Neiva Afonso Oliveira e Sidnei Almeida Pestano (UFPel) - Edmund Burke, Macpherson e o...

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Edmund Burke, Macpherson e o conservadorismo: buscando algumas pistas para pensar a educação. Neiva Afonso Oliveira (Universidade Federal de Pelotas – UFPel) Sdnei Almeida Pestano (Universidade Federal de Pelotas – UFPel) Apoio financeiro: CNPq (Bolsa de Iniciação Científica), FAPERGS (Auxílio financeiro) Resumo: O presente texto traz, inicialmente, uma breve discussão sobre os conceitos liberalismo e conservadorismo. Em segundo lugar, apresenta a teoria de Edmund Burke, um teórico conservador crítico dos acontecimentos da Revolução Francesa. Uma retomada, na contemporaneidade, do pensamento de Burke é trazida pelo enfoque da teoria do sociólogo canadense Crawford Brough Macpherson, que afirma haver uma questão Burke, o que significa dizer que o conservadorismo ainda encontra-se presente como condição que perpassa o liberalismo moderno. Tanto a posição de Burke enfatizada explicitamente no aspecto da manutenção da tradição e na defesa da conservação de um certo status quo, quanto a posição macphersoniana de pretender garantir aquilo que se tem (as liberdades individuais), em detrimento de uma posição mais avançada, por exemplo, em nível de pensar uma proposta mais coletivista, nos permitem olhar para a condição da educação hodierna que pensa a si própria e a cultura como aspectos transmitidos desde um contexto. Palavras-chave: Liberalismo – Conservadorismo – Burke – Macpherson Instalando o debate: demarcação de possíveis fronteiras entre conservadorismo, liberalismo e educação Este texto traz informações que fazem parte de pesquisa intitulada A filosofia Social de C. B. Macpherson 1 e os Movimentos Sociais no Liberalismo Contemporâneo. A investigação aqui apresentada, de cunho essencialmente bibliográfico, surgiu da seguinte afirmação de Macpherson, em sua obra dedicada ao membro do parlamento inglês: “That there is a Burke problem is a testimony to the continuing interest there has been in work in the two centuries since it was done”. (p.1) O que pretendemos apresentar é a posição de Edmund Burke (1729- 1797) no que tange à Revolução Francesa em sua obra intitulada: “Reflexões sobre a Revolução em França” (1790). Enquanto comentador de Burke, Macpherson é, também, 1 C. B. Macpherson, autor Canadense, nascido em 1911. Dentre os conceitos trabalhados em sua teoria política, encontra-se a idéia de individualismo possessivo, uma espécie de assinatura teórica por ele utilizada para definir a sociedade liberal moderna, formada por homens apropriadores ao infinito. Democracia Liberal (1977), A teoria política do individualismo possessivo (1979) e Ascensão e Queda da Justiça Econômica (1991) são livros de sua autoria que estão traduzidos para o português.

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Neiva Afonso Oliveira e Sidnei Almeida Pestano (UFPel) - Edmund Burke, Macpherson e o Conservadorismo Buscando Algumas Pistas Para Pensar a Educação

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  • Edmund Burke, Macpherson e o conservadorismo:

    buscando algumas pistas para pensar a educao.

    Neiva Afonso Oliveira (Universidade Federal de Pelotas UFPel)

    Sdnei Almeida Pestano (Universidade Federal de Pelotas UFPel)

    Apoio financeiro: CNPq (Bolsa de Iniciao Cientfica), FAPERGS (Auxlio financeiro)

