).

Essa tal dignidade, que será estudada de maneira mais detalhada na próxima Seção,

consiste, em apertada síntese propositalmente incompleta13

, na “qualidade intrínseca e

12

Na Seção 4 deste trabalho, subtítulo 4.1, ao tratar da corrente jusnaturalista, apresentou-se a diferenciação

entre a justiça temporal e a justiça divina. Para os jusnaturalistas, a justiça humana é transitória e sujeita ao poder

temporal, devendo sempre observar os critérios divinos de justiça. Os direitos humanos fundamentais comporiam

o planejamento de Deus para o Homem e encontrariam seu fundamento na essência divina. 13

Faremos a exposição detalhada a respeito da matéria ainda na próxima Seção. Por ora, é necessário identificar

que é a dignidade da pessoa humana o fundamento dos direitos humanos fundamentais.

40

distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e

consideração por parte do Estado e da comunidade” (SARLET, 2009b, p. 67).

Vale dizer, em miúdas palavras, que é em razão de possuir dignidade que cada pessoa

é titular de direitos humanos fundamentais. Cada um de nós distingue-se do outro por sua

personalidade, mas todos os homens, sem exceção, são dotados de dignidade.

A dignidade irradia efeitos como a capacidade inventiva do homem. Discorrendo

sobre ela com absoluta maestria, Fabio Konder Comparato (1997, p. 16) explica que:

Os pássaros constroem seus ninhos, desde a primeira fase de sua evolução

como espécie, com uma técnica basicamente sempre igual a si mesma. Na

espécie humana, ao contrário, não há técnicas imutáveis nem tampouco

limitadas em numerus clausus: a evolução é constantemente dirigida pela

aptidão inventiva do ser humano, que põe livremente os fins e inventa os

meios mais aptos a alcança-los. O chimpanzé serve-se habitualmente de

seixos como instrumento ou ferramenta; mas nunca ninguém viu esse

primata fabricar um instrumento por ele especialmente inventado, a fim de

conseguir certo resultado, na vida pacífica ou em combate com outros

animais.

A razão humana, como reflexo da dignidade, “não se limita, apenas, à racionalidade

lógica ou geométrica” (COMPARATO, 1997, P. 16). Somos seres emotivos, sensíveis, e isso

está intimamente ligado à nossa capacidade expressional, que também é um desdobramento

da racionalidade. O homem contém uma característica essencial chamada razão axiológica.

Tal razão axiológica consiste na capacidade que cada ser humano tem de valorar as

coisas, apreciando valores na esfera ética, estética, religiosa, o que foge, obviamente de uma

percepção puramente lógica, mas pelo contrário, é predominantemente emotiva

(COMPARATO, 1997, p. 17).

Isso permite que o homem valore as normas e julguem-nas segundo sua racionalidade.

É por este caminho que, tomando-se em conta a dignidade de cada ser humano e sua

necessária proteção, os direitos humanos fundamentais são identificados e defendidos.

Mas, afinal, no que consiste a dignidade da pessoa humana?

Com efeito, dizer simplesmente que a dignidade é a qualidade intrínseca e distintiva

reconhecida em cada ser humano, que o faz merecedor de respeito por parte do Estado, não

41

nos leva muito longe. Fica difícil, sem um estudo aprofundado, manusear esse conceito na

esfera do direito e das realizações jurídicas.

Primordial, portanto, que passemos ao estudo, ainda que pontual, do que é a dignidade

da pessoa humana e qual sua importância na defesa dos direitos humanos fundamentais.

42

3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

3.1 A Contribuição de Immanuel Kant

É justamente no pensamento de Kant que a doutrina jurídica mais expressiva –

nacional e estrangeira – ainda hoje parece identificar as bases de uma fundamentação e, de

certa forma, de uma conceituação da dignidade da pessoa humana14

.

Atribui-se ao filósofo a concepção de que a dignidade parte da autonomia ética do ser

humano, considerando esta (a autonomia) como fundamento da dignidade do homem, além de

sustentar que o ser humano (o indivíduo) não pode ser tratado – nem por ele próprio – como

objeto (SARLET, 2009b, p. 35).

Nesse aspecto, é preciso fazer uma breve distinção para evitar conflitos no

entendimento da matéria. Não é que o homem não seja objeto, em certo sentido. Ele o é na

medida em que pode ser afetado pelos sentidos, mas não deve servir de meio, de instrumento

da vontade alheia. Assim explica Kant, in Metafísica dos Costumes:

Pois, que uma coisa na ordem dos fenômenos (pertencente ao mundo

sensível) esteja sujeita a certas leis, das quais é independente como coisa ou

como ser em si mesmo, não contem em si a mínima contradição; que o

próprio homem deva conceber-se e representar-se sob este duplo aspecto, é

exigência que se funda, no que concerne ao primeiro ponto, na consciência

de si como objeto afetado pelos sentidos, e, no que respeita ao segundo

ponto, na consciência de si como inteligência, isto é, como ser independente,

no uso da razão, das impressões sensíveis (portanto, como pertencente ao

mundo inteligível) – (p. 46).

A ideia de que a pessoa deva ser tratada como um fim em si mesmo implica não só o

dever negativo de não prejudicar ninguém, mas também o dever positivo de construir a

felicidade alheia, incumbência do Estado e dos particulares.

14

Cf., a respeito, o ensinamento de Ingo W. Sarlet, in Dimensões da Dignidade. São Paulo: Livraria do

Advogado, 2009, pp. 27 e ss.

43

A lei, tal como hoje concebida, nasceu justamente com esse intuito, ou seja, o de fixar

a expressão da vontade geral como meio de enfrentar os abusos de um governo

exclusivamente dirigido pelas paixões humanas15

.

Só o ser humano pode determinar a si mesmo e agir em conformidade com o que

estipulou, essa é a primeira constatação necessária para se entender a dignidade da pessoa

humana. Justamente por esse atributo é que podemos dizer que o homem é, naturalmente,

dotado de dignidade. Naturalmente, pois, o homem é um ser convivente, que fixa regras, por

meio do pacto social, para permitir que a convivência se dê maneira harmoniosa.

Veja que somente ele é capaz de construir suas próprias leis e ainda submeter-se a

elas. De certo modo e em certo sentido, ele mesmo planeja sua finalidade, ou seja, ele

caminha para onde estipulou16

, utilizando-se, tão somente, do atributo que lhe é inerente:

capacidade de autodeterminação.

Aqui o ensinamento do filósofo:

A razão refere assim toda máxima da vontade, concebida como legisladora

universal, a toda outra vontade, e também a toda ação que o homem ponha

para consigo: procede assim, não tendo em vista qualquer outro motivo

prático ou vantagem futura, mas levada pela ideia da dignidade de um ser

racional que não obedece a nenhuma outra lei que não seja, ao mesmo

tempo, instituída por ele próprio (Metafísica dos Costumes, p. 32).

Ressalta-se, entretanto, que esta autonomia é considerada em abstrato, como

capacidade potencial de cada um projetar o seu futuro com liberdade, de autodeterminar sua

conduta (SARLET, 2009b, p. 50).

Immanuel Kant sustenta que “o Homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional,

existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta

ou daquela vontade” (SARLET, 2009b, p. 36).

A imposição da vontade minoritária aos demais, seja pelo uso da força política ou

econômica é ilegítima, contrária à própria natureza racional do ser humano. E não é

15

Daí a importância de que representantes de todos os grupos sociais sejam eleitos para tratar das regras que hão

de submeter a todos. 16

A explicação tem caráter evidentemente teórico. O autor não desconhece que as escolhas de cada ator social

estão condicionadas a uma série de complexos fatores, que vão desde o contexto econômico social vigente até

limitações de aspecto religioso, científico etc.

44

necessário enumerar os sistemas políticos que estão mais propícios a este acontecimento,

sendo possível, tal como hoje se constata que isso aconteça em “terras democráticas”.

Todos, inclusive aqueles que figuram na posição de representantes do Estado, devem

compreender que a pessoa humana é insubstituível, isenta de qualquer avaliação valorativa

mercadológica. Cabe colacionar, nesse sentido, as belas palavras de Pierre Teilhard de Cardin

(1965, p. 11):

Na verdade, duvido que haja, para o ser pensante, minuto mais decisivo do

que aquele em que, caindo-lhe a venda dos olhos, descobre que não é um

elemento perdido nas oscilações cósmicas, masque uma universal vontade de

viver nele converge e se hominiza. O Homem, não cento estático do Mundo

– como ele se julgou durante muito tempo, mais eixo e flecha da evolução –

o que é muito mais belo.

Para Immanuel Kant (p. 32), no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma

dignidade. O preço é atribuível ao que está à disposição no comércio (relembre-se a

atrocidade da escravatura17

), pois, admite sua avaliação bem como sua troca por equivalente.

O ser humano está acima de todo o preço. Nunca ele poderia ser posto em cálculo ou

confronto, com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ter sua santidade

ferida (KANT, p. 33).

