Neiva Afonso Oliveira e Sidnei Almeida Pestano (UFPel) - Edmund Burke, Macpherson e o...
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Edmund Burke, Macpherson e o conservadorismo:
buscando algumas pistas para pensar a educao.
Neiva Afonso Oliveira (Universidade Federal de Pelotas UFPel)
Sdnei Almeida Pestano (Universidade Federal de Pelotas UFPel)
Apoio financeiro: CNPq (Bolsa de Iniciao Cientfica), FAPERGS (Auxlio financeiro)
Resumo: O presente texto traz, inicialmente, uma breve discusso sobre os conceitos liberalismo e conservadorismo. Em segundo lugar, apresenta a teoria de Edmund Burke, um terico conservador crtico dos acontecimentos da Revoluo Francesa. Uma retomada, na contemporaneidade, do pensamento de Burke trazida pelo enfoque da teoria do socilogo canadense Crawford Brough Macpherson, que afirma haver uma questo Burke, o que significa dizer que o conservadorismo ainda encontra-se presente como condio que perpassa o liberalismo moderno. Tanto a posio de Burke enfatizada explicitamente no aspecto da manuteno da tradio e na defesa da conservao de um certo status quo, quanto a posio macphersoniana de pretender garantir aquilo que se tem (as liberdades individuais), em detrimento de uma posio mais avanada, por exemplo, em nvel de pensar uma proposta mais coletivista, nos permitem olhar para a condio da educao hodierna que pensa a si prpria e a cultura como aspectos transmitidos desde um contexto. Palavras-chave: Liberalismo Conservadorismo Burke Macpherson
Instalando o debate: demarcao de possveis fronteiras entre conservadorismo,
liberalismo e educao
Este texto traz informaes que fazem parte de pesquisa intitulada A filosofia Social de
C. B. Macpherson1 e os Movimentos Sociais no Liberalismo Contemporneo. A investigao
aqui apresentada, de cunho essencialmente bibliogrfico, surgiu da seguinte afirmao de
Macpherson, em sua obra dedicada ao membro do parlamento ingls: That there is a Burke
problem is a testimony to the continuing interest there has been in work in the two centuries
since it was done. (p.1) O que pretendemos apresentar a posio de Edmund Burke (1729-
1797) no que tange Revoluo Francesa em sua obra intitulada: Reflexes sobre a
Revoluo em Frana (1790). Enquanto comentador de Burke, Macpherson , tambm,
1 C. B. Macpherson, autor Canadense, nascido em 1911. Dentre os conceitos trabalhados em sua teoria poltica, encontra-se a idia de individualismo possessivo, uma espcie de assinatura terica por ele utilizada para definir a sociedade liberal moderna, formada por homens apropriadores ao infinito. Democracia Liberal (1977), A teoria poltica do individualismo possessivo (1979) e Ascenso e Queda da Justia Econmica (1991) so livros de sua autoria que esto traduzidos para o portugus.
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trazido para o contexto do escrito, uma vez que, em sua obra Burke (1980) nos fornece
pistas para reflexes e tematizaes sobre o conservadorismo e o liberalismo. A educao o
tema que tangencia nossa argumentao e nossa hiptese est construda a partir da afirmao
feita por Macpherson de que E. Burke , ao mesmo tempo, conservador e liberal.. O ponto de
vista do autor canadense encontra respaldo tanto na hesitao terica que temos ao buscar
definies para os dois conceitos, quanto na explicao do tipo de personalidade de Edmund
Burke.