    Resumo: O presente texto traz, inicialmente, uma breve discusso sobre os conceitos liberalismo e conservadorismo. Em segundo lugar, apresenta a teoria de Edmund Burke, um terico conservador crtico dos acontecimentos da Revoluo Francesa. Uma retomada, na contemporaneidade, do pensamento de Burke trazida pelo enfoque da teoria do socilogo canadense Crawford Brough Macpherson, que afirma haver uma questo Burke, o que significa dizer que o conservadorismo ainda encontra-se presente como condio que perpassa o liberalismo moderno. Tanto a posio de Burke enfatizada explicitamente no aspecto da manuteno da tradio e na defesa da conservao de um certo status quo, quanto a posio macphersoniana de pretender garantir aquilo que se tem (as liberdades individuais), em detrimento de uma posio mais avanada, por exemplo, em nvel de pensar uma proposta mais coletivista, nos permitem olhar para a condio da educao hodierna que pensa a si prpria e a cultura como aspectos transmitidos desde um contexto. Palavras-chave: Liberalismo Conservadorismo Burke Macpherson

    Instalando o debate: demarcao de possveis fronteiras entre conservadorismo,

    liberalismo e educao

    Este texto traz informaes que fazem parte de pesquisa intitulada A filosofia Social de

    C. B. Macpherson1 e os Movimentos Sociais no Liberalismo Contemporneo. A investigao

    aqui apresentada, de cunho essencialmente bibliogrfico, surgiu da seguinte afirmao de

    Macpherson, em sua obra dedicada ao membro do parlamento ingls: That there is a Burke

    problem is a testimony to the continuing interest there has been in work in the two centuries

    since it was done. (p.1) O que pretendemos apresentar a posio de Edmund Burke (1729-

    1797) no que tange Revoluo Francesa em sua obra intitulada: Reflexes sobre a

    Revoluo em Frana (1790). Enquanto comentador de Burke, Macpherson , tambm,

    1 C. B. Macpherson, autor Canadense, nascido em 1911. Dentre os conceitos trabalhados em sua teoria poltica, encontra-se a idia de individualismo possessivo, uma espcie de assinatura terica por ele utilizada para definir a sociedade liberal moderna, formada por homens apropriadores ao infinito. Democracia Liberal (1977), A teoria poltica do individualismo possessivo (1979) e Ascenso e Queda da Justia Econmica (1991) so livros de sua autoria que esto traduzidos para o portugus.

  • trazido para o contexto do escrito, uma vez que, em sua obra Burke (1980) nos fornece

    pistas para reflexes e tematizaes sobre o conservadorismo e o liberalismo. A educao o

    tema que tangencia nossa argumentao e nossa hiptese est construda a partir da afirmao

    feita por Macpherson de que E. Burke , ao mesmo tempo, conservador e liberal.. O ponto de

    vista do autor canadense encontra respaldo tanto na hesitao terica que temos ao buscar

    definies para os dois conceitos, quanto na explicao do tipo de personalidade de Edmund

    Burke.

    Com relao hesitao terica quando mencionamos os conceitos conservador e

    liberal, podemos afirmar que se justifica. Em teoria poltica, alguns conceitos so

    movedios ou de difcil explicitao. Liberalismo e conservadorismo, certamente,

    encontram-se listados entre aqueles conceitos que exibem essa caracterstica de no se deixar

    revelar conceitualmente de modo fcil. Tambm, por serem fenmenos histricos com

    diferentes nuances, dificilmente podem ser definidos Trata-se de conceitos cujas explicaes

    e/ou definies deveriam, preferivelmente, acontecer pela via da descrio uma vez que a

    exposio minuciosa por meio da descrio possibilita que visualizemos os conceitos em suas

    prprias movimentaes e produtividade. Nomear ou descrever, portanto, so modos

    convenientes para expressar a relao que se efetiva entre nomes e aquilo que nomeado, ou

    entre uma descrio e o que descrito. Afirmamos isso na esteira do que nos lembra

    Merquior (1991) com relao ao prprio liberalismo: muito mais fcil e mais sensato

    descrever o liberalismo do que tentar defini-lo de maneira curta. (p.15)