A oposição ética entre pessoas e coisas, avalia Fabio Konder Comparato (2010, p. 34),

alarga e aprofunda a tradicional dicotomia, herdada do direito romano, entre personae e res.

Por isso que a escravidão foi algo extremamente ilegítimo, desumano, porquanto fez do

homem coisa, negando a dignidade daqueles que se viram escravizados, de suas famílias e do

próprio homem em sentido universal.

O mesmo pode-se dizer do nazismo. O prisioneiro era privado da liberdade, da

comunicação, dos seus pertences. Mas o ponto crítico não repousa nesta esfera de privação,

diz muito mais respeito, ao atentado que se realizou contra a dignidade de cada um, contra a

personalidade que, em certo sentido, lhes foi “subtraída”.

O Tribunal Constitucional da Espanha, inspirado na Declaração Universal dos Direitos

Humanos, de 1948, manifestou-se no sentido de que “a dignidade é um valor espiritual e

moral inerente à pessoa, que manifesta singularmente na autodeterminação consciente e

17

No Brasil, a Constituição de 1824 falava em igualdade, e a principal instituição do País era a escravidão negra.

45

responsável da própria vida e que leva consigo a pretensão ao respeito por parte dos demais”

(SARLET, 2009b, p. 50).

Segundo Miguel Reale (apud SOARES, 2010, p. 130), o fundamento último que o

Direito tem em comum com a Moral e com todas as ciências normativas deve ser procurado

na dignidade intrínseca da própria da vida humana.

Vivendo em sociedade e procurando o seu bem, o homem acaba compreendendo a

necessidade racional de respeitar em todo homem uma pessoa, condição essencial para que

também possa afirmar-se como tal (SOARES, 2010, p. 130).

3.2 A Dignidade da Pessoa Humana e sua Conexão com os Direitos Fundamentais

O nosso Constitucionalismo erigiu a dignidade da pessoa humana à condição de

fundamento do Estado Democrático de Direito. O princípio tornou-se critério aferidor de

legitimidade substancial de toda ordem jurídica.

Além do papel que desempenha na orientação do processo político e jurídico, a

dignidade da pessoa humana serve (regra geral) de fundamento direto e imediato aos direitos

e garantias fundamentais estabelecidos em nossa Constituição.

Que a dignidade da pessoa humana representa um mínimo invulnerável que a lei deve

assegurar é fato, mas isso não significa, como espíritos mais afoitos haveriam de supor, que

todo e qualquer direito fundamental possa lhe ser considerado inerente.

Neste sentido, Vieira de Andrade (1987, pp. 101-102) sustenta que o grau de

vinculação dos diversos direitos fundamentais à dignidade da pessoa humana poderá ser

diferenciado. Para ele, existem direitos que constituem explicitações em primeiro grau da

ideia de dignidade e outros que destes são decorrentes.

Ademais, a dignidade da pessoa humana não só constitui fundamento (a fonte) dos

direitos, mas também assume, em grande parte, a condição de conteúdo deles. De modo

especial, o princípio, insculpido como de caráter fundamental em nossa Constituição, “acaba

por servir de referencial inarredável no âmbito da indispensável hierarquização axiológica

46

inerente ao processo hermenêutico-sistemático” (SARLET, 2009b, p. 88), não se esquecendo

que toda a interpretação ou é sistemática ou não é interpretação (FREITAS, 2002, p. 49).

É nesse contexto que, cada vez mais, encontram-se decisões dos nossos Tribunais

valendo-se da dignidade da pessoa humana como critério hermenêutico. Entretanto, adverte

um dos maiores especialistas no assunto, o Dr. Ingo Wolfgang Sarlet:

Não são poucas as decisões que apenas referem uma violação da dignidade

da pessoa, sem qualquer argumento adicional demonstrando qual a noção

subjacente de dignidade adotada e os motivos pelos quais determinada

conduta (seja qual for sua procedência ou natureza) foi considerada como

ofensiva à dignidade, o que, de certo modo, a despeito da nobreza das

intenções do órgão julgador, acaba por constituir fato que, por vezes, mais

desvaloriza do que valoriza a aplicação do princípio18

.

No âmbito desta função hermenêutica do princípio, pode-se afirmar a existência de um

dever de interpretação conforme a Constituição e os direitos fundamentais, bem como a

vigência do “imperativo segundo o qual em favor da dignidade não deve haver dúvida”

(SARLET, 2009b, p. 92).

Para ilustrar o elo entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais,

pode-se apontar que, o princípio servirá de caráter informador da ordem jurídica de

determinado Estado ainda que não conste expressamente de um documento Constitucional.

Basta, para tanto, que a ordem jurídica reconheça e assegure direitos fundamentais inerentes à

pessoa humana.

É que, como dito antes, “em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo ou,

pelo menos, uma projeção da dignidade da pessoa humana” (SARLET, 2009b, p. 93). O não

reconhecimento de direitos fundamentais inerentes ao ser humano constitui uma afronta à

dignidade.

Com isso não queremos cair na afirmação de que ter dignidade equivale apenas a ter

direitos, o que seria um equívoco. Para Ingo Wolfgang Sarlet (2009b, p. 67), a dignidade é

A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o

faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da

18

Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 7ª Ed. 2009, p. 89,

nota de rodapé nº. 206.

47

comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres

fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de

cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições

existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover

sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e

da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido

respeito aos demais seres que integram a rede da vida.

Extrai-se do conceito que a dignidade implica em um complexo de direitos e deveres

fundamentais, o que necessariamente deve acompanhar a previsão de instrumentos jurídicos

destinados à defesa da personalidade humana. Nesse sentido Paulo Mota Pinto (1999, p. 152):

A afirmação da liberdade de desenvolvimento da personalidade humana e o

imperativo de promoção das condições possibilitadoras desse livre

desenvolvimento constituem já corolários do reconhecimento da dignidade

da pessoa humana como valor na qual se baseia o Estado.

É no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, e aqui justificamos a

primeira seção deste trabalho, que temos o fundamento de um direito ao livre

desenvolvimento da personalidade.

Além das conexões já expostas, merece especial destaque o liame entre dignidade e o

direito fundamental à proteção da identidade pessoal, ou seja, a tutela a privacidade,

intimidade, honra, e o próprio direito ao nome19

. Aqui repousa aquela observação a respeito

dos direitos de personalidade, porquanto estão intimamente ligados com a dignidade da

pessoa humana e os direitos fundamentais.

O direito de propriedade também possui conexão com a dignidade da pessoa. A falta

de moradia, de um espaço para o exercício da atividade profissional, compromete gravemente

os pontos básicos para uma vida com dignidade. A propriedade constitui, quando observada a

função social, o espaço de liberdade da pessoa20

.

Promovendo uma releitura do direito à propriedade à luz da dignidade da pessoa

humana, Luís Edson Fachin (apud SARLET, 2009b, p. 99) sustenta a noção de um estatuto

jurídico-constitucional do patrimônio mínimo, um mínimo existencial pra uma vida com

dignidade.

19

Cf. a primeira Seção desta monografia. 20

Segundo o célebre pensamento de Hegel.

48

Sobreleva notar a conexão da dignidade da pessoa humana com os direitos

fundamentais de segunda dimensão, seja na condição de direitos de defesa ou na condição de

prestacionais. Estes últimos encontram-se a serviço da igualdade e da liberdade material e

possuem o condão de garantir uma vida com dignidade a cada pessoa.

Nesse sentido, sempre que pessoas são forçadas a permanecerem na pobreza,

como resultado de contornos políticos promovidos pelos detentores do capital, há uma

violação da dignidade da pessoa humana, porquanto a exclusão é o resultado desta perversa

dominação política e econômica, que impede o reconhecimento imediato dos direitos

fundamentais de segunda dimensão, classificando-os como programáticos21

.

Por fim, para que o quadro das dimensões possa restar completo, temos que a

dignidade da pessoa humana possui elo com os direitos fundamentais de terceira dimensão,

porquanto, o direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à paz, o direito a

autodeterminação dos povos, por exemplo, encontram-se amparados e são formados pela

consideração recíproca dos Estados, no sentido de que cada ser humano é dotado de dignidade

e merecem reconhecimento universal (tanto as presentes, quanto as futuras gerações).

3.3 A Dignidade como Limite e Tarefa do Estado e dos Particulares

A dignidade possui uma dimensão dúplice: autonomia da pessoa humana e

necessidade de sua proteção. Os que eventualmente tonarem-se incapazes (absoluta ou

relativamente), ainda que tenham sua capacidade de autodeterminação fragilizada, devem ser

tratados com dignidade.

Relembre-se a concepção Kantiana de que é no valor intrínseco da vida que

encontramos o fundamento da dignidade da pessoa humana.

21

Cf., a respeito das normas programáticas, a jurisprudência do STF: Agravo Regimental no Recurso

Extraordinário 393.175-0, RS. Relator Ministro Celso de Mello, julgado em 12.12.2006: “O caráter

programático da regra inscrita no art. 196, da Carta Política – que tem por destinatário todos os entes políticos

que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converte-se em

promessas constitucionais inconsequentes, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele

depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por

um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado”

(grifos no original).