Com relao hesitao terica quando mencionamos os conceitos conservador e
liberal, podemos afirmar que se justifica. Em teoria poltica, alguns conceitos so
movedios ou de difcil explicitao. Liberalismo e conservadorismo, certamente,
encontram-se listados entre aqueles conceitos que exibem essa caracterstica de no se deixar
revelar conceitualmente de modo fcil. Tambm, por serem fenmenos histricos com
diferentes nuances, dificilmente podem ser definidos Trata-se de conceitos cujas explicaes
e/ou definies deveriam, preferivelmente, acontecer pela via da descrio uma vez que a
exposio minuciosa por meio da descrio possibilita que visualizemos os conceitos em suas
prprias movimentaes e produtividade. Nomear ou descrever, portanto, so modos
convenientes para expressar a relao que se efetiva entre nomes e aquilo que nomeado, ou
entre uma descrio e o que descrito. Afirmamos isso na esteira do que nos lembra
Merquior (1991) com relao ao prprio liberalismo: muito mais fcil e mais sensato
descrever o liberalismo do que tentar defini-lo de maneira curta. (p.15)
Em termos de uma localizao temporal dos dois conceitos, mais acertado afirmar
que o conservadorismo muito mais antigo do que o liberalismo. Dewey (1935), em seu
escrito Liberalism and Social Action, afirma que o uso das palavras liberal e liberalismo
indicado para significar uma particular filosofia social apareceu somente na primeira dcada
do sculo XIX. Porm, a realidade a que as palavras se referem bem mais velha, podendo-se
chegar ao pensamento grego, com os poetas lricos, os cticos e os sofistas. Seu estudo,
contudo, afirma o autor, consolida-se a partir do Iluminismo europeu. Nesta direo, correto
afirmar que uma gama de significados circunda o termo liberal: indo, por exemplo, desde
uma vaga ndole mental, por vezes denominada para frente, at um definido credo com
propsitos e mtodos de ao social. O primeiro significado caracteriza-se por ser vago em
demasia, e a segunda acepo do termo especfica e fixa, o que limita, caso aceitemos esta
condio, nossas chances de elencar a gama de feies que o termo liberal foi assumindo ao
longo de sua trajetria. O conservadorismo, ao enfatizar a tradio, entendida como um
conjunto de valores que perpassam a histria e foram elaborados pela razo social, nos d
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mostras de seu perfil. O conservadorismo est estritamente vinculado f, porm nem sempre
a uma f divina, podendo, algumas vezes, estar ligado crena em verdades ... transmitidas
pelo patrimnio humano (...) [em que] a razo individual est sujeita tradio, isto ,
razo social que nos liga a essa revelao primordial. (NASCIMENTO, 2004, p.07). No
que se refere a Macpherson, as definies apresentadas so suficientes para dar conta de uma
igual indeciso presente em seu escrito. O conservadorismo que a ele atribumos do tipo
liberalismo conservador termos confusos e que confundem, mas que podem bem expressar a
posio do professor canadense , uma vez que em seu livro de 1978, A democracia liberal:
origens e evoluo, declara-se liberal e chega muito prximo de alguns ideais defendidos por
Edmund Burke. Um exemplo dessa ocorrncia verificamos no fato de Macpherson declarar-se
partidrio da idia de que os princpios precisam adaptar-se s circunstncias.
Edmund Burke: Com a Revoluo, inicia o conservadorismo
Edmund Burke nasceu em Dublin em 1729. Filho de pai protestante e me catlica, foi
educado sob o modelo clssico de educao de sua poca. Escreveu, ainda na Irlanda, contra a
aristocracia irlandesa que imputava aos camponeses a misria. J na Inglaterra, aps ter sido
membro do parlamento, exps em seu livro mais conhecido, a teoria que se tornaria o alicerce
do conservadorismo moderno. Tendo sido sua obra cunhada em um grandioso perodo da
histria da civilizao ocidental, importante perceber seu impacto e o contraponto ao
contexto em que estava inserida, a saber: Montesquieu escreveu O esprito das leis em 1748;
em 1757, Rousseau compe Do Contrato Social e Emlio ou Da Educao, ambos os escritos
condenados em 1762; Voltaire entrega ao mundo iluminista seu Dictionnaire philosophique,
em 1764; A riqueza das naes de Adam Smith publicada em 1776; Jeremy Bentham,
atravs de Uma Introduo aos Princpios da Moral e da Legislao, obra de 1780, aponta
critrios tericos e prticos para o desempenho do homem como ser moral e social.