    Em termos de uma localizao temporal dos dois conceitos, mais acertado afirmar

    que o conservadorismo muito mais antigo do que o liberalismo. Dewey (1935), em seu

    escrito Liberalism and Social Action, afirma que o uso das palavras liberal e liberalismo

    indicado para significar uma particular filosofia social apareceu somente na primeira dcada

    do sculo XIX. Porm, a realidade a que as palavras se referem bem mais velha, podendo-se

    chegar ao pensamento grego, com os poetas lricos, os cticos e os sofistas. Seu estudo,

    contudo, afirma o autor, consolida-se a partir do Iluminismo europeu. Nesta direo, correto

    afirmar que uma gama de significados circunda o termo liberal: indo, por exemplo, desde

    uma vaga ndole mental, por vezes denominada para frente, at um definido credo com

    propsitos e mtodos de ao social. O primeiro significado caracteriza-se por ser vago em

    demasia, e a segunda acepo do termo especfica e fixa, o que limita, caso aceitemos esta

    condio, nossas chances de elencar a gama de feies que o termo liberal foi assumindo ao

    longo de sua trajetria. O conservadorismo, ao enfatizar a tradio, entendida como um

    conjunto de valores que perpassam a histria e foram elaborados pela razo social, nos d

  • mostras de seu perfil. O conservadorismo est estritamente vinculado f, porm nem sempre

    a uma f divina, podendo, algumas vezes, estar ligado crena em verdades ... transmitidas

    pelo patrimnio humano (...) [em que] a razo individual est sujeita tradio, isto ,

    razo social que nos liga a essa revelao primordial. (NASCIMENTO, 2004, p.07). No

    que se refere a Macpherson, as definies apresentadas so suficientes para dar conta de uma

    igual indeciso presente em seu escrito. O conservadorismo que a ele atribumos do tipo

    liberalismo conservador termos confusos e que confundem, mas que podem bem expressar a

    posio do professor canadense , uma vez que em seu livro de 1978, A democracia liberal:

    origens e evoluo, declara-se liberal e chega muito prximo de alguns ideais defendidos por

    Edmund Burke. Um exemplo dessa ocorrncia verificamos no fato de Macpherson declarar-se

    partidrio da idia de que os princpios precisam adaptar-se s circunstncias.

    Edmund Burke: Com a Revoluo, inicia o conservadorismo

    Edmund Burke nasceu em Dublin em 1729. Filho de pai protestante e me catlica, foi

    educado sob o modelo clssico de educao de sua poca. Escreveu, ainda na Irlanda, contra a

    aristocracia irlandesa que imputava aos camponeses a misria. J na Inglaterra, aps ter sido

    membro do parlamento, exps em seu livro mais conhecido, a teoria que se tornaria o alicerce

    do conservadorismo moderno. Tendo sido sua obra cunhada em um grandioso perodo da

    histria da civilizao ocidental, importante perceber seu impacto e o contraponto ao

    contexto em que estava inserida, a saber: Montesquieu escreveu O esprito das leis em 1748;

    em 1757, Rousseau compe Do Contrato Social e Emlio ou Da Educao, ambos os escritos

    condenados em 1762; Voltaire entrega ao mundo iluminista seu Dictionnaire philosophique,

    em 1764; A riqueza das naes de Adam Smith publicada em 1776; Jeremy Bentham,

    atravs de Uma Introduo aos Princpios da Moral e da Legislao, obra de 1780, aponta

    critrios tericos e prticos para o desempenho do homem como ser moral e social.

    Acontecimentos como a Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, e a instalao da

    Assemblia Nacional Constituinte Francesa fazem parte do cenrio onde so construdos a

    argumentao terica e os preceitos prticos de E. Burke. Nesse perodo de grande fomento

    intelectual, que a obra analisada neste trabalho foi escrita, ou seja, em 1790.