49

É justamente nesse sentido que assume particular relevância a constatação de que a

dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais, bem

como dos particulares.

Quanto à previsão de respeito por particulares, temos a consideração do notável jurista

alemão Kurt Seelman (SARLET et al. 2009, p. 106), para quem o respeito a dignidade do

outro não é um dever jurídico eventualmente imposto pela violência, e sim um dever de

virtude. Vale dizer que ele é um “dever imperfeito”, porquanto não se pode constatar sua

inobservância de forma clara, já que o predicado é formado por uma perspectiva que também

abrange a atitude interna.

Entretanto, deve-se registrar que a extensão da exigência de tratamento com

dignidade, entre particulares, decorre da observação de que a opressão socioeconômica é uma

das maiores inimigas dos direitos fundamentais (SARLET, 2009b, p. 122), sendo que ela não

é gerada, exclusivamente, pelo Estado.

Também as entidades privadas e os particulares devem guiar-se pelo respeito à

dignidade da pessoa humana, o que implica a existência de deveres de proteção e respeito

também na esfera das relações entre particulares. A inobservância do respeito, ainda que com

a ressalva da difícil identificação da atitude interna, como assinalou Seelman, deflagrará os

mecanismos previstos no ordenamento jurídico para que o ofendido obtenha a reparação,

inclusive no aspecto moral.

Inobstante essas características aplicáveis aos particulares, o princípio da dignidade da

pessoa impõe limites à atuação estatal, implicando, outrossim, que o Estado tenha como

objetivo permanente proteger e promover a dignidade de todos, sem qualquer exceção ou

privilégio a determinada classe social.

Todos os órgãos da administração pública, direta ou indireta, encontram-se vinculados

ao princípio da dignidade da pessoa humana. Percebe-se, com isso, que o princípio impõe não

só o dever de respeito, mas também condutas prestacionais por parte do Estado.

50

3.4 A Dignidade da Pessoa Humana como norma na Constituição Federal de 1988

Exemplos não faltam do processo de positivação constitucional da dignidade da

pessoa humana.

A Constituição Italiana, de 1947, estatui em seu artigo 3º que todos os cidadãos têm a

mesma dignidade social: “Tutti i cittadini hanno pari dignità sociale e sono eguali davanti

alla legge, senza distinzione di sesso, di razza, di lingua, di religione, di opinioni politiche, di

condizioni personali e sociali”. 22

Os Alemães, por seu turno, optaram por fixar logo em seu primeiro artigo que a

dignidade humana é inviolável: “Die Würde des Menschen ist unantastbar23

”. O legislador

alemão não quis dizer que a dignidade não pode ser inviolável, mas que não deve ser violada.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 classificou a dignidade da pessoa humana

como um dos fundamentos da República, especificamente em seu título primeiro: dos

princípios fundamentais.

Para Ingo Wolfgang Sarlet (2009b, p. 69), “o constituinte deixou transparecer de

forma clara e inequívoca sua intenção de outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de

normas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional”.

A colocação topográfica dos princípios, que também ocorreu com os direitos e

garantias fundamentais, tem especial significado, pois revela que todas as instituições estatais

estão condicionadas a observar os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana

antes de qualquer ação ou omissão (CARVALHO, 2000, p. 724).

Conforme assinala Luís Roberto Barroso (2006, p. 364), o princípio da dignidade da

pessoa humana foi elevado ao patamar de fundamento do Estado Democrático de Direito, ao

lado de outros importantes cânones ético-jurídicos correlatos: a soberania, a cidadania, os

valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

22

No idioma de nosso país (tradução do autor deste trabalho): Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social

e são iguais perante a lei, sem discriminação de sexo, de raça, de língua, de religião, de opiniões políticas, de

condições pessoas e sociais. A segunda parte do artigo, também pelo autor traduzido, diz: Cabe à República

remover os obstáculos de ordem social e econômica que limitando de fato a liberdade e a igualdade dos

cidadãos, impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a efetiva participação de todos os

trabalhadores na organização política, econômica e social do País. 23

A tradução é: A dignidade da pessoa humana é inviolável.

51

Muito embora a previsão constitucional não tenha, por si só, o condão de assegurar o

devido respeito e proteção à dignidade, ela resume um compromisso do Estado brasileiro em

tomar por fundamento e, em certo sentido, por eixo axiológico na aplicação do Direito, tal

princípio.

O jurista alemão Peter Häberle (SARLET et al. 2009, pp. 49 e 54) ressalta que a

disciplina da dignidade humana no início de uma Constituição tem uma importância

pedagógica que não pode ser desprezada. Segundo ele, ao estabelecer o princípio como ponto

de partida constitucional, a Constituição lhe confere o status de “valor jurídico supremo”.

É como se a Constituição Federal transmitisse a seguinte mensagem: o Estado existe

em função da pessoa humana e não o contrário. O constituinte optou por não incluir a

dignidade da pessoa humana no rol dos direitos fundamentais, o que parece bastante coerente,

uma vez que a dignidade não é, exatamente, um direito. Vale dizer: ela não existe apenas onde

e à medida que é reconhecida pelo Direito.

Isso não significa que ela não contenha um conteúdo jurídico. Como vimos os direitos

fundamentais, em regra, encontram seu fundamento na dignidade da pessoa humana. Além do

mais, isso não impede que outros direitos fundamentais sejam reconhecidos com base na

mesma dignidade, nos termos do §1º, do Art. 5º, da Constituição da República Federativa do

Brasil (o rol não é taxativo).

A dignidade, como qualidade intrínseca que é, não pode ser conferida pelo

ordenamento e sequer retirada, embora possa ser violada. Assim, “quando se fala em direito à

dignidade, se está, em verdade, a considerar o direito a reconhecimento, respeito, proteção e

até mesmo promoção e desenvolvimento” dela (SARLET, 2009b, p. 78).

Por isso não podemos classificar a dignidade da pessoa humana como sendo

exatamente um “direito” fundamental. É verdade que ela contém um aspecto moral e também

ético, formador de uma norma jurídico-positiva dotada em sua plenitude de status

constitucional formal e material e, como tal, carregada de eficácia.

Mas como a condição ontológica do ser humano é mutável, dinâmica e submetida aos

influxos históricos, o conceito de dignidade não poderia ser propriamente lógico-jurídico. A

delimitação do significado deve ser buscada em cada contexto histórico cultural, em cada

realidade.

52

O significado ético-jurídico da dignidade da pessoa humana compreende a totalidade

do catálogo aberto de direitos humanos fundamentais, em sua permanente indivisibilidade e

interação, abarcando valores que se contradizem e preponderam a depender do momento

histórico e das singularidades culturais de cada grupo social.

Esse é o entendimento de Marcelo Novelino Camargo (2007, p. 116), para quem é

indiscutível a relação de dependência mútua entre dignidade da pessoa humana e os direitos

humanos fundamentais, pois, ao mesmo tempo em que estes últimos surgiram historicamente

como uma exigência da dignidade de proporcionar pleno desenvolvimento da pessoa humana,

é certo também que somente por meio da existência dos direitos humanos fundamentais a

dignidade poderá ser respeitada, protegida e promovida no cenário social.

53

4 NEOCONSTITUCIONALISMO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

4.1 A Superação da dicotomia: Jusnaturalismo x Positivismo

O jusnaturalismo foi um paradigma de compreensão do direito defendido pelos

sofistas, padres da igreja, racionalistas, entre outros. Para esta teoria, há um direito natural que

corresponde a uma exigência perene, eterna, imutável de um direito justo, representada por

um valor transcendental de justiça. Nesse sentido, o direito positivo deveria, conforme a

doutrina jusnaturalista, observar os valores transcendentais de justiça, sob pena de criar leis

ilegítimas e, portanto, não vinculativas.

Em resumo, o direito só vale caso seja justo. A validade do direito está subordinada à

legitimidade da ordem jurídica, que é apurada com base nos critérios do direito natural. O

cristianismo, mencionado em nosso capítulo sobre a evolução histórica dos direitos humanos

fundamentais, exerceu decisiva influência nesta corrente de pensamento. Inserindo uma

concepção religiosa de justiça, expandiu a ideia de que a justiça humana é transitória e sujeita

ao poder temporal, daí a razão para que sejam observados critérios divinos de justiça.

Não seria nessa justiça temporal que a verdade residiria24

. Mas na lei divina, que age

de modo absoluto, eterno e imutável. Os homens deveriam observar a lei divina conforme o

esquema que preparamos a partir da leitura da tese de São Tomás de Aquino:

Segundo o jusnaturalismo teológico, o próprio fundamento dos direitos naturais seria a

vontade divina, criadora do homem para governar sobre os animais irracionais e toda a

24

Evangelho de João, Capítulo 14, Versículo 6: Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida (...)