Acontecimentos como a Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, e a instalao da
Assemblia Nacional Constituinte Francesa fazem parte do cenrio onde so construdos a
argumentao terica e os preceitos prticos de E. Burke. Nesse perodo de grande fomento
intelectual, que a obra analisada neste trabalho foi escrita, ou seja, em 1790.
Em Reflections on the Revolution in France, o autor, alm de expressar seu
antagonismo com os princpios da Revoluo Francesa, d a conhecer as principais ideias de
uma filosofia do conservadorismo. possvel ser contra os ideais de liberdade, igualdade e
fraternidade? Tais conceitos constituem o verniz que fornece o intenso brilho da Revoluo
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Francesa. Contemporneo Revoluo, Edmund Burke, o primeiro contra-revolucionrio,
pensava que: Seguindo estas falsas luzes, a Frana pagou com evidentes calamidades e
muito mais caro que qualquer outra nao tenha pago indiscutveis bens. A Frana comprou
misria com crime! A Frana no sacrificou sua virtude pelo seu interesse, ela abandonou
seu interesse para prostituir sua virtude! (BURKE, 1997, p.73). Favorvel Monarquia,
Igreja, Nobreza e Propriedade, Burke escreveu contra os princpios revolucionrios,
rechaando a idia de que tais princpios abstratos (BURKE, 1997, P.68) possussem
precedentes ou fossem repetidos na Inglaterra. Creio no termos perdido a generosidade e a dignidade do modo de pensar do sculo XIV, e, at o presente, ainda no nos transformamos em selvagens. No fomos convertidos por Rousseau; no somos discpulos de Voltaire; (...) e julgamos que no h descobertas a serem feitas no campo da moral, nem to pouco no campo dos grandes princpios de governo e das idias de liberdade... (BURKE, 1997, p.107)
A crena, que tem Macpherson, de que as idias de Edmund Burke continuam a existir
est calcada no movimento conservador moderno e fornece subsdios para uma viso distinta
do movimento liberal: A totalidade do poder obtido por essa revoluo ficar nas cidades
com os burgueses e com os donos do capital que os lideram. (BURKE, 1997, p.32)
A democracia, o estado laico e a liberdade iluminista eram entendidos por Burke como
princpios de uma revoluo metafsica. Todo povo, de qualquer nao, recebe uma herana,
um legado a ser preservado, que so leis e princpios institudos por muitos de seus
predecessores. A pergunta que inquieta o terico anglo-irlands sobre a possibilidade de no
se levar em considerao aquilo que foi arquitetado, pensado, construdo pela experincia de
sculos. Por isso, Burke contra qualquer tipo de revoluo ou progressismo que pretenda
destruir completamente a organizao social vigente e intencione o recomeo de uma
sociedade nova ou moderna. O senhor poder notar que da Carta Magna Declarao de Direitos a poltica de nossa constituio foi sempre a de reclamar e reivindicar nossas liberdades como uma herana, um legado que ns recebemos de nossos antepassados e que devemos transmitir a nossa posteridade; como um bem que especificamente pertena ao povo deste reino, sem nenhuma espcie de meno a qualquer outro direito mais geral ou mais antigo (...) Est poltica parece ser o resultado de uma profunda reflexo, ou melhor, o efeito feliz de uma conduta que imitou a natureza, e que, assim, adquiriu uma sabedoria que a reflexo sozinha no ensina, pois est acima de seu alcance. (BURKE, 1997, p.69)
Sua critica Revoluo Francesa est embasada, principalmente, na crena de que no
havia vcios irrecuperveis na Frana. O ataque ao esplio dos bens da igreja, a perseguio
aos nobres trata-se, acima de tudo, de uma afronta ao direito de propriedade. Burke
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interpretava o motivo do ataque aos bens da igreja como uma conseqncia do dficit no
oramento francs. Neste sentido, a dvida provocou o confisco e transformou a terra em um
bem entregue ao mercado. Segundo Burke, esta revoluo (a francesa) no possui semelhana
alguma com a Revoluo Inglesa de 1688, pois est baseada em princpios desprendidos de
toda histria e realidade emprica. a revoluo de uma classe que almeja o poder poltico e
que, com o confisco, se apoderaram de grande parcela da propriedade fundiria (BURKE,
1997, p.205).