    Em Reflections on the Revolution in France, o autor, alm de expressar seu

    antagonismo com os princpios da Revoluo Francesa, d a conhecer as principais ideias de

    uma filosofia do conservadorismo. possvel ser contra os ideais de liberdade, igualdade e

    fraternidade? Tais conceitos constituem o verniz que fornece o intenso brilho da Revoluo

  • Francesa. Contemporneo Revoluo, Edmund Burke, o primeiro contra-revolucionrio,

    pensava que: Seguindo estas falsas luzes, a Frana pagou com evidentes calamidades e

    muito mais caro que qualquer outra nao tenha pago indiscutveis bens. A Frana comprou

    misria com crime! A Frana no sacrificou sua virtude pelo seu interesse, ela abandonou

    seu interesse para prostituir sua virtude! (BURKE, 1997, p.73). Favorvel Monarquia,

    Igreja, Nobreza e Propriedade, Burke escreveu contra os princpios revolucionrios,

    rechaando a idia de que tais princpios abstratos (BURKE, 1997, P.68) possussem

    precedentes ou fossem repetidos na Inglaterra. Creio no termos perdido a generosidade e a dignidade do modo de pensar do sculo XIV, e, at o presente, ainda no nos transformamos em selvagens. No fomos convertidos por Rousseau; no somos discpulos de Voltaire; (...) e julgamos que no h descobertas a serem feitas no campo da moral, nem to pouco no campo dos grandes princpios de governo e das idias de liberdade... (BURKE, 1997, p.107)

    A crena, que tem Macpherson, de que as idias de Edmund Burke continuam a existir

    est calcada no movimento conservador moderno e fornece subsdios para uma viso distinta

    do movimento liberal: A totalidade do poder obtido por essa revoluo ficar nas cidades

    com os burgueses e com os donos do capital que os lideram. (BURKE, 1997, p.32)

    A democracia, o estado laico e a liberdade iluminista eram entendidos por Burke como

    princpios de uma revoluo metafsica. Todo povo, de qualquer nao, recebe uma herana,

    um legado a ser preservado, que so leis e princpios institudos por muitos de seus

    predecessores. A pergunta que inquieta o terico anglo-irlands sobre a possibilidade de no

    se levar em considerao aquilo que foi arquitetado, pensado, construdo pela experincia de

    sculos. Por isso, Burke contra qualquer tipo de revoluo ou progressismo que pretenda

    destruir completamente a organizao social vigente e intencione o recomeo de uma

    sociedade nova ou moderna. O senhor poder notar que da Carta Magna Declarao de Direitos a poltica de nossa constituio foi sempre a de reclamar e reivindicar nossas liberdades como uma herana, um legado que ns recebemos de nossos antepassados e que devemos transmitir a nossa posteridade; como um bem que especificamente pertena ao povo deste reino, sem nenhuma espcie de meno a qualquer outro direito mais geral ou mais antigo (...) Est poltica parece ser o resultado de uma profunda reflexo, ou melhor, o efeito feliz de uma conduta que imitou a natureza, e que, assim, adquiriu uma sabedoria que a reflexo sozinha no ensina, pois est acima de seu alcance. (BURKE, 1997, p.69)

    Sua critica Revoluo Francesa est embasada, principalmente, na crena de que no

    havia vcios irrecuperveis na Frana. O ataque ao esplio dos bens da igreja, a perseguio

    aos nobres trata-se, acima de tudo, de uma afronta ao direito de propriedade. Burke

  • interpretava o motivo do ataque aos bens da igreja como uma conseqncia do dficit no

    oramento francs. Neste sentido, a dvida provocou o confisco e transformou a terra em um

    bem entregue ao mercado. Segundo Burke, esta revoluo (a francesa) no possui semelhana

    alguma com a Revoluo Inglesa de 1688, pois est baseada em princpios desprendidos de

    toda histria e realidade emprica. a revoluo de uma classe que almeja o poder poltico e

    que, com o confisco, se apoderaram de grande parcela da propriedade fundiria (BURKE,

    1997, p.205).

    Burke acreditava que todas as mudanas devem ser realizadas observando o passado.