LEI ETERNA – Só o próprio Deus conhece na plenitude

LEI DIVINA - Parte da lei eterna revelada por Deus ou

declarada pela igreja

LEI NATURAL – Gravada na natureza humana que o

homem descobre por meio da razão

LEI HUMANA - É a lei positiva editada pelo

Legislador

54

natureza25

. O criador fez o homem sua imagem e semelhança, conferindo-lhe um atributo não

presente nos seres irracionais: a dignidade. Daí a ideia de que direitos tais como a vida, a

liberdade, e a própria igualdade, apenas para citar alguns exemplos, comporiam o

planejamento de Deus para o homem.

O jusnaturalismo contribuiu de forma significante para sinalizar a necessidade de um

tratamento axiológico (valorativo) para o direito. E aqui fica registrado nosso reconhecimento

a esse respeito. Entretanto, a abertura do caminho não veio acompanhada de uma proposta

satisfatória de compreensão dos liames entre direito, legitimidade e justiça.

Para Ricardo Mauricio Freire Soares (2010, p. 41), o “jusnaturalismo confunde os

planos do ser e do dever ser. Isso porque, para a maioria dos jusnaturalistas, o direito injusto

seria descaracterizado como fenômeno jurídico”.

Ademais, a compreensão da justiça como um fator fora da produção social leva crer

que o justo é absoluto, o que contraria o fato de que o direito é um objeto cultural. O conceito

de justiça é relativo, não há como negar. Argumentar que uma norma jurídica somente vale se

for justa, compromete seriamente a exigência de uma ordem segura juridicamente, não

podendo tal evento se enquadrar numa concepção relativa de segurança jurídica, exposta em

um dos trechos a seguir26

.

A expressão positivismo jurídico, por sua vez, deriva da locução direito positivo,

contraposta à expressão direito natural, ligada ao jusnaturalismo.

A concepção do positivismo jurídico nasce quando o direito positivo passa a ser

considerado direito no sentido próprio. Só é direito aquilo que está positivado. Pode-se

mesmo falar que o qualificativo “positivo” passou a ser um pleonasmo, já que direito é só

aquele positivado.

Antes do Estado moderno, o julgador podia obter a norma tanto de regras preexistentes

na sociedade quanto de princípios ligados à razão. Após, O Estado monopolizou a produção

jurídica, submetendo o Juiz a julgar conforme a lei.

A validade do direito, para esta teoria, observa Ricardo Mauricio Freire Soares (2010,

pp. 44-45), “se funda em critérios que concernem unicamente à sua estrutura formal,

25

Já assinalamos, a este respeito, o pensamento moderno de que o fundamento dos direitos humanos

fundamentais não deve ser procurado na esfera sobrenatural da revelação religiosa. 26

Vide nossa crítica ao positivismo ainda neste tópico.

55

prescindindo do seu conteúdo ético”. Para a corrente positivista, a lei é a forma mais perfeita

de manifestação da normatividade jurídica.

Hans Kelsen (2003, p. 16), ícone desta teoria, salienta que a Ciência do Direito não

tem de perquirir o que é justo, buscando prescrever como se devem tratar os comportamentos

humanos; mas descrever aquilo que é valorado como justo, sem se identificar com algum

juízo de valor sobre a justiça. Para ele, nas questões valorativas, nenhuma objetividade é

possível.

Como isso, “nega-se o tratamento racional da justiça, pois, na visão kelseniana,

racionalizar a qualificação de uma conduta como justa, sob o ponto de vista de seu valor

intrínseco, significaria negar a diferença entre a lei físico-matemática e a lei moral”

(SOARES, 2010, pp. 46-47).

Hans Kelsen (2001, p. 25) rebate com a explicação de que não há como chegar ao

consenso de justiça absoluta, e por isso devemos nos satisfazer com uma justiça relativa.

Ainda que bastante congruentes os argumentos de Kelsen, não há como se contentar com

proposta tão limitada e insatisfatória.

A ordem jurídica é formada por um conjunto de valores e não se pode atrelar a mera

legalidade (formal) ao valor-fim da justiça. O legislador não é divino. O direito não caminha

em velocidade compatível com os acontecimentos sociais. Um critério de justiça é possível,

sim, dentro da razoabilidade, o que não significa que a justiça será relativa.

Quanto ao pilar de sustentação da teoria – a segurança jurídica – não pode ser

encarada como um valor absoluto. Não ao ponto de fazer valer o direito posto

independentemente de sua legitimidade27

.

É verdade que a segurança jurídica está em sintonia com o objetivo de um direito

justo, porque a ideia de justiça está intimamente ligada à de ordem (SOARES, 2010, p. 51).

Entretanto, o sistema normativo é expressão da cultura humana, e por isso está em

permanente mudança, exigindo a apropriação de novos valores com o passar do tempo. A

segurança jurídica, nesse sentido, não pode servir de justificativa para que uma norma

permaneça em vigor, confrontando-se a evolução social.

Isso comprometeria a ideia de justiça.

27

Relembre-se, em nosso país, o período ditatorial.

56

Ademais, Luís Roberto Barroso (in QUARESMA et al. 2009, p. 54) aponta que a

decadência do positivismo está emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e

do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade.

4.2 O Neoconstitucionalismo

O termo foi criado para designar um modelo teórico composto por teses

compartilhadas entre alguns jusfilósofos e teóricos do direito contemporâneo, ainda que

nenhum deles se auto intitule propriamente um neoconstitucionalista: Dworkin, Robert Alexy,

Zagrebelsky e Carlos Santiago Nino, entre outros28

.

Segundo Alexandre Garrido da Silva (in QUARESMA et al. 2009, p. 93), o vocábulo

tem sido utilizado “para destacar as relevantes transformações metodológicas, teóricas e

ideológicas ocorridas no âmbito do Direito Constitucional no período histórico posterior ao

término da segunda guerra”.

A noção evidentemente clara de que as maiorias políticas poderiam comandar a

barbárie em nome da legalidade, como aconteceu no nazismo, motivou a criação do

movimento que pregaria o fortalecimento da jurisdição constitucional, com defesa de medidas

mais eficazes de proteção dos direitos fundamentais, até mesmo em face, e especialmente, do

poder constituído.

Observa-se que, por serem encaradas como meros programas políticos, as

Constituições não eram invocadas perante o Judiciário, na defesa dos direitos fundamentais,

que “valiam apenas na medida em que fossem protegidos pelas leis, e não envolviam, em

geral, garantias contra o arbítrio ou descaso das maiorias políticas instaladas nos parlamentos”

(QUARESMA et al. 2009, p. 271).

Prevalecia, até a Segunda Guerra Mundial, uma cultura essencialmente legicêntrica,

que tratava a lei editada pelo parlamento como a principal fonte do direito, não se

reconhecendo a força normativa das constituições (in QUARESMA et al. 2009, p. 270).

28

A observação é feita por Margarida Camargo e Rodrigo Tavares, professores da UGF (in QUARESMA et al.

2009, p. 356).

57

Logo, ainda que as Constituições contivessem direitos fundamentais declarados, estes

não gozavam de proteção adequada. No Brasil, a instigante crítica do jurista Daniel Sarmento

(in QUARESMA et. al. 2009, p. 279), merece nossa transcrição:

Na cultura jurídica brasileira de até então, as constituições não eram vistas

como autênticas normas jurídicas, não passando muitas vezes de meras

fachadas. Exemplos disso não faltam: a Constituição de 1824 falava em

igualdade, e a principal instituição do país era escravidão negra; a de 1891

instituíra o sufrágio universal, mas todas as eleições eram fraudadas; a de

1937 disciplinava o processo legislativo, mas enquanto ela vigorou o

Congresso esteve fechado e o Presidente legislava por decretos; a de 1969

garantia os direitos à liberdade, à integridade física e à vida, mas as prisões

legais. O desparecimento forçado de pessoas e a tortura campeavam nos

pirões do regime militar.

Até 1988, a exemplo do Brasil, a lei valia muito mais do que a Constituição no tráfico

jurídico, e, “no Direito Público, o decreto e a portaria ainda valiam mais do que a lei. O Poder

Judiciário não desempenhava um papel político tão importante, e não tinha o mesmo nível de

independência de que passou a gozar posteriormente” (QUARESMA et al. 2009, p. 279).

Esse fortalecimento da jurisdição constitucional foi necessário e irradiou diversos

efeitos sobre o Direito, especialmente em relação à nova interpretação constitucional.

A interpretação da constituição, que é uma modalidade de interpretação jurídica,

aplicava os tradicionais recursos de interpretação: gramatical, histórico, sistemático e

teleológico29

. Os conflitos normativos obedecem também aos tradicionais critérios de solução:

hierárquico (lei superior prevalece sobre a inferior), o temporal (lei posterior prevalece sobre

a anterior) e o especial (lei especial prevalece sobre a geral).

Essa interpretação jurídica tradicional é suficiente para resolver a maior parte das

questões jurídicas, mas “não são inteiramente ajustadas para a solução de conjunto de

problemas ligados à realização da vontade constitucional” (QUARESMA et al. 2009, p. 58).

Como explica Luís Roberto Barroso (in QUARESMA et al. 2009, pp. 58 e ss), a

interpretação tradicional está assentada em duas grandes premissas – o papel da norma – e – o

papel do juiz. A primeira deve oferecer, em relato abstrato e genérico, a solução para

29

Entre nós, a obra prima do jurista Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª edição. Rio

de Janeiro: Forense, 2010.