Burke acreditava que todas as mudanas devem ser realizadas observando o passado.
Como assegurar uma educao que no seja um repasse de tudo aquilo que uma sociedade
herdou? Que princpios seriam assegurados? Quanto primeira questo, a resposta do autor
indicativa de uma impossibilidade, visto que as geraes vindouras assimilam e aprendem o
que foi legado das anteriores; no que se refere segunda questo, princpio algum pode ser
assegurado, seno base de sua transmisso. Criar ideais abstratos a partir do nada e faz-los
vigorar s pode acarretar a destruio da autoridade e fazer surgir um individualismo sem
precedentes. E a primeira de toda cincia da jurisprudncia, o orgulho do intelecto humano que, com todos os seus defeitos, redundncias e erros, a razo acumulada dos sculos, combinando os princpios da justia original com infinita variedade de interesses humanos, como um monte de velhos erros explodidos, no seria mais estudada. A suficincia e a arrogncia (atributos assegurados a todos que jamais conheceram sabedoria superior a sua) usurpariam os tribunais. Naturalmente, no haveria mais certas leis, estabelecidas segundo invariveis fundamentos de esperana e de temor, para conservar uma direo segura s aes humanas, ou para dirigi-las a certos objetivos. Nada de estvel em matria de conservar a propriedade ou exercer uma funo poderia constituir terreno slido sobre o qual os pais pudessem contar para educar seus filhos ou para escolher para eles uma posio no mundo. No seria mais possvel fazer entrar os princpios nos hbitos. Assim que o mais capaz dos preceptores tivesse terminado a obra laboriosa de uma educao, em vez de pr no mundo um aluno que formou-se segundo uma disciplina virtuosa, calcada em conseguir ateno e respeito no seu lugar na sociedade, ele perceberia que tudo foi alterado, e ele deixou ao desprezo e ao escrnio do mundo uma pobre criatura ignorante dos verdadeiros fundamentos da opinio pblica. (BURKE, 1997, p.115-116)
A educao um legado que deve preservar os valores que so a herana da
sociedade. Neste ponto, a religio possui um papel preponderante. Burke afirma que toda
educao realizada na Inglaterra do seu tempo estava sob o controle dos eclesisticos: Acreditamos to firmemente na certeza dos mtodos eclesisticos de educao que poucas mudanas foram introduzidas depois dos sculos XIV ou XV, bem de acordo com a nossa velha mxima de nunca destruir totalmente, ou de uma vez s, aquilo que antigo. Chegamos concluso de que esses mtodos de educao so favorveis moralidade e disciplina e estamos certos de que podemos aperfeio-los sem destru-los. Acreditamos que esses mtodos so capazes de guardar, aperfeioar e sobretudo de conservar o patrimnio da cincia e da literatura, como
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tendo evoludo segundo ditames da vontade divina. E antes de tudo, em decorrncia dessa educao gtica e monstica (ela realmente o em seus fundamentos), podemos fazer valer os nossos direitos, muito mais do que qualquer outra nao europia, a uma parte considervel dos progressos da cincia, da arte e da literatura iluminou e ornamentou o mundo moderno. Acreditamos que uma das causas principais desse progresso tenha sido o fato de que nunca menosprezamos o patrimnio de conhecimentos que a ns foi legado por nossos antepassados. (BURKE, 1997, p.119)
Seguindo o mesmo raciocnio, para Burke, o preconceito algo necessrio
sociedade. E quanto a isso, afirma: Graas ao preconceito a virtude se torna hbito e no
uma srie de atos desconexos e o dever, uma parte da nossa natureza (BURKE, 1997,
p.108). Preconceitos so ideias herdadas por uma sociedade, que carregam consigo
ensinamentos que perpassam os sculos.