    Como assegurar uma educao que no seja um repasse de tudo aquilo que uma sociedade

    herdou? Que princpios seriam assegurados? Quanto primeira questo, a resposta do autor

    indicativa de uma impossibilidade, visto que as geraes vindouras assimilam e aprendem o

    que foi legado das anteriores; no que se refere segunda questo, princpio algum pode ser

    assegurado, seno base de sua transmisso. Criar ideais abstratos a partir do nada e faz-los

    vigorar s pode acarretar a destruio da autoridade e fazer surgir um individualismo sem

    precedentes. E a primeira de toda cincia da jurisprudncia, o orgulho do intelecto humano que, com todos os seus defeitos, redundncias e erros, a razo acumulada dos sculos, combinando os princpios da justia original com infinita variedade de interesses humanos, como um monte de velhos erros explodidos, no seria mais estudada. A suficincia e a arrogncia (atributos assegurados a todos que jamais conheceram sabedoria superior a sua) usurpariam os tribunais. Naturalmente, no haveria mais certas leis, estabelecidas segundo invariveis fundamentos de esperana e de temor, para conservar uma direo segura s aes humanas, ou para dirigi-las a certos objetivos. Nada de estvel em matria de conservar a propriedade ou exercer uma funo poderia constituir terreno slido sobre o qual os pais pudessem contar para educar seus filhos ou para escolher para eles uma posio no mundo. No seria mais possvel fazer entrar os princpios nos hbitos. Assim que o mais capaz dos preceptores tivesse terminado a obra laboriosa de uma educao, em vez de pr no mundo um aluno que formou-se segundo uma disciplina virtuosa, calcada em conseguir ateno e respeito no seu lugar na sociedade, ele perceberia que tudo foi alterado, e ele deixou ao desprezo e ao escrnio do mundo uma pobre criatura ignorante dos verdadeiros fundamentos da opinio pblica. (BURKE, 1997, p.115-116)

    A educao um legado que deve preservar os valores que so a herana da

    sociedade. Neste ponto, a religio possui um papel preponderante. Burke afirma que toda

    educao realizada na Inglaterra do seu tempo estava sob o controle dos eclesisticos: Acreditamos to firmemente na certeza dos mtodos eclesisticos de educao que poucas mudanas foram introduzidas depois dos sculos XIV ou XV, bem de acordo com a nossa velha mxima de nunca destruir totalmente, ou de uma vez s, aquilo que antigo. Chegamos concluso de que esses mtodos de educao so favorveis moralidade e disciplina e estamos certos de que podemos aperfeio-los sem destru-los. Acreditamos que esses mtodos so capazes de guardar, aperfeioar e sobretudo de conservar o patrimnio da cincia e da literatura, como

  • tendo evoludo segundo ditames da vontade divina. E antes de tudo, em decorrncia dessa educao gtica e monstica (ela realmente o em seus fundamentos), podemos fazer valer os nossos direitos, muito mais do que qualquer outra nao europia, a uma parte considervel dos progressos da cincia, da arte e da literatura iluminou e ornamentou o mundo moderno. Acreditamos que uma das causas principais desse progresso tenha sido o fato de que nunca menosprezamos o patrimnio de conhecimentos que a ns foi legado por nossos antepassados. (BURKE, 1997, p.119)

    Seguindo o mesmo raciocnio, para Burke, o preconceito algo necessrio

    sociedade. E quanto a isso, afirma: Graas ao preconceito a virtude se torna hbito e no

    uma srie de atos desconexos e o dever, uma parte da nossa natureza (BURKE, 1997,

    p.108). Preconceitos so ideias herdadas por uma sociedade, que carregam consigo

    ensinamentos que perpassam os sculos.

    Edmund Burke no um escritor que trabalha de forma rigorosa com os conceitos que

    utiliza; sua inteno no terica. um poltico e escreve de forma retrica. Seu grande

    temor era o de que a sociedade fosse alicerada em conceitos metafsicos, e que fosse possvel

    a qualquer mente fugaz modific-la. A escola no deve, neste sentido, permitir que o povo

    crie suas parcelas de razo na sociedade. Essas representam a arrogncia e a abstrao que

    possuem como resultado o individualismo. Segundo Burke, possvel modificar os defeitos

    de uma sociedade, com cautela e respeito. A escola deve, sim, preparar o estudante para a

    sociedade de forma tal que ele no queira modific-la em seus pontos vitais: o direito

    propriedade, a obedincia igreja, a manuteno da monarquia, e a preservao da ideia de

    uma sociedade dividida em classes. Esses so os legados que devem ser preservados no s

    pela escola, mas por toda a sociedade.