58

problemas jurídicos. O segundo deve identificar, no ordenamento, qual norma deverá ser

aplicada. É o tradicional método da subsunção.

Com o avanço do direito constitucional, este sistema deixou de ser integralmente

satisfatório. Concluiu-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre está no relato

abstrato do texto normativo. Quanto ao juiz, já não lhe caberá apenas o conhecimento técnico,

ele deve tornar-se coparticipante do processo de criação do Direito, completando o trabalho

do legislador, “ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas

entre soluções possíveis” (QUARESMA et al. 2009, p. 59).

Esse novo modelo teórico propõe a ideia de uma constituição fortemente

substancialista, que tenha seus artigos considerados como programa e não como simples

limite ou ideário. A ideia que subjaz é: a Constituição não é mais uma norma normarum30

à

moda de Kelsen, mas sim uma norma com amplo e denso conteúdo substantivo que os juízes

devem conhecer e aplicar, sobretudo aos conflitos jurídicos mais complexos (QUARESMA et

al. 2009, p. 6).

A nova interpretação trabalha com novas situações normativas, tais como as cláusulas

gerais, princípios, colisões de normas constitucionais, ponderação e argumentação. Vejam-se

os seguintes exemplos: boa-fé, interesse social, ordem pública. Essas cláusulas gerais levam o

intérprete a fazer a valoração de fatores concretos na realidade fática, de modo a ter claro o

alcance da norma.

Outro aspecto de notável relevância, especialmente no que diz respeito com a proposta

deste trabalho, é o reconhecimento da normatividade aos princípios e sua distinção

qualificativa em relação às regras. Ensina Luís Roberto Barroso (in QUARESMA et al. 2009,

p. 59) que “os princípios não são, como as regras, comandos imediatamente descritivos de

condutas específicas, mas sim normas que consagram determinados valores ou indicam fins

públicos a serem realizados por diferentes meios”.

Justamente por sua menor densidade jurídica, os princípios não conferem solução

completa das questões sobre as quais incidem, exigindo do intérprete a busca pela definição

concreta de seu sentido e alcance (QUARESMA et al. 2009, p. 60).

A colisão de normas constitucionais, seja entre princípios ou mesmo entre normas de

direitos fundamentais é mesmo inevitável na vigência de um documento que preveja tão

30

Norma das normas.

59

extenso rol de direitos que, em vezes, colidem. Como negar o choque entre o

desenvolvimento e a proteção ambiental, por exemplo? Quando duas normas de mesma

hierarquia colidem, é obvio que nenhuma delas trará a solução ao problema do conflito. O que

fazer? Daí a necessidade de aplicar-se a técnica da ponderação.

Tal técnica consiste em preservar, o máximo possível, cada um dos interesses em

disputa. Na impossibilidade de fazê-lo, o julgador procede à escolha do direito que irá

prevalecer, sob o intuito de realizar a mais adequada vontade constitucional.

Aqui, chega-se a questão da argumentação. Ela nada mais é que a “razão prática, o

controle da racionalidade das decisões proferidas, mediante ponderação, nos casos difíceis,

que são aqueles que comportam mais de uma solução possível e razoável” (QUARESMA et

al. 2009, p. 61).

As decisões que exigem uma atividade criativa do juiz potencializam o dever de

fundamentação, justamente porque não há, para o caso concreto, a decisão abstrata tomada

pelo legislador. E como assegurar, então, a legitimidade e racionalidade da interpretação do

magistrado, nessas situações?

O jurista Luís Roberto Barroso (in QUARESMA et al. 2009, p. 61) aponta a

necessidade de que a decisão deve remeter-se, sempre, ao sistema jurídico. Ademais, deve

utilizar-se de um fundamento que possa ser generalizado aos casos equiparáveis, afastando-se

da casuística. Por fim, deve levar em conta as consequências práticas que sua decisão

produzirá no mundo dos fatos.

Por isso que um novo paradigma de interpretação do direito precisou nascer: o pós-

positivismo. Ele busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito positivado. O

que ele faz é promover uma leitura moral do direito sem recorrer a categorias metafísicas,

não comportando voluntarismos ou personalismos ainda que seja inspirado em uma teoria da

justiça (QUARESMA et al. 2009, p. 54).

Nesse novo paradigma, que podemos chamar de paradigma neoconstitucionalista de

orientação pós-positivista, a argumentação jurídica abre um espaço significativo para a moral,

apesar de com ela não se confundir (QUARESMA et al. 2009 p. 276), dando grande

importância aos princípios que regem o ordenamento jurídico.

60

A Doutora em Filosofia do Direito, Maria Lúcia de Paula Oliveira (in QUARESMA et

al. 2009, p. 35), salienta que o neoconstitucionalismo parte da teoria dos princípios e por

consequência revisa a teoria da norma jurídica na sua acepção positivista. A questão posta

por Kelsen de que o direito se definiria como o conjunto de normas que disciplinam o uso da

força, passa a significar, com o advento desta nova corrente, o direito como a disciplina

legítima do uso da força.

A natureza imperativa da norma decorreria, também, de sua fundamentação moral.

Mas o ponto central da discussão concernente à moral, entretanto, está em estabelecer

pressupostos racionais para justificar a ação do homem e suas decisões, porquanto não pode

afastar a exigência de uma reflexão racional sobre o agir humano em detrimento de

orientações puramente subjetivas, de moralidade convencional31

.

Conforme a observação do jurista Ralf Dreier (apud QUARESMA et al. 2009, p. 6),

temos que:

as constituições políticas de determinados Estados, ao incorporar certos

princípios (dignidade da pessoa humana, solidariedade social, liberdade e

igualdade) ao direito positivo como princípios juridicamente válidos e como

expressão da ética política moderna, estabeleceram uma relação necessária

entre direito e moral, já que graças a ela se exige, por direito próprio, em

casos de vaguidade e colisão, aproximar a noção do direito, como ele é, do

direito como ele deve ser.

Assim, essas transformações que também ocorreram no Brasil, cuja Constituição

guarda um extenso rol de direitos fundamentais e inúmeros princípios jurídicos (nosso

destaque à dignidade da pessoa humana) demandaram a necessidade de uma nova referência

filosófica à nossa dogmática constitucional, o já apresentado pós-positivismo.

4.3 Recepção do Neoconstitucionalismo pelo Brasil

No Brasil, a jurisdição constitucional expandiu-se, verdadeiramente, a partir de 1988.

Foram criados novos mecanismos de controle de constitucionalidade, como a ação

31

Classificação da Professora Hilda Helena Soares Bentes, in QUARESMA et al. 2009, p. 231.

61

declaratória de constitucionalidade e a regulamentação da arguição de descumprimento de

preceito fundamental32

.

De maneira bem-sucedida, a Constituição Federal de 1988 significou a transição de

um regime autoritário para um Estado Democrático de Direito. De lá pra cá, uma nova

perspectiva foi introduzida na forma de se fazer política e também de se julgar.

Veja-se que um presidente foi destituído por impeachment, um trabalhador foi eleito

para ocupar o mais alto cargo do Executivo33

, membros do Congresso Nacional estão sendo

investigados por corrupção, e tudo isso com base no respeito à legalidade constitucional.

Segundo Luís Roberto Barroso (in QUARESMA et al. 2009, p. 53), “o surgimento de

um sentimento constitucional no País é algo que merece ser celebrado”, e só foi possível

mediante as mudanças de paradigma ocorridas ao longo do século XX, que levaram à

consideração de que a norma constitucional possui status de norma jurídica.

Percebeu-se que de nada adiantaria se a concretização das propostas constitucionais

ficasse somente a cargo de uma discricionariedade do administrador ou da autoridade

judicante, como assinalamos anteriormente.

No entanto, reconhecer que as normas constitucionais possuem imperatividade

(atributo da norma jurídica), significa dizer que a sua não observância deflagrará os

mecanismos de coação, de cumprimento forçado. Ora, e as circunstâncias da realidade fática,

não poderiam comprometer a efetivação das normas constitucionais? Como fica o Estado

Brasileiro, diante de uma Constituição com um amplo rol de direitos fundamentais e tantos

déficits nos serviços básicos de acesso à saúde, educação, trabalho, lazer?

No Brasil, o debate é mesmo ainda mais complicado. O professor Luís Roberto

Barroso (in QUARESMA et al. 2009, p. 56) explica que “além das complexidades inerentes à

concretização de qualquer ordem jurídica”, a Constituição Federal nasceu em um momento

em que o país padecia de patologias crônicas, ligadas ao autoritarismo e à insinceridade

constitucional.

A previsão de inúmeros direitos e garantias fundamentais naquele recente momento de

reabertura democrática soaram como um grito de alívio, uma resposta ao período em que a

violação de direitos humanos foi presente e institucionalizada. O legislador constituinte

32

EC nº. 3, de 1933 e Lei 9.868 de 1999, e Lei 9.882, de 1999, respectivamente. 33

Cf. Luis Roberto Barroso, in QUARESMA et al. 2009, p. 53.