Edmund Burke no um escritor que trabalha de forma rigorosa com os conceitos que
utiliza; sua inteno no terica. um poltico e escreve de forma retrica. Seu grande
temor era o de que a sociedade fosse alicerada em conceitos metafsicos, e que fosse possvel
a qualquer mente fugaz modific-la. A escola no deve, neste sentido, permitir que o povo
crie suas parcelas de razo na sociedade. Essas representam a arrogncia e a abstrao que
possuem como resultado o individualismo. Segundo Burke, possvel modificar os defeitos
de uma sociedade, com cautela e respeito. A escola deve, sim, preparar o estudante para a
sociedade de forma tal que ele no queira modific-la em seus pontos vitais: o direito
propriedade, a obedincia igreja, a manuteno da monarquia, e a preservao da ideia de
uma sociedade dividida em classes. Esses so os legados que devem ser preservados no s
pela escola, mas por toda a sociedade.
C. B. Macpherson e o problema Burke
Em sua obra de 1980, Macpherson expe como problema central em Burke, a
confuso aparentemente existente em sua posio. A dvida : E. Burke um liberal ou um
conservador? Em suma, o autor canadense defender que na obra de 1790 Burke defendeu as
duas posies. De certa forma, pensamos que Macpherson concordaria com a afirmao de
Irving Kristol de que um conservador no passa de um liberal assaltado pela
realidade.(Apud MERQUIOR, 1987, p.33)
Burke era considerado por seus contemporneos um liberal, isto antes de escrever
Reflexes sobre Revoluo em Frana. lcito afirmar, segundo o estudo de Macpherson, que
Burke foi
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(...) vigoroso enemigo del partido de la Corte, del gobierno autocrtico y del tipo de imperialismo britnico por entonces prevaleciente en Amrica, Irlanda y La India; amigo de los intereses comerciales, crtico informado de las polticas econmicas y abogado de uma economa de mercado autorregulada; amigo de la tolerancia religiosa; y, por supuesto, defensor de la Revolucon Whig. Era un digno sucesor de John Locke, el padre fundador de la teora whig, cuya obra ahora estaba anticuada em un siglo. (MACPHERSON, 1984, p.16)
Esta posio apresentada vai, aparentemente, ao encontro da exposio feita sobre
Burke na primeira parte do presente texto. Burke Fue aceptado y considerado com un buen
conservador por Goldsmith, Reynolds, Garrick, Johnson y Sheridan, y cinco aos ms tarde
fue scio fundador de el Club, que agrupaba a stos y a otras notabilidades, como Adam
Smith. (MACPHERSON, 1984, p.26). Seria o caso de Burke ter mudado sua posio ao longo do
tempo? Mas, ento, como Macpherson pode afirmar que o autor irlands defendeu as duas
posies na sua obra mais aclamada?
Para resolver este problema, Macpherson afirma que a ordem tradicionalista defendida
por E. Burke j era uma ordem capitalista. (...) Burke era al mismo tiempo un defensor de un ordem social y poltico jerrquico tradicional y un creyente en la necesidad y equidad de un orden econmico capitalista puro. Poda adoptar coherentemente ambas posiciones em la necesidad y equidad de un orden social tradicional y haba modificado el contenido pero no la forma de este orden. (...) Pero lo que no es dudoso es su firme conviccin de que el orden capitalista slo puede ser mantenido si la clase obrera sigue aceptando su posicin subordinada tradicional. (MACPHERSON, 1984, p.105-106)
Em verdade, Macpherson defende que existem pontos em comum entre as teorias
liberais e conservadoras, a saber: o imprio das leis, o governo constitucional contra o
governo arbitrrio, o respeito a propriedade; assim como a ideia de uma aristocracia natural
que interpretasse e fizesse valer a vontade do povo. (...) aunque tal vez no estn dispuestos a reconocerlo, no est denasiado lejos de la idea de meritocracia a la que todos ellos se adhieren em cierta medida. La dificultad real parece residir en la Idea de Burke de la justicia distributiva: la distribucin justa del producto nacional es la que el mercado libre asigna a los que entran em el mercado desde posiciones de dominacin y subordinacin de clases. Este concepto de justicia no puede ser aceptado o reconocido por conservadores o liberais... (MACPHERSON, 1984, p.106)
Segundo Burke, era evidente que o rico vivia do trabalho do pobre, mas a
redistribuio da riqueza forneceria uma parte insignificante a cada pobre e assolaria as fontes
de riqueza. Por tais razes, no seria lcita uma redistribuio. Na viso de E. Burke, o
trabalho uma mercadoria como outra qualquer que deve ser regida pelas leis do mercado. Se
os pobres so numerosos, certamente seu trabalho, valer pouco. Resta a este ponto de vista a
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lei da oferta e da procura que so reguladas por leis naturais nas quais o Estado no pode
intervir. Eram las reglas del comercio las que constituam los principios de la justicia.