    C. B. Macpherson e o problema Burke

    Em sua obra de 1980, Macpherson expe como problema central em Burke, a

    confuso aparentemente existente em sua posio. A dvida : E. Burke um liberal ou um

    conservador? Em suma, o autor canadense defender que na obra de 1790 Burke defendeu as

    duas posies. De certa forma, pensamos que Macpherson concordaria com a afirmao de

    Irving Kristol de que um conservador no passa de um liberal assaltado pela

    realidade.(Apud MERQUIOR, 1987, p.33)

    Burke era considerado por seus contemporneos um liberal, isto antes de escrever

    Reflexes sobre Revoluo em Frana. lcito afirmar, segundo o estudo de Macpherson, que

    Burke foi

  • (...) vigoroso enemigo del partido de la Corte, del gobierno autocrtico y del tipo de imperialismo britnico por entonces prevaleciente en Amrica, Irlanda y La India; amigo de los intereses comerciales, crtico informado de las polticas econmicas y abogado de uma economa de mercado autorregulada; amigo de la tolerancia religiosa; y, por supuesto, defensor de la Revolucon Whig. Era un digno sucesor de John Locke, el padre fundador de la teora whig, cuya obra ahora estaba anticuada em un siglo. (MACPHERSON, 1984, p.16)

    Esta posio apresentada vai, aparentemente, ao encontro da exposio feita sobre

    Burke na primeira parte do presente texto. Burke Fue aceptado y considerado com un buen

    conservador por Goldsmith, Reynolds, Garrick, Johnson y Sheridan, y cinco aos ms tarde

    fue scio fundador de el Club, que agrupaba a stos y a otras notabilidades, como Adam

    Smith. (MACPHERSON, 1984, p.26). Seria o caso de Burke ter mudado sua posio ao longo do

    tempo? Mas, ento, como Macpherson pode afirmar que o autor irlands defendeu as duas

    posies na sua obra mais aclamada?

    Para resolver este problema, Macpherson afirma que a ordem tradicionalista defendida

    por E. Burke j era uma ordem capitalista. (...) Burke era al mismo tiempo un defensor de un ordem social y poltico jerrquico tradicional y un creyente en la necesidad y equidad de un orden econmico capitalista puro. Poda adoptar coherentemente ambas posiciones em la necesidad y equidad de un orden social tradicional y haba modificado el contenido pero no la forma de este orden. (...) Pero lo que no es dudoso es su firme conviccin de que el orden capitalista slo puede ser mantenido si la clase obrera sigue aceptando su posicin subordinada tradicional. (MACPHERSON, 1984, p.105-106)

    Em verdade, Macpherson defende que existem pontos em comum entre as teorias

    liberais e conservadoras, a saber: o imprio das leis, o governo constitucional contra o

    governo arbitrrio, o respeito a propriedade; assim como a ideia de uma aristocracia natural

    que interpretasse e fizesse valer a vontade do povo. (...) aunque tal vez no estn dispuestos a reconocerlo, no est denasiado lejos de la idea de meritocracia a la que todos ellos se adhieren em cierta medida. La dificultad real parece residir en la Idea de Burke de la justicia distributiva: la distribucin justa del producto nacional es la que el mercado libre asigna a los que entran em el mercado desde posiciones de dominacin y subordinacin de clases. Este concepto de justicia no puede ser aceptado o reconocido por conservadores o liberais... (MACPHERSON, 1984, p.106)