62

extravasou os limites do constitucionalismo tradicional, de corte liberal, albergando na Lei

Maior um extenso elenco de direitos fundamentais.

Estabeleceram-se compromissos políticos quase que inatingíveis e a título de

fundamento da própria República restou elegida a dignidade da pessoa humana. O princípio

passou a figurar no centro de compreensão de todo o sistema jurídico. Isso trouxe (tem trazido

paulatinamente) uma alteração substancial no modo de se interpretar e aplicar o direito,

superando-se os paradigmas até então propostos para compreender a ciência jurídica.

Retirando da constituição o caráter meramente programático ou de simples inspiração

às demais normas, a nova teoria fê-la operar como uma normatividade jurídica com eficácia

direta e imediata. Se no início de sua vigência (da Constituição), o poder judiciário não tinha

papel relevante na realização dos valores Constitucionais, que ficava a critério da atuação dos

poderes públicos e da liberdade dada ao legislador, hoje ele deve ser considerado como

protagonista.

Decorridos vinte e três anos de sua promulgação, não como há como sustentar o já

conhecido argumento de que algumas normas possuem caráter programático e que alguns

direitos fundamentais são um compromisso do Estado, jamais realizado e sem data para sua

efetivação. Até mesmo as normas programáticas devem ser entendidas como diretamente

aplicáveis e imediatamente vinculantes, na medida pondera e no critério de ponderação34

.

Esta é a razão porque o paradigma de interpretação constitucional atual enfoca a

norma jurídica como sendo o gênero, figurando como espécies normativas tanto as regras

quanto os princípios. Essa valorização dos princípios confere a nossa Constituição Federal

vida e concretude no mundo dos fatos e valores, abrindo espaço para a constitucionalização

do direito justo.

Segundo Ricardo Maurício Freire Soares (2010, p. 127):

As diversas concepções neoconstitucionalistas parecem convergir para o

entendimento de que o Direito é um constructo axiológico e teleológico, que

impõe a compreensão e aplicação de princípios jurídicos, especialmente

aqueles de natureza constitucional, de modo a potencializar a realização da

34

Cf., a respeito, a opinião do jurista Ricardo Maurício Freire Soares, in O princípio constitucional da dignidade

da pessoa humana, p. 114.

63

justiça, o que se manifesta plenamente com a aplicação do princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana é um princípio constitucional que merece especial

atenção, pois, constitui o fundamento último de nossa República e a própria razão de existir

do direito. O direito só será justo se considerar a dignidade substancial de cada pessoa, como

teremos a oportunidade estudar no próximo capítulo.

4.4 Neoconstitucionalismo e Dignidade da Pessoa Humana

Como vimos, uma das características mais marcantes do Neoconstitucionalismo

consiste na frequente utilização de princípios jurídicos no embasamento de processos de

interpretativos e decisórios, como espécies normativas que pretendem conciliar as estimativas

de justiça (legitimidade), típicas do jusnaturalismo, com a exigência de segurança

(legalidade), própria do positivismo.

A dignidade da pessoa humana, como princípio fundamental estruturante de toda

ordem jurídica brasileira, tornou-se, em verdade, um critério substancial de justiça, passível

de ser invocada concretamente pelos sujeitos de direito.

Nas palavras de Flávia Piovesan (in QUARESMA et al. 2009, p. 458), “o valor da

dignidade da pessoa humana impõe-se como núcleo básico e informador de todo ordenamento

jurídico, como critério e parâmetro de valoração à orientar a interpretação e compreensão do

sistema constitucional”.

Adotando-se a concepção de Ronald Dworkin (apud QUARESMA et al. 2009, p.

458), “acredita-se que o ordenamento jurídico é um sistema no qual, ao lado das normas

legais, existem princípios que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos”. Tais

princípios constituem o suporte valorativo (axiológico) que dá coerência e harmonia ao

sistema jurídico.

A interpretação constitucional deve ser norteada por tais princípios. Os valores da

cidadania e da dignidade da pessoa humana, bem como o valor dos direitos e garantias

64

fundamentais35

constroem os princípios constitucionais que incorporam as exigências de

justiça e dos valores morais, dando suporte axiológico a todo ordenamento.

No universo dessa principiologia, sobretudo na Constituição Federal de 1988, merece

destaque, como valor maior e referência ética máxima de nosso Direito, a dignidade da pessoa

humana. É nela que a ordem jurídica encontra seu próprio fundamento de existência, seu

sentido.

Se no plano internacional, o impacto da doutrina de Kant36

concretizou a emergência

de um Direito Internacional dos Direitos Humanos, no plano dos constitucionalismos locais,

observa Flávia Piovesan (in QUARESMA et al. 2009, p. 462), “a vertente “kantiana” se

concretizou com a abertura das Constituições à força normativa dos princípios, com ênfase no

princípio da dignidade humana”.

A jurista observa que o poder constituinte dos Estados e, consequentemente, das

respectivas constituições nacionais, está cada vez mais vinculado a princípios de direito

internacional, sobretudo porque este último transformou-se em parâmetro de validade das

próprias Constituições nacionais (QUARESMA et al. 2009, p. 462).

O diálogo e a interação entre o direito internacional e nacional aprofundaram-se. Ao

mesmo passo, a proteção internacional dos direitos humanos tende a aumentar. Não por outra

razão que hoje é possível denunciar o próprio Estado à corte internacional de direito a que se

tenha submetido: a pessoa, dotada de dignidade, é sujeito de direito no campo internacional.

A importância do princípio da dignidade da pessoa humana é tão inconteste na

atualidade, que Ana Paula de Barcellos (apud SOARES, 2010, p. 135), afirma: “um dos

poucos consensos teóricos do mundo contemporâneo diz respeito ao valor essencial do ser

humano (...) talvez a única ideologia remanescente no início do novo milênio”.

Por estas razões, a dignidade da pessoa humana, sob a influência do

neoconstitucionalismo, converteu-se em verdadeira fórmula de justiça substancial, passível de

ser invocada concretamente pelos sujeitos de direito, sem os limites das concepções

jusnaturalista e positivista do direito.

35

Acreditamos ter demonstrado, em seção anterior, a íntima conexão entre a dignidade da pessoa humana e os

direitos humanos fundamentais. 36

Cf. o capítulo A contribuição de Immanuel Kant, na seção 3, deste trabalho.

65

Ao reconhecer a força normativa do princípio constitucional da dignidade da pessoa

humana, deve-se ter em mente a dúplice dimensão em eficácia desse vetor principiológico: a

objetiva e a subjetiva37

.

A dimensão subjetiva manifesta-se tanto no status negativo, quanto no status positivo.

O primeiro diz respeito ao direito de resistir à intervenção estatal e também dos particulares

na sua esfera de liberdade individual, enquanto o segundo refere-se à obrigação do Estado de

agir para programar uma condição mínima e suficiente de proteção da dignidade humana.

A dimensão objetiva está baseada na percepção de que os direitos fundamentais são os

pressupostos e limitadores básicos, a serem observados por qualquer ação estatal. Os direitos

humanos fundamentais funcionam como critério de interpretação e configuração do direito

constitucional e infraconstitucional. Quando o operador do direito estiver diante de várias

interpretações possíveis, deve optar por aquela que melhor se harmonize com a dignidade da

pessoa humana.

Para Ricardo Maurício Freire Soares (2010, p. 145), a dignidade da pessoa humana é

capaz de produzir efeitos jurídicos nas acepções: positiva, negativa e hermenêutica. A positiva

consiste em reconhecer ao titular do direito fundamental encarado como de eficácia limitada,

o direito de ver a norma produzir seus efeitos, caso seja ela indispensável para assegurar uma

existência digna.

A eficácia negativa limita a atuação do Poder Público e de particulares que atentem

contra a esfera de liberdade dos cidadãos. Ingo Wolfgang Sarlet (2009a), chega a mencionar

que toda atividade estatal e todos os órgãos públicos se encontram vinculados pelo princípio

da dignidade da pessoa humana, impondo-lhes, nesse sentido, um dever de respeito e

proteção, que se exprime tanto na obrigação do Estado de abster-se de ingerências na esfera

individual que sejam contrárias à dignidade, quanto no dever de protegê-la contra agressões

por parte de terceiros.

No plano hermenêutico, segundo aponta Ricardo Maurício Freire Soares (2010, p.

146), que o princípio da dignidade humana orienta a correta interpretação e aplicação dos

demais princípios e regras, direcionando o intérprete do direito à necessária concretização

daqueles valores essenciais a uma existência digna.

37

A observação é de Ricardo Maurício Freire Soares, op. cit., p. 144.

66

Eis a razão pela qual a relevância do princípio da dignidade da pessoa humana vem

sendo afirmada pela jurisprudência nacional, porquanto confere coerência substancial a todo

sistema constitucional e ao mesmo tempo aponta para a realização de um direito justo,

exprimindo as estimativas e finalidades a serem alcançadas pelo Estado e pelo conjunto da

sociedade civil.