inevitvel concordar com Macpherson, quando afirma que o grande mrito de Burke
foi ter acrescentado economia de mercado capitalista preceitos do direito natural cristo. (...) Burke necesitaba el derecho natural y el divino porque no slo tena que demostrar que el orden capitalista era justo, sino tambin que era naturalmente aceptable para la clase obrera. Toda la estructura de la sociedad, insistia Burke, depende de la sumisin de esa clase (...) Burke fue ms astuto que la mayora de sus contemporneos al darse cuenta de que la resurreccin del derecho natural cristiano era justamente lo que se necesitaba. (MACPHERSON, 1984, p.94)
extremamente interessante mostrar que as ideias econmicas de Burke possuem
semelhanas com posies aparentemente contraditrias: No liberalismo que decorre do Direito natural (...), chega-se liberdade econmica atravs de um raciocnio dedutivo. Segundo essa doutrina, o homem tem um direito natural sobre os objetos que produziu com seu trabalho; tem, portanto, o direito de consumi-los. J que tem o direito de consumi-los, segue-se que tem o direito de d-los de presente; j que tem o direito de d-los de presente, decorre que dois homens tm o direito de trocar objetos que eles produziram (cada um d de presente ao outro o objeto sobre o qual tem direito de propriedade); segue-se tambm que eles tm o direito de trocar objetos que no produziram, mas foram adquiridos atravs de trocas legtimas. Assim, de deduo em deduo, o Direito natural chega liberdade econmica total como direito natural inviolvel. (VERGARA, 1995, p.41)
Na teoria de Burke, o Estado no pode intervir, de forma alguma, nos salrios dos
trabalhadores, como frisamos anteriormente. Alm da comparao com os economistas do
direito natural, Macpherson coteja a teoria de E. Burke com a de John Rawls (1921-2002): Rawls acepta la distribuio del Estado Benefactor hasta cierto lmite, pero este lmite descansa precisamente em el mismo principio que el lmite cerco do de Burke. Rawls sostiene que la interferencia del Estado em el mercado, que se pretende realizar em interes de los pobres, debe detenerse antes del punto em el cual hace empeorar la situacin de todos, incluidos los pobres; y que se llega a este punto cuando el grado de interferencia desalienta a los empresarios de seguir su labor de maximizar la produccin eficiente. La nica diferencia es que Burke arga que toda interferencia tendra este efecto, miendras que los liberales del siglo XX han aprendido por experiencia que la empresa capitalista es an muy activa cuando tiene que hacer frente a la actual elevada interferencia del Estado. La diferencia no ES de principio, sino de juicio emprico. (MACPHERSON, 1984, p.107)
O fato de que as palavras liberalismo e conservadorismo servem hoje para cobrir
diferentes comportamentos e pensamentos polticos, o que indica maleabilidade dos termos e
produtividade dos conceitos, que nos permite, por exemplo, no julgar anmala a posio
macphersoniana com relao s de Burke e Rawls. Burke, em sua poca, no possua as
condies materiais que temos hoje para pensar a realidade econmica. Talvez por isso no
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estivesse to preocupado em teorizar sobre a justia (econmica). Aos olhos dos liberais da
poca, foi eleito e essa denominao mantm-se ainda hoje , o pai do conservadorismo. A
nfase no tradicionalismo ratifica e legitima esta designao. Rawls, por seu turno, pensa e
teoriza sobre a justia, inclusive econmica, assaltado que pelas emergentes e urgentes
condies da realidade material. Entretanto, aos olhos de testemunhos hegemnicos liberais e
contemporneos, aclamado um liberal, qui de esquerda, se considerados aspectos
positivos libertrios de sua obra Um teoria da justia (1971). Entretanto, ante a perspectiva de
avaliao de setores de filo socialista e de esquerda, Rawls um conservador. Macpherson
estaria entre os autores que assim avaliam a teoria rawlsiana, dada sua filiao inicial
incontestvel a uma filosofia marxiana.
guisa de concluso...