    Segundo Burke, era evidente que o rico vivia do trabalho do pobre, mas a

    redistribuio da riqueza forneceria uma parte insignificante a cada pobre e assolaria as fontes

    de riqueza. Por tais razes, no seria lcita uma redistribuio. Na viso de E. Burke, o

    trabalho uma mercadoria como outra qualquer que deve ser regida pelas leis do mercado. Se

    os pobres so numerosos, certamente seu trabalho, valer pouco. Resta a este ponto de vista a

  • lei da oferta e da procura que so reguladas por leis naturais nas quais o Estado no pode

    intervir. Eram las reglas del comercio las que constituam los principios de la justicia.

    inevitvel concordar com Macpherson, quando afirma que o grande mrito de Burke

    foi ter acrescentado economia de mercado capitalista preceitos do direito natural cristo. (...) Burke necesitaba el derecho natural y el divino porque no slo tena que demostrar que el orden capitalista era justo, sino tambin que era naturalmente aceptable para la clase obrera. Toda la estructura de la sociedad, insistia Burke, depende de la sumisin de esa clase (...) Burke fue ms astuto que la mayora de sus contemporneos al darse cuenta de que la resurreccin del derecho natural cristiano era justamente lo que se necesitaba. (MACPHERSON, 1984, p.94)

    extremamente interessante mostrar que as ideias econmicas de Burke possuem

    semelhanas com posies aparentemente contraditrias: No liberalismo que decorre do Direito natural (...), chega-se liberdade econmica atravs de um raciocnio dedutivo. Segundo essa doutrina, o homem tem um direito natural sobre os objetos que produziu com seu trabalho; tem, portanto, o direito de consumi-los. J que tem o direito de consumi-los, segue-se que tem o direito de d-los de presente; j que tem o direito de d-los de presente, decorre que dois homens tm o direito de trocar objetos que eles produziram (cada um d de presente ao outro o objeto sobre o qual tem direito de propriedade); segue-se tambm que eles tm o direito de trocar objetos que no produziram, mas foram adquiridos atravs de trocas legtimas. Assim, de deduo em deduo, o Direito natural chega liberdade econmica total como direito natural inviolvel. (VERGARA, 1995, p.41)

    Na teoria de Burke, o Estado no pode intervir, de forma alguma, nos salrios dos

    trabalhadores, como frisamos anteriormente. Alm da comparao com os economistas do

    direito natural, Macpherson coteja a teoria de E. Burke com a de John Rawls (1921-2002): Rawls acepta la distribuio del Estado Benefactor hasta cierto lmite, pero este lmite descansa precisamente em el mismo principio que el lmite cerco do de Burke. Rawls sostiene que la interferencia del Estado em el mercado, que se pretende realizar em interes de los pobres, debe detenerse antes del punto em el cual hace empeorar la situacin de todos, incluidos los pobres; y que se llega a este punto cuando el grado de interferencia desalienta a los empresarios de seguir su labor de maximizar la produccin eficiente. La nica diferencia es que Burke arga que toda interferencia tendra este efecto, miendras que los liberales del siglo XX han aprendido por experiencia que la empresa capitalista es an muy activa cuando tiene que hacer frente a la actual elevada interferencia del Estado. La diferencia no ES de principio, sino de juicio emprico. (MACPHERSON, 1984, p.107)

    O fato de que as palavras liberalismo e conservadorismo servem hoje para cobrir

    diferentes comportamentos e pensamentos polticos, o que indica maleabilidade dos termos e

    produtividade dos conceitos, que nos permite, por exemplo, no julgar anmala a posio

    macphersoniana com relao s de Burke e Rawls. Burke, em sua poca, no possua as

    condies materiais que temos hoje para pensar a realidade econmica. Talvez por isso no

  • estivesse to preocupado em teorizar sobre a justia (econmica). Aos olhos dos liberais da

    poca, foi eleito e essa denominao mantm-se ainda hoje , o pai do conservadorismo. A

    nfase no tradicionalismo ratifica e legitima esta designao. Rawls, por seu turno, pensa e

    teoriza sobre a justia, inclusive econmica, assaltado que pelas emergentes e urgentes

    condies da realidade material. Entretanto, aos olhos de testemunhos hegemnicos liberais e

    contemporneos, aclamado um liberal, qui de esquerda, se considerados aspectos

    positivos libertrios de sua obra Um teoria da justia (1971). Entretanto, ante a perspectiva de

    avaliao de setores de filo socialista e de esquerda, Rawls um conservador. Macpherson

    estaria entre os autores que assim avaliam a teoria rawlsiana, dada sua filiao inicial

    incontestvel a uma filosofia marxiana.

    guisa de concluso...