Para finalizar, deixemos registrado que um dos desdobramentos mais importantes

deste novo paradigma, o neoconstitucionalismo, é a

reviravolta operada no tema concernente à eficácia jurídica (aplicabilidade)

das normas constitucionais. Isso porque, ao se afastar a concepção da mera

programaticidade das normas principiológicas, baseada na ideia de não

obrigatoriedade do Estado e mesmo dos particulares de implementar os

direitos fundamentais, abriu-se espaço para que principiologia constitucional

passe a produzir amplos efeitos no sistema jurídico (QUARESMA et al.

2009, p. 150).

Amarrado na visão de José Afonso da Silva (2007, p. 88), o pensamento tradicional

distingue as normas constitucionais em: as de eficácia plena, sendo aquelas de aplicabilidade

direta, imediata e integral; as de eficácia contida, sendo aquelas que, embora possam incidir

imediatamente, mas com determinado limite de sua eficácia; as de eficácia limitada,

dividindo-se estas em programáticas e de princípio institutivo.

A classificação do jurista, ao modo neoconstitucionalista, não justifica a

inaplicabilidade de uma norma definidora de direitos fundamentais, ainda que classificada

como de eficácia limitada e até mesmo programática.

“Todas as normas constitucionais concernentes à estrutura axiológica e teleológica dos

direitos fundamentais – inclusive as ditas programáticas – geram imediatamente direitos

subjetivos aos cidadãos” (QUARESMA et al. 2009, p. 152), não sendo possível considerar

que as normas de eficácia limitada sejam meras proclamações de cunho ideológico38

.

A realização da eficácia das normas constitucionais, em matéria de direitos humanos

fundamentais, constitui uma exigência do princípio da dignidade da pessoa humana, que

38

A privação de direitos sociais simboliza uma flagrante violação à ordem constitucional, que inclui tais direitos

entre as cláusulas pétreas. Esses direitos são intangíveis e irredutíveis, o que torna inconstitucional qualquer ato

que tenda a restringi-los (esse o entendimento de Flávia Piovesan, in Direitos Humanos e o direito constitucional

internacional. 4 ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 52).

67

autoriza o julgador, na presença de um caso concreto e por meio de uma hermenêutica criativa

e concretizante da essência valorativa de uma Constituição, materializar o direito justo.

4.5 Pequena nota sobre a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Essas novas ideias estão refletidas na jurisprudência nacional, sobretudo do órgão

máximo do Poder Judiciário que, nos últimos tempos, tem cada vez mais invocado princípios

abertos nos seus julgamentos, recorrido à ponderação de interesses e ao princípio da

proporcionalidade e até se valido de referências filosóficas na fundamentação das decisões

(QUARESMA et al. 2009, p. 285).

Para Daniel Sarmento (in QUARESMA et al. 2009, p. 285), a renovação dos quadros

do STF39

, agora composto, em sua maioria, por professores de Direito Constitucional de

grande reputação acadêmica, proporcionou o contato dos ministros com a produção

intelectual de ponta na área, permitindo a influência destas novas correntes de pensamento.

E essa mudança de paradigma se reflete na jurisprudência do pretório excelso. Os

direitos sociais, antes tratados como normas programáticas, são hoje submetidos a uma

intensa proteção judicial40

. Houve o reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos

fundamentais41

e a força do mandado de injunção42

.

Observa Daniel Sarmento (in QUARESMA et al. 2009, p. 286) que atualmente o STF

tem se defrontado com novos temas fortemente “impregnados de conteúdo moral, como as

discussões sobre a validade de pesquisa em células-tronco embrionárias43

, aborto de feto

anencéfalo44

e união entre pessoas do mesmo sexo45

.

39

O jurista fala em renovação do STF, pois, em 1998, quando promulgada a Constituição Federal vigente,

permanecia, nos assentos do tribunal, ministros que não tinham sintonia política-ideológica nem boa vontade

com a nova ordem constitucional. 40

Petição 1.246 MS/SC, julgada em 31.01.1997 (obrigação do Estado de realizar transplante de células

mioblásticas para salva a vida de criança). 41

Recursos Extraordinários 158.215-4/RS, 161.243-6/DF, 201.819/RJ. 42

Mandado de Injunção nº. 670/ES – No caso, decidiu-se que enquanto não se regulasse a greve no serviço

público, tal direito poderia ser exercido nos limites da Lei 7.783/89, que trata da greve em serviço essencial no

setor privado. 43

ADIN 3.510/DF, Relator Ministro Carlos Ayres de Britto. A ação impugnava a autorização de pesquisas com

embriões humanos resultantes de fertilização in vitro que fossem inviáveis ou estivessem congelados há mais de

três anos. A ação foi julgada totalmente improcedente, por 6 votos a 5. 44

ADPF nº. 54, Relator Ministro Marco Aurélio.

68

Apenas para completar alguns poucos exemplos sobre as matérias enfrentadas pelo

excelso, cabe-nos mencionar o julgamento relativo à tortura, em que os ministros

consideraram ser ela a negação arbitrária dos direitos humanos, pois reflete – enquanto prática

ilegítima, imoral e abusiva – a asfixia e a negação da dignidade, entendida como autonomia e

liberdade do indivíduo46

.

O Tribunal também se posicionou no sentido de que a duração prolongada, abusiva e

não razoável da prisão cautelar de alguém ofende o postulado da dignidade da pessoa

humana47

. Quanto ao direito à saúde, a posição do tribunal foi referendada em sede de

Recurso Extraordinário48

, e taxou de ilegítima e irresponsável a infidelidade governamental

que, frustrando as justas expectativas nele depositadas, faz da norma programática insculpida

no art. 196, da CF, uma promessa constitucional inconsequente, sem qualquer eficácia,

quando, em verdade, trata-se de seu impostergável dever.

Esses poucos exemplos servem para demonstrar o quão importante tem sido o poder

judiciário em tempos de neoconstitucionalismo. Pode-se verificar que o STF, no atual

contexto histórico-cultural de desenvolvimento da experiência jurídica, avança na

concretização de um direito justo, enfatizando o uso do princípio constitucional da dignidade

da pessoa humana, tanto para justificar a tutela dos direitos fundamentais, como para

reconhecer a efetividade e aplicabilidade dos direitos de segunda dimensão, em favor, no

dizer de Ricardo Mauricio Freire Soares (2010, p. 205), “da promoção da existência digna do

ser humano”.

45

ADPF nº. 132 RJ, Relator Ministro Carlos Ayres de Britto. Em votação unânime, o Supremo declarou

constitucional a união de pessoas do mesmo sexo.

46

HC 70.389, relator para o Acórdão Ministro Celso de Mello, j. 23.06.1994, DJ. 10.08.2001. 47

HC 85.237, relator para o Acórdão Ministro Celso de Mello, j. 17.03.2005, DJ. 29.04.2005. 48

Ag.Reg. no RE 271.286, relator Ministro Celso de Mello, j. 12.09.2000, DJ. 24.11.2000.

69

CONCLUSÃO

“O coração dos Direitos humanos é o respeito

(incondicional) ao próximo. E isso nasce com o

ensinamento do Amor. Devemos amar nossos

semelhantes como a nós mesmos”.

Idario Bertramello

O neoconstitucionalismo não descarta a importância das regras e da subsunção, pelo

contrário, abre espaço para utilização dos princípios e para a ponderação, sem recorrer à

subjetividade.

Sem desprezar as instituições democráticas, o movimento reconhece e valoriza os

valores constitucionais, incentivando uma atuação firme e construtiva do poder judiciário na

defesa dos direitos fundamentais e, por consequência, da dignidade da pessoa humana.

Um dos principais receios ao neoconstitucionalismo49

, entretanto, parece residir no

alargamento dos poderes do juiz. Portanto, toda discussão a esse respeito deve ser conduzida

sem esquecer que o desafio do desse movimento é “assegurar a força normativa das

disposições constitucionais, mas sem recorrer ao subjetivismo capaz de desvirtuar os

verdadeiros objetivos da norma” (QUARESMA et al. 2009, p. 665).

O ativismo do Supremo Tribunal Federal, como demonstrado de maneira sucinta em

nossa derradeira seção, demonstrou que decisões importantes foram tomadas, sem que algum

subjetivismo ficasse caracterizado – e isso é um bom sinal.

Essa ação do judiciário corrobora a afirmação de Robert Alexy (2011, p. 29) de que a

abertura do sistema jurídico à moral, mediante a positivação dos direitos fundamentais que

vinculam todos os poderes estatais, é razoável e pode ser levada “a cabo por sistemas

racionais”.

O Brasil, ainda que tenha passado por diversas reformas neoliberais de enxugamento

do Estado, com privatizações em diversas áreas de serviços fundamentais, “remanesce com a

alma e com a espinha dorsal de um Estado Democrático de Direito, comprometido com os

valores substantivos de promoção de justiça social, igualdade e liberdade” (QUARESMA et

al. 2009, p. 745).

49

Nesse sentido Antonio Cavalcanti Maia, in QUARESMA et al. 2009, p. 24.