O fato de Macpherson ter afirmado que, hodiernamente, existe um problema Burke
suscita reflexes que, de certo modo, tm sido, pelo menos em termos de teorias polticas
mais atuais, relegadas ou preteridas. Esta minorizao com relaes s anlises sobre o
conservadorismo, entre outros motivos, ocorre devido, certamente, em primeiro lugar, a uma
sensao geral de que o liberalismo triunfa como escola ou filosofia poltica e deixa de lado
sua posio de defensiva que desempenhava outrora, antes da chamada derrocada do
socialismo; em segundo lugar, devido ao prprio desempenho do conceito, que no atingiu o
status rendoso (sic) e frtil das teorizaes sobre o liberalismo. Esta opulncia se torna
inegvel, tendo em vista que o new look do liberalismo nos permite falar de liberalismos, de
filosofias liberais e no de um nico modelo liberal.
Edmund Burke e Crawford Brough Macpherson, por serem figuras da teoria
filosfico-poltica clssica e moderna encontram-se, acompanhados de suas tematizaes,
inseridos no que poderamos denominar uma certa confuso terica, no que diz respeito aos
conceitos liberalismo e conservadorismo. Edmund Burke, como um bom conservador que ,
encontra-se, como afirma Irving Kristol, assaltado pela realidade, no caso os acontecimentos
da Revoluo Francesa. Por sua vez, Macpherson levanta, em seu texto sobre Burke, suspeitas
de que o conservadorismo sobrevive, inclusive atravs de vrias publicaes sobre a temtica.
Esta afirmao, por si s, obviamente, no sustentaria a tese de que a teoria macphersoniana
padece, tambm, do que poderamos denominar resqucios de um conservadorismo.
Afirmamos isto ante a sua resoluta determinao de se dizer um liberal, porque credita no
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princpio maior do liberalismo, a garantia das liberdades individuais a expectativa de que
acontea nas sociedades liberais a justia. Tambm sua ingnua confiana de que podemos
avanar, inclusive, em direo a uma justia econmica, caso o liberalismo ou a democracia
liberal transborde do que denomina invlucro capitalista. Quando afirma, ento, uma certa
confiana nas regras do mercado que, por si s, acomodariam um certo grau de liberdade
para todos, Macpherson parece estar preso tradio filosfica do liberalismo que defende o
livre desenvolvimento das potencialidades/liberdades individuais (a qual Rawls pertence).
Em termos de uma filosofia da educao, os dois autores parecem oferecer pistas
tericas para pensarmos os processos pedaggicos em nosso contexto. Tanto a posio de
Burke enfatizada explicitamente no aspecto da manuteno da tradio e na defesa da
conservao de um certo status quo, quanto a posio macphersoniana de pretender garantir
aquilo que se tem (as liberdades individuais), em detrimento de uma posio mais avanada,
por exemplo, em nvel de pensar uma proposta mais coletivista, nos permitem olhar para a
condio da educao hodierna que pensa a si prpria e a cultura como aspectos transmitidos
desde um contexto. Obviamente, olhando para nossas realidades educacionais, ainda podemos
afirmar que a educao tanto um fenmeno inovador, quanto um acontecimento
conservador. O que no nos impede de arriscar e dizer que h, tambm, na educao, um
problema Burke.
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Referncias bibliogrficas
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MERQUIOR, Jos Guilherme. Renascena dos liberalismos: a paisagem terica. Lua Nov:
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VERGARA, Francisco. Introduo aos fundamentos filosficos do liberalismo. So Paulo:
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