    O fato de Macpherson ter afirmado que, hodiernamente, existe um problema Burke

    suscita reflexes que, de certo modo, tm sido, pelo menos em termos de teorias polticas

    mais atuais, relegadas ou preteridas. Esta minorizao com relaes s anlises sobre o

    conservadorismo, entre outros motivos, ocorre devido, certamente, em primeiro lugar, a uma

    sensao geral de que o liberalismo triunfa como escola ou filosofia poltica e deixa de lado

    sua posio de defensiva que desempenhava outrora, antes da chamada derrocada do

    socialismo; em segundo lugar, devido ao prprio desempenho do conceito, que no atingiu o

    status rendoso (sic) e frtil das teorizaes sobre o liberalismo. Esta opulncia se torna

    inegvel, tendo em vista que o new look do liberalismo nos permite falar de liberalismos, de

    filosofias liberais e no de um nico modelo liberal.

    Edmund Burke e Crawford Brough Macpherson, por serem figuras da teoria

    filosfico-poltica clssica e moderna encontram-se, acompanhados de suas tematizaes,

    inseridos no que poderamos denominar uma certa confuso terica, no que diz respeito aos

    conceitos liberalismo e conservadorismo. Edmund Burke, como um bom conservador que ,

    encontra-se, como afirma Irving Kristol, assaltado pela realidade, no caso os acontecimentos

    da Revoluo Francesa. Por sua vez, Macpherson levanta, em seu texto sobre Burke, suspeitas

    de que o conservadorismo sobrevive, inclusive atravs de vrias publicaes sobre a temtica.

    Esta afirmao, por si s, obviamente, no sustentaria a tese de que a teoria macphersoniana

    padece, tambm, do que poderamos denominar resqucios de um conservadorismo.

    Afirmamos isto ante a sua resoluta determinao de se dizer um liberal, porque credita no

  • princpio maior do liberalismo, a garantia das liberdades individuais a expectativa de que

    acontea nas sociedades liberais a justia. Tambm sua ingnua confiana de que podemos

    avanar, inclusive, em direo a uma justia econmica, caso o liberalismo ou a democracia

    liberal transborde do que denomina invlucro capitalista. Quando afirma, ento, uma certa

    confiana nas regras do mercado que, por si s, acomodariam um certo grau de liberdade

    para todos, Macpherson parece estar preso tradio filosfica do liberalismo que defende o

    livre desenvolvimento das potencialidades/liberdades individuais (a qual Rawls pertence).

    Em termos de uma filosofia da educao, os dois autores parecem oferecer pistas

    tericas para pensarmos os processos pedaggicos em nosso contexto. Tanto a posio de

    Burke enfatizada explicitamente no aspecto da manuteno da tradio e na defesa da

    conservao de um certo status quo, quanto a posio macphersoniana de pretender garantir

    aquilo que se tem (as liberdades individuais), em detrimento de uma posio mais avanada,

    por exemplo, em nvel de pensar uma proposta mais coletivista, nos permitem olhar para a

    condio da educao hodierna que pensa a si prpria e a cultura como aspectos transmitidos

    desde um contexto. Obviamente, olhando para nossas realidades educacionais, ainda podemos

    afirmar que a educao tanto um fenmeno inovador, quanto um acontecimento

    conservador. O que no nos impede de arriscar e dizer que h, tambm, na educao, um

    problema Burke.

  • Referncias bibliogrficas

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