70

O Neoconstitucionalismo, nesse sentido, é o instrumento pelo qual os valores

constitucionais hão de ser tidos por realidade, não mera promessa contida num documento

histórico que fixou a emoção da assembleia constituinte, naquele tempo de comemoração do

nascimento do Estado Democrático neste País.

Não só a atuação do judiciário – como protagonista das mudanças – mas também a

participação de toda a sociedade nas discussões de interesse público irão convergir para uma

leitura – que há de ser aprendida por nossas crianças, adultos e idosos, de que a Constituição

Federal exprime a finalidade e também os anseios atuais de uma sociedade que busca ser

livre, justa, igualitária.

Os objetivos constitucionais, expressos no rol do Art. 3º da Constituição Federal, se

contrastados com o contexto econômico ou interesses particulares, devem prevalecer. É na

dignidade da pessoa humana que o Estado encontra seu principal fundamento.

Constituir uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo-se o desenvolvimento

nacional sem deixar de lado à pobreza e a marginalidade, promovendo o bem de todos, sem

distinção, são exigências da dignidade da pessoa humana.

O judiciário, nesse sentido, fazendo o papel de regular os interesses constitucionais e

da sociedade – tratando os iguais igualmente e os desiguais desigualmente – deve regular de

modo mais efetivo e concreto os direitos fundamentais dos cidadãos, justamente por entender

que o fundamento último da organização social e, portanto, do próprio estado e da existência

dos poderes, é a dignidade da pessoa humana, que deve ser protegida, promovida e respeitada.

Se o Neoconstitucionalismo significa a aderência do direito à moral, por meio da

crescente valorização dos princípios e valores constitucionais, fato que faz da constituição

uma documento fortemente substancialista, ele caminha no sentido de buscar a concretude dos

direitos de maneira mais efetiva e segundo fórmulas que permitem o caminhar do direito mais

paritário com a ciência.

Mas frise-se: A atuação do judiciário não invade a área de atuação do poder executivo:

o princípio da separação de poderes, cláusula pétrea em nossa Constituição, permanece

intacto. O que é de sua competência é corrigir ilegalidades, abusos, desvios de poder,

inconstitucionalidades, ainda que oriundas da omissão legislativa.

71

Cabe ao judiciário, especialmente, proteger os direitos fundamentais. Entretanto,

guardado o otimismo sempre necessário, é preciso ter em mente que na realidade política

brasileira, sequer os direitos básicos estão sendo assegurados à maior parte da população.

Ainda há muito que se conquistar.

A distância da realidade política em relação às normas programáticas, por exemplo, é

tão grande que a manutenção de um sistema tradicional sem qualquer nova esperança

acarretaria, com absoluta certeza, o descrédito na legitimidade constitucional. Foi nesse

sentido que optamos por escrever, na epígrafe, as palavras de Pontes de Miranda50

.

Salienta Robert Alexy (2011, pp. 26-27): “mesmo que extremamente aberta, uma

normatização pode não suscitar grandes discussões caso haja um amplo consenso sobre a

matéria”. O autor refere-se ao catálogo de direitos fundamentais, especialmente em relação à

dignidade, à liberdade e à igualdade, exigências dos movimentos sociais dos séculos XIX, XX

e também do presente.

A observação de tão experiente jurista denota a existência de barreiras à efetivação dos

direitos fundamentais, sobretudo porque há interesses econômicos em jogo. O estudioso do

Direito deve, portanto, estar atento aos reais motivos que impedem a concretização dos ideais

de igualdade (material, não só formal), liberdade (efetiva, com recursos para exercê-la) e

solidariedade (o desenvolvimento tem de ser racional).

E onde encontrar o caminho para a construção de um mundo justo, em que os direitos

fundamentais não soem como, para Moisés, a terra prometida? Onde encontrar alguma coisa

que entusiasme e ligue os homens, onde se buscar o princípio que provoque a adesão dos

espíritos e dos sentimentos, fora da política leal, objetiva, do socialismo?

A resposta, diria eu a Pontes de Miranda: A dignidade da pessoa humana, em tempos

de neoconstitucionalismo, é o princípio que provocará a adesão dos espíritos e dos

sentimentos.

50

“É urgente uma nova social (...)”.

72

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª edição. Tradução de Virgílio

Afonso da Silva da 5ª edição alemã (Theorie der Grundrechte). Malheiros Editores. Impresso

no Brasil em Março de 2011.

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa

de 1976. Coimbra: Almedina, 1987.

ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo: Saraiva,

2009.

AVELAR, Mateus Rocha. Manual de Direito Constitucional. 5ª ed. Curitiba: Juruá, 2009.

BARROSO, Luis Roberto. A nova interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Renovar,

2006.

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 1989.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2006.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. In Vade Mecum. 5ª ed. atual. e

ampl. São Paulo: Saraiva, 2011.

CAMARGO, Marcelo Novelino. Leituras Complementares de Direito Constitucional.

Salvador: Juspodivm, 2007.

COMPARATO, Fabio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7ª ed. rev. e

atual. São Paulo: Saraiva, 2010.

_________________________. Fundamento dos Direitos Humanos. Instituto de Estudos

avançados – IEA, Universidade de São Paulo – Volume 30 – São Paulo – 1997.

CANOTILHO, José J. Gomes. Direito Constitucional. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 1992.

73

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional – Teoria do estado e da

Constituição – Direito Constitucional Positivo. 15ª ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte:

Del Rey, 2009.

CHARDIN, Pierre Teilhard de. O Fenômeno Humano. São Paulo: Herder, 1965.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. 2ª ed. reform. – São Paulo:

Moderna, 2004.

DORNELLES, João Ricardo W. O que são direitos humanos. 1ª ed. São Paulo: Brasiliense,

1989.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 34ª ed. rev. e

atual. – São Paulo: Saraiva, 2008.

_________________________________. Direitos Humanos Fundamentais. 11ª ed. rev. e

aum. – São Paulo: Saraiva, 2009.

FIGUEIREDO, Vinícius de (Org.) Filósofos na Sala de Aula. Volume III. Berlandis e

Vertecchia Editores, 2009.

FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 3ª ed. São Paulo: Malheiros,

2002.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, Vol. I: parte geral – 8ª ed. rev.,

atual e reform. – São Paulo: Saraiva, 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol. 1: Parte Geral. 5ª ed. rev. e

atual. – São Paulo: Saraiva, 2007.

HERKENHOFF, João Baptista. Gênese dos Direitos Humanos. 2ª ed. rev. – Aparecida, São

Paulo: Editora Santuário, 2002.

HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. Tradução de Maria

Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

_____________. O Que é Justiça? São Paulo: Martins Fontes, 2001.

74

LOPES, Serpa. Curso de Direito Civil, Vol. I: Introdução, Parte Geral e Teoria dos

Negócios Jurídicos – 7ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989.

LOSURDO, Domenico. Marx: A Tradição Liberal e a Construção Histórica do Conceito

Universal de Homem. In Educação e Sociedade – Revista Quadrimestral de Ciência da

Educação. Campinas: CEDES, 1996, nº. 57.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo VII. Rio de Janeiro: Editor

Borsoi, 1955.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, vol. 1, Parte Geral. 42ª ed.,

São Paulo: Saraiva, 2009.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.

____________________. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos

arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e

jurisprudência. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MOTA PINTO, Paulo. O Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade, in:

Portugal-Brasil ano 2000, Coimbra: Coimbra Editora, 1999.

MOTTA FILHO, Sylvio Clemente da. Curso de Direito Constitucional. Edição atualizada

até a EC nº. 53/06 – Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

NERY JÚNIOR, Nelson. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante: atualizado

até 15 de Junho de 2005. 3ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2005.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. I. Rio de Janeiro:

Forense, 2006.

QUARESMA, Regina. et al. Neoconstitucionalismo. 1ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2009.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Vol. I. 34ª ed. atual. 4ª tiragem. São Paulo: Saraiva,

2006.

75

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos

direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª ed. rev. atual. e ampl. – Porto

Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009a.

______________________. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na

Constituição Federal de 1988. 7ª ed. rev. atual. – Porto Alegre: Livraria do Advogado

Editora, 2009b.

_____________________. (Org.). Dimensões da Dignidade: Ensaios de Filosofia do

Direito e Direito Constitucional. 2ª ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado

Editora, 2009c.

SCHMIDT, Mario. Nova História Crítica, Moderna e Contemporânea. São Paulo: Editora

Nova Geração, 2000.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32ª ed. rev. atual. até a

Emenda Constitucional n. 57, de 18.12.2008. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

___________________. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7ªed. São Paulo:

Malheiros Editores, 2007.

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais, conteúdo essencial, restrições e

eficácia. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

SOARES, Ricardo Maurício Freire. O princípio constitucional da dignidade da pessoa

humana: em busca do direito justo. São Paulo: Saraiva, 2010.

SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 1993.

TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar,

2004.

TRINDADE, José Damião de Lima. História Social dos Direitos Humanos. 2ª ed. São

Paulo: Petrópolis, 2002.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, Parte Geral. 9ